Deuses e Diamantes escrita por André Tornado


Capítulo 22
Intervalo.


Notas iniciais do capítulo

"Sente a brisa no interior profundo,
Procuro por ti no fundo do poço.
Se conseguires, verás o mundo em todo o seu fogo.
Arrisca."
Duran Duran, Save A Prayer



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/347651/chapter/22

Sentado na cama, de pernas cruzadas, Goku olhava desconsolado para o diamante baço e sem vida que tinha sobre a palma aberta da mão.

- Vegeta tem razão. Isto é um ponto fraco… Valo atacou-me através do diamante e eu nada pude fazer. Foi como se me imobilizasse por dentro, roubando-me o ki.

- Já to tinha dito – confirmou Ozilia sentada e encostada à parede, de joelhos fletidos, a olhar para uma janela enorme recortada a toda a largura da parede, aberta de par em par e que mostrava um jardim exuberante. Escutava-se o piar de pássaros e o zunir de abelhas, apesar de qualquer um desses animais não serem visíveis.

Goku acrescentou irritado:

- Tenho de ir ter com Vegeta!

- Acalma-te, saiya-jin – pediu ela. – O príncipe não precisa da tua ajuda.

- Como é que sabes? – E Goku apertou o diamante, cada vez mais irritado. – Valo disse que eu o tinha abandonado. Não é verdade! Mas também não sei onde é que ele está a lutar com Argia. Está tão longe que mal lhe sinto o ki.

- E sentes que ele está em perigo?

- Não sei dizer! Kuso!!!

Ela encarou-o intrigada, inclinou a cabeça.

- Estás ferido. E, mesmo assim, queres enfrentar-te a Argia por causa do teu amigo.

- Hai.

- Não tens medo?

- Se tivesse medo, não estava aqui, a tentar ajudar-te a derrotar um inimigo invisível e que nem sei se existe.

- Oh… Lux existe, podes ter a certeza.

- E porque é que ainda não apareceu?

- Ele tem estado a observar… Diverte-se com a vossa… ingenuidade. Assim como eu.

Goku levantou-se, guardou o diamante no interior da túnica e encaminhou-se para a porta, a coxear. Ela levantou-se também e barrou-lhe os passos, perguntando:

- Onde pensas que vais?

- Vou procurar por Vegeta.

- Não o faças.

- Se ele morrer…

- Ele não vai morrer. Saiya-jin, escuta-me. Não desafies Lux, não para já. Deixa-o acreditar que lhe és leal, que segues tudo o que ele te ordena, cumpridor das regras do torneio e que agradá-lo é o que mais desejas, como garantia de regressares ao teu planeta sem qualquer dano. A não ser os danos colaterais inevitáveis, como perderem um ou outro lutador do grupo… Mas alguns sacrifícios são exigidos em troca do salvo-conduto para a Terra. Os tiranos são assim, adoram sentir-se poderosos, com um ascendente sobre quem dominam, senhores dos seus destinos.

- Nani?

- Ele julga-te inferior, faz com que ele continue a acreditar nisso. Se ele não perceber a tua verdadeira força antes de tempo, vais acabar por conseguir o que sempre quiseste desde que aqui chegaste: enfrentar e derrotar o grande tirano Lux.

- Perder Vegeta não é um simples dano colateral.

Ozilia respirou fundo, contemplando-o com os seus olhos dourados húmidos. E Goku deixou-se contemplar, atrapalhado, entreabrindo a boca. O seu diamante começou a aquecer. Ficaram enredados naquela teia de olhares fixos e foi como se estivessem a flutuar no espaço sideral, sem nada debaixo dos pés, o vazio despido acima da cabeça, a ilusão do Palácio do Tempo desfeita.

- Já te disse que o príncipe não precisa da tua ajuda – disse ela.

- Como é que sabes? – Insistiu com a língua presa. Sentia-se zonzo por causa daquilo que a deusa lhe fizera.

- Precisa da minha.

O diamante dele arrefeceu subitamente. Ozilia dirigiu-se à porta do quarto, segurou na maçaneta de bronze.

- Controla os teus companheiros. Ninguém deverá abandonar estes aposentos, ou vão atrair a atenção de Valo. Ele não vai sujar as mãos com vocês, mas tem os seus métodos, que, posso afirmar-te, são bastante eficazes e requintados. Contem com um oponente formidável, posso dizer-vos. Argia é o guerreiro, mas Valo é o pensador. E não controla apenas aqueles escravos miseráveis. Ele vai conseguir subjugar-vos e anular-vos.

Goku estava nervoso.

- Compreendido, saiya-jin?

Reticente, ele assentiu com a cabeça e respondeu:

- Hai.

- Tu estás ferido. Procura descansar. O teu grande combate neste mundo ainda não aconteceu.

- Será com Lux.

- Será o que o destino já decidiu.

- E tu já sabes o que foi que o destino decidiu?

- Tu sempre o soubeste. Não desistas agora… peço-te.

Era a primeira vez que ela implorava e Goku ficou impressionado com a fragilidade que demonstrou nesse momento, um desamparo monumental e incomensurável, uma criatura divina a desfazer-se numa banalidade que a mataria por asfixia. Mas recuperou depressa a postura e a expressão neutra do rosto. A porta foi aberta, rangendo nos batentes.

- Ozilia…

Ela não se voltou, mas parou, aguardando pelas palavras dele.

- Juro-te que vou vencer Lux.

- Eu sei.

E saiu, fechando a porta atrás dela.

Goku atirou-se para cima da cama, sentindo-se fundir com o diamante frio, arrefecendo e adormecendo num lodo gelado que o puxava para o interior de um monstro faminto. Mesmo com a janela aberta, a vomitar para aquele quarto a invenção de uma primavera terrestre, ele estava congelado como um inverno.

E outra coisa: não compreendia por que razão estivera sozinho com Ozilia ali.

Onde estavam os seus companheiros?

***

Ela passava demasiado tempo com ele, a deusa com o seu maior inimigo, pensou e ficou incomodado por contabilizar o tempo dessa forma. Os minutos em que ela não estava, os minutos que ela lhe dispensava, os minutos que ela dispensava a outros. Não sabia o que raios lhe estava a acontecer, mas se decidisse, por uma hipótese remota, revelar à irmã as suas dúvidas estúpidas, ela seria bem capaz de lhe sorrir daquela maneira que era só dela e de lhe dizer: parece que estás interessado na deusa.

Mas como não suportava estar a ter aquele tipo de pensamentos estéreis, porque temia que, por algum motivo relacionado com os deuses que dominavam o lugar, estes se pudessem escapar do crânio e materializar-se num balão pejado de frases que o denunciariam, número 17 levantou-se da cama onde se estirava.

- Onde vais?

Número 18 penteava os cabelos devagar com uma escova. Não se lembrava de a ter visto com uma mala para poder ter trazido uma escova para aquele local, mas descartou também esse pensamento. Decididamente, naquele dia estava a ocupar a mente com inutilidades.

- Vou esticar as pernas.

- Não podemos deixar os aposentos.

- Valo que venha atrás de mim.

- Hum… Não sabemos do que eles são capazes. Vegeta ainda não regressou.

Número 17 encolheu os ombros, indicando que não se importava com o paradeiro do príncipe e tinha a certeza que o príncipe também não haveria de perder o sono se fosse ele que estivesse a lutar contra um deus guerreiro. Eram o grupo de lutadores da galáxia do Norte, mas de grupo tinham muito pouco.

A irmã estava sentada num banco largo, forrado de veludo vermelho. Pousou a escova na outra mão que tinha no regaço.

- Não te afastes demasiado. – E recordou-lhe que, pelo menos na aparência, continuavam a ser um grupo: – Sabes que vamos precisar de ti.

- Sei, sei – suspirou ele e saiu para o corredor, fechando a porta com cuidado.

Apanhou-a na antecâmara que servia todos os quartos onde estavam alojados. Apressada, fingiu ignorá-lo. Em vez de se encaminhar para a porta alta fechada que dava acesso aos corredores e outras alas do Palácio do Tempo, voltou-se para um par de colunas onde, entre estas, se pendurava um reposteiro azulão.

- Onde vais?

E como ela não lhe respondeu, ele anunciou:

- Muito bem. Também vou contigo.

Ozilia parou a agarrar no reposteiro.

- Nani?

Mas ele não desistiu.

- Vou contigo, já disse.

- Tu não sabes onde é que eu vou.

- Sei que vais fazer alguma coisa em relação ao príncipe. Toda a gente tão preocupada com esse maldito saiya-jin egoísta… Pois, eu também vou.

Ela troçou dele com um sorriso.

Ele não se deixou afetar. Encostou-se a uma coluna, cruzou os braços e contou:

- Foi por isso que pediste o intervalo. Sabes que o príncipe está em apuros, não vai conseguir derrotar Argia se tu não interferires. Mas diz-me… – E vincou as palavras com uma ironia azeda: – bela Ozilia, tu serás suficiente para deter Argia?

- Eu sou a vossa melhor hipótese, humano patético.

- Artificial, por favor.

- Ainda não percebeste?

- Oh, tenho percebido tudo demasiado bem, apesar de me considerares um idiota e de me ignorares ostensivamente. Julgas que sou inferior a ti e aos teus preciosos deuses. Não sabes que eu também sou a tua melhor hipótese?

Ozilia mostrou-lhe os dentes numa rosnadela.

- Não conseguirias derrotar o príncipe se os dois subissem ao tatami do torneio de Lux e o príncipe não consegue derrotar Argia sem uma centelha de sorte, ou um empurrãozinho divino. E dizes que tu és a minha melhor hipótese?

- Então, porque é que me levaste contigo a mostrar os poderes ilimitados deste teu mundo?

Ela pestanejou, verdadeiramente surpreendida. Ou então faria tudo parte daquela pequena encenação. Ele empinou o nariz e disparou a última salva de tiros:

- Podias ter levado o saiya-jin de quem tanto gostas.

Acabava de se enterrar, pensou número 17, ao verbalizar, mesmo que indiretamente, os seus pensamentos estéreis, ao ver Ozilia estreitar os olhos e de converter a boca numa linha inflexível.

- Son Goku? Ele, sim, é a minha melhor hipótese e irei utilizá-la até às últimas consequências.

Afastou o reposteiro com um safanão. Surgiu um painel esculpido em pedra, com círculos concêntricos em relevo. Ela carregou no círculo do meio e ouviu-se um clangor, como rodas dentadas gigantescas, também de pedra, a se movimentarem no interior da parede. Ele desencostou-se da coluna.

- Isso é como podemos sair daqui?

- Só eu conheço o segredo e só eu posso ativar esta passagem secreta. Eu e… – Vincou o nome: – Son Goku.

Número 17 não gostou da acentuação do nome do seu inimigo, devolvia-lhe o azedume num golpe ainda mais poderoso. Ele olhou para a pedra rosácea que brilhava tenuemente e que ela usava ao pescoço, junto aos seios bem desenhados debaixo da couraça.

- Por causa dos diamantes?

Ela, como sempre, recusou-se a responder-lhe.

Entraram num túnel esparsamente iluminado por orifícios no teto que filtravam uma luz crua. A entrada que se disfarçava atrás do reposteiro fechou-se com outro clangor e ele começou a segui-la, enfiando as mãos nos bolsos.

- E ele sabe desta passagem? Parece-me que não, ou já a teria utilizado…

- Ele sabe tudo o que o diamante lhe diz.

- Hum… Pode ser muito ou quase nada. Ele até pode não conseguir interpretar toda a informação contida dentro do diamante.

- Isso é problema dele.

Seguiram-se passos em silêncio e ele não se importou muito, porque ela era uma péssima conversadora. Se pudesse, até evitava falar com ela, mas, por vezes, os esclarecimentos eram inevitáveis naquela situação invulgar. Continuava a existir entre eles uma relação impossível.

Ozilia parou e olhou-o com tamanha intensidade que ele deu um salto para trás.

- Não vou poder proteger-te.

Número 17 respondeu apático:

- Voluntariei-me para esta missão. Aceito tudo o que vier.

- Mostra-me a tua mão.

- Nani?

A admiração dele irritou-a. Espetou-lhe um dedo no peito, calcando numa costela com alguma pressão.

- Escuta-me, humano patético. Se queres continuar a ser voluntário, terás de me obedecer sem contestar. Compreendido?

- Artificial, por favor. E obedecer nunca foi o meu forte.

Agarrou-lhe no pulso e fez mais pressão do que ela quando lhe calcara na costela, estrangulando-lhe o braço naquele ponto, mas ela nem sequer pestanejou. Com um movimento rápido, Ozilia conseguiu inverter o ataque e era agora ela que segurava no pulso dele. Torceu-o de modo a voltar a palma para cima e número 17 abriu a mão contrariado. Ela pousou nesta uma pequena bola de vidro, fechando de seguida a mão dela por cima do berlinde e da mão dele, os dois ficando de mãos dadas. Ozilia aproximou-se tanto, que ele sentiu o hálito dela bafejá-lo.

- Tens contigo a galáxia do Norte. Vais protegê-la com a tua vida, ouviste? Mesmo que, para ti, isso seja uma noção estranha, pois nunca morrerias por nada, nem por ninguém… Mas vais fazê-lo.

Outra ordem. Número 17 fez um esgar, arriscou um sorriso arrevesado.

- Porquê?

Ela soltou-lhe a mão, deixando lá o berlinde. Por algum motivo, ele não conseguiu olhar para este e escondeu-o no punho que fechou, enquanto pendurava o braço ao longo do corpo. Não percebeu nada de invulgar. Mesmo que tivesse lá dentro uma galáxia inteira, ao toque era como outra bola de vidro qualquer.

Ainda sentia os dedos dela na pele do pulso, a marca subtil a insinuar-se na corrente sanguínea, a subir até à espécie de coração que jazia debaixo da sua caixa torácica, formada por costelas fortes, reforçadas com uma liga de titânio.

Ela disse-lhe com sobranceria:

- Se não fizeres o que te digo, deixas de ser voluntário.

Número 17 concordou divertido.

- Aceito.

Depois acrescentou maligno:

- Farei tudo o que quiseres para ter o prazer de matar Argia.

O sorriso de Ozilia foi selvagem.

- Não. Esse prazer vai ser meu.

E como se também sentisse falta do contacto com a pele dele, apanhou-lhe o outro pulso. Puxou-lhe pela mão, puxando-o também para si, para mais perto e os dedos de número 17 tocaram no diamante de Ozilia que rebrilhava fulgurante.

A seguir, mergulharam numa tempestade.

***

Gohan fechou a porta do quarto devagar.

- Como é que ele está?

- Está a dormir – respondeu ao namekusei-jin.

- Hum… Compreensível. Goku deve estar esgotado. E Vegeta?

- Nem sinal dele. – Gohan sentou-se na beira da cama e enterrou a cabeça nas mãos, massajando o couro cabeludo, despenteando a cabeleira negra. Estava nervoso e, nessas ocasiões, coçava a cabeça como um louco. – Também estou a ficar preocupado.

- E os dois miúdos?

Gohan levantou os olhos para Piccolo.

- Hum?

- Onde estão Goten e Trunks?

De repente, lembrou-se que não os tinha visto. E balbuciou:

- Não… sei.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:
Lutar.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Deuses e Diamantes" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.