Deuses e Diamantes escrita por André Tornado


Capítulo 17
Sorteio.


Notas iniciais do capítulo

"Hoje é o mais fantástico
Dos dias que já conheci.
Não posso viver para o amanhã,
Amanhã está demasiado longe."
Smashing Pumpkins, Today



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O recinto onde iria decorrer o torneio era vulgar, igual a muitos outros onde aconteciam competições semelhantes. No centro, tinha um tatami elevado, coberto de ladrilhos quadrados brancos, delimitado por um pequeno muro e ornamentado com quatro pilares baixos, em cada um dos cantos, encimados por uma estrela esculpida em pedra negra de dez pontas. Num dos lados havia uma bancada imponente, em forma de degraus, onde se destacava um balcão coberto por um baldaquino púrpura, onde estava um trono dourado. Dos outros lados, havia apenas um tapete verde seco a imitar uma tira de relva. Próximo existia um conjunto envelhecido de edifícios quadrados, encavalitados uns nos outros – o que destoava do aspeto geral, pois parecia tudo recente, construído na véspera – que servia de apoio para os lutadores.

Goku guardou o cartão preto no cinto que lhe apertava a túnica. O diamante tinha-se acalmado e alojava-se apagado junto ao peito. Apoiou os punhos na cintura contemplando o recinto do torneio com interesse. O tatami não era muito grande e a assistência ao espetáculo seria exclusiva, a julgar pela bancada pequena.

Piccolo encaminhou-se para os edifícios e todos seguiram-no, sabendo que o sorteio iria acontecer ali e onde estariam concentrados os outros lutadores, pois aquela planície aveludada e amarela, coberta pelo céu violeta que os tinha acolhido no dia anterior, estava deserta.

Número 17 deixou que o grupo se adiantasse. Continuava a não querer que o confundissem como amigo de Son Goku, causava um disparo elétrico num circuito interno e profundo que o deixava confuso. A irmã, apesar de já fazer parte do grupo, de viver com um deles e de ter vindo com o saiya-jin, também guardava alguma distância.

O torneio ia começar e deveriam apresentar-se para um sorteio, assim tinha Goku explicado quando regressara com um estranho cartão preto. Contava que as regras fossem explicadas, porque não estava a gostar nem um bocadinho de ir combater contra adversários estranhos, cada um do seu tamanho, também Goku tinha explicado, pois tinha-os visto num salão qualquer enquanto se empanturravam de comida oferecida por Valo.

Eles não teriam problemas, pensou número 17, enterrando as mãos nos bolsos e forçando-se a começar a andar. O grupo incluía dois saiya-jin de sangue puro, três descendentes metade saiya-jin, apesar de dois deles serem uns fedelhos mal comportados que estavam a levar tudo numa brincadeira irritante, o namekusei-jin mais forte de sempre, a sua irmã e ele próprio que eram dois androides de energia ilimitada, que poderiam ser mais poderosos que um super saiya-jin.

Ozilia apareceu a caminhar ao lado dele.

- Oh… Não pensei que fosses aparecer.

- Mas apareci – resmungou ela.

Estava equipada para combater, verificou ele. Vestia umas calças e uma blusa antracite justas ao corpo, usava uma couraça dourada, que combinava com as tranças que estavam apanhadas formando um penteado compacto. Calçava botas altas, também douradas, como a couraça. O diamante estava pendurado num colar, entalado entre os seios e ele corou por estar a olhar para aquela zona do corpo dela. Havia qualquer coisa naquela criatura que o estava sempre a provocar. E ela sabia-o, sempre, de todas as vezes, que tocava nas suas fraquezas humanas que ele detestava.

- Vais combater ao nosso lado?

- Neste torneio, não estou com os guerreiros do tirano.

- Quero ver isso.

Os sobrolhos finos dela arquearam-se com a indignação.

- Duvidas que eu saiba combater ao vosso nível?

Número 17 sorriu-lhe, consciente de que também a conseguia provocar da mesma forma detestável.

- Já te disse… Quero ver isso.

- Não te atravesses no meu caminho, humano patético.

- Artificial, por favor.

Ela podia ter estugado o passo e ter ocupado o espaço que havia entre ele e a irmã, que seguia o grupo um pouco mais atrás, mas não o fez. Manteve-se ao lado dele, silenciosa como uma pena, uma cara zangada, mas estava ali e preferia-o ao saiya-jin Son Goku, à sua irmã ou ao espaço vazio. E ele sentiu-se confiante. 

***

A trupe de seres estranhos acumulava-se num canto de um edifício grande e vazio, como um armazém. Entreolhavam-se assustados e conversavam numa grande algazarra, mas calaram-se quando Goku e os seus companheiros entraram.

- Será que é agora que esse Lux se vai dignar a aparecer?

- Eu não contava com isso, Vegeta – respondeu Goku.

- Kuso! O que pensa esse Lux que é? – Resmungou o príncipe.

Goku olhou para todos os lados, até que descobriu Argia. Uma cara conhecida, porque nenhum dos seres estranhos tinha uma cara reconhecível. Eram todos incrivelmente disformes e broncos, monstros que seriam realmente escravos, apesar de Valo o ter negado. A carne para canhão de Lux. Levantou uma mão num cumprimento e Argia aproximou-se naquele andar peculiar deslizante. Fez-lhe uma vénia.

- Saiya-jin.

- Yo… Também vais entrar no torneio?

- Gosto de brincar.

Goku rasgou um amplo sorriso.

- Ah! Ótimo! Gostava de lutar contigo.

Ao lado dele, Vegeta revirou os olhos e voltou-lhes as costas.

- E como é que isto funciona?

- Já vais ficar a saber, saiya-jin.

Argia encontrou Ozilia e derreteu-se com um daqueles sorrisos que lhe aligeirava todos os músculos da cara. Ela, pelo contrário, arreganhou os dentes.

- Bela Ozilia.

- Afasta-te de mim.

Número 17 sentiu-se, subitamente, tenso, com uma necessidade imperiosa de defender a criatura. Descobriu a irmã a olhar para ele, a negar devagar com a cabeça e relaxou. Respirou fundo, clareando as ideias, percebendo agora que havia ar renovado nos pulmões e o sangue estava mais oxigenado, que estava a ser imbecil por sentir ciúmes quando se tratava de Ozilia.

Piccolo interpelou o deus:

- E quando é que vamos saber como é que isto funciona?

Argia apagou qualquer vestígio de satisfação do seu rosto e ficou impassível.

- Brevemente.

E quando a vibração suave da voz de Argia se diluiu na atmosfera apareceu Valo, imponente, vindo de lado nenhum, como se tivesse acabado de se materializar ali, conjurando moléculas de pó. Dobrou-se numa profunda deferência diante de Goku.

- Bem-vindo, saiya-jin.

- Yo, Valo. Também vais lutar?

- Não, saiya-jin. Sou apenas o mensageiro do grande Lux.

- Ah…

- E serás tu que nos vais indicar o que é que vai acontecer a seguir? – Perguntou Piccolo.

Sem alterar a expressão neutra, Valo respondeu:

- Mas o saiya-jin não vos disse? Estão aqui para o sorteio.

- Como é que o torneio vai funcionar? – Perguntou Gohan aproximando-se. – Como é que se vão apurar os lutadores até se alcançar a final? Haverá um combate final entre dois lutadores que vai decidir o campeão… Não é assim?

- E onde está esse Lux? – Perguntou, por sua vez, Vegeta enervado. – Será que vai aparecer para assistir ao torneio que ele próprio está a organizar?

Valo não respondeu. Levantou um braço e estalou os dedos. Aquele trio estranho formado por uma garrafa e dois tubos apareceu e Vegeta deu um salto para trás, agora também enojado. Num timbre metálico, a mancha esverdeada da garrafa começou a debitar um discurso que parecia ter sido decorado:

- Os lutadores da galáxia do Norte liderados pelo saiya-jin lutarão em regime livre contra um lutador, à escolha, do grupo de guerreiros divinos que foram escolhidos pelo grande Valo. Os combates não têm limite de tempo e são todos até à morte.

Perante esta informação, os cabelos da nuca de Goku arrepiaram-se. Uma impressão ruim atravessou todo o grupo.

- Quem sair do tatami será sumariamente executado pelo grande Argia, que arbitrará todos os combates. O lutador que perder e que não seja executado pelo lutador que ganhar, morrerá pela mão do grande Argia. Não são permitidos auxílios de qualquer espécie, nem a substituição de lutadores feridos. Os combates acontecerão até que reste apenas um único lutador. Esse lutador lutará com o grande Argia, para determinar o vencedor do torneio, que se apurará no fim desse último combate. Que será, igualmente, até à morte. Os lutadores da galáxia do Norte liderados pelo saiya-jin deverão ainda escolher um combate que acontecerá entre eles, obrigatoriamente. O sorteio determinará a ordem de entrada no tatami dos lutadores da galáxia do Norte liderados pelo saiya-jin, incluindo o par que lutará entre si, proveniente do grupo de lutadores da galáxia do Norte liderados pelo saiya-jin.

A garrafa calou-se e caiu o silêncio.

- Bem, que bela diversão, Kakaroto – segredou Vegeta. – Combates até à morte!

Goku pôs um dedo no ar e disse para Valo:

- Eh… Podemos falar um bocadinho, entre nós?

Uma vénia e Valo concordou:

- Demorem o tempo que entenderem.

E afastou-se com Argia. Entretanto, tão misteriosamente como apareceram, a garrafa e os dois tubos já tinham desaparecido.

Formou-se um círculo. Ozilia não participava na pequena reunião, postando-se um pouco afastada, mas indicando claramente que estava com eles. A tensão era quase palpável, uma névoa que os interligava. Goku aclarou a garganta.

- Miná, já estava à espera de qualquer coisa assim parecida, mas nunca pensei que as regras fossem tão… duras.

- Temos de nos organizar, isso é certo – adiantou Piccolo. – Primeiro: Trunks. Goten. Vocês vão combater juntos.

Os dois miúdos nem ousaram contestar.

- Quando o adversário for demasiado forte, poderão usar a técnica da Fusão.

- Hai, Piccolo-san – responderam os dois em uníssono.

- E quanto ao combate entre nós? – Perguntou Gohan inquieto. – Como é que vamos decidir uma coisa dessas, se… deverá ser até à morte?

- Ei, a deusa não está connosco? – Indagou Vegeta espreitando Ozilia.

- Hai – respondeu Goku, espreitando-a também. – E depois?

- Escolhemos o combate contra ela. Eu não me importo de a matar.

Número 17 contestou imediatamente:

- Nem penses!

- E porquê, boneco de lata? Pensas que ela está realmente do nosso lado?

- Mesmo que não o esteja, ela é um deles. Sabe como eles funcionam, conhece todos os truques dos deuses, este mundo, tem um diamante que possui poderes que nos poderão ser úteis. Conhece Lux, que nós ainda não vimos. Concordo, ela tem a sua própria agenda, mas é ela que nos tem guiado sempre e, até agora, não nos atraiçoou.

- Mas pode fazê-lo a qualquer momento. Não confio nela – confessou Vegeta.

- Número 17 tem razão – disse número 18. – Não devemos eliminar a deusa, quando ainda precisamos dela.

- E o que sugeres? Quem, de entre nós, vais pôr a lutar um contra o outro?

- Não será necessário ser até à morte. Se nos recusarmos a eliminar o nosso adversário, Argia intervirá.

- Ei, ela tem razão – acrescentou Gohan. – No combate que acontecerá entre nós, recusamo-nos a eliminar o adversário. Então, Argia vai aparecer e…

- Eliminaremos Argia – completou Piccolo, compreendendo a lógica simples do que número 18 estava a sugerir.

- E sem Argia para o último combate – concluiu Goku de olhos a brilhar –, este será decidido entre nós e o campeão deste torneio fará parte do nosso grupo.

- Valo poderá intervir – lembrou Vegeta.

- Ele é apenas um mensageiro – retorquiu Gohan.

- Não confio em nenhum deles.

- Se Valo intervir, vamos eliminá-lo também – disse Goku, de olhos ainda mais brilhantes.

- Estás tão otimista! – Censurou Piccolo.

- Ah… Estamos aqui para ganhar, ou não? Ainda por cima, com combates até à morte. Não podemos falhar.

- Eu estou aqui para ganhar – anuiu número 18 átona. – Conto eliminar um desses deuses, Argia ou Valo, e ficar-lhes com o diamante.

- Com Argia neutralizado e depois de Valo, contem com Lux – avisou Vegeta. – Não acredito que ele assista ao descalabro sem intervir.

- Lux não se rebaixará a esse ponto.

As cabeças voltaram-se para Ozilia que falara.

- Lux é demasiado poderoso para se misturar com seres inferiores como vocês. Não creio que intervirá.

- Então, vai deixar-nos vencer o torneio? – Perguntou Goku.

Ozilia sorriu-lhe e número 17 sentiu uma pontada no peito.

- E vocês julgam que eliminar Argia, ou Valo, será assim tão fácil?

- Não sabemos, ainda não os vimos lutar – respondeu Goku sério. – Mas eu ajudei-te a acabar com aquele guerreiro gigante, quando também dizias que seria impossível. Tenho muitos truques, os meus companheiros também sabem um, ou outro truque. Iremos conseguir dar bem conta do recado, vais ver. E libertaremos este mundo, Ozilia. Confia em mim e nos meus amigos.

De repente, ela entristeceu.

- Eu não confio em ninguém.

Piccolo cortou a cena, retomando o assunto principal:

- A nossa estratégia está definida, então. Trunks e Goten combatem juntos, como um só lutador. O objetivo é eliminar a competição maior, Argia e Valo. O primeiro quando, no fim do combate entre dois de nós, entrar no tatami para dar o golpe de misericórdia ao derrotado. Falta apenas decidir quem vai lutar com quem, do nosso grupo.

- Se Vegeta não se importar – disse Goku sem olhar para o príncipe –, eu acho que devíamos lutar os dois.

- Otousan! – Exclamou Gohan perplexo.

Vegeta não estava menos perplexo.

- Nani?

- Vá, pensem bem. É a melhor solução. Um de nós lutar contra a Ozilia está fora de questão. Eu não vou lutar contra os meus filhos e Vegeta também não vai lutar contra o seu filho. Número 17 e número 18 são irmãos, Piccolo e Gohan são como pai e filho. Se nos misturarmos, será um combate desigual. Pelo menos, eu e Vegeta conhecemo-nos bem, sabemos as manhas um do outro. Conseguiremos um combate divertido, mas ao mesmo tempo renhido e sem levantar suspeitas. A encenação tem de estar perfeita, para Argia engolir o isco.

Vegeta soltou uma gargalhada felina.

- Ah, Kakaroto! Não me importo nada. Vamos a isso!

Foi então que Goku olhou para o príncipe.

- Hai. Vamos a isso!

Piccolo assentiu com a cabeça, aceitando a decisão dos dois saiya-jin casmurros de sangue puro. Gohan ainda não estava convencido, para os dois humanos artificiais seria indiferente e para Ozilia, mais indiferente seria. Trunks e Goten entreolharam-se e o primeiro disse:

- O meu pai vai lutar contra o teu.

- Ih! Outra vez!

Bateram punho com punho, sorrindo um para o outro.

- Vai ser fantástico! – Exclamaram ao mesmo tempo.

***

O sorteio foi algo trivial, para um mundo que tinha leis tão diversas às que estavam acostumados. Apareceu uma caixa com bolas numeradas no seu interior e cada lutador, a começar por Goku, tirou uma bola para saber a ordem de entrada no tatami. O primeiro a lutar seria Piccolo, o último seria Ozilia. Número 17 e número 18 lutariam um a seguir ao outro, depois Gohan, os dois miúdos seriam os penúltimos, antes de Ozilia. Ficaram aborrecidos. Teriam preferido serem dos primeiros, até porque o combate entre Goku e Vegeta seria o segundo, depois de Piccolo, era provável que tudo ficasse logo decidido e que eles poderiam nunca chegar a lutar, apesar de não ser nada conveniente, pois não contavam eliminar Argia no arranque da competição.

Mas se esse tinha sido o capricho do sorteio, aceitaram-no.

E foram para junto do tatami.

Estranhamente, a única bancada estava repleta de ruidosos espetadores.

O balcão, porém, estava ostensivamente desocupado.


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:
Início.



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