Rafael bateu a mão da lataria do carro de Leandro, o qual pareceu ter um susto. Rompeu o beijo com Camila. Ela olhou para Rafael com os olhos arregalados, suas bochechas ficaram vermelhas.

    - Ô pirralho, dá linçensa que eu tô ocupado, ok? - falou Leandro - Vai pegar seus livrinhos e brinquedinhos e some daqui, ok?

    Rafael ia revidar, já estava abrindo sua boca, quando Camila disse, em tom gélido:

    - Isso, some daqui, ok?

    Rafael ficou com a boca semi-aberta e com confusão presente nos olhos. 

    - Camila, eu preciso falar com você - foi tudo que ele conseguiu dizer.

    - Ih, qual é, cara, tá cego? - disse Leandro - Ela tá comigo, não tá vendo?

    - Camila, eu preciso falar com você - repetiu ele. 

    - Seja lá o que você tem pra falar comigo, pode falar na frente do Leandrinho - respondeu ela, passando o braço pelo quadril dele. 

    - Então tá. Camila que história é essa? Diz que está namorando um dia comigo e no outro está com outro cara? Você acha que eu não tenho sentimentos? Porra, Camila, que falta de consideração foi essa? Como você tem coragem de fazer isso comigo? Eu? O "Rafinha"! O cara que você jurou nunca trair, magoar... 

    Camila parecia envergonhada, mas não queria deixar transparecer, ainda mais perto de Leandro. Este já estava bufando e sem paciência, tanto que disse:

    - Já tá bom né.

    - Você é uma falsa mesmo - disse Rafael - Todos me avisaram mas eu não dei ouvidos... Porque você mentiu para mim desse jeito? 

    Rafael e Camila estavam com os olhos lacrimejando. Mas era quase impossível de perceber, ambos com a mania de ter mais orgulho do que tudo. 

    Rafa, de olhar cabisbaixo, virou-se e desistiu. Camila já estava dando um suspiro de alivio quando Leandro disse para ela, num tom alto até demais:

    - Ufa, que bom que acabou aquela crise dele de TPM, caraca. 

    Rafael se virou e levantou seu braço para dar um soco bem na cara do Leandro, o qual ficou imóvel apenas assistindo a cena se desenrolar, como se não ligasse a mínima. Rodrigo colocou a mão no punho de Rafael e o segurou com força, tentando o máximo leva-lo para outro lugar, o que fez. Rafael saiu gritando "você me pagar!" para Leandro, que estava morrendo de rir. Fui atrás dos dois, aquele clima estava me deixando louca.

    Rodrigo encaminhou Rafael para um lugar cheio de ipês fora do colégio, bem perto da escola mas que não era muito habitado. Chegando lá, Rafael ainda estava muito nervoso, andando de um lado para o outro. Eu e Rodrigo pedimos baixinho para ele se acalmar, o que ele não fez. Na verdade, preferiu desabafar mais um pouco.

    - Eu nunca vou conseguir entender vocês mulheres - disse ele, mão na testa. Sentou-se - Eu fiz tudo certo para àquela garota, tudo! Eu fui atencioso, carinhoso, legal, sabe... E ela parecia gostar de verdade de mim, tá aí meu erro... Eu só... Não entendo como ela pôde fazer isso comigo.

    Para falar a verdade nem eu entendia. 

    Rafael começou a chorar. Rodrigo sorriu torto para mim e disse que a partir dali ele tomava conta. 

    O resto da semana foi um tanto deprimente. Camila mal falava comigo, ocupada demais com mensagens de texto para o seu amor. Rafael parecia acabado, e eu não o culpava. Duas namoradas em sequencias o trairam e as duas ele amou intensamente. Alex faltou a semana toda. "Não como se eu me importasse", dizia para mim mesma. João não dava notícias. Eu estava começando a achar que ele havia desistido de procurar o tal esconderijo, que podia até nem existir. 

    Sexta-feira foi o único dia que algo mais inusitado aconteceu. Estava saindo do banheiro feminino quando uma mão pesada passou sobre minhas costas.

    - Olá, baby - disse Liam.

    Eu nem lembrava mais sobre meu plano até aquele momento. 

    - Ah, oi - falei, sorrindo. 

    Estendeu um papel dourado para mim. Peguei e abri. Tinha escrito no centro "Festa anual de solteiros" em negrito e em baixo o endereço e o que levar. Cada pessoa tinha que levar uma bebida ou uma comida. Traje esporte fino. E um aviso embaixo "Haverá uma lista com os nomes das pessoas convidadas, portanto traga sua indentidade. E caso você não foi convidado, não gaste seu tempo. Você não conseguirá entrar."

    - É amanhã - disse ele, perto até demais do meu rosto - A partir das 23h. Você vai, não é?

    - Você descobrirá amanhã - respondi, indo embora.

    Disse isso pois minha atitude parecia ter mudado naqueles dias. Eu não estava mais com vontade de ir tanto naquela festa. Prefreria muito mais ver um filme debaixo das cobertas, bebendo refrigerante e comendo pipoca.

    De tarde, depois de voltar para casa, tudo que eu queria era relaxar. Deitei-me na cama macia e comecei a observar o teto. Quase automaticamente pensei no Alex e no meu plano de virar uma pegadora. Naquele momento, não pareceu tão boa a ideia. Acho que era porque não sentia mais o "poder" dele sobre mim. Quando cheguei a esta conclusão, senti-me tão livre. 

    Decidi dar um cochilo. Estava quase pegando no sonho quando me mandaram uma mensagem de texto no celular. Era de Camila. 

"Vê o facebook do Alex, amiga... :("

    Fiquei curiosa e franzi as sobrancelhas. Liguei meu laptop e fiz o login. A primeira foto já era o que eu achava que Camila estava querendo que eu visse. 

    Alex estava segurando uma menina loira e meio gótica pelo quadril, beijando-a pela bochecha. Tinha uma foto ao lado dele com a mesma menina, mas dessa vez estavam se beijando. Depois de dar zoom e ver melhor,  reconheci a tal garota: Suzana. A ex de Alex. Não tão ex agora... O subtítulo era cheio de emoticons de coração e tinha escrito "Você me faz tão feliz...". Os comentários da foto eram iguais, sempre alguém parabenizando os "mais novos pombinhos".

    "E eu?", era a única coisa que eu conseguia pensar "Como eu fico?". Deu uma vontade tremenda de chorar, gritar, brigar comigo mesma por ainda ter sentimentos por ele, um cara que eu sabia que não podia esperar algo bom... Eu só ainda tinha uma ponta de esperança que ele ainda fosse querer voltar comigo. Eu queria que ele sofresse por mim assim como eu havia sofrido, mas pelo jeito ele nem pensou nessa hipótese.

    Mandei eu parar de ser burra. Liguei para Camila. Só dava ocupado. Devia estar muito atarefada com seu namorado. Então eu fiz o impensável: liguei para Sarah. Ela me atendeu bem surpresa. Pedi que ela me encontrasse no shopping que ficava no centro e ela disse que só iria se arrumar e iria para lá. 

    Chegamos praticamente na mesma hora. Sarah estava vestida com um vestido branco rendado muito bonito, com uma trança no cabelo e sapatilhas douradas. Eu estava de calça jeans rasgada, camisa amarrotada e all star sujo. Como eramos parecidas. 

    - Então, qual é a ocasião? - perguntou ela.

    - Eu preciso de um vestido incrível para uma festa amanhã. 

    Passamos a tarde toda entrando e saindo de lojas perfumadas e coloridas. Sarah me ajudou muito. Ela era realmente engraçada e meiga, finalmente entendi porque Rodrigo estava com ela, e simplesmente senti-me feliz por tê-la chamado.

    No dia da festa, devo confessar, eu estava impecável. Meu vestido era bem justo e de lantejoulas e eu usava um salto alto preto de camurça.

    Minha mãe me levou de carro e antes mesmo de chegar na frente da casa já dava para ouvir uma música eletrônica alta ecoar. Minha mãe ficou meio desconfiada, mas deixou eu ir.

    Um homem bem gordo e com uma tatuagem no pescoço me lançou um olhar ameaçador quando entreguei o convite. Ele perguntou qual era meu nome e pediu minha indentidade. Abriu o portão branco e me deu passagem. 

    A música estava alto demais porém, impressionantemente, conseguia ouvir as pessoas conversando sem parar. Pessoas se beijavam, bebiam, nadavam, jogavam sinuca, riam, dançavam, vomitavam, brigavam... Tudo junto e misturado numa cena só. De repente veio o pensamento "Mas o que eu estou fazendo aqui?". Afinal, eu não conhecia ninguém. 

    Pedi ao bartender uma bebida sem álcool. Ele me respondeu que não tinha. Foi quando tocaram meu ombro. Na verdade, empurraram meu ombro. Virei-me assustada. Era Alex.

    - Juliana! Que bom te ver - ele estava bêbado com certeza.

    - O que você está fazendo aqui? - perguntei sem pensar.

    - Nossa, que recepção calorosa - deu um gole em sua bebida.

    - É porque essa festa é para solteiros.

    - Dã, eu sei. Mas é porque a Suzana... Lembra da Suzana? - balancei a cabeça em afirmativa, totalmente sem paciência - Então, ela conhece o Liam e ela mentiu falando que estava solteira e tal, e ele sempre faz as vontades dela, então ele deixou nós dois virmos. 

    - Legal - disse. 

    Ele bebeu o resto do copo num gole só e ficou para o bartender.

    - Me dá esse daqui - disse ele, apontando para um drink constituido de vodka praticamente. 

    - Cheguei! - gritou Suzana, maquiagem já borrada, abraçando Alex e dando um beijo - Ah, oi Juliana! 

    Deu um abraço em mim. Alex disse que já voltava.

    - Juliana, minha amiga, - também parecia bêbada - eu só queria te agradecer por ser tão burra. 

    - Como disse?

    - É, por que você terminou com o Alex. Agora eu tive a chance de voltar com ele, então obrigada. Apesar que mais cedo ou mais tarde isso ia acontecer...

    - Como assim?

    - O Alex já estava comigo durante o namorinho de merda de vocês. Ele já estava planejando terminar com você, assim como eu estava planejando terminar com o meu namorado... 

    - Pelo jeito você é mais ingênua do que eu - falei. 

    - Só porque ele te traiu dez mil vezes não quer dizer que ele vai fazer o mesmo comigo. 

    Eu me sentia enfurecida! Quem aquela garota achava que era para falar comigo daquele jeito?! Lembrei-me de meu plano, das garotas que eu queria imitar e senti um fogo dentro de mim. Pedi a mesma bebida que Alex e comecei a falar.

    - Ah, ele deve ter falado que te ama, não é mesmo? - dei um gole, o alcool ardeu minha garganta - Isso, acredita, meu amor. Você sabe porque ele está com você, né? Ele sabe o quanto de menina corre atrás dele quando ele está namorando. Ele sabe que mais fácil de enganar todas elas e ele também sabe que se ele não conseguir enganar nenhuma, pelo menos vai ter você lá, de reserva. E você sabe que isso é verdade. Você sabe que ele só quer o seu corpo emprestado por algum momento e depois, tchau-tchau. 

    Suzana abriu a boca para provavelmente falar algo mas Alex chegou bem na hora.

    - O que as senhoritas estão conversando? - perguntou ele.

    - Nada, nada - falei. Bebi o resto da minha bebida - Foi ótimo ver vocês, queridos. 

    Flertei com Alex falsamente e ele fez o mesmo. Fui embora com o olhar bravo de Suzana sobre mim. 

    Tropecei num sapato alto que estava no chão e senti um par de mãos me segurando. Liam sorriu maliciosamente e segurou minha mão.

    - Calma linda, não cai não.

    Ele me guiou até uma roda de amigos que estavam fazendo algum tipo de brincadeira. 

    - Vai, vai, vai, vai! - diziam eles em coro, enquanto uma garota se afogava com uma garrafa de vodka. Acabou não conseguindo beber tudo. 

    Viram-me parada e, como um animal pronto para ser abatido, começaram a me analisar e um deles disse:

    - Quem é essa, Liam?

    - Gente, essa é a Juliana - acenei para eles.

    Liam passou a mão pelas minhas costas, levando sua mão cada vez mais para baixo. Eu não liguei. 

    - O que vocês estão fazendo? - perguntei. 

    - Estamos competindo para ver quem bebe mais vodka em menos tempo. 

    - Parece divertido -  falei. 

    - Eu te desafio, Juliana, a beber o resto dessa garrafa - disse uma menina de cabelo comprido loiro. 

    Olhei eles. Todos estavam me olhando curiosos. Pensei "tá, que se dane".

    Peguei a garrafa, eles riram e falaram "é isso aí" e "essa é das nossas, Liam". Com gritos de incentivo, virei a garrafa e bebi toda a bebida. Apertei meus olhos com força e as coisas ficaram um pouco desfocadas. De repente tive uma vontade louca de dançar e puxei todos eles para fora, onde a música tocava mais alto. 

    Essa foi a minha última lembrança daquela noite. Depois tudo ficou como uma parte apagada na minha mente.