Se você tiver a oportunidade de poder escolher entre Jimmy e James no truco, aposte todas as suas fixas no Jimmy.

Se passaram quase três horas desde que o circo entrou na estrada e nesse meio tempo jogamos quase cinquenta partidas de truco. Se estivéssemos apostando alguma coisa, eu estaria falida, James estaria pobre e Jimmy seria o Milionário.

Eu desisti de jogar quando Jimmy ganhou de novo, pela milésima vez. Me levantei e caminhei pelo vagão.

Imagine um vagão de metrô, agora imagine matade do vagão preenchido por caixotes do tamanho de caixões, em duas fileiras, onde estariam as cadeiras em um vagão de metrô. No chão, o piso era forrado por palha, o cheiro era de ração de cachorro, misturado com o cheiro de urina e mofo. Um corredor de 1,5m de grossura cortava o vagão e em frente a porta, a linha de caixotes foi interrompida para deixar mais espaço. Uma pequena janela ficava paralela à porta, na altura dos olhos, a paisagem passou para a calmaria do interior, o sol já estava baixando, eram umas 5 horas da tarde.

De repente um barulho alto vindo do teto.

Eu gritei e pulei no esconderijo mais próximo, Jimmy sacou a espada e James seu martelo.

Tic, tic, tic. Barulho de algo leve, mas firme. Tic, tic, tic. O som tinha um ritmo regular. Tic, tic, tic. Como um salto alto batendo em metal. Tic, tic, tic. Passos andando em nossa direção. Tic, tic, tic. Estava se aproximando. Tic, tic, tic. Agora estava muito perto, bem encima de nós.

Um silêncio.

Ouvi o barulho de alguém estralando os dedos. Uma parte do teto começou a brilhar e uma porta de um alçapão se materializou no teto. Com um rangido, a porta se abriu e uma escada de madeira desceu.

Primeiro vieram o salto alto, depois as calças de couro preta, a jaqueta vermelha, e o cabelo grisalho enrolado.

– Ora, guardem essas armas, não vim aqui para machucá-los. - Ela se virou para mim. Seu cabelo grisalho e enrolado estava armado e era da altura do pescoço. Seu nariz grande tinha uma verruga. Preso ao cinto, ela levava um chicote de couro.

– Quem é você? - Perguntei.

– Quem sou eu? Quem você vê? - Perguntou ela de volta.

Por uma fração de segundos, eu vi a mim mesma, só que diferente. Eu estava um pouco mais alta e meu cabelo era maior. Eu tinha a pele um pouco mais bronzeada e uma expressão preocupada, mas não tinha a minha pinta ao lado da boca. Eu estava olhando para Bianca di Angelo.

De repente ela trocou de forma. Seus cabelos alongaram até a cintura, suas roupas se transformaram em uma túnica branca e uma touca preta, a roupa de uma freira. Rugas surgiram um sua testa em uma expressão severa. Em seu pescoço, agora pendia uma cruz.

Dei um passo para trás.

– Irmã Marlene?

Irmã Marlene era uma das freiras voluntárias para cuidar dos órfãos. Ela dava aulas de religião e português. Ela acreditava que todas aquelas crianças tinham a mesma fé que ela, e eu sempre apanhava quando eu dizia que não acreditava em Deus. Ela me fez copiar a bíblia inteira em meu caderno por eu dizer que o deus dela não existia.

– Que interessante. - A mulher comentou. Depois se virou para Jimmy. - E você, querido? quem sou eu?

– Raquel? Como? - Ele olhava confuso para a mulher.

– Olha aqui, Kate. Se esse for mais algum truque seu, juro que agora eu te mato! - James a ameaçou, levantando o martelo de combate.

– Não! - Eu gritei para ele, e me pus em sua frente. - Essa é Nêmesis. É isso que ela quer, vingança.

– Muito bem, criança! - Ela sorriu. O que era bem horripilante no corpo da irmã Marlene. - Eu sou Nêmesis. E sim, eu quero vingança. Mas antes, preciso avisá-los sobre sua missão.

– O que tem a missão? - Jimmy perguntou.

Ela se sentou no primeiro degrau da escada.

– Ah, eu não achei muito justo o vilão saber tudo sobre vocês três e vocês aí, sem saber nem onde procurar direito. Sentem-se.

Jimmy e James ainda estavam com suas armas em punho. Relutantes, eles guardaram e se sentaram, eu me sentei entre os dois.

– Tudo bem, vocês precisam derrotar um ladrão com a cabeça cheia de palavras minhas. Ele quer vingança contra o Olimpo. Depois que eu enchi a cabeça dele incentivando-o a ter esse espírito de vingança, eu lembrei que também faço parte do Olimpo. Ele tem alguns monstros que trabalham para ele, uma centena, talvez. Com aqueles objetos mágicos que ele roubou, pode se tornar o semideus mais poderoso do mundo. Mas, ele pode ser influenciado tão facilmente como uma criança, se um de vocês fosse filho de Atena, venceria fácil ele. Pena que nenhuma corujinha está com vocês. Em Las Vegas, vão encontrar o colar de Afrodite. Ele foi roubado a pouco tempo por um dos capangas dele e ainda não foi entregue a esse Semideus. Procurem no cassino Bellagio, o monstro idiota se distraiu e ficou por lá.

– Quem é esse semideus? - Jimmy perguntou.

– É um irmão seu. - Nêmesis respondeu. - Já disse tudo que precisam saber sobre sua missão. - Depois olhou pra mim. - Agora preciso ter uma conversa com você, anjo. Se esses dois rapazes me dão licença.

– Não vamos deixa-la sozinha com você. - Jimmy levantou sua espada.

– Não? tudo bem, então durmam um pouco. - Ela estralou os dedos e Jimmy e James apagaram e tombaram no chão.

– O que você fez? - perguntei e corri para segurar Jimmy.

– Calma, eles não estão mortos. Só estão dormindo.

– O que você quer? - perguntei. Sua aparência como irmã Marlene não ajudava meu humor.

– Só preciso dizer que não precisa alimentar essa raiva que tem sobre você mesma. - Sua voz pareceu mais calma.

– Eu não tenho raiva de mim. - o que ela estava dizendo?

– Ah é claro que tem. Bianca di Angelo é você. Por mais que você tente negar, por mais que tente evitar. Não adianta tentar criar esse sentimento de vingança com o destino. - Ela suspirou e me olhou como se estivesse com pena. - Já aconteceu isso algumas vezes e eles tiveram a mesma reação que você, tentaram fazer diferente do que deveria ser, tentarem mudar o destino. Mas algumas coisas precisam ser do jeito que são. Não está muito longe do momento em que o destino vai derrotar seu plano de fugir dele, e nesse momento você vai culpa-lo mais do que tudo, vai culpar os deuses, vai culpar a mim, vai culpar aquelas velhinhas que cuidam da lã do destino, vai culpar até Afrodite. E eu vou sussurrar no seu ouvido. Incentivando esse sentimento de vingança. Mas vou tentar menos do que eu fiz com aquele filho de Hermes.

– vá embora! - gritei entre soluços a ela. - Saia!

Lágrimas rolaram pelo meu rosto. Eu sentia ele vermelho.

– Eu só vim avisar. Não se esqueça do que eu disse. - Ela estralou os dedos e sumiu.

Eu não esqueceria o que ela disse.