Doppelgänger: Primeiro Dia escrita por Rauker


Capítulo 3
Capítulo 02 - Chegada aguardada?




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# 02

Chegada aguardada?


A Rua Augusto Pereira se abraçava num grande silêncio de fim de madrugada, exceto por ínfimas e corriqueiras sonâncias do alvorecer como o assobio dos pássaros, o latido dos cães domésticos e o ruído engasgado dos veículos numa via próxima. Mas a quietude foi agudamente cortada pelo ranger de um portão, por onde saiu um jovem estudante.


Apesar de acordar às cinco da manhã e ter que caminhar por uma rua deserta, há duas coisas nisso tudo que me conforta: a atmosfera amena do amanhecer e o céu despontando. A claridade tênue do firmamento dá impressão de que ele acorda junto comigo e vai aflorando seu azul celeste conforme vou varrendo meu sono para dentro do tapete fisiológico e me mostro desperto perante o mundo (creio que seja esse o sentimento daqueles que acordam antes de ver o céu aceso). Além do mais, admiro as tonalidades do firmamento, desde o amanhecer ao entardecer. À noite, gosto de vê-lo inundado de estrelas.

Caminho pela rua até a esquina, a via principal por onde passam alguns ônibus que cortam todo o bairro. No ponto, há um ralo punhado de gente com o mesmo destino penoso de acordar cedo e ir ao trabalho... ou à escola, pois notei uma garota com uniforme de colégio público. Fico um pouco afastado dela, que me faz lembrar os alunos com quem teria de conviver durante os três anos do Ensino Médio.

O ônibus não vinha. Nenhuma novidade para aqueles que necessitam de condução rodoviária... ou qualquer transporte em massa. Fico vinte minutos mofando no ponto que cresce a cada minuto. Enfim, vem o ônibus. Vazio? Considerando a situação, pegar um ônibus com mais da metade dos assentos vagos é realmente um milagre! Após estar acomodado no veículo, percebo o motivo. Um segundo ônibus (ou seria um latinha de sardinha?) da mesma linha emparelha ao lado quando param num sinal vermelho. Certamente os dois vieram colados, e, por sorte, o vazio passou à frente antes de chegar ao ponto onde estava. Eu disse dois? Na verdade, são três. Observo uma terceira condução ultrapassando. Quando isso acontece, não sei se é culpa do trânsito ou da empresa que mal administra as linhas de ônibus. Ambos, talvez.

Após quase meia hora de viagem (já sabendo que chegarei atrasado, o que me deixa meio angustiado, mas ponderando o fato de não ocorrer ou da primeira aula ser apenas um bate-papo descartável), solto no centro da cidade de Nova Vida e caminho alguns metros até uma rodoviária coberta (do tipo caindo aos pedaços e bem suja). Lá, sendo ponto final de minha próxima condução, consigo garantir um assento próximo à traseira do ônibus, aquele mais alto que toda criança gosta. Analiso os presentes no “carro” e percebo muitos jovens da minha idade, provavelmente se dirigindo para a única escola em Ventura, um bairro pacato afastado de Nova Vida, um local facilmente apelidado de “fim de mundo”. Alguns adolescentes (uns uniformizados, outros não) são bem simples e não parecem ter mais que 18 anos, já outros são brutamontes com 22 anos na cara que dificilmente seriam vistos como estudantes “certinhos”. Um deles usa uma camisa preta com alguma banda de rock estampada e ainda veste uma calça-jeans esburacada. Olhando pra ele, potencialmente, vê-se um bagunceiro ou desinteressado.

Mas, as aparências estereotipadas e o senso comum não condizem com a realidade. Para alguém entrar nessa escola (que também chama-se Ventura, dado o nome do lugar), precisa fazer uma prova, que serve tanto para selecionar os alunos mais aptos a ingressarem em Ventura quanto para atribuir uma bolsa de estudo para aqueles que têm uma baixa condição financeira (na verdade, a escola tem um preço bastante razoável se comparada às outras). Estou incluído neste último caso. São escolhidos apenas os dez primeiros colocados entre os que comprovaram terem baixa renda. Fiquei em quarto na pontuação geral entre todos os estudantes que fizeram o exame, e em segundo na lista daqueles que almejavam a bolsa, que é contabilizada a depender da pontuação do candidato. Obtive 75% de desconto, o que equivale a retirar 75 quilos das costas da minha mãe.

Em vinte minutos, a gradual decaída do panorama urbano deu lugar a uma paisagem esverdeada. Poucas moradias e muita vegetação, além de sinuosas montanhas aqui e ali. Por que raios uma escola foi construída num lugar praticamente inóspito?

O ônibus (um “museu” que não passa dos 40 km/h) vira numa curva por trás de uma encosta. Vejo manchas amarronzadas permeadas num verde infinito, a escola se erguia cada vez mais próxima. O nervosismo de primeiro dia de aula retorna. Estou finalmente chegando... Estou preocupado com minha turma. Sou meio lento para amizades. Triste timidez!

Uma freada pouco depois de muitos jovens se levantarem. Espero todos descerem antes de me erguer do banco. Numa aglomeração, não gosto de andar na frente dos outros, não sei por que; é uma sensação estranha, como se os que estão atrás me olhassem, analisassem meu jeito de andar e tirassem conclusões precipitadas sobre mim. Acho que é apenas uma cisma minha.

Sou o último a descer e, enquanto todos andam em direção ao portão do colégio, observo sua armação. Um portão de grades escuras.


Entrementes, dentro do campus da escola, sentado à sombra de uma árvore, um adolescente conversava nervosamente ao celular.


O aparelho tremula levemente em minhas mãos suadas, as costas doíam rente ao tronco. Tudo parece tão desconfortante! E a voz que ouço no celular gera um frio na barriga.

— Ele está aí. Você precisa fazer! — Uma ordem... A apreensão apenas aumenta. Sou capaz de executá-la?


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Notas finais do capítulo

Não deixem de comentar. O feedback de vocês é muito importante. :D
Próximo capítulo: 17 de Março.