Doppelgänger: Primeiro Dia escrita por Rauker


Capítulo 14
Capítulo 13 - O pesadelo


Notas iniciais do capítulo

Nova capa em traços de mangá adicionada. ^^



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O sono é um portal para o mundo dos signos, um universo estranhamente pincelado por nós mesmos. Ou por algo mais? Marcela preferia acreditar na segunda opção.

Não gosto de relembrar os sonhos ruins, revisitar imagens que me deram tanto medo. Quase sempre procuro esquecer elas logo que acordo. Mas, dessa vez, não consigo! E não é pouco, me lembro de muita coisa. As imagens desse último pesadelo parecem que grudaram na minha cabeça e não querem mais sair, como a música chata do vizinho que fica tocando aqui dentro da minha mente mesmo depois dela ter acabada.

Os olhos gentis da tia Cecília me encaram, aguardando que minha boca comece a narrar o que tanto me aflige. Como minha mãe e o irmão não podem me levar e buscar na escola, a tia Cecília assume essa tarefa. Isso já faz alguns anos. Desde então ela é quase como uma segunda mãe pra mim, e não escondo nada dela. Nem mesmo o pesadelo que irei contar.

“Era um campo imenso, sem nenhuma árvore em volta. Eu estava ajoelhada nele, sentia a grama rala nos joelhos e observava uma fileira de formigas trabalhando. Fazia sol nessa hora... Então tive vontade de estragar aquela ordem bonitinha de formigas. Me levantei e raspei o pé onde elas passavam. As formigas ficaram malucas, corriam sem direção… Aí o céu ficou nublado de repente. E, no meu lado, sobre o tronco cortado de uma árvore, que surgiu do nada, apareceu uma televisão. Mas não havia sinal e a tela ficava chiando. E era um chiado bem irritante e estranho, às vezes mais forte ou mais fraco, como se alguém estivesse mexendo na antena para o sinal voltar… Tempo depois, aos poucos, o chiado foi desaparecendo e pude ver e ouvir alguma coisa. Era um lugar cheio de ruazinhas e alguns campos pequenos. Eu vi que era a nova escola do meu irmão porque era igualzinho às fotos que ele tinha me mostrado. E a pessoa que falava na TV parecia ser um repórter. Dizia algo sobre uma tragédia na escola, que algum aluno havia tentado matar os colegas. E que… algumas mortes foram confirmadas. Nessa hora, eu senti uma forte dor no peito. Não falaram os nomes das pessoas que morreram, mas tive a impressão de que uma delas era meu irmão.”

  — Marcela, querida, foi só impressão sua, além de um pesadelo ruim. Não há como…

— Mas tinha o corvo! — falo, enfática.

—… Corvo?

Essa era a pior parte do pesadelo, a mais incômoda. A parte que eu não entendia muito bem, mas que me encheu de medo.

“Era uma ave escura… igualzinha a um corvo. Esse pássaro estava mais ao fundo da tela, atrás do repórter, pousado sobre o ombro de uma estátua. Às vezes o corvo grasnava e sua voz saía mais forte que a do repórter. Por isso ele me chamou atenção depois… Teve uma hora que o repórter saiu da frente da câmera e a câmera começou a andar para a direita até focar num banco de madeira onde havia um estudante sentado, cabisbaixo, meio triste. Era o Léo. Então apareceu o pássaro na beirada da tela, caminhando até ele. Só que atrás do pássaro… atrás do pássaro… vinha uma figura escura, como uma sombra. Parecia mesmo ser a sombra de uma pessoa, e ela seguia exatamente os mesmos passos do corvo. Acho que o corvo, na verdade, era a sombra. Eu tentei avisar meu irmão. Gritei: ‘Tome cuidado, Léo. Está vindo. Está vindo. Sai daí!’ Mas não adiantou. E quando eles estavam bem próximos de se encontrar, a TV ficou escura e apareceu uma mensagem ‘Continua’ na tela, como se aquilo fosse o final de um episódio de seriado.”

— Ai, Marcela. Que coisa medonha! — disse minha tia com o rosto em desgosto. Penso que ela irá me dizer algo sério sobre o assunto, porém não demora a ignorá-lo. — Mas foi só um sonho ruim. Essas coisas acontecem. — Ah, adultos! Nunca levam uma criança a sério.

— Pode ligar pro Léo, então? Pra saber se ele está mesmo bem — sugeri fazendo a cara mais preocupada do mundo, embora nem precisasse me esforçar muito para convencer minha tia. Ela concorda sem rebater e disca o número do Léo no celular dela.

— Ele pode estar em aula agora. Não sei se vai atender — disse ela. Eu peço o celular e o seguro, ansiosa, próximo ao ouvido. Ouço o “tu, tu, tu” se transformar em um “shhshshshsshsh”. Meu coração dispara e o rosto congela. É o mesmo chiado que da TV do meu sonho.


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