A Clarividente escrita por Yuka


Capítulo 28
Capítulo 28


Notas iniciais do capítulo

Olá, leitores queridos! Sinto muito pela demora, dessa vez eu estrapolei todos os limites do atraso, eu sei!
Esse capítulo é um pouquinho menor, mas contém umas revelações bem legais. Vou tentar não atrasar tanto o próximo!

Lucilaine, obrigada pela mensagem linda. O capítulo da Zahra que você espera será o seguinte a esse, o 29.
Muito obrigada a todos que acompanham apesar da demora, e desculpem mais uma vez!



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            Nirina passou o resto do dia pensando em como havia falado com Riana e nas coisas que Zahra havia dito. À noite, deitou em sua cama pensando como havia passado o terceiro dia desde que Martin havia falado com Rezon. O dia seguinte seria o quarto dia.

            A aprendiz deitou-se em sua cama, sem tirar a túnica de clarividente. Precisava se arrumar para dormir, mas não tinha o menor indício de sono. Espreguiçou-se longamente e alongou os braços, mexendo o pescoço para os lados. A lembrança de como havia falado com Riana ainda a perturbava levemente.

            Resolveu pensar sobre isso e decidiu que se perdoaria. Afinal, o pior carrasco que poderia existir para Nirina era sua própria consciência. Pode-se esconder das outras pessoas ou não ouvir suas opiniões, mas fugir da própria mente é impossível. Com um suspiro, pensou em Aiko.

            Compenetrada em seus pensamentos, mal ouviu as batidas na porta. Continuou ali, deitada, pensando em como o dia havia sido. Pela terceira vez que uma sequência de batidas soou, Nirina pareceu retornar ao mundo e correu até a porta, incapaz de abrir um sorriso pelo tamanho da surpresa ao contemplar a visita.

            — Martin? — disse ela, completamente surpresa. Pensou em perguntar “O que faz aqui tão tarde?”, mas em vez disso, disse — Aconteceu algo? Quer entrar?

            Ele apenas assentiu com a cabeça. Não tinha o sorriso egocêntrico de sempre, nem o ar convencido. Era só... Um mago que trabalhava para o Rei, que provavelmente já havia passado por muitas coisas em sua vida.

            Martin entrou no quarto e sentou em uma das cadeiras em silêncio. Nirina estranhou a atitude dele, mas por enquanto não quis perguntar nada. Decidiu que esperaria até que ele quisesse falar. E, de repente, ele começou:

            — A conversa com Rezon me fez pensar em várias coisas — disse ele, com o olhar baixo. — Eu me senti mais próximo à morte. Não sei como ele decidiu que não leria minha mente no primeiro encontro. Um voto de confiança para me convencer, eu acho. — Ele ergueu o olhar para Nirina. — Ou talvez não fosse minha hora de morrer ainda. Eu acho que ainda tenho algo para fazer nesse mundo.

            Nirina manteve-se em silêncio e sentou em uma cadeira à frente do líder dos magos. Apoiou o cotovelo sobre a mesa e então apoiou o queixo com a mão, ouvindo-o com uma expressão compreensiva.

            — Pensando que eu poderia morrer em sete dias caso você e Zahra decidissem não me ajudar, eu pensei que estou fazendo as coisas de um jeito errado. Eu vim aqui para me desculpar.

            — Martin? Aconteceu alguma coisa além disso, eu estou certa.

            — Está lendo minha mente?

            — Não.

            Ele riu.

            — Eu não sei por que, Nirina, mas eu acho que minha morte está próxima. Talvez eu esteja só pensando demais sobre isso, esteja com medo do poder de Rezon e minha mente esteja me pregando peças. Mas eu acho que morrerei muito em breve. Acredito que pessoas próximas da morte consigam sentir isso mesmo sem ser clarividentes.

            — Você não vai morrer — disse ela. — Eu não vou deixar isso acontecer.

            — Nirina, você... — ele abaixou o olhar mais uma vez, mudando para uma expressão triste. — Tinha todos os motivos do mundo para me odiar. Eu vinha ao seu quarto apenas para lhe incomodar e contar histórias distorcidas sobre o passado, mas você continuou me tratando cortesmente, como se essa fosse sua tarefa. E você fez isso muito bem. Você realmente lembra sua mãe: bonita, bondosa, carismática, inteligente, energética. Você é capaz de fazer as pessoas perceberem os próprios erros por sua bondade.

            Nirina ficou um tempo em silêncio, sem reação. Não sabia o que fazer, pois não parecia o mesmo Martin. Ele havia mudado completamente e ela jamais havia imaginado que ele a procuraria para pedir desculpas, muito menos com essa expressão em seus olhos.

            — Eu tive uma filha — ele disse, sem mudar o olhar triste. — E uma mulher.

            Nirina continuou sem dizer nada, apenas assentindo com a cabeça.

            — Minha filha contraiu uma doença grave. Eu tentei de tudo para que os experientes em medicina conseguissem algo, até ensinei magia a alguns médicos filhos de magos, interessados em aprendê-la, mas incapazes de encontrar um professor. Eu mesmo tentei curá-la de alguma forma. Todas as noites eu lia histórias para ela, esperando que ela acordasse no dia seguinte.

            — Certa noite, sua doença complicou consideravelmente. Corri até o centro de estudantes de medicina natural mais próximo, pedindo que me ajudassem. A única pessoa responsável pelo local durante a noite disse que eu precisaria pagar adiantado. — Sua expressão se tristeza se agravou. — Eu disse a essa pessoa que não tinha dinheiro. Que, se ele salvasse a vida da minha filha, eu faria de tudo para pagá-lo em dobro. Eu queria tê-la viva por apenas mais alguns dias... Qualquer tempo a mais era o suficiente.

            — Mas ele não quis lhe ajudar — ela completou.

            — Não. Quando voltei para casa, correndo, minha mulher segurava nossa filha nos braços e chorava. Eu não consegui chorar uma lágrima de tanta raiva que sentia. Comecei a sentir ódio de tudo e não soube lidar com a situação na época. Poucos anos depois, minha mulher acabou se cansando do meu estado agressivo e saiu de casa. Não disse para onde ia, eu não quis perguntar. Atualmente não tenho mais notícias dela. Deixei que o ódio dominasse meu coração, e não era capaz de sentir simpatia por ninguém. O que eu pensava era “Não quiseram me ajudar, destruíram minha vida. Agora os outros merecem passar pelo mesmo sofrimento”. Então veio você. Com todos os motivos pra ter raiva de mim e me tratar mal, você disse que me ajudaria junto com Zahra a enfrentar Rezon e que não me deixaria morrer. Você podia muito bem ter deixado Rezon me matar primeiro e, com as informações que eu te dei, enfrentá-lo depois. Mas você quis me salvar. Não sei por que, porque nunca fiz nada de bom a você. Nunca fiz nada de bom a nenhuma pessoa. Mas tenha certeza que antes da minha morte isso vai mudar.

            Martin levantou-se da cadeira subitamente. Parecia que ele ainda sentia um pouco de orgulho.

            — Eu fiz muitas coisas que não devia e tudo de bom que eu fizer agora não vai apagar o mal que já fiz. Mas eu posso pelo menos mudar algumas coisas — disse ele, já de costas para Nirina. Quando ele se virou, já tinha o característico sorriso do típico Martin. — Quero que fique com isso — falou ele, estendendo um pedaço de papel à Nirina. — Pode ser útil. Obrigado por me ouvir essa noite.

            Ele começou a se afastar enquanto Nirina mantinha-se em pé, parada. De repente, ela estendeu um braço.

            — Martin! — ele se virou. — Eu o desculpo. Já lhe perdoei por todas as coisas que me disse.

            Martin sorriu sinceramente e olhou para Nirina. Ele parecia ter lágrimas nos olhos. Rapidamente, Nirina correu até ele e o abraçou.

            Inicialmente, ele não soube como reagir. Depois envolveu os braços sobre os ombros da garota, deixando que uma lágrima escorresse sobre seu rosto.

            — Você abraça como minha filha... — ele sussurrou, soltando-a pouco tempo depois e abrindo a porta, dando um sorriso final para a aprendiz. Ela continuou parada e por um instante se esqueceu do papel em suas mãos.

            Quando Martin saiu, ela se deu conta de que era uma carta com um selo quebrado. Poderia Martin ter roubado essa carta de alguém? Antes de ficar se questionando, decidiu abrir.

            Quando leu, não ficou menos surpresa do que quando recebeu a visita do líder: aquela era uma carta de Rezon para a Rainha Naama. Ela sabia de tudo e, pior, ajudava Rezon com seus aliados e na escolha das vítimas. Nirina afinou os olhos e resmungou, rangendo os dentes de raiva: “Maldita Rainha...”

            Enfiou a carta em uma das gavetas de seu armário e deixou algumas de suas roupas por cima. Não queria que ninguém encontrasse, mas também não poderia ficar andando com a carta sob sua túnica. Era muito arriscado.

            Quando tirou a túnica e pôs sua roupa para deitar na cama, ficou muito tempo sem conseguir dormir, pensando em Martin e na Rainha Naama. “Nunca gostei muito dela mesmo”, pensou. “Eu o perdoei, Martin. Mas a Naama eu jamais conseguirei perdoar”.
            “Aliás” pensou ela novamente, “Martin chorou hoje enquanto me abraçava?”


~
 

            Assim que Nirina conseguiu cair no sono, a noite passou rápido. Ela acordou com batidas à porta, assustada, imaginando que já seria Zahra. Quando abriu a porta ainda com sua camisola, constatou que era mesmo a mestra.

            — Bom dia, preguiçosa — disse Zahra, entrando, com um sorriso travesso. — Cadê a sua túnica de clarividente e por que ainda não está pronta para as aulas?

            — Mestra — disse Nirina, segurando a professora pelos ombros. — Eu tive uma noite e tanto ontem, sinto muito. Martin veio aqui me pedir desculpas e me contou parte de sua história de vida.

            — Hm... — murmurou Zahra. — Ele deve realmente te achar especial pra fazer isso!

            — Mas essa não é a parte mais importante — ela continuou, correndo até a gaveta onde havia deixado a carta. Pegou o papel, atraindo a atenção de Zahra. — Martin me entregou isso. Disse que era pra ficar comigo e que poderia ser útil.

            — Uma carta com o selo quebrado? Era para ele?

            — Veja.

            Quando Zahra abriu e leu a carta, Nirina quase achou graça na expressão de espanto no rosto da mestra. Zahra leu duas, três vezes, e não conseguia acreditar.

            — Eu sempre soube que Naama era uma mulher má, mas nunca imaginei que ela chegaria ao ponto de conhecer Rezon e ajudá-lo.

            — Pense — disse Nirina. — Pelas características físicas de Naama, ela aparenta ter nascido em Nali. Certo? Ela é muito diferente de Ian, que não tem as características de um nativo de Nali, e sim de um nativo de Sira. Ela pode muito bem ter nascido em Nali, conhecido Rezon lá há muitos anos e agora estar ajudando ele. Foi Martin quem me entregou a carta, você deve saber que ele e a Rainha estão sempre de conversa. Nos meus primeiros dias aqui, ele disse “Vou ficar de olho em você a pedido da Rainha Naama”.

            — Sim, eu sei — respondeu Zahra. — Eu e Naama também somos próximas, eu sou a única daqui que aguenta conversar com ela. Mas ela mentiu pra mim esse tempo todo e me enganou, como pode! Jurei a ela que jamais leria sua mente e eu não sou maga de quebrar a própria palavra!

            — Bom, mestra, acho que é hora para uma mudança de postura.

            — Eu também acho — disse Zahra, assentindo com a cabeça. — Eu também acho.


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Notas finais do capítulo

Esse capítulo tem uma mensagem especial envolvendo o Martin. Eu sou do tipo de pessoa que gosta de acreditar que todas as pessoas tem um motivo para agir como agem. E existem também pessoas que compreendem isso e ajudam essas pessoas de alguma forma.
Nirina foi a boa pessoa a ajudar o Martin aqui, que estava tão triste e decepcionado que não sabia mais o que fazer com a própria vida. Martin é a representação de alguém machucado e rancoroso, que maltrata os outros porque a vida também o tem maltratado. Já o Rezon é a representação das pessoas que puramente desejam o mal aos outros e faz de tudo para ver isso acontecer. A bondade no coração de Rezon não existe mais, enquanto a bondade no coração de Martin estava sufocada pela tristeza.

Espero que gostem! Aceito críticas positivas (:D) e negativas também.
Abraços!