Fraternidade escrita por Esther K Hawkeye


Capítulo 32
Parte XXXI


Notas iniciais do capítulo

Como eu disse em "Wagner e Emilie", eu vou dedicar apenas o final de semana às minhas histórias. Até essa onda de estudos, etc, passarem.

Boa leitura :)



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O fim da guerra

Andrija acordava exausta de mais uma angustiada noite em Bergen-Belsen. Estava completamente fraca e sem nenhuma motivação de viver mais alguns dias ali. Todavia, queria sobreviver, custe o que custar. 

Ela abrira os olhos, mas ainda estava com a cabeça posta em seu travesseiro, num treliche desconfortável. Aquele barracão fedia a gente morta e restos desagradáveis. 

Mas ela não se importava com o cheiro, já estava acostumada. E tinha uma horrível sensação de que ela seria a última da família que estaria viva. Mas aí vem Vencelau em sua mente; queria voltar à Belgrado, apenas por ele, por mais ninguém. 

Ela pôs o seu rosto sobre o trevesseiro, imediatamente começou a chorar. Aquilo era horrível, e sentia que não ia aguentar nem mais um dia. 

Ao levantar o tronco, olhou para as mãos, completamente sem carne alguma. Ao se levantar, viu o seu reflexo num espelho quebrado, bem diante a ela. Uma visão que deixou-a abismada. 

Naquele reflexo, não era Andrija Krleza. 

Antes, era uma doce menina, com cabelos longos, castanhos e macios; agora, aqueles cabelos estavam cortados desigualmente, como de um homem. Os seus olhos verdes estavam agora fundos e assustados, como a de um animal prestes a ser devorado pelo predador. Por fim, sua pele leve, lisa e com uma tonalidade avermelhada; agora, era uma cratera em cada lado do rosto, uma expressão anorexa e horrível. 

Ao ver aquilo, Andrija começou a chorar novamente, baixinho, e sem mesmo ela realizar que estava chorando. 

Ela estava horrível. 

-- 

Mas aquele dia era um dia especial, mesmo os prisioneiros não sabendo que era especial. O campo de concentração estava sendo invadido por tropas britânicas, e ela percebeu isso. Ao ouvir alguns tiros e soldados falando em inglês entre si. 

Agora se lembrara de que os alemães, pouco a pouco, deixavam o campo. Eles estavam fugindo dessa invasão britânica. 

Um alívio? Prisioneiros judeus ouvindo esta frase:

- Vocês foram libertados pelo exército britânico! 

Um soldado da Grã Betanha gritou isso, em voz clara, e bem alta. Andrija suspirou e sorriu leve, mas não coseguia acreditar que sobrevivera a Bergen-Belsen. Mas como ela voltaria para Belgrado? Talvez, se ela tentasse convencer os soldados britânicos a ajudá-la, não seria uma má ideia. O problema era que Andrija estava arrasada, completamente acabada, e não conseguia pronunciar nem se quer uma palavra. 

Mas pela sorte de Andrija, alguém corria entre as prisioneiras, procurando-a:

- Andrija! Andrija Krleza! Andrija! Andrija! Andrija Krleza! 

Ao reconhecer a voz, Andrija arregalou os fundos olhos verdes. 

- Feliciano? - Ela sussurrou. 

Depois de cinco minutos, Feliciano a encontrou. Orgulhoso e alegre, correu até ela. 

- Ainda bem! Eu te encontrei! - Ele falava, alto. 

Andrija observou as vestimentas do italiano, ele estava com um uniforme do exército britânico. 

- Feliciano... - Ela falou, baixinho. Ele olhou para suas prórpias vestimentas. 

- Ah! Isso! - Ele coçou a nuca. - Bem... - Começou a falar baixinho. - Foi a única maneira de eu conseguir entrar aqui. 

Ela sorriu, fraco. Até que ela perdeu a consciência por alguns instantes e cair nos braços do italiano.

- Opa! - Ele a segurou. - Deve estar exausta... 

Ela assentiu, com o rosto mergulhado nos braços dele. 

- Tudo bem... Tem um médico esperando por você. Depois que estiver saudável e bem alimentada, vou levar você à Belgrado. 

Ela se afastou um pouco, erguendo uma sobrancelha.

- Isso tudo quer dizer que...

Ele assentiu.

- Sim... A guerra está quase acabando e os nazistas estão perdendo. 

Ela sorriu largamente, orgulhosa. Tamanha a alegria dela naquele momento. Ela estava voltando para casa!

A notícia

Vencelau estava em seu escritório, no trabalho. Via tudo o que tinha que ver e trabalhava muito naquilo. Mas a preocupação ainda assim o dominava. Até que entrara alguém no escritório. 

- Vencelau?... - Era um dos secretários. 

Vencelau ergueu a cabeça, observando-o. 

- Alguém quer falar com o senhor. 

O jovem suspirou, erguendo-se e acompanhando o secretário até o saguão. Lá, estava Ludwig, o que fez Vencelau estranhar um pouco.

- Ludwig? O que faz aqui?

Ludwig deu um meio sorriso.

- Boas notícias! - Ele parecia contente. - Bergen-Belsen foi liberada!

Ao ouvir aquilo, Vencelau arregalou os olhos e agarrou os ombros do alemão, desesperado - e alegre -  perguntou:

- Por favor! Diga-me que Andrija está bem! Ela está bem? Por favor, diga que sim! - E o balançava, de tal forma que ficava uma cena engraçada.

- Oh! Acalme-se! Feliciano está atrás dela, ela está viva, sim! 

Na realidade, Ludwig não tinha certeza. 

Os olhos de Vencelau foram vítimas de lágrimas de alegria, um sorriso largo e bobo no rosto e um alívio sem tamanho. 

- Ah! Obrigado! Obrigado! - Involuntáriamente o abraçou forte. 

- Estou sem... ar! - Brincou Ludwig. 

- Desculpe-me... - Ele deu uma risadinha, o separando. - Meu irmão e Andrija estão vivos depois de tudo isso... Estou bem feliz. - E suspirou, para conter a felicidade. - Se o Scepan estiver vivo também, eu vou ter um grande surto.

Ludwig revirou os olhos, mordendo os lábios.

- Ele está em Dachau, e ainda não foi liberado. 

Vencelau tirou o sorriso no rosto, mostrando uma face preocupada, novamente. Engoliu em seco.

- Mas... Daqui a pouco... O campo vai ser liberado... Não vai?

Ludwig suspirou.

- Eu espero que sim...

O sacrifício de Olga

Em Dachau, tudo estava muito preocupante para os soldados de lá. Muitos rumores entre os prisioneiros, de que Aushwitz foi liberada em janeiro daquele ano, e que, em pouco em pouco, todos os campos estavam sendo liberados. Mas logo, os prisioneiros paravam de falar e voltavam ao trabalho, por ordem dos soldados nazistas. 

Todos os judeus, ciganos e outros prisioneiros rezavam para que tudo aquilo, todo aquele rumor, fosse verdadeiro, e que logo, seria a vez deles. 

Olga estava inquieta, não conseguia parar de pensar na possibilidade do campo ser liberado. Sentia os soldados americanos vindo, vinde sons de armas de fogo e bombas, que estavam se aproximando dela mais e mais. Sentia já a corda em seu pescoço e seu corpo completamente sem vida, tirada por russos e americanos.

Scepan percebia a inquietude dela, e logo tentava acalmá-la, de que nada iria acontecer com ela. De que ninguém ia tocar nela. 

Alexis e Walter estavam por lá, observando os judeus e os trabalhos dos soldados nazistas por lá. Aquilo poderia ser natural para Walter, mas para Alexis, ver aquilo era completamente angustiante. Quem diria, que mesmo sendo uma religião diferente das demais na Europa, iria ser algo que custaria a vida de várias pessoas. 

Mas naquele dia, os soldados estavam evacuando, tentando se livrar dos americanos que viam por lá.

Olga se encontrava no lado de fora do campo, em meio a muitos outros soldados, que tentavam entrar em trens, para fugir do ataque, que com certeza eles teriam. 

- Vamos senhorita Olga! Temos que fugir! - Gritava um dos soldados. 

Olga cambaleava dentre eles, mas não queria embarcar agora, estava com uma mala na mão e com um casaco vestido. Mas antes de tudo, queria se despedir de Scepan, queria falar para ele tudo o que sentia, mais uma vez. Queria explicar de como ele a mudou, e de que eles nunca mais se veriam, que ela ia sentir muito a falta dele e isso a machucava.

Mas como fazer isso na frente dos soldados nazistas?

Ela estava novamente iquieta, observando todos os presos, que estavam apenas os observando partirem, alguns com um sorriso no rosto, dizendo no olhar: "Bem feito." 

"Bem feito"... Os nazistas, que se diziam tão superiores os judeus, agora estavam fugindo como ratos do exército americano. 

Olga se debatia, enquanto um dos saldados a segurava pelo braço.

- Não! Eu preciso fazer uma coisa antes! Me solte! Eu embarco daqui a pouco! Me solte!

- Não, senhorita Olga! Temos de partir agora! Se não, nossos pescoços vão ser cortados! 

Ela não queria saber. Todavia, via alguns soldados atirando em alguns judeus, que estavam passando por lá, rindo dos alemães. 

- Parem! - Olga gritou para eles. - Isso é inútil agora! Isso não vai fazer com que os americanos recuem! 

Mas eles não deram ouvidos, continuaram atirando, matando uns, ferindo outros. 

Até que uma voz assustada e desesperada gritava pela jovem alemã.

- Olga! - Scepan gritava. 

Olga o olhou, com os olhos arregalados, e com um sorriso no rosto.

- Scepan!

Scepan logo empurrava, com bravura, os soldados, para chegar perto de Olga. E conseguiu, por meros segundos. 

- Olga... Venha comigo... Eu vou te ajudar...

- Scepan... - Ela sussurrou.

Até que ele foi violentamente separado dele pelos soldados. 

-- 

Alexis e Walter estavam em meio daqueles soldados, para que entrem no trem. Alexis olhava para trás, com os olhos arragalados, enquanto estava misturado em meio dos alemães. 

- Cadê Scepan e Janez? - Ele gritou para Walter, era o único meio de eles se ouvirem. 

Walter agarrou o pulso de Alexis. 

- Eles vão ter que ficar aqui! Os americanos irão salvá-los, você vai ver! Não podemos ficar aqui, você será confundido com um alemão e irão te matar! 

Alexis decidiu acreditar no tio, deixando-se levar pelo fluxo de gente. 

-- 

Quando Scepan foi separado de Olga, Janez assistia aquilo de longe. Ele se desesperou, e tentou correr até ele quando os soldados apontaram os fuzis para Scepan. 

- Scepan! - Ele gritou, mas foi impedido por um homem judeu mais velho, que colocou os braços por volta do jovem.

- Não! Você será morto! - Advertiu o homem. 

Scepan notara que aquele era o fim da linha. Jamais se encontraria com sua irmã novamente, e já estava aceitando a morte. Ele então fechou os olhos, pronto para o que viria depois.

Ver aquela cena fez o coração de Olga ficar feito uma bomba. Os seus olhos, arregalados de medo; o corpo tremendo. Engoliu em seco, tentando pensar em alguma coisa para, de alguma forma, impedir aquilo. 

Não teve dúvidas do que fazer. 

Os soldados atiraram, três balas. 

Scepan abria os olhos, e não sentia nada, olhou para si, estava intacto. Quando olhou para frente, viu Olga. Olga estava lá, em sua frente, protegendo-o. Scepan arregalou os olhos e seu coração ficou aflito. 

Olga tinha se posto em sua frente, para salvá-lo. 

As lágrimas da alemã caíam, enquanto sentia a dor de uma bala no peito e duas na região da barriga. Os soldados a olharam, incrédulos. 

- Senhorita Olga! - O soldado que estava com ela gritou, sendo impedido pelo resto do grupo. 

- Parem... Com isso... - Olga falava. - Vocês são homens... Não assassinos... 

Ela se ajoelhou, e poderia ter tombado no chão se Scepan não tivesse a segurado, colocando-a em seu colo, olhando para os olhos semimortos dela. 

- Olga! Por que fez isso? Era para eu morrer... - Scepan tinha lágrimas incontroláveis nos olhos, ele chorava como nunca. 

Janez observava a cena, assim como vários outros judeus e alemães, que fizaram uma grande roda para ver o que estava acontecendo. 

- Meu Deus... - Janez sussurrou, balançando levemente a cabeça, como se estivesse dizendo "não". 

As lágrimas de Scepan caíam sobre o rosto de Olga, que o olhava, com um olhar vazio, mas com significado.

- Scepan... Eu... Te amo. - Ela gemeu. - Eu sei que... Eu não vou para o céu... - De novo. 

- Não fale isso, Olga! Você vai ter que viver! 

Olga fez um "não" com a cabeça, fraco.

- Scepan... - Ela ergueu com dificuldade até encostar no rosto de Scepan, limpando as suas lágrimas. - Você precisa voltar para a sua irmã... - Falava com dificuldade, enquanto sentia a morte vindo até ela. 

Scepan apertou forte a mão dela. 

- Não Olga! Você não pode morrer! Olga! - Gritava, sem medo de que os outros ouvissem. Nem se quer percebeu que o campo inteiro estava silencioso, apenas por causa dessa cena. 

- Você vai ter uma vida maravilhosa, eu te prometo... - Ela soluçou, como se o coração estivesse se preparando para parar de bater. - Scepan... Você mudou a minha vida... E sempre estarei te vendo. Porque... Eu te amo.

Scepan se deixou levar pelos soluços e o desespero. 

- Eu... Também te amo. - Ele falou, baixinho. 

Depois disso, ele se inclinou, beijando os lábios da sua amada alemã. Depois, sentiu a mão dela morrendo, e seu corpo relaxar. 

Olga sentiu um enorme prazer ao morrer, que era os confortáveis lábios de seu amado judeu sendo sentidos em sua pele. 

Scepan se afastara, e balançando o corpo sem vida, com desespero.

- Olga! Olga! Por favor... - Ele deitou a cabeça do cadáver em seu peito. - Não... 

Este foi o final trágico de Olga Haag.

-- 

Após toda aquela cena, os alemães tinham ido embora, deixando os presos sozinhos naquele campo. Scepan tinha levado o corpo de Olga para dentro do saguão do centro de administração, agora vazio. Deitou o cadáver no sofá, colocando as mãos dela cruzadas na região do diafragma.

Tudo aquilo, entre lágrimas, angústia e sensação de perda. 

Não demorou muito para Janez se juntar a ele, olhando com pena para aquele cadáver de uma linda moça. Suspirou, não pronunciando alguma palavra. 

Depois, veio o garoto de doze anos, que Olga tinha poupado a vida, indo até ao lado de Scepan e Janez, olhando com tristeza para a pessoa que tinha poupado a sua vida e ter se conformado com o seu estado, após ter perdido os pais. 

E logo após, veio a mãe com o filho, que caminhavam de mãos dadas. O garoto cujo Olga salvou no incêndio, com sua mãe, agradecida. Juntaram-se a eles, com olhares judaicos depressivos. 

Em uma questão de cinco minutos, vários judeus se encontravam no local, rezando pela alma de Olga, aquela que mais do que uma administradora, fez com que muitos dali estivessem vivos até o final. Ela fez de muito para eles, e eles estavam agradecidos. 

Após isso, sem ligar para a platéia que estava atrás dele, Scepan tirou um terço da pequena mesa que estava ao lado do sofá, colocando-o por baixo das mãos de Olga. Após isso, tirou a estrela de Davi que encontrava-se em sua vestimenta e colocou no mesmo local do terço. 

Olhou para o símbolo nazista na parede, suspirando. 

Não demorou muito para os outros judeus fazerem o mesmo. Todos tiraram suas estrelas de Davi e colocaram em várias partes do sofá e alguma parte do chão. 

Um memorial para aquela que salvou a vida de vários, e se sacrificou por um. 

Olga Haag tinha ido ao Paraíso. 


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Notas finais do capítulo

EEEEEEHEEEEEE! :3
Fiz alguém chorar?
Enfim... É com grande pesar, que faltam apenas três capítulos. (Amém!)

Ok, depois tem mais.
Até o próximo capítulo. :)



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