As Cores da Liberdade escrita por Ryskalla


Capítulo 2
Segunda Carta - Cores Novas no Céu




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/333124/chapter/2

Caro Charles,

Você não irá acreditar! Em meus dezessete anos de vida, nunca vi nada igual. Pergunto-me se, quando tinha minha idade, você já viu algo parecido. É claro que já vi vários projetos, desenhos em alguns livros, mas nunca um tão majestoso, tão grande. Eu nunca havia visto um balão.

E as cores, Charles! Era como um arco-íris. Lembra-se? De quando você me descrevia as cores de um arco-íris e até desenhara um para mim? Eu guardo o desenho até hoje. As cores do balão eram maravilhosas, contudo agora estão escondidas. Ao que parece, o balão perdeu o controle e rasgou enquanto caía nesse buraco infernal. A dona do balão, uma jovem chamada Alice, me pareceu uma pessoa de temperamento forte. Digo, ela pulou da cesta gritando e rogando pragas para Deus sabe o quê. O engraçado foi que, por mais estranhas que fossem as palavras que saíam daquela jovem furiosa, nenhuma delas era um palavrão. Ainda não entendo a razão, porém achei uma coisa digna de se observar.

Não sei se você se lembra, Charles, da senhora Mary, é aquela senhora muito bondosa que faz um delicioso bolo de laranja. Bem, ela foi a única capaz de tranquilizar a jovem forasteira. Imagine só, uma senhora baixinha e, bem, depois de tantos bolos acho que é justo dizer que ela está acima do peso. Mas, voltando ao que eu ia dizendo: uma senhora baixinha e com um peso considerável brigando com uma garota esguia com cabelos castanhos que se dividiam em duas tranças, consegue imaginar? Ambas com o rosto vermelho de tanta raiva e, como se já não fosse estranho o suficiente, começaram a rir. Mulheres, quem pode entendê-las? Agora as duas parecem melhores amigas. Depois disso, todos começaram a ajudar a jovem estranha a guardar seu balão. Realmente, esse lugar está cheio de idiotas, não podem ver uma jovem bonita que correm desesperadamente para ajudá-la. Ontem foi realmente um dia cheio.

Bem, esta manhã a senhora Mary veio aqui como de costume. Lembra-se de que toda sexta-feira ela trazia um bolo para nós? Era por isso que eu esperava ansiosamente que sexta chegasse logo, só para comer um daqueles deliciosos bolos. E Alice veio com ela, queria que eu a ajudasse a descobrir o motivo do balão ter perdido o controle. Ela acredita que o problema esteja na corda da válvula do para-quedas. Eu acredito que o problema esteja no vento, pois o vento desse lugar é muito incerto. Ela diz que saberia se o problema fosse o vento. E eu digo que isso não irá dar certo.

— Tenho certeza que o problema é a corda, ela está interferindo por alguma razão e o ar fica vazando. — Explicou ela, com aquela irritante voz carregada de orgulho. Não tinha tempo, nem paciência, para aturar uma criança. Claro, temos a mesma idade, entretanto a minha mente é bem mais velha que a dela. Com toda a certeza. É óbvio que sou mais maduro.

— Ainda acho que o problema é o vento, o vento aqui varia muito e você nunca esteve por aqui antes, não é? — Tentava explicar pacientemente, porém ela não parecia prestar atenção. Possuía o mesmo olhar determinado de Hexabelle, o que indicava que aquela discussão iria demorar um bom tempo. Hoje completa uma semana. Há uma semana Hexabelle fora embora, há uma semana que não conversamos.

— O que é que houve? — Fui surpreendido com essa pergunta, sustentei seu olhar por um momento. O que ela queria dizer?

— O quê? — Perguntei visivelmente confuso. Além de imatura, fazia perguntas sem nenhuma relação com o assunto. Observei-a se aproximar da minha mesa de trabalho, que diabos ela queria?

— Seus olhos, ficaram tristes de repente. Desculpe, sei que não devo me intrometer, foi um impulso, sabe? E também… — Ela parou, seu olhar recaiu em algo localizado no chão. Maldita curiosidade, me fez tentar seguir seu olhar, porém não havia nada ali. Agora eu tinha certeza de que ela era uma total esquisita. E então fui novamente surpreendido por uma pergunta. — Você usa cadeira de rodas?

— Quê? Ah, uso. Diga-me, você tem alguma necessidade esquisita de fazer perguntas aleatórias? — Sim, Charles, não sou paciente. E sim, Charles, estava visivelmente irritado. Não gosto de coisas que não sejam previamente estabelecidas. No caso, não gosto de perguntas aleatórias. Contudo o que mais me irritou na hora, foi ela ter reparado na cadeira de rodas somente naquele momento. Veja, minha casa é completamente adaptada para cadeiras de rodas, eu sequer fui até a porta recebê-las, apenas apertei o botão que liberava a tranca. Nem mesmo quando a senhora Mary foi embora eu saí do lugar. A cadeira de rodas é algo perfeitamente notável. O que ela achava? Que eu era simplesmente uma pessoa anormalmente preguiçosa?

— Você estava triste por causa da cadeira de rodas? — Perguntou ela, ignorando completamente minha pergunta. O que me deixou mais irritado e mais confuso ainda.

— Não! Estava triste porque lembrei de uma amiga que desapareceu e… — Respirei fundo. Tinha que me acalmar, afinal, eu não estava triste. Por que disse aquilo? Hexabelle se quer podia ser considerada uma amiga. Por Deus, ela está morta, não devia existir. A presença dela não conta. Respirei fundo outra vez, eu sou um completo inútil quando se trata de me manter calmo. — Eu já uso essas cadeiras há alguns anos, não tenho motivos para ficar triste. Logo, isso tudo foi imaginação sua, mas voltando ao seu balão…

— Desapareceu? Há quanto tempo? Devíamos procurá-la, não? Tenho certeza que os outros ajudariam. Como ela é? Quantos anos têm? — E começou a se mover para lá para cá, como se estivesse realmente preocupada. Fiquei encarando-a em silêncio por um tempo, um tempo que deve ter sido longo, pois ela finalmente parou e olhou para mim. — O que foi? Devia estar preocupado! É sua amiga, qual o seu problema?

Aquilo era demais para mim, saí de trás da minha mesa de trabalho e guiei a cadeira de rodas até ela. Acho que meu olhar estava realmente assustador, pois ela deu dois passos para trás.

— O meu problema, senhorita Alice, é que ninguém vai ajudar a procurá-la. Sabe por que, senhorita Alice? Porque ela já está morta há não sei quantos anos e sim, senhorita Alice, eu vejo o espírito dela. Então esse é o meu problema. Eu parei de ver essa dita amiga pelo simples fato de que ela acredita que não é saudável para mim ser amigo de um espírito. Então, senhorita Alice, se você puder ir embora, por favor, eu ficaria muito agradecido. Retorne amanhã para continuarmos a falar sobre o seu balão “defeituoso”. — E aquele olhar… Ah, Charles, como me odiei naquele momento. O olhar dela era tão… magoado. No fim, ela foi embora, como eu pedi.

Então eu retornei para minha mesa de trabalho, apoiei meus cotovelos nela e meu rosto em minhas mãos. De fato, eu estava triste por Hexabelle ter desaparecido, estava irritado e esgotado de pensar em alguma possibilidade de que ela poderia voltar. Alice vira algo que eu me recusava a ver. Por mais que eu me envergonhe disso, Charles, naquele momento eu chorei.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!