Tariq e seus acompanhantes foram instalados em aposentos na ala de hóspedes do castelo, oposta a dos aposentos reais por questão de segurança. Ripchip, Drinian, Dr. Cornélius e Glenstorm foram avisados sobre os calormanos e todos ficariam de olhos abertos e ouvidos atentos. Quanto a mim, já era inquietante ter um calormano sob o mesmo teto que eu, e sendo este calormano ainda suspeito piorava tudo. Eu estava de olhos e ouvidos mais atentos do que todos, o que era um exagero, mas ainda assim inevitável, visto o trauma.

Lúcia largou Jacob um pouco e fez-me companhia pelo resto da manhã, sem dúvida ela notou minha inquietação e não queria me deixar só, já que Caspian estava ocupado e eu precisava me distrair. Ela disse que Jake fora dar uma volta, mas eu sabia que ele foi caçar as partituras outra vez. Ele não descansaria enquanto não as encontrasse.

Permanecemos na biblioteca rodeadas de papéis, planejando detalhes para o casamento e, especialmente, o vestido. Fizemos vários rabiscos de vários modelos, mas nada parecia suficiente. A fome interrompeu nosso trabalho e fomos nos juntar aos outros para o almoço. Tariq, claro, era nosso convidado. Ele parecia contente ao conversar com Edmundo, contando coisas sobre algumas de suas viagens e discutindo as melhores rotas. Caspian dirigiu-me um sorriso calmo quando sentei ao seu lado, Pedro acrescentava um detalhe ou uma pergunta vez ou outra na conversa de Edmundo e Tariq, Eustáquio devorava sua comida como se estivesse sem comer há dias, mas entendi o por que quando notei que ele estava com a face avermelhada por estar treinando ao sol com Ripchip, coisa que ele tem feito bastante ultimamente.

Não falei muito durante a refeição e notei os discretos olhares que Caspian me dirigiu. Soube que ele viria a tocar no assunto depois, a sós. Acho que estava começando a demonstrar demais minha mudança de comportamento desde a chegada de nossos hospedes. O que era um tanto infantil da minha parte. Então estava decidido, não deixaria que isso me afetasse mais como estava afetando. Eu tinha meu casamento para planejar e ele sairia perfeito, não seria atrapalhado por nenhuma lembrança ruim.

Depois do almoço, Lúcia e eu retornamos à biblioteca para continuarmos nosso trabalho. Conseguimos reduzir nossas opções de vestido para duas, mas ainda não conseguimos definir uma de jeito nenhum, nada parecia encaixar em nada. Para mim os dois estavam bons, mas obviamente eu não poderia usar os dois. Sem mais ideias novas para acrescentar aos modelos, estava prestes a escolher um na sorte quando Lúcia inclinou a cabeça segurando os dois papéis lado a lado. Ela os observou concentrada, as sobrancelhas levemente unidas.

–Não consigo pensar em mais nada para o vestido. - confessei. Ela mordeu o lábio inferior, ainda em análise.

–Hm... Certo – ela separou os papéis. - Deixe por minha conta. Vamos para a decoração.

[…]

Nossas ideias fluíram muito bem quanto a decoração, mas logo Jake chegou e Lúcia me abandonou, agarrando as folhas com os vestidos e saindo. Continuei sozinha com meus desenhos até que as porta se abriram e Caspian caminhou em minha direção.

–Sabia que lhe encontraria aqui. - sorriu ele, se aproximando. Sorri de volta. Caspian contornou a mesa e inclinou-se para me beijar antes de tomar assento ao meu lado.

–Achei que só nos veríamos mais tarde. - comentei. - Nossos hospedes estão se comportando?

–Pedro está dando conta dele. Edmundo parece estar entretendo-o bem, então consegui uma brecha para vir aqui. - contou. - Até agora eles não demonstraram nenhum comportamento estranho ou suspeito, ainda bem.

–E quanto aos concelheiros, têm previsão para sua chegada?

–A mensagem foi enviada hoje, eles devem chegar em um ou dois dias. O problema é que Tariq escolheu uma péssima hora para tratar desse assunto. Sem contar a viagem até os concelheiros chegarem, a negociação poderá levar dias e acredito que provavelmente teremos os calormanos como nossos convidados no casamento.

–Se ocorrer tudo bem, acho que não será problema. - falei.

–Se ocorrer tudo bem. - concordou ele, olhando para cima da mesa.

–Caspian, se precisarmos adiar o casamento, tudo bem...

–Não, não. - protestou ele, sem me deixar concluir. - De forma alguma, já esperamos tempo demais, não acha? - lançou um sorriso doce e não resisti em beijá-lo outra vez.

[…]

Como Caspian previu, os concelheiros arrogantes de Tariq chegaram dois dias depois deste. Fomos todos recepcioná-los na sala do trono. Tariq tomou a frente cumprimentando-os e os apresentando. Eram três homens. Todos de meia idade.

–Este são meus concelheiros mais chegados, Majestades. - disse Tariq, voltando-se para nós e indicando cada um deles. - Sahid, Andreas e Tashest. Meus queridos – disse tornando-se aos recém-chegados. - Estes são os Reis e Rainhas de Nárnia, Rei Caspian, Rei Pedro, Rei Edmundo, Rainha Susana e Rainha Lúcia. Sir Eustáquio Mísero e Sir Jacob Walsh. - apresentou-nos e foi inevitável notar os olhares analisadores que recebemos. Vi que Caspian uniu as sobrancelhas quanto a isso e Pedro pareceu ofendido, mas ninguém saiu da diplomacia exigida.

–É uma honra encontrá-los, Majestades – Sahid se pronunciou. - Ainda mais num momento tão auspicioso quanto este em que formaremos uma aliança tão almejada por nossos povos. - e fez uma suave reverência.

–É um prazer recebê-los. - respondeu Caspian. - Imagino que a viagem deve ter sido cansativa, preparamos seus aposentos para que descansem, então poderemos dar início ao nosso objetivo aqui.

Eles concordaram com acenos de cabeça.

–Tariq – chamou Pedro. - Se permite, gostaria de ver os papéis que você disse ter trazido como um modelo.

–Claro, Majestade. - e sinalizou para que um dos seus acompanhantes se aproximasse e entregasse-lhe o rolo de papéis que passou para as mãos de Pedro.

–Por aqui, senhores – disse Lúcia. - Eu lhes mostrarei seus aposentos.

E eles a seguiram. Enquanto isso nos reunimos no gabinete para ler a proposta inicial de Tariq. E como esperávamos, era um absurdo. Um completo absurdo que só piorava tudo.

–Temos cara de idiotas?! - exigiu Edmundo, indignado. - Quem ele pensa que é?!

–Nos subestimou mais do que eu imaginava. - comentou Pedro, visivelmente irritado. - Muita audácia a dele vir aqui nos apresentar isso como se fossemos imbecis o suficiente para acatar o que foi imposto por ele.

–Para mim isto já está bem claro. - disse Caspian. - Isso não passa de uma palhaçada armada para trazê-lo até nós. Duvido muito que um tratado de paz seja realmente sua intenção.

–Temos que descobrir o que é para tornar sua estadia aqui a mais breve possível. - comentou Lúcia. Todos assentimos.

[…]

No dia seguinte, recebemos o mensageiro enviado para entregar os convites para o casamento. Faltavam onze dias e todos os convidados confirmaram presença. Quanto ao assunto “calormanos”, Pedro, Caspian e Edmundo estavam cuidando disso e nos mantendo informadas. Caspian não queria adiar o casamento de jeito nenhum, nem deixar que este fosse atrapalhado pela chegada de nossos hospedes, então pediu para que Lúcia e eu continuássemos com os preparativos.

Naquele dia, Lúcia chegou radiante até a biblioteca onde eu a esperava. Era visível que havia acontecido alguma coisa. Lúcia trazia as mãos para trás.

–Vim buscá-la. - disse.

–Pra quê?

–Para irmos até a costureira, oras.

–Mas não decidi qual ou como o vestido vai ser e...

–Su, eu não disse que cuidaria disso? - interrompeu ela. - Pois então, criei o modelo perfeito!

–Mesmo? E onde está? - animei-me.

–Ah, isso é surpresa, mas garanto que você vai amar! Vem, a costureira está nos esperando para tirar as medidas. - puxou-me pela mão em direção à saída.

–Não posso concordar sem ver o modelo, Lúcia. - bati pé. Ela bufou.

–Confie em mim, Susana. Vai ficar lindo! - e quando seus olhos brilharam não consegui mais dizer não.

A costureira já aguardava no quarto de Lúcia. Sobre a cama haviam vários tipos de rendas, tecidos delicados e finos e até mesmo um cheio de plumas leves, todos alvos, claro. Começamos a tirar as medidas e a decidir os melhores tecidos. Lúcia tomou a frente e quase não me dava voz, mas aceitei, confiaria nela.

Naquela mesma tarde iniciaram-se as reuniões sobre o tratado de paz. Antes, ainda depois de lermos o modelo de Tariq para o tratado, ficou decido que sem dúvida não ficaríamos parados esperando o primeiro movimento deles, então Ripchip ficou responsável por investigar. E agora, enquanto Tariq, seus concelheiros e acompanhantes estavam em reunião, Rip e seu homens investigavam seus aposentos. Ficou certo também que Rip deveria eleger um de seus homens para ficar em cada quarto que hospedava nossos visitantes, vigiando escondidos, o momento em que eles ficavam sozinhos ou reuniam-se entre si. Na dia seguinte, teríamos uma posição definitiva a respeito da intenção dessa visita.