Naquela noite teríamos dado uma enorme festa em comemoração ao nascimento das princesas, assim como foi no nascimento de Leonardo, Richard e Alysson, mas não haviam condições de preparar tal banquete. A situação do reino estava crítica por causa da guerra tão devastadora. O nascimento das gêmeas trazia certa esperança ao povo, mas naquele mesmo momento, nosso exército estava batalhando ao norte, tentando impedir que o exército inimigo atravessasse a fronteira.

Jadis havia sido trazida de volta à vida alguns meses atrás. Não sabemos por quem, mas isso era o que menos importava. Como se não fosse suficiente, não só ela havia voltado, mas como também todos os seus aliados e fiéis. Seu exército tinha dimensões enormes e estávamos a um passo de perder esta batalha.

Pedro, Edmundo, Áries e eu havíamos retornado de uma batalha, alguns dias atrás, contra esse exército. Não vencemos nem perdemos, o exército dela apenas recuou e fugiu, não muito depois, começou a investir contra a fronteira Norte. Mandamos imediatamente mais tropas para lá, para proteger a fronteira, nós iriamos para essa batalha, mas na mesma noite, Susana entrara em trabalho de parto.

Agora, quando eu olho nos rostos pequenos e rosados de minhas filhas, sinto certa paz. Eu as conheço há tão pouco tempo e já as amo demais, elas me dão esperança e forças para continuar lutando.

-Ficaram prontas. - disse Susana calmamente, aproximando-se de mim, trazendo em mãos um pequena caixa de prata esculpida com borboletas. Eu estava sentado na beira da cama, onde nossas filhas estavam deitadas, dormindo tranquilamente. Susana abriu a caixa revelando as duas medalhinhas de ouro que Áries mandou preparar por nós, ontem mesmo. Era incrível a rapidez e perfeição que as mãos dos anões tinham com o ouro.

-Ficaram lindas. - disse eu, sorrindo, mas no mesmo momento, uma batida na porta nos chamou a atenção.

-Entre. - disse Susana.

A porta se abriu e Edmundo entrou, com uma expressão séria.

-Aslam está aqui.

Susana e eu trocamos um olhar. Sabíamos que quando Aslam aparecia era por que algo iria acontecer, e, levando em conta a situação de guerra, podia ser algo muito, muito ruim.

-Ele quer falar com todos nós. - acrescentou Edmundo. Susana deixou a caixa no criado mudo e seguiu, levantei devagar da cama e saímos, fechando a porta silenciosamente e deixando as duas dormindo. Seguimos Edmundo até a sala dos tronos. Lá estavam todos os outros junto com Aslam.

-Quais as notícias? - questionou Lúcia, quando estávamos todos juntos.

-A fronteira Norte foi perdida. - disse ele, causando um arfar em todos nós. - As tropas narnianas foram dizimadas e Jadis está vindo para Cair Parável.

-Então... A batalha está perdida...? - perguntou Gael, abraçando o braço de Edmundo.

-Será impossível evitar a dominação. O único lugar seguro, agora, é o seu mundo.

-Mas não podemos deixar Narnia, não nessas circunstâncias! - protestou Pedro.

-Sim, Pedro, mas se ficarmos, morreremos. Narnia precisa de alguém que lute por ela em breve! - Áries apresentou um outro lado.

-Não podemos deixar nosso povo! - apoiou Edmundo.

-Se ficarmos estará tudo mesmo perdido, mas se, por acaso, formos, poderemos voltar e salvar Nárnia...

Aquele assunto se tornara uma breve discussão entre nós e até Susana e eu entramos nela. Aslam apenas observou e, quando teve uma oportunidade, falou.

-Áries tem razão, mas não seriam necessariamente vocês a deixarem Narnia.

Naquele momento entendemos de quem ele falava.

-Mas eles são tão pequenos... - Sussurrou Susana, consigo mesma.

-Se ficarem eles também serão mortos – continuou Aslam. - Eu os levarei para o seu mundo e lá eles poderão crescer com segurança e voltarão a Narnia para livrá-la, quando estiverem prontos. Mas terão que trazê-los rapidamente, Jadis se aproxima. - disse ele.

Nós voltamos para nossos quartos, onde nossos filhos estavam, para prepará-los. Meu coração estava apertado por ter que deixar minhas meninas tão cedo, tão indefesas, mas eu iria deixá-las mil vezes para salvar suas vidas. Impedi as lágrimas de virem, assim que entrei no quarto e as vi dormindo, inocentes. Susana as envolveu com mantas e o rosto cheio de lágrimas, ela pegou um papel na escrivaninha e escreveu uma breve carta rapidamente. Caminhei até o criado mudo e peguei a caixa prateada entre minhas mãos, virando-me para Susana. Ela me olhou, caminhou até mim e abriu a mesma. Ela pegou as medalhas pequenas e delicadas onde estavam gravados os seus nomes e colocou em seus pescoços, escondendo dentro da manta. Eu abracei Susana, forte, bem forte, beijando o alto de sua cabeça, então cada um de nós pegou uma das gêmeas e descemos, voltando a sala do trono onde Aslam aguardava.

Ele soprou na parede e o portal se abriu. Lúcia chorava, com Richard em seus braços, abraçando-o contra o peito, Áries se aproximou deles e beijou a cabeça do filho que o olhou e sorriu largamente, tocando seu rosto e sussurrando “paiê...”. Áries não conseguiu mais conter as lágrimas e pegou Richard dos braços de Lúcia, envolvendo-o em seus próprios e abraçando-o enquanto sussurrava algo para ele, logo devolvendo-o para a mãe.

Leonardo chorou e chutou, não queria soltar o pescoço de Pedro para ir com a mãe o que só fez os dois chorarem mais. Mas finalmente ele cedeu e seguiu nos braços de Vanessa. Edmundo enrolava os dedos nos cachos ruivos de Alysson, que brincava com o colar de sua mãe, com o nariz avermelhado, mas com poucas lágrimas. Ele beijou o rosto da filha.

Susana chorava com Júlia em seus braços, abraçando-a suavemente contra o peito sem conter as lágrimas. Olhei para Jamim em meus braços e toquei suas mãos, mesmo dormindo, ela segurou meu dedo, então eu não consegui segurar mais as lágrimas. Beijei a cabecinha de Júlia e Susana a de Jamim. Logo, uma serva trouxe uma cesta espaçosa e com muitas mantas em seu interior. Nós ajeitamos as duas confortavelmente ali dentro, cobrindo-as e eu não pude deixar de sorrir ao perceber que elas não iam acordar mesmo, e Susana deixou a carta lá dentro, de modo com que não caísse. Assim que o fizemos, abracei Susana, ela mergulhou o rosto em meu peito, chorando enquanto eu beijava o alto de sua cabeça e afagava suas costas.

Foi quando ouvimos um som vindo da cidade, eram gritos e tinir de espadas. Nos apressamos. Lúcia, Vanessa e Gael, sentaram Richard, Leonardo e Alysson nas costas de Aslam. Como se estivesse brincando, Alysson se deitou na juba de Aslam e olhou para Edmundo sorrindo com um jeito brincalhão do tipo: “eu disse que iria fazer isso um dia”. Edmundo sorriu para ela. Aslam pegou a cesta pela alça com a boca e encaminhou-se para o portal atravessando. O portal se fechou.

-Vamos, temos pouco tempo. - disse Pedro, com a voz embargada.

Susana e eu voltamos para nosso quarto e, às pressas, vestimos as armaduras e nos armamos. Voltamos ao encontro dos outros no pátio de entrada. Todos estavam ali, armados e pronto para lutar até a morte. Ouvíamos o som dos inimigos matando narnianos e se aproximando do castelo. Senti Susana segurar minha mão. Olhei para ela, elevei seu queixo levemente com o indicador e a beijei. Um beijo do fundo do coração, um beijo intenso, como nunca nos beijamos antes.

-Não importa o que aconteça aqui... - sussurrei, olhando em seus olhos marejados. - Eu amo você mais do que eu posso expressar. Você me fez o homem mais feliz do mundo e me deu os presentes mais lindos que eu poderia receber... Duas menininhas lindas... Lindas como você.

Susana sorriu.

-Faço minhas suas palavras. - ela me beijou de novo. - Eu te amo. Amo muito. - nos abraçamos forte e de esguelha pude ver os outros casais no mesmo clima. Também de esguelha, quando Edmundo baixou o escudo, pude ver, na parte interna do mesmo, a boneca preferida de Alysson.

Um som alto fez nossos corações vibrarem. Os portões do castelo haviam sido derrubados e a horda de monstros invadiram. Erguemos nossas armas.

-POR NARNIA, E POR ASLAM! - junto com os poucos soldados que restaram, corremos contra o inimigo.

Rumo a Ultima Batalha de nossas vidas.