Skyfall - Fic Interativa escrita por Duquesa de Káden


Capítulo 3
A Casa de Betty


Notas iniciais do capítulo

Aqui está mais um capítulo para vocês com três personagens novos. Tenho que agradecer aos autores deles, claro, porque as fichas foram realmente divinas.
Boa leitura e não se esqueçam de ler as notas finais o/



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A memória era tosca e difusa, nem mesmo parecia uma memória. Estava mais para uma alucinação ou delírio que minava a sua cabeça e a deixava tonta e febril. Os dedos finos e delicados afastaram a expessa cabeleira negra da testa, como se aquilo fosse diminuir o calor e a fraqueza que se aponderavam de seu corpo. Os olhos, de um azul tão intenso que parecia latejar sob as próprias cores, escondia-se por sob as pálpebras, porque não tinha a menor condição de abrí-las. Estava suando frio, naquele rompante fúnebre de quem conhece a morte muito bem para não reconhecê-la. Tinha medo da morte, muito mesmo, mas simplesmente não conseguia lutar contra ela. O que restara de si foi apenas uma memória.

Lembrava-se dos raios de sol invadindo a janela. Eram sutis, mas para ela, que esteve mergulhada na inconsciência por tanto tempo, parecia uma lanterna direto nos olhos. Levantou-se do leito do hospital, alguns eletrodos se soltando de seu corpo seminu, e olhou em volta como se tudo aquilo fosse muito novo. E era, sabe... Em seus sete anos de vida, nunca havia entrado em um hospital. Tinha uma saúde de ferro – seu pai falava que ela era a garota mais durona da Finlândia. Mas logo seus olhos pararam, petrificados, mirando seu reflexo no pequeno espelho de cabeceira. Nem chegou a reparar nas graciosas flores sobre a mesinha, uma prova de que era amada e vigiada até mesmo na inconsciência. Não poderia reparar, estava em choque. Tinha sete anos; a garotinha mais linda e formosa de sua classe, cabelos negros como ébano, pele branca como a neve, uma verdadeira princesinha metropolitana. Mas o reflexo não dizia isso. O reflexo lhe mostrava uma moça jovem, catorze anos, seios macios, cintura estreita e pernas que quebrariam o seu nariz. Lembrava-se que gritou, que chorou e berrou até a mãe entrar correndo pela porta e abraçá-la.

“Está tudo bem, Julie. Está tudo bem”.”







Yeva ainda podia ouvir aquelas coisas rosnando atrás do muro. Não tinha muito tempo, a hipótese de que a horda pudesse dar a volta e entrar pela porta da frente ou simplesmente escalar a barreira apitava em seu cérebro, e isso estava deixando-a louca. Mas pelo menos via uma casa – bem simples, cor pastel, estilo americana – que parecia limpa. Era a única coisa de que precisava agora. Não aguentaria andar com aquela lasca de vidro do tamanho de um controle remoto atravessado em sua perna. Seus lábios estavam extremamente pálidos e um grande rastro de sangue a seguia. Estava ficando anêmica, sabia disso, mas também sabia que não dava para morrer de anemia no meio de um apocalipse zumbi sem que isso soasse extremamente humilhante e inútil.

Subiu a pequena escadinha que dava para a porta dos fundos. Para a sua surpresa, não estava trancada. Isso fez aquele seu alarme interior apitar ainda mais frenético, mas acabou se tranquilizando com a ideia de que se houvesse algum zumbi ali ou a porta estaria realmente trancada, ou escancarada. Só quando já estava dentro da casa que notou o quanto tinha sido estúpida de não pensar que o vento poderia muito bem ter batido a bendita porta, mas agora não tinha mais volta, já estava lá dentro mesmo.

Todo o lugar estava muito escuro, só iluminado por alguns finos fios de luz do sol-poente entrando pelas janelas de vidro, que estavam fechadas. Encontrava-se num corredor estreito, resolveu explorar um pouco mais. Com os ouvidos bem atentos e o revólver destravado, caminhou lentamente até a sala de estar. Logo de cara percebeu que os moradores daquela residência haviam armado uma barricada na porta da frente, que estava bloqueada por sofás e estantes, enquanto uma das janelas tinham madeiras mal cortadas pregadas por todos os lados, como remendos. Apesar disso, tudo estava arrumado, não parecia um lugar onde uma daquelas coisas poderia estar. Abaixou a arma quando notou um telefone onde haviam algumas mensagens armazenadas. Sabia que não devia fazer aquilo, que era realmente perigoso ficar com a guarda baixa para fuçar mensagens alheias, mas sua curiosidade sempre falava mais alto.

Apertou o botão para dar início a caixa de voz.

Betty, você não sabe como é legal aqui na Filadélfia. Visitamos um parque outro dia desses, eles fazem um peixe assado que você simplesmente não consegue acreditar. Compramos até uma bola de beisebol para o Jake com o brasão do time daqui e mandamos pelo correio. Ele vai adorar!

Yeva estava realmente tentada a caçar pelo banheiro algum antibiótico e tentar tirar aquele vidro de sua perna, mas a palavra Filadélfia havia prendido seus pés ao chão como chumbos. Apertou o botão novamente, mal contendo aquele espírito jornalístico que a consumia.

Betty, alguma coisa estranha está acontecendo. Ontem passou algum negócio sobre um míssel que caiu em Nova Iorque, pediram para a gente não se preocupar, mas eu e o George vimos Betty... Nós... Oh meu Deus! Estão todos mortos.

Betty, por Deus Betty, o George... Oh meu Deus! Por favor, pegue o Jake... Peça para o Jake arrumar as coisas dele e partam para a casa da tia no Canadá. Você não sabe o que está acontecendo aqui Betty. Eles... Eles devoraram o George vivo. Meu Deus! Isso não está acontecendo.

A voz ficava cada vez mais desesperada, na mesma intensidade em que Yeva ficava cada vez mais horrorizada e, mesmo assim, incapaz de parar de ir fundo naquilo. Finalmente restava apenas mais uma mensagem.

Betty... Acho que não tenho como fugir agora. A porta da igreja está cedendo e vão acabar entrando aqui e... E devorando todos nós. Eu só quero que você diga ao Jake que... Diga ao Jake que eu o amo muito, está bem? Eu o amo muito”.

Zero mensagens”. Essa última tão melancólica e triste que mesmo se tivesse mais alguma, Yeva não seria capaz de escutá-la. Não conseguia acreditar que aquilo estava acontecendo. Parecia um sonho louco que temos quando somos crianças por ficarmos até tarde assistindo filmes de terror. A única diferença era que ela realmente acreditava que fosse um sonho, mas tinha certeza de que não iria acordar nunca.

Ouviu um ruído. Rapidamente ficou em pose de ataque e levantou o revólver para tê-lo na mira. Parecia que o barulho vinha da cozinha. Andou lentamente até lá – não poderia andar rapidamente nem se quisesse. Por Deus, aquilo estava uma bagunça! Gavetas e armários abertos, facas para todos os lados e tanto sangue seco pelo chão que mais parecia uma pintura contemporânea. Sentiu-se internamente desesperada e desolada por isso. Aparentemente Betty não havia chegado ao Canadá.

Virou o corpo com a intenção de ir para a sala. Aquela cozinha lhe dava enjôo. No entanto, foi barrada por um zumbi que vinha em sua direção, com as suas pequenas garras querendo agarrar o seu pescoço. Tomou um susto tão grande que se desequilibrou e caiu, o revólver deslizando pelo chão até debaixo da geladeira, enquanto aquela coisa monstruosa se abaixava por cima dela com a boca tão próxima de sua pele que Yeva pode sentir o cheiro de carne podre.

Tentou empurrá-lo pelos ombros para longe, mas a coisa agarrou o seu cabelo com uma das mãos e ela contorceu-se. Não dava, simplesmente não dava para chutar, havia perdido o movimento de uma das pernas e praticamente a arrastara do muro até a casa. Até que ouviu um zumbido, a cena acontecendo rápido demais para ela sequer perceber. Quando deu por si, a coisa já havia caído desfalecida sobre o seu corpo, com uma flecha direto em sua cabeça. Suspirou aliviada e levantou-se pela terceira vez naquele dia.

Percebeu que não estava sozinha quando viu uma garota em frente à geladeira aberta – ela provavelmente estivera lá dentro antes – segurando um arco e com algumas flechas apoiadas nas costas. Ela vestia apenas uma calça jeans escura, rasgada não propositalmente nos joelhos e nas coxas, além de um coturno negro coberto de barro e uma blusa três quartos preta (ou cinza, não dava para saber com todo aquele desbotado) que tinha um pequeno broche de gavião dourado anexado nela. Estava assustadoramente pálida, seus cabelos, antes memórias de fios sedosos e saudáveis, parecia um ninho de rato negro e embaraçado com terra e grama. Uma cicatriz adornava o lábio inferior e também tinha outra no braço esquerdo, essa com pontos tortos.

– Oh meu Deus, você está bem? – Yeva perguntou, correndo para perto da jovem – Qual é o seu nome?

A desconhecida mirou-a cuidadosamente, como se nunca tivesse visto uma pessoa antes. Descobriu o que a intrigava depois, quando ela tocou suavemente os seus cabelos cor-de-rosa.

– Você é daqui?

– Julie De Noir. – a garota sussurrou, num fio de fôlego.

– O que disse?

– Meu nome. Julie De Noir.

– Julie. É um belo nome. – Yeva sorriu amigavelmente – Você mora aqui perto? Tem pessoas vivas com você?

– Eu vim de Nebraska. – Julie respondeu. Havia um quê dócil e ingênuo nela difícil de explicar, mas que fazia Yeva ter a sensação de que estava falando com uma garotinha. – Aquelas coisas... Os “doentes”, eles estão por toda parte. Tomaram tudo, não sobreviveu ninguém. Washington é o lugar mais seguro.

Yeva levantou ambas as sobrancelhas numa expressão cética e ao mesmo tempo irônica.

– Parece que não por muito tempo. Escute, você pode andar? – Julie parecia tão frágil. Yeva lembrou-se de uma trufa que havia pegado na recepção do hotel e imediatamente deu à garota. – Coma isso, irá se sentir melhor.

A garota consentiu e pegou o alimento, devorando-o em uma só dentada. Aparentemente a causa de seu mal estar, de toda a tontura e até mesmo dos delírios era apenas fome. Yeva achava que ela não se alimentava por dias, quem sabe até semanas. Ela mal podia andar, na verdade, teve que apoiá-la sobre os ombros para saírem da casa mesmo com a perna ensanguentada. Acabou não achando nada no banheiro e sabia que tirar o vidro só faria oxigênio entrar na ferida e piorar ainda mais, portanto apenas rasgou um pedaço da própria calça e amarrou em volta da ferida, para estancar o sangue. Não esqueceu-se da arma, claro. Quem a pegou foi a sua gata Kono, de forma que Yeva chegou a comentar que ela simplesmente “desaparecia nos momentos mais tensos”.

Sabia que deixar Julie para trás tornaria a sua vida mil vezes mais fácil. A casa estava segura, não era como se ela estivesse deixando a garota para virar comida de zumbi, embora não tivesse nada aproveitável por lá e ela provavelmente morreria de fome. Mas, sabe, Julie acendia alguma esperança em seu peito. Ela disse ter vindo de Nebraska; havia atravessado os grandes estados de Wyoming, Idaho e Oregon para chegar em Washington e, não sabia como, ela conseguiu com apenas duas cicatrizes no corpo. Quer dizer... Estava quase desmaiando, mas não era como se isso importasse. Por um momento, Yeva acabou se esquecendo do pavor que era saber que os Estados Unidos havia sido tomado por aquela epidemia – começara no leste, em Nova Iorque, a agora finalmente havia chegado ao extremo oeste, no último estado. Parecia que ainda era possível fugir de tudo aquilo.

Saíram da casa aos tropeços, indo até o portão da frente. Julie mantinha uma flecha no arco com muita dificuldade e parecia ter um trabalho enorme para mirar, pois os seus sentidos a traiam. Yeva arrastava a perna, com Kono pendurada no ombro, tirando forças não sabia nem de onde para se manter em pé, ao invés de cair no gramado e começar a chorar como o bebê mais feio do mundo. Levaram mais tempo para chegar ao portão da frente do que levariam para atravessar um quarteirão inteiro em condições normais. Yeva simplesmente não teve reação diante do que viu.

Não era nem um quarto do que Julie já tinha visto em toda a sua tragetória, mas para a jornalista, que mal havia descoberto todo esse pandemônio que se escondera bem debaixo do seu nariz, já era demais. A rua estava empilhada de carros. Carros sobre a calçada, carros capotados uns sobre os outros, um verdadeiro enxame de carros batidos e amassados por toda a avenida. As residências daquele bairro pareciam ter sido tiradas dum cenário de algum filme macabro: as janelas estavam quebradas, assim como portões e portas, e sangue escorria pelos parapeitos. Olhou para trás e constatou que sua primeira impressão da casa em que entrara estava completamente errada, havia sangue no batente da porta e o esqueleto do que parecia ser um cachorro, ainda com sangue e gordura pelos ossos, na varanda. Desviou rapidamente os olhos, pois fora atingida por grande náusea.

– Yeva. – a arqueira chamou-a com a sua voz fraquejante – Há... Pessoas na rua.

Yeva olhou bem para a avenida. Era verdade, havia mesmo duas pessoas na rua aparentemente tentando tirar uma caminhonete velha do meio de toda aquela bagunça. Uma garota, aparentemente da idade de Julie, empurrava os carros em volta enquanto um coroa cinquentão estava no volante fazendo a geringonça andar.

Imediatamente correu até lá – na medida do possível, estava correndo tão devagar quanto uma tartaruga. Gritar já não era tão seguro.

– Hey, hey! – ela exclamou quando estava um pouco mais próxima – Precisamos de ajuda.

A jovem olhou-a nos olhos, não parando nem um momento de movimentar os carros para liberar passagem. Yeva notou que ela não parecia tão detonada quanto si mesma. Seus cabelos achocolatados estavam perfeitamente arrumados e sedosos, as sobrancelhas finas e feitas, dando-lhe um ar maduro que fielmente contrastavam com o olhar juvenil cor de carvalho. Suas roupas também lhe pareciam limpas e bem passadas, tanto a calça jeans escura quanto a blusa do Mickey, o casaco azul claro por cima e o tênis coberto de spykes prateados. Isso a fez ficar subitamente mais otimista; então quer dizer que havia um lugar seguro, afinal.

– Sou Yeva Romav.

A garota parou por um instante, colocando ambas as mãos nos bolsos traseiros da calça e dedicando a jornalista um sorriso realmente adorável. É um gesto comum em pessoas tímidas.

– Rose. – a jovem respondeu, meio indecisa entre falar ou não falar com um estranho, mas essa indecisão logo foi embora quando ela pôs os olhos no machucado de Yeva – Oh meu Deus! Você está sangrando.

– Nem me fale. – sorriu a jornalista, tentando parecer bem humorada apesar de tudo.

– Quem é você?

A porta da velha caminhonete bateu, e só assim pode notar que o homem tinha saído dela. Sentiu a mão de Julie se amparar em seu ombro. Ela parecia ter ficado pior depois de ver o tanto de sangue que vazava de seu ferimento.

– Sou Yeva Romav, do jornal russo. – o homem cruzou os braços sobre o peito, os olhos azuis-esverdeados estreitos analisando-a minunciosamente – Preciso de ajuda. Julie está passando muito mal.

– Julie... É a sua amiga?

– É minha irmã. – respondeu rápido. Não queria correr o risco de que qualquer uma das duas ficasse para trás caso o velho assim resolvesse. Ou as duas ficavam, ou nenhuma.

– Papai!

Foi só então que o grupo alertou-se para onde Rose apontava: uma caravana de cinco zumbis vinham costurando em meio ao caos de carros bem na direção deles.

– Roselind, pro carro!

A jovem correu para a poltrona do motorista, descendo o freio de mão e acelerando com tudo para cima da fileira de carros.

– Rápido, me ajude aqui.

O cinquentão rapidamente pôs-se a empurrar uma ferrari que barrava o caminho, enquanto Yeva e Julie ajudavam como podiam. Os zumbis estavam subindo na caminhonete com os seus dedos podres e afoitos quando conseguiram afastar a ferrari, embora ainda tivesse outro carro no caminho. Mas a situação era irreversível, ou eles voltavam, ou acabavam todos mortos. Julie atirou uma flecha na cabeça de um dos zumbis que havia subido na carroceria e pulou para a poltrona do carona enquanto o homem ajudava Yeva a subir na mesma. Era incrível como a russa não tinha um pingo de sorte. Assim que tentou pegar impulso na primeira vez, dois zumbis agarraram a sua perna boa e a puxaram para baixo; sentiu que um deles estava praticamente devorando a sua sandália. Kono agarrou-se em seus ombros com as unhas de forma que começaram a arranhar e ensanguentar as suas costas inteiras. Não deu outra, além de estar com uma perna da calça maior que a outra ainda teve que dar adeus às suas sandálias.

O homem deu uma coronhada num dos zumbis mais persistentes e finalmente Yeva conseguiu manter-se na carroceria enquanto a caminhonete acelerou com tudo, amassando todo o pára-choque num dos carros que ainda barravam a passagem e arrastando-o por aproximadamente uns duzentos metros, até que fosse deixado para trás como uma pilha de ferro velho. Yeva suspirou pesadamente, notando que o caco de vidro, antes atravessado inteiro em sua perna, estava saindo pelo outro lado. Kono aninhou-se em sua barriga, como se pedisse desculpa pelos arranhões que deu em suas costas.

– Rudolph Montgomery. – o homem falou – É o meu nome.

Yeva gostaria de se lembrar o nome do homem que salvou a sua vida.


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Notas finais do capítulo

Há, alguém aí sobreviveu ao tédio? Amém Jesus.
Só estava querendo dar alguns avisos e tal. Sobre o romance da fic, é claro que ele vai acontecer sim (um dia xD), só estou esperando a apresentação de todos os personagens para que depois vocês próprios possam escolher os pares, okay?
Disse uma vez, mas vou dizer novamente. Não quero mimimi quanto a dor dos personagens. É um apocalipse zumbi, vai rolar gente ficando paraplégica, cega, tendo que amputar uma parte do corpo, gente levando tiro, facada... Enfim, estejam avisados.
Capítulo que vem mais três personagens novos, pois iremos para a Califórnia o/. Enquanto isso... Reviews?