Grécia, 25 de junho de 1985.

Querido Mu,

Como deve ter percebido, acabo de chegar ao Santuário e já escrevo esta carta. Na verdade, só tive tempo de tomar um banho e beliscar alguma coisa, hahaha!

Senti a necessidade de escrever o mais rápido possível. Tive a impressão de que, depois de eu partir, você poderia deixar seus receios falarem mais alto e apagarem tudo o que lhe disse, mas uma carta é algo que permanece, não é? Ainda que sua tristeza e sua insegurança façam minha voz desaparecer das suas lembranças por um momento, você me tem neste pedaço de papel.

Por isso já começo essa carta dizendo: sempre que você sentir uma sombra tentando afligir seu coração, uma voz incômoda na sua cabeça dizendo "Eu não mereço" ou "Eu não posso"... pegue esta carta e a releia. Lembre-se das minhas palavras. E, se eu estiver por perto, peça um abraço, uma carícia... um beijo.

Eu vou repetir quantas vezes forem necessárias para que nunca duvide dos meus sentimentos e nem do seu próprio valor: AMO VOCÊ, Mu. Amo-o daquele mesmo jeito como me descreveu nas suas leituras e nos relatos de Dohko de Libra. Sinto palpitações, meu rosto arde, meus olhos brilham e sinto "borboletas" (sim, é essa exata sensação! Curioso, né?) no estômago quando avisto a torre de Jamir ao longe, só pela expectativa em ver você. E assim que coloco os pés para fora da torre de Jamir, meu peito já se enche de saudades. Na verdade eu já sentia isso há um tempo, mas não sabia definir.

Confesso que ainda tinha dúvidas no momento em que escrevi aquela carta em janeiro perguntando sua opinião sobre o assunto. Ainda estava confuso, com medo de estar confundindo a amizade com algo maior. Depois, meu receio foi que você me rechaçasse. E por fim... depois da sua última carta, senti um certo frio na barriga porque sabia que eu precisava dizer o que sentia.

Ouvir você dizer que é "apenas um cavaleiro exilado" e que eu mereço "alguém melhor" talvez tivesse me partido o coração. Sabe, algumas pessoas às vezes usam esses argumentos autodepreciativos quando precisam dispensar alguém de quem gostam de alguma forma (eu mesmo já vi isso acontecer algumas vezes no bar da vila entre amigos). E eu juro, Mu, que se eu tivesse acreditado que era apenas uma desculpa para não me magoar, eu teria respeitado.

Mas pelos deuses, Mu, acho que eu o conheço mais do que você mesmo! Porque o seu olhar ao me dizer isso era totalmente contraditório. Desculpe-me a franqueza, mas eu enxergava nos seus olhos um desejo reprimido de dar uma resposta diferente. A forma como você mordia o lábio e evitava o meu olhar, o rosto meio corado... se você pudesse se ver naquela hora, Mu, talvez entendesse o motivo de eu ter ignorado suas palavras e puxado você para um beijo (gentil, eu espero). Quero dizer, em parte foi porque percebi que você queria, mas ainda não tinha coragem. E em parte, claro, porque foi uma imagem tão encantadora que eu realmente precisava beijá-lo naquela hora, hahaha (desculpe)!

Não se deprecie tanto, Mu! Você é sábio, sereno, paciente, honrado e extremamente gentil. Tem a mente e o coração no lugar, é uma pessoa admirável. E isso porque estou me segurando aqui para não falar de seus atributos físicos – os olhos brilhantes e bondosos, a forma adorável como você cora quando o toco, o sorriso meio contido, suave... os lábios macios e doces (sim, eu precisava falar isso). Eu é que me questionava, no começo, se mereceria o amor de alguém tão especial. Mas com nossas conversas, entendi que o amor não depende de méritos ou equiparações. Ele simplesmente é. Foi assim que decidi "me permitir sentir" esse amor por você, e eu seria o homem mais feliz da Terra se você viesse a corresponder ao meu sentimento.

É, eu sou o homem mais feliz da Terra, agora, porque agora sei que SIM, você corresponde. E sou capaz de ser mais feliz ainda, basta retornar a Jamir.

Ah... o momento em que você se elevou na ponta dos pés e me abraçou para corresponder ao nosso primeiro beijo, naquela manhã na cozinha da torre! Acho que meu coração entrou em êxtase, cheguei a pensar que estivesse escutando ele bater forte. Naquele momento eu tive a certeza de que era aceito por você. Foi fantástico, de verdade! Tive vontade de apertá-lo ainda mais e de nunca mais desfazer aquele contato.

Queria muito ter dito mais coisas... mas acho que você não ficaria muito à vontade na frente de Kiki, e como eu já estava partindo, a situação ficou um pouco tumultuada (o idiota aqui precisou esperar até os últimos momentos para enfim se declarar a você...). Você também não teve a oportunidade de falar muita coisa depois do beijo, mas espero que sua hesitação tenha sido sanada depois daquele momento que tivemos.

Não fuja desse sentimento, Mu. Pode parecer egoísmo de minha parte, mas sei que não é apenas a minha felicidade que depende da sua aceitação, mas a sua própria. Esqueça seus receios. Amor não se pensa, não se planeja, amor é pra ser sentido. Você tem a capacidade e o direito de amar, assim como seu mestre e Dohko tinham.

Estou sempre aqui por você, Mu. Seja feliz comigo! Mais do que um convite, isso é uma promessa minha. Pense em como somos privilegiados... ainda que eu não possa estar sempre a seu lado, ainda posso visitá-lo, abraçá-lo, ouvir sua voz. Seu mestre e Dohko não tiveram essa oportunidade e ainda assim deram chance ao amor que transbordava em seus corações.

Estou disposto a não permitir que você me escape. Não vou perder você para os seus temores e receios.

Relendo a carta, acho que fui um tanto... incisivo? Talvez. Não quero coagir você, que fique bem claro isso. Mas você e eu sabemos que o sentimento é recíproco, então... por que não nos entregarmos a ele? O amor dá forças, Mu. Que ele seja forte para acabar com essa última hesitação sua.

De novo: eu amo você. E sinto muito se não sou nenhum prodígio em escrever cartas de amor...

Pretendo retornar a Jamir em um mês. Será que posso esperar por mais um beijo?

Sinceramente,

De seu Aldebaran.

P.S.: Acho que não tive a oportunidade de responder à sua pergunta naquele dia, mas os boatos sobre os cavaleiros de ouro apaixonados se referem a nós mesmos. Na verdade, sinto que estou apenas confirmando uma suspeita sua, pela forma como me perguntou.

Mas por favor, não pense que foi uma mentira minha! Minhas visitas a Jamir despertam a curiosidade de uma ou outra pessoa mais desocupada (ora, eles não têm mais nada com que se preocupar além da vida alheia?!). Lembra-se daquela insinuação do Arles sobre minha experiência no frio? Acho que ele também pensa que temos algo. Descobri que éramos nós há cerca um mês, mas achei melhor não revelar antes.

P.P.S.: Não está envergonhado, está? Eu realmente gostaríamos que tivéssemos algo, mas não vou pressioná-lo (mais do que temo já estar fazendo com esta carta, hahaha!) a oficializar nada como namoro ou algo do tipo.

P.P.P.S.: Já contei que nunca retiro o medalhão que você me deu? Imagino você dando forma a ele com a gentileza que você tem... e pensar que este medalhão já esteve em suas mãos me dá um alento especial.

P.P.P.P.S.: Eu não tenho mais nada pra dizer, mas não consigo parar de escrever a você. Por mim, escreveria até amanhã para amenizar minha saudade... mas como estou chegando ao fim da página, acho melhor parar por aqui. Esperando ansiosamente por voltar a vê-lo, despeço-me.