Cartas De Amor escrita por Lune Kuruta


Capítulo 2
Capítulo 2


Notas iniciais do capítulo

Um agradecimento à With pela mensagem. Mais uma vez, muito obrigada pela ajuda, moça! =3
Como prometido, uma carta por dia, a menos que haja algum problema. Bora ler? n.n Vou confessar que estava meio receosa de passar o dia todo off (é Natal, povo! q), mas tô aqui XD



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Jamir, 14 de fevereiro de 1985.

Meu caro amigo Aldebaran,

Espero que esta carta chegue em mãos, o inverno está bastante rigoroso. Não que isso o tenha impedido de vir, não é? Ainda que eu o ache um grande teimoso, agradeço imensamente pelo meu presente. A manta é de uma maciez fantástica e até estou surpreso que a tenha encontrado aí, onde faz tanto calor! Kiki também está radiante com o caminhãozinho, muito obrigado!

Sermões meus sobre sua visita em meio à nevasca, os presentes e nossas conversas amenas impediram que falássemos diretamente do teor de sua última correspondência. E, para ser franco, gostaria que tivéssemos certa privacidade para tratarmos sobre isso, o que ficava praticamente impossível com Kiki correndo pela torre sem poder sair. De qualquer forma, acredito que escrevendo posso organizar melhor meus pensamentos.

Que eu me lembre, meu mestre não falava sobre o amor. Quero dizer, não dessa forma. Ele se esmerava, sim, em tentar me transmitir o amor por Atena, pela Justiça e pela Humanidade, mas o lado interpessoal, confesso, ficou deficitário. Não que seja espantoso, visto que passei meu treinamento em Jamir apenas com meu mestre. Éramos dois solitários, na verdade. Não tínhamos visitas nem amigos, como hoje Kiki e eu temos você.

Acho que não vale a pena gastar linhas para recordá-lo do quão reservado e antissocial eu costumava ser assim que cheguei ao Santuário. Não sabia lidar com pessoas com a mesma facilidade que tinha em lidar com armaduras. Ainda hoje não tenho habilidades sociais como as suas ou as de outros colegas de armas como Aiolia.

O que penso sobre o amor, creio, vem de ponderações não muito elaboradas sobre leituras eventuais. Devo confessar que nunca devotei grande parte do meu tempo a esse tipo de reflexão, absorvido com os treinamentos de Kiki e meus deveres como ferreiro e cavaleiro. Você pode se surpreender ao perceber que talvez saiba mais sobre o amor do que eu, a quem você preferiu recorrer.

Pelo pouco que já li a esse respeito, acho que o amor tem um caráter dúbio. Parece ser capaz de fornecer tanto um brilho aos olhos de quem ama, como você descreveu... quanto tornar o apaixonado debilitado e depressivo, como alardeia Aquário. Penso eu que nós, enquanto cavaleiros de Atena, deveríamos ter nossos corpos e mentes voltados exclusivamente para os desígnios da deusa, e nesse sentido tal sentimento seria apenas um desvio de nossa missão tão exaustiva.

Afinal, devotar-se exclusivamente a um só caminho é muito complexo, Aldebaran. Não podemos viver por conta de nossas próprias vidas, como fazem os civis. Temos uma responsabilidade muito mais vasta. Zelamos pelas vidas de todas as pessoas, e uma distração nossa pode custar mais caro que a de pessoas comuns. Nesse sentido, acho que compreendo o que Camus quer dizer.

Li pessoas matando e morrendo por amor. Isso é tão confuso! O amor é descrito como uma força sublime, mas ao mesmo tempo gera violência, ciúme (ou sensação de posse) e pode levar o apaixonado até mesmo ao suicídio! Para um cavaleiro de Atena, tal atitude é egoísta e descabida. Dessa forma, acredito que esse sentimento possa vir a ser nocivo, sim.

Por outro lado... não posso culpar seu amigo por amar outra pessoa. Em nenhum livro encontrei alguma justificativa para o surgimento do amor, tampouco uma forma eficaz de evitar que ele se instale. Ao que parece, o amor é uma força arrebatadora e não há como escapar totalmente de seus efeitos. Confesso que isso me é um tanto assustador. Seria o apaixonado uma pessoa "possuída" por esse sentimento?

A natureza do amor é dúbia e bastante curiosa. Além dos olhos brilhantes que você relatou, existem também outros "sintomas" que você provavelmente já conhece: palpitações, rubor na face, pensamento fixo no objeto de afeição (talvez isso entre no problema de "distração" que mencionei) e uma sensação curiosa em um livro mais recente que descrevia o amor (ou a paixão) como sentir "borboletas no estômago". Fico me perguntando como seria isso. Seria algo semelhante a cócegas ou náuseas?

Pensando desta forma, o amor se assemelha a uma doença. Ou talvez o amor seria o sentimento e a famosa "paixão" seria sua manifestação física. Não sei ao certo. Doença, loucura ou um poderoso sentimento?

Com isso concluo minhas reflexões iniciais da seguinte forma: o amor de que fala (e do qual seu amigo foi imbuído) é muito diferente do amor que temos por Atena. Nosso amor por Ela é arrebatador, sim, mas nos impele a atos de abnegação e de justiça a um grande número de pessoas. Além disso, é pautado na fé, e não em paixões físicas ou superficiais.

Além disso, nosso amor por Atena não é exigente: amamos Atena sem esperar que Ela nos ame de volta. Você não precisa de um abraço de Atena para amá-la e devotar sua vida a ela. Por outro lado, o "outro" amor parece ser egoísta. Os personagens dos contos exigem provas e declarações de amor; um amor não-correspondido pode impelir o apaixonado a tirar a própria vida, pois ele não vê mais motivos para viver.

Sendo assim, como cavaleiros de Atena... se porventura amássemos e não fôssemos correspondidos, teríamos a (falsa) coragem de nos matarmos por um motivo aparentemente tão pequeno frente à sagrada missão que temos com a Deusa?

Tentando responder aos seus questionamentos, eu seria incapaz de dizer que seu amigo esteja errado em amar, pois, como disse, é algo incontrolável. Mas acredito, pelo que li e pensei a respeito, que o amor nos seja um sentimento um tanto ingrato. Se nos rendêssemos sem reservas a ele, poderíamos estar em falta com os deveres para com Atena; se resistíssemos, é possível que nos submetêssemos a grande sofrimento íntimo.

Escrevi demais, mas muitas dúvidas permanecem. Minhas impressões são desesperançadas e limitadas ao universo de papel que tenho à disposição. No entanto, fiquei tão curioso quanto você acerca do posicionamento de meu mestre sobre isso... acredito que o isolamento dele tenha sido bem menor que o meu.

Imagine, Aldebaran! Será que mestre Shion já teve contato com esse sentimento?

Só existe uma pessoa no mundo que o conhece melhor do que eu. Acho que perguntarei a ela quando for visitá-la na primavera. E é claro, compartilharei minhas descobertas com você.

Dito isso, despeço-me aqui. Espero que minha próxima correspondência seja mais rica em informações e menos repleta de especulações vãs.

Fique bem,

Mu.


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Notas finais do capítulo

A carta do Mu ficou BEM diferente, né? XD Espero que não tenha ficado muito OOC, também. Pela reclusão do Mu, achei que a primeira análise dele sobre o amor seria mais teórica, mas me pergunto se não deixei um tom meio "surreal" no estilo "Nossa, ele realmente não sabe MESMO o que é amor? Onde esse cara vive, isolado entre as montanhas?". Não, espera... -q
Amanhã, a resposta de Aldebaran! Kissus e um excelente Natal a todos!
Lune Kuruta