Grécia, 02 de janeiro de 1985.

Caro Mu,

Como está? Queria muito tê-lo visitado no Natal, mas infelizmente fui enviado em missão. Não bastasse uma viagem maçante, cheia de burocracias a lidar, ainda tive um longo relatório para preencher. Somente agora tenho tranquilidade para escrever a você.

Já sei o que vai me dizer, que não preciso me dar esse trabalho, que o inverno é rigoroso e tudo o mais. Mas você também sabe que estarei aí de todo jeito, então ficam elas por elas. Fui à vila hoje e aproveitei para comprar um belo presente para Kiki e para você também (e não quero ouvir nenhum "Não precisava, Aldebaran"). Assim que puder irei até aí para entregar em mãos.

Por falar no pestinha, como anda o ruivinho? Eu o acho adorável até certo ponto, mas acho que só você e sua infinita paciência para colocá-lo nos eixos. Mas de certa forma é reconfortante saber que você não está sozinho em Jamir e que tinha companhia no Natal. Espero poder estar com você no próximo.

Você sabe que eu iria lhe escrever de qualquer forma, mas na verdade aconteceu uma coisa hoje na vila e quis contar a você. Ou melhor, compartilhar com você algumas coisas que me vieram à cabeça e conhecer seu ponto de vista sobre este assunto...

Como eu disse, fui à vila comprar presentes e, claro, mantimentos. Passei brevemente pelo bar e encontrei um amigo meu... soldado raso, um homem muito bom. Ele não me parecia muito feliz, na verdade. Conversando um pouco com ele, descobri que o pobre homem está apaixonado por uma moça da vila.

Não me entenda mal quando o chamo de "pobre homem". Aparentemente a moça corresponde aos sentimentos dele, e ele carrega um brilho raro no olhar. O que ele me confidenciou é que o problema não está exatamente em seu amor, mas no receio das implicações que ele possa ter. Disse-me que deseja do fundo do coração se casar com a amada, mas que para isso deveria desertar. E como lhe disse da última vez, Arles está cada vez mais estranho. Tem momentos tranquilos, arrisco-me a dizer que até compreensivo, mas em outros se mostra irascível. O soldado (com razão, penso eu) teme que Arles esteja em um de seus piores dias e ordene sua morte por deserção. Infelizmente não seria a primeira vez...

Eu sei que você não confia em Arles, então deixarei esse lado mais sombrio da questão de fora desta carta; de qualquer forma, ele optou por apenas se encontrarem, por enquanto. Mas essa conversa com meu amigo me fez pensar um pouco sobre essas questões de sentimentos... principalmente o amor de cavaleiros.

Sempre achei que amar fosse uma questão humana e nunca duvidei de um dia estar à mercê desse tipo de situação. E quando digo amor, não me refiro ao "amor à Deusa", obviamente. Existem cavaleiros que buscam ignorar esse lado da vida, como Shaka de Virgem e Camus de Aquário (lembra-se dele? Passou muito tempo na Sibéria, mas acho que você chegou a conhecer). Camus, inclusive, diz que esse tipo de sentimento é uma fraqueza que nós, como cavaleiros de Atena, devemos extirpar de nossos corações. Eu não sei se concordo com ele, pra falar a verdade...

Essa questão do Arles me fez pensar se Mestre Shion tinha algum posicionamento sobre esse assunto. O que ele lhe ensinou sobre o amor, Mu? Aliás, o que você sabe a esse respeito? Você acha que é errado um cavaleiro se apaixonar? Destoante de nossa missão?

Assunto estranho, eu sei. Mas acabei ficando com isso na cabeça (você sabe como fico quando cismo com alguma coisa) e quis dividir esses questionamentos com você. Você sempre tem coisas ricas a dizer e, bem, não é como se eu pudesse chegar e falar tranquilamente de amor com o Máscara da Morte, não é mesmo? Hahaha...

Pretendo visitá-lo em breve, se Arles me der uma folga mais longa. De qualquer forma, o esquema de correspondência permanece – enviarei a carta pelo serviço de correspondência da vila (civil) para garantir que a carta chegará até você. Faça o mesmo; a cada três dias passo por lá esperando notícias suas.

Espero que esta carta chegue antes de minha visita, pelo menos. Que tenha um bom Ano-Novo, e saiba que sempre poderá contar comigo! Um grande abraço e mande outro a Kiki!

De seu "grande" (hahaha!) amigo,

Aldebaran.