Catarina de Navarro escrita por slytherina, jessica varela


Capítulo 5
Capítulo 5




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                     A igreja era suntuosa. Tinha um teto abobadado, muito alto. Em cada vão havia um oratório, com uma pequena escultura representando anjos de Deus. Nas paredes, afrescos retratando cenas da Paixão de Cristo. No púlpito, castiçais de ouro com velas acesas. Por trás do púlpito havia mais esculturas, representando Nosso Senhor Jesus Cristo crucificado, em tamanho natural. Ao redor dele, os apóstolos e a Mãe Santíssima. Dom Emanuel de Aragão caminhou a passos cadenciados na igreja. Logo na entrada, ele se ajoelhou e fêz o sinal da cruz na testa e nos lábios. A seguir se dirigiu ao púlpito. A igreja estava vazia. Dom Emanuel sentou-se no banco da frente, aquele reservado aos fiéis católicos. Admirou as esculturas ao fundo. Jesus Cristo martirizado, pregado à cruz com cravos de ferro. A face lívida, o olhar baixo, a postura de alguém entregue a própria sorte.


                     Dom Emanuel lembrou-se do claustro. Os longos períodos de jejum e oração. A leitura de textos bíblicos e de estudiosos católicos. Ele sempre fora elogiado por seus superiores, como muito inteligente e sagaz. Sempre fora paparicado e bajulado, por ser filho de quem era. Nunca lhe negaram que se ausentasse do monastério, para passar temporadas com sua família, pois ele era importante demais para ser tratado como a gente comum, pois pensavam, o mais importante do período de noviciado, era o estudo da bíblia e dos textos cânones. Mesmo assim, Dom Emanuel havia passado grande parte da sua vida, em ambiente religioso.


                     Seu irmão tivera melhor sorte, fora para a academia militar, tornar-se soldado. Ele convivia entre brutos, mas tinha mais liberdade do que Emanuel. Na sua família falavam que Emanuel, algum dia, seria papa, e que seu irmão seria general. Se tais cargos fossem conseguidos por mérito, tais coisas nunca aconteceriam, porém, tanto Emanuel fora alçado ao posto de inquisidor, em tão pouco tempo, quanto seu irmão era agora comandante de exércitos. Emanuel ressentia-se de não ter tido o direito de fazer escolhas, pois se pudesse decidir o seu futuro, decerto escolheria casar-se e ter filhos. Mas, a obra da Santa Igreja Católica era mais importante do que sua vida. Ele deveria abdicar de seus anseios e dedicar-se a sua missão, que neste momento era o "santo ofício".


                     Lembrou-se da garota que conhecera naquela pequena vilazinha. A moça loira de olhos doces e puros. Doía-lhe no âmago do seu ser, não poder fazer a corte a semelhante donzela. Tudo porque era religioso. É claro, na sua adolescência tinha dado algumas escorregadas, mas afinal, qual é o homem que nunca foi seduzido, por aquelas mulheres de pele bronzeada, que moravam na região costeira? E depois teve aquela fiel muito insinuante, mas foi só uma vez, e ela era casada, com certeza a culpa fora dela, que não conseguiu aplacar o clamor do sexo. Ele, claro, procurava manter-se pudico, mas depois de provado do fruto proibido, era mil vezes mais difícil não querer fazê-lo de novo. Mas ele nunca, NUNCA, havia agido como seus colegas inquisidores. Ele nunca havia abusado sexualmente de uma mulher sob seu julgo, enquanto inquisidor.


                     Tinha medo do que poderia acontecer com Catarina, se outro inquisidor pegasse aquele caso. Ela não saíria ilesa de um processo por bruxaria. Melhor seria se ela ficasse sob o julgo dele. Então ele a protegeria, e a teria só para si. Pensando nisso, Dom Emanuel de Aragão ajoelhou-se, fêz o sinal da cruz novamente e iniciou a ladainha. Seus lábios repetiam fielmente as palavras sussurradas atropeladamente, aprendidas de cor, mas sua mente estava longe dali, ela estava ao lado de uma moça nova, loira, magra e de olhar inocente. Dom Emanuel quase podia sentir seu perfume e a textura de sua pele. Instintivamente sorriu enquanto rezava.


                      _ Li a sua denúncia, Emanuel. Achei que houve excesso de zêlo de sua parte. _ Falou sossegadamente, Dom Hernán Morilo, Bispo e superior de Dom Emanuel.


                      _ Não entendo reverendo, por que acha que houve excesso de zêlo? _ Dom Emanuel falou em um tom controlado, mas estava irritado com o que ele achava uma impertinência, mesmo vinda de seu superior.


                      _ Você pretende processar essa moça por superstição? Não acha que já houve suficiente abusos e mortes? Você me espanta Emanuel, nunca esperei isso de você. _ O velho religioso respirou fundo. Ele sabia que estava falando para ouvidos moucos. Seu interlocutor considerava-se acima da lei e de normas, mesmo assim ele achou que deveria apelar para seu bom senso.


                      _ Ponderei sobre o caso envolvendo os moradores daquela vila, bem como os rumores sobre a origem da mãe dessa moça. Achei prudente detê-la para qualificação. Talvez ela seja inocente, e não precise passar pelo julgamento inquisitorial. Não é excesso de zêlo, eu apenas estou preocupado com o desvio de conduta daqueles moradores. _ Emanuel olhou-o firmemente e esperou que a conversa estivesse encerrada.


                      _ Você poderia simplesmente esquecer essas pessoas. Quantos são? 1500? 600? 30? Por que não os perdoa e lhes dá uma chance de viverem e trabalharem? Eles são simples demais para entenderem o que se passa na cabeça de clérigos. Eles não têm noção de que vivem em pecado. Eles sequer sabem o que seja pecado. São incultos. Paupérrimos. Tolos. Têm tanta noção de Céu e inferno, quanto uma criança. Você irá apenas destruí-los. Por nada. _ Dom Hernán calou-se e sustentou o olhar de Emanuel. Ele esperou que seu ex-pupilo apreendesse o significado de suas palavras. Esperou que tivesse jogado sua semente em solo fértil, e que Emanuel ouvisse a voz da razão.


                      _ Reverendo, desculpe-me a franqueza, e como direi, o tom rude com que vou falar. Aquela vila foi citada em sessão de tortura pública, envolvendo bruxas de Santa Lucía. Se eu, que o senhor conhece muito bem, não assumir esse caso. Outro inquisidor será mandado. Este outro colega dará início ao Edito de fé. Ele irá processar todos os habitantes daquela vila. Eu não garanto os resultados do processo iniciado por outro inquisidor, reverendo. Eu procurarei agir com justiça e boa vontade. _ Emanuel olhava atentamente seu ex-mestre, e agora superior. Ele sabia que aquele velho homem estava agindo por bondade, mas era incrivelmente ingênuo.


                      _ "Ai do mundo, por causa dos escândalos; porque é mister que venham escândalos, mas ai daquele homem por quem o escândalo vem!" Mateus, capítulo 18, versículo 7. _ Dom Hernán continuou encarando-o de cenho franzido.


                      _ Eu não posso me afastar desse caso. Não posso simplesmente virar as costas e abandonar essa gente a própria sorte. Eu sou o inquisidor desse caso. Tenho o poder de conceder-lhes a reconciliação, absolvição ou suspensão do processo. Se eu deixar essa responsabilidade a outro inquisidor, ele não será, como direi, tão indulgente. Espero que este assunto esteja resolvido, reverendo. _ Emanuel também franzia o cenho e encarava seu superior. Este simplesmente cruzou as mãos no abdomem e abaixou os olhos.


                      _ Pode ir Dom Emanuel, e que Deus lhe mostre a verdade. -  O velho bispo ergueu as sobrancelhas e olhou rapidamente para Emanuel. A seguir começou a folhear pergaminhos e papéis.


                      Dom Emanuel de Aragão adentrou o edifício que era ocupado pela inquisição. Ele tinha um recinto particular, confortável e decorado com bom gosto, fruto da influência da sua família para com os altos mandatários da igreja. Dom Emanuel recostou-se no divã e ficou esperando o desenrolar dos acontecimentos. Ele havia feito a denúncia contra várias pessoas no povoado, mas uma delas era especial, a jovem Catarina de Navarro. Ele havia colocado o aviso de que aquele caso deveria ser qualificado apenas e somente por ele. Nenhum outro inquisidor poderia colocar sequer os olhos em Catarina. Ela seria sua. Em breve a guarda da igreja estaria na vila de Catarina. Iriam de casa em casa, intimando os moradores a apresentarem-se diante de um inquisidor em Logroño. A intimação de Catarina era a única que especificava que ela deveria se apresentar a Dom Emanuel de Aragão. A mãe dela deveria apresentar-se também. Inclusive o ex-inquisidor Dom Juan Del Valle.


                     O jovem inquisidor saiu de seu aposento e dirigiu-se à sala de interrogatório. Era um ambiente menos suntuoso e um pouco sombrio. Não havia elementos de decoração, e até mesmo os móveis eram mais simples. Os ricos candelabros eram substituídos por castiçais de parede. As janelas eram altas, diminuindo a iluminação natural. Comparado aos calabouços e arenas de tortura, aquela sala era até confortável e acolhedora. Ele tencionava levar Catarina a seu aposento particular, não havendo necessidade de expô-la a ambientes degradantes.

 

Fim do Capítulo
 

 


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