Catarina de Navarro escrita por slytherina, jessica varela


Capítulo 3
Capítulo 3




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/30567/chapter/3

Catarina ainda estava muito impressionada com tudo o que estava acontecendo em sua aldeia. Ela nunca gostou de padres e das regras religiosas impostas ao povo, mas ela lia a bíblia e gostava das histórias ali contidas. Alguns sábios idosos da vila já haviam lhe alertado a não falar mal dos padres, nem da religião católica, nem nada que parecesse com religião, pois poderia ser mal interpretada. Por exemplo, ela sabia que bruxaria era pecado pago com a vida, mas ela não sabia o que era bruxaria, nem nunca tinha conhecido alguém acusado de bruxaria. Como poderiam então os aldeãos ficar aterrorizados com a visita do Padre Emanuel de Aragão? Por que sua mãe estava tão temerosa? Será que eles eram bruxos?

A jovem Navarro resolveu procurar um respeitável morador de sua aldeia. Dom Juan Del Valle. Ele tinha mais de 80 anos e já tinha visto mais coisas em sua aventurosa vida, do que a maioria dos príncipes e generais de exércitos, assim pensava Catarina. Ela bateu na porta da humilde casinha de alvenaria de Dom Juan. Um rapazote vestido em uma enorme camisa de cadarços no peito, veio abrir a porta.

_Gostaria de falar com seu amo, Dom Juan. Meu nome é Catarina, a filha de Dona Clariana.

_Eu a conheço Catarina. Chamo-me Javier. Eu já brinquei de roda com você, até levei-lhe laranjas doces, não lembra? - O rapazote falou com um sorriso.

_Javier! - Catarina esqueceu-se do motivo da visita e abraçou o meninão, que retribuiu o carinho comprimindo seu rosto no dela. Era bom receber um abraço forte de uma moça tão bela.

_Que bom te ver de novo Javierito! Contarei para Miguel que agora moras com Dom Juan. - Catarina falou sorridente.

_Entra Catarina! Avisarei Dom Juan que queres falar com ele. - Javier lhe deu passagem.

Logo mais Catarina foi levada para uma espécie de jardim de fruteiras, com uma área coberta, sem paredes, onde o vento era fresco e constante, levando o visitante a querer tirar uma sesta embalada em redes de fibras. Catarina sorriu ao sentir tanta familiaridade naquela casa. Dom Juan chegou a seguir. Ele andava curvo, e seu rosto era muito enrugado. Até suas sobrancelhas espessas eram grisalhas. Ele sentou-se numa espécie de sofá de vime, com muitas almofadas ricamente decoradas artesanalmente. Ele ajeitou bem as túnicas sobrepostas, para não deixar seus tornozelos à mostra. Não que ele fosse pudico, provavelmente sofria de reumatismos. O velhinho de ar grave olhou para Catarina numa pergunta muda.

_Bom dia Dom Juan! Eu vim aqui para conseguir algumas informações que só o senhor me pode dar.

_E acaso eu tenho cara de informante minha jovem?

_Perdoe-me eu me expressei mal. O senhor é o único que conhece todos os fatos da história da aldeia, pois os viveu pessoalmente. Eu venho humildemente pedir-lhe que compartilhe esse conhecimento.

_Assim é melhor. O que quer saber?

_Conte-me sobre as bruxas de Zugarramurdi. Eu ouvi dizer que bruxas foram apanhadas nessa cidade que fica tão perto da gente.

_Isso foi em... Se não me falha a memória em 16. Em Zugarramurdi foram presos 300 adultos além de crianças. Todos suspeitos de praticar bruxaria.

_Crianças também praticam bruxaria? - Catarina colocou a mão na boca, como para evitar um grito.

_Elas eram suspeitas, mas nada foi provado contra elas.

_Suspeitas de que? O que os fez pensar que crianças fossem bruxas?

_Elas apanhavam sapos e rãs. Algumas até guardavam sapos vivos em casa. Como se fosse um animal doméstico.

_... - Catarina colocou a mão nos olhos, como para evitar olhar aquilo que imaginou.

_Além disso, poderiam ter sido batizadas como bruxas logo que nasceram, além é claro que poderiam ser a encarnação do capeta. Mas eu não sei se estas histórias são para seus ouvidos, criança.

_Um inquisidor está investigando nossa aldeia. Se ele suspeitar de nossas crianças, não acha prudente que saibamos o que ele está procurando?

_Sábias palavras. Veja, bruxas se associam a satanás. Elas entregam-se a ele, de corpo e alma. Logo podem conceber do demônio. Por isso, podemos esperar que os filhos das bruxas sejam filhos do capeta.

_... - Catarina colocou ambas as mãos nos ouvidos, como se aquelas palavras os fizesse arder.

_Das 300 pessoas iniciais, 40 foram formalmente acusadas e enviadas para o julgamento em Logroño. Destas, 18 confessaram seus crimes; 5 morreram durante o julgamento, antes da sentença; e apenas 6 foram queimadas vivas.

_Oh meu Deus! - Catarina começou a chorar soluçando.

_Javier! Javier seu surdo! Venha já aqui! - Dom Juan gritava.

O rapazote veio correndo.

_O que foi Dom Juan? - Perguntou o jovem servo.

_Traga uma chávena de chá de camomila para esta jovem. Ela está muito abalada.

_Catarina? O que o senhor fez com ela? - O jovem ficou aflito.

_Para de perguntar seu traste. Vai fazer o que eu mandei. - Dom Juan falou enérgico.

_Já - já. - O rapaz saiu correndo em direção a cozinha.

Logo mais Catarina foi servida com chá. Ela se acalmou e ficou olhando triste para as fruteiras. Não tinha mais vontade de perguntar nada. Queria apenas voltar para casa e abraçar sua mãe bem forte. Entregou a vasilha de chá a Javier. Levantou-se para sair, quando se lembrou de mais uma coisa. Olhou para o idoso que a observava.

_O senhor viveu tudo isso, não foi Dom Juan?

_Sim.

_O senhor não teve medo de ser acusado também junto com aquelas pessoas?

O velho homem levantou-se de seu sofá e foi até uma estante na sua ampla sala. Pegou uma caixa de mogno, trabalhada com arabescos, e de lá retirou uma toalhinha. Entregou a Catarina. Esta abriu a toalha bordada com o seguinte desenho: uma cruz, um ramo, e uma espada, em um círculo oval, no qual estava escrito: "exurge domine et judica causam tuam psalm 73". Ela olhou para o velho sem entender nada.

_ “Pois eis que os que se alongam de ti, perecerão. Tu tens destruído todos aqueles que se desviam de ti". Salmo 73 vs.27. Eu era um familiar, um colaborador da inquisição.

Catarina saiu rapidamente daquela casa. Tinha vontade de vomitar todo o chá de camomila. Como um homem como aquele podia acreditar que crianças que levam sapos para casa são bruxas? E queimaram 6 pessoas por causa de sapos? Recomeçou a chorar.
Aquilo tudo estava muito errado. Precisava urgentemente conversar com sua mãe.

Ao chegar em seu lar, outra surpresa lhe aguardava. Uma parelha de cavalos estava defronte de sua casa. Havia soldados em ricas vestes, que ela suspeitou pertencessem à igreja. Um aperto no peito a sufocou. Passou correndo pelos soldados e entrou em casa chamando pela mãe.

_Mãe! Mãe! Mãe! - Catarina já estava chorando.

_O que foi minha filha? O que foi? O que houve? - Dona Clariana veio aflita acudi-la.

_Mãe, tem soldados da igreja aí fora. Estão do lado de fora de nossa casa, mãe. - Catarina falava entrecortado, chorando e gritando.

_Eu sei filha, acalme-se, por favor. O padre Dom Emanuel de Aragão está aqui.

_Aqui? O inquisidor está aqui? Mãe... - Catarina estava descontrolada.

_Sim eu estou aqui minha jovem. Acaso quer me dizer algo? - Falou um homem alto, de pele morena, cabelos tão pretos que eram azulados, magro, de ombros largos e a sombra azulada da barba na face, além de um par de incríveis olhos azuis metálicos. Estava vestido com túnicas negras sobre batina branca, e tinha um grande colar de placas de ouro com uma cruz estilizada, lhe enfeitando o colo.

Pelas roupas Catarina adivinhou tratar-se de um religioso, e também de um homem diabolicamente bonito.


Fim do Capítulo

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!