Aurora

Aurora estreitou os olhos ao ver a cena, logo depois de ter saído mais cedo do almoço pra retocar a maquiagem sem mil pessoas na frente do espelho. O garoto ruivo batendo na porta parecia realmente desesperado mas a única coisa que ela via era como ruivo não combinava com o garoto. Quando a baixinha loira saiu correndo da sala, Aurora fez parecer que estava bebendo água no bebedor.

Aurora adorava saber de tudo o que acontecia no colégio. Melhor ainda se ela visse com os próprios olhos, ela sabia muito bem como fofocas mudam até chegar aos ouvidos dos outros. Aurora entrou na sala de música, onde ela teria aula agora de qualquer jeito e olhou pro garoto ruivo com olhos acusadores.

“Parece que alguém está bem brava com você hein?” O garoto suspirou e o sinal bateu. Ele mexeu na mochila e agarrou uma folha de papel amassada. Leu o que estava escrito, suspirou e se largou em uma das cadeiras dos alunos, de olhos fechados e massageando as têmporas. Aurora sentou-se do seu lado e sorriu sutilmente. “Se me contar o que aconteceu, talvez eu possa te ajudar”

“Valeu, mas eu nem sei direito o que aconteceu” Ele afundou o rosto nas mãos e respirou fundo. Outros alunos foram chegando inclusive um garoto novo que Aurora achou simplesmente lindo. Cabelos e olhos castanhos, alto, musculoso mas não muito, e um sorriso colgate perfeito. Aurora olhou pro ruivo do seu lado rapidamente quando o garoto olhou pro lado onde estava sentada.

“Você podia me contar tudo, e eu te ajudo a descobrir o que aconteceu.” Ela sorriu pro ruivo. Ela queria ajudar, a loirinha obviamente estava sofrendo por causa de amor e ela estava curiosa. Diziam que a curiosidade matou o gato, mas ela não era um gato e sabia se cuidar muito bem. O ruivo olhou pra ela desconfiado mas suspirou e lhe contou tudo. Ela ouviu enquanto esperava pelo professor e enrolou um cacho loiro no dedo enquanto pensava. Ao que lhe parecia, a garota estava com ciúme de como o garoto flertou com a menina no corredor mas o ruivo era denso demais pra notar.

“Garotos. Tão bonitos, mas tão completamente estúpidos ao mesmo tempo” Ela revirou os olhos pra si mesma e sorriu pra Peter, que tinha acabado de terminar a história.

“Ah querido, é tão óbvio. Ela está apaixonada por você e não gosta quando você flerta com outras na cara dela. É ciúmes, pura e simplesmente”

“Hein? Isso é impossível, a Sininho é minha melhor amiga desde que nós tínhamos 6 anos!” Ele disse exasperado mas não olhava para Aurora. Parecia perdido em pensamentos e Aurora deu sua última cartada.

“Melhores amigos de sexos diferentes são uma coisa delicada pois é comum um ou outro se apaixonar. Ela é obviamente uma garota apaixonada e eu chutaria e diria que isso já é algo de muitos anos.” O ruivo olhou pra ela com dúvida nos olhos mas bagunçou o cabelo com os dedos.

“Ah Deus, acho que você tem razão. Isso é... Ah droga, o que eu faço?” Ele perguntou pra si mesmo.

“Descubra se gosta dela do mesmo jeito ou se quer apenas amizade. Se só quiser o último, eu aconselho a não dizer nada pra ela. Mas apenas, parar de paquerar outras garotas na frente da coitada. Depois de tanto tempo sem ser correspondida, ela vai achar outra pessoa.” Aurora falou calma e delicadamente. E seu sorriso aumentou e ela disse “A propósito, ruivo não fica muito bom em você. Te recomendo pintar o cabelo de um castanho ou mais escuro se preferir. Ficaria muito melhor” Virou-se pra frente e olhou a professora que tinha chegado. O garoto pareceu confuso, pelo que ela viu com o canto do olho, mas não falou mais nada.

A professora tinha cabelos brancos como a neve mas era jovem. Devia ter trinta e poucos anos e seus olhos azuis felinos brilhavam de vivacidade e classe. Uma fita rosa mantinha os cabelos no lugar, não que eles precisassem pois eram muito bem comportados. Um colar de ouro brilhava em seu pescoço e o vestido branco simples não transmitia a pobreza como era de se esperar, mas uma classe que não necessitava de roupas caras pra mostrar que era elegante. Aurora se sentiu ao mesmo tempo admirada e invejosa da professora.

“Boa tarde alunos. Meu nome é Eva e eu sou sua professora de música.” Ela sorriu e Aurora mais uma vez sentiu inveja dos dentes brancos e perfeitos da mulher. “Antes de mais nada, vocês precisam fazer um vocalize pra que suas vozes não quebrem durante a aula. Vou tocar uma escala e vocês irão cantar na mesma nota. Se não conseguirem alcançar a nota, parem. Não devemos forçar a voz para chegar em notas que não temos.” Ela olhou firmemente para a sala e se sentou no banco do piano. Tocou uma nota intermediária e todos cantaram junto.

Aumentou as notas gradativamente e logo, uma parte dos meninos parou de cantar. Algumas notas mais altas e outras meninas pararam. Apenas poucos tenores e várias sopranos continuavam a cantar e Aurora sorriu de orgulho. Tinha uma voz ótima e um arranjo de notas bem grande e adorava mostrar isso.

Logo apenas algumas garotas continuavam a cantar. Duas ruivas, uma desleixada vestida de roxo e verde e outra com uma aliança brilhando no dedo, vestindo um vestido azul-bebê com sapatilhas rosa; duas garotas de cabelo castanho, uma com um livro no colo, vestida em um suéter barato e uma tiara amarela canário, a outra com uma cara orgulhosa e roupa roxa; uma negra de blusa de botões amarela clara e jeans surrados; uma asiática de blusa flanela e jeito de menino; uma morena com um suéter e saias delicados com jeitinho de colegial; uma arábica com uma blusa estampada que não cobria a barriga; uma com cara de índia com jeans esburacados e blusa parda e uma última com a pele mulata e cabelos selvagens e negros com um lenço roxo nos cabelos mantendo-os longe dos olhos e uma roupa que parecia a Aurora comprada num brechó.

Elas todas tinham vozes lindas e todas cantavam muito bem juntas. Aurora notou o garoto bonito de mais cedo sorrindo e olhando pra ela. Corou e quase errou a nota quando a professora foi descendo as notas lentamente. Logo todos estavam cantando as notas graves juntos e a professora tocou a última nota do piano de cauda.

A professora sorriu brilhante e orgulhosa.

“Nossa, foi lindo! A melhor turma do dia com certeza. Espero que vocês continuem assim!” Ela pegou algumas partituras e distribuiu pros alunos e sentou-se no banco do piano de novo. “Agora cantem, queridos, todos nas notas certas por favor!” Ela começou a cantar, dando aos alunos as notas e todos acompanharam.

Dó mi sol dó dó sol mi dó

Todo estudante de música verdadeiramente culto sabe

Você deve aprender suas escalas e arpejos seus

E a música de toque seu peito e não seu nariz

Enquanto você canta suas escalas e arpejos seus

Se você é fiel ao seu praticante diário

Você vai encontrar o seu progresso é encorajador

Dó mi sol mi dó mi sol fá lá e assim vai

Quando você canta suas escalas e arpejos seus

Dó mi sol dó

Dó mi dó dó sol mi dó

Dó mi dó dó sol mi dó

Embora a princípio parece que ele não mostra

Como uma árvore, a habilidade irá enraizar e crescer

Se você for esperto você vai aprender de cor

O que todo artista sabe

Você deve cantar suas escalas

E o seus arpe-e-e-jos!

Ela terminou de tocar e todos aplaudiram a si mesmos. Tinha sido lindo, com algumas poucas desafinações, mas foi lindo. O sinal tocou e ela dispensou a turma com um aceno. Aurora pegou a bolsa, checou a hora no iPhone e foi para a próxima aula, sorrindo tímida para o garoto bonito na saída.

Queria ter falado com ele, mas tinha que passar no banheiro rápido antes que enchesse. Não havia ido retocar a maquiagem na hora do almoço graças a sua curiosidade e agora era urgente já que sentia o batom desaparecendo dos lábios.