Screaming escrita por caiquedelbuono


Capítulo 3
Novos rostos.




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— Não acredito que teremos que dividir nosso quarto com outra pessoa. — Helena estava reclamando com a boca cheia de macarronada — Nós mal cabemos lá dentro. Onde que Mary enfiará outra cama ali? Aquilo lá vai ficar mais apertado que um ninho de passarinho. Não vamos conseguir nem respirar direito!

Era hora do jantar e todos os alunos estavam reunidos na cantina do internato. O espaço era bem amplo e cabiam diversas mesas que se alinhavam paralelamente umas as outras. No fundo do ambiente, havia uma bancada de granito onde as travessas com comidas eram servidas aos alunos, todas elas cobertas com portinhas de vidro que abriam e fechavam para os lados. Também havia refrigerante e suco a disposição de todos.

Logan, Sophia, Helena e Tommy estavam sentados em uma mesa ao centro da cantina. Todos eles estavam comendo macarrão ao molho rosê, os pratos cheios até a boca. Um dia inteiro de aula, de manhã e à tarde, era capaz de abrir assustadoramente o apetite de qualquer pessoa.

— Helena e sua incrível mania de ser extremamente exagerada. — Sophia revirava os olhos enquanto engolia um fio de macarrão — O nosso dormitório é bem espaçoso e você sabe disso. Apenas não quer ter que conhecer gente nova.

Helena terminou de dar um gole no seu copo de coca-cola e repousou-o furiosamente na mesa. Os cabelos ruivos esvoaçaram-se levemente com o impacto e um tucho de fios desceu pela sua testa, tampando um de seus olhos.

— Essa menina é completamente estranha! Entrou no colégio um mês antes do ano letivo terminar. Que tipo de pessoa faz isso? Ainda não fez nenhum amigo e agora Logan chega e diz que ela ficará no nosso quarto?

Logan levantou as mãos na altura dos ombros.

— Apenas disse o que ouvi na sala de Mary. Não queria que eu escondesse isso de vocês e que quando abrissem a porta do dormitório, vissem a menina estranha esparramada na cama dela, tomando um copo de suco de laranja e lendo uma revista de fofocas, não é mesmo?

— Ela não tem cara de quem lê revistas de fofocas. — comentou Sophia.

Helena estava segurando o garfo e olhou friamente para Logan. O garoto sentiu um arrepio subindo-lhe à espinha. Não era um bom sinal quando Helena dava aquele olhar e tudo indicava que a próxima coisa que falaria era algo bem ofensivo.

— Se você tivesse feito isso, Logan, querido, pode ter certeza que esse talher estaria enfiado em um lugar que você não consegue alcançar.

Helena deu um sorriso amarelo e voltou a degustar do macarrão, como se não tivesse falado nada. Logan poderia ter dito várias coisas em resposta, mas o silêncio era sempre a melhor alternativa, pelo menos quando se tratava de Helena.

Os minutos seguintes foram marcados pelo silêncio. Cada um deles parecia imerso em seus próprios pensamentos, com a boca cheia de comida e ocupada demais para conversar entre si. Logan olhou para os lados e tentou visualizar os alunos novos. Havia tantos rostos diferentes que ele mal conseguia distinguir se eles eram novos ou antigos.

— Tem alguém aqui que está quieto demais. — disse Helena, quebrando o silêncio e olhando para Tommy. Logan notou que o cabelo do garoto estava mais comprido do que conseguia se lembrar. Os fios negros estavam literalmente cobrindo o olho direito, a franja traçando uma reta diagonal que ia da têmpora esquerda ao olho. — Pensando nas estripulias durante as férias?

Tommy suspirou profundamente e largou os talheres no prato. Ele olhou para Helena como se pudesse matá-la.

— De novo esse assunto? Será que não posso nem jantar em paz sem você ficar me enchendo o saco com esse ciúme ridículo?

Logan e Sophia se entreolharam. O olhar dela estava levemente entretido e claramente indicava que estava querendo dizer: e lá vão eles de novo. Logan tentou dar um leve sorriso; tinha de admitir que aquela situação era um pouco divertida. Helena e Tommy poderiam se amar, mas eles jamais deixariam de implicar um com o outro. Era uma coisa que estava no sangue deles e talvez fosse realmente isso que mais os aproximavam.

Helena abriu a boca e Logan imaginou o mundo sucumbindo a escombros com suas próximas palavras.

Ciúme ridículo? Você é meu namorado, seu idiota. Nos vimos tão poucas vezes nas férias porque você quis ficar enfurnado nessa porcaria de internato. Agora fico me perguntando se tem algum motivo especial para você ter ficado aqui.

— Talvez porque, diferentemente de você e de Logan, eu não tenho uma casa para onde ir. Pergunte a Sophia se não foi difícil para ela ter que se desdobrar que nem uma condenada a passar uma semana na sua casa e outra na de Logan.

— Bem, eu... — Sophia começou a dizer, mas ela se interrompeu. Talvez tenha percebido que qualquer intromissão seria inútil.

— Não mude de assunto, espertinho. — disse Helena, apontando o garfo para Tommy — Estamos falando de você e não de Sophia.

Tommy soltou um suspiro longo e demorado.

— O que você quer que eu fale?

— O que você tem para falar? — Helena ergueu uma sobrancelha.

Aquele jogo de olhares estava ficando cansativo. Logan percebeu que eles se entreolhavam de um jeito estranho, como se não estivessem irritados um com o outro. Talvez eles pudessem se levantar e começar a se beijar a qualquer instante, mas Tommy jogou o garfo sobre o prato com fúria e levantou da mesa, completamente irado e encarando Helena com olhares raivosos.

— Que droga, Helena! Pensei que namoro implicasse confiança, mas vejo que isso não faz parte do pacote; pelo menos não para você.

Ele não parou para olhar no rosto dela. A única coisa que fez foi contornar a mesa e ir em direção à porta da cantina. Lá, Logan notou, ele esbarrou nos ombros de uma garota, quase a derrubando no chão. Tommy não se importou em se desculpar ou em perguntar se ela tinha se machucado. Apenas queria sair de lá.

— Com mais essa, temos a quinquagésima briga de vocês, correto? — disse Sophia, que estava retirando os pratos dos amigos que já terminaram e arrumando-os em uma pilha única.

— Cale a boca. — Helena revirou os olhos. Sua voz parecia embargada em algo que não era nem tristeza e nem raiva, mas Logan não sabia identificar. Ele percebeu quando ela fechou os olhos por uma fração de segundos, tornando a abri-los rapidamente.

Um pigarro pôde ser ouvido e a menina com a qual Tommy esbarrara estava parada ao lado da mesa. Olhando mais de perto, Logan percebeu que ela tinha uma aparência um tanto quando excêntrica: os cabelos eram castanhos e volumosos — parecia que não viam água e shampoo há um bom tempo, os olhos eram negros e envolvidos por uma mancha de maquiagem ainda mais escura, um piercing estava incrustado no septo nasal e ela tinha um olhar quase fatal. Usava uma roupa totalmente preta, a camisa larga e caída ao lado deixava seus ombros pálidos à mostra e o tecido da roupa era preenchido por cruzes prateadas em toda sua extensão.

— O amigo de vocês é muito mal-educado. — ela disse, com uma voz que era pesada demais para uma garota — Diga a ele que se eu não estivesse de bom-humor, teria corrido atrás dele apenas para dar um chute em sua máquina de fazer esperma.

Logan olhou para Sophia e a garota estava com os olhos arregalados. Helena estava nervosa demais para esboçar qualquer reação, mas ele percebeu que ela revirou levemente os olhos.

A menina enfiou a mão no bolso e retirou um isqueiro preto de dentro dele. Girou o mecanismo com o dedo e uma pequena faísca amarelada escapou do objeto.

— Ia perguntar se algum de vocês tem um cigarro para me emprestar, mas pelo visto vocês são mudos.

— Cigarro? — perguntou Sophia, franzindo o cenho.

A garota revirou os olhos.

— Sim, aquele tubinho de papel enrolado que contém milhares de substâncias tóxicas que acabam com o sistema respiratório de qualquer um. — ela deu de ombros — O quê foi? Certas vidas já estão tão estragadas que um pouquinho de cigarro não vai fazer diferença.

Logan notou que havia um tom de amargura na voz da garota, mas com certeza ela estava tentando esconder.

— Eu sei o que é um cigarro, — disse Sophia — mas esse tipo de droga não é permitido aqui no colégio. Deveria saber disso.

A garota olhou para Sophia como se ela fosse um inseto. Logan percorreu o olhar dela e imediatamente percebeu que a namorada tinha sentido a rajada de indiferença atravessando-lhe o peito.

— Não me lembro de ter perguntado nada a você e essas cerejas que carrega no lugar dos seios.

Os lábios de Sophia enrijeceram-se. Ela abaixou a cabeça e olhou para o próprio peito. Olhou para a garota novamente, que estava com um olhar de tédio no rosto, e tentou a abrir a boca para dizer alguma coisa, mas nenhum som saiu.

— E então? Vocês têm ou não a porcaria do cigarro?

Surpreendentemente, foi Helena quem falou:

— Não! Ninguém aqui tem cigarro. Dá para cair fora?

A garota estava olhando para Sophia, mas ela imediatamente desviou o olhar para Helena. Uma sustentou o olhar da outra, até que a garota com o piercing estendeu o braço frente ao corpo. Logan notou que havia uma tatuagem ali, cobrindo metade da extensão do braço, onde estava escrito: “KELSEY, THE FUCKING BITCH”.

— Mais cuidado da próxima vez que dirigir a palavra a Kelsey. Você não gostaria de vê-la irritada, ruivinha.

A garota — Kelsey? — deu um sorriso torto, virou o corpo e começou a rebolar em direção a um grupo de garotos que estava no canto da cantina. Logan notou quando ela parou entre eles e falou alguma coisa. Logo em seguida, um dos garotos entregou-lhe um cigarro e ela encostou-se à parede, com uma das pernas servindo de apoio, e começou a fumar, expelindo a fumaça acima de sua cabeça, como se aquilo fosse a coisa mais normal do mundo.

— Ela é aluna nova, não é? — perguntou Logan, sabendo que a resposta estava mais óbvia do que nunca.

— Nunca vi tão retardada. — disse Helena, revirando os olhos. Ela levantou da mesa e puxou a mão de Sophia, forçando-a a se levantar também. — Venha conversar comigo um pouco.

— Mas... — ela protestou, olhando para Logan, que fez um sinal com a mão que indicava que ela podia ir com Helena, aonde quer que fosse, e que depois ele falava com ela.

— Você pode namorar mais tarde. Ou amanhã. — disse Helena, colocando as mãos nos ombros da garota e a empurrando levemente à entrada da cantina — Agora vai conversar com a sua melhor amiga. Tchau, Logan.

Logan fez um sinalzinho com a mão enquanto observava as duas garotas atravessarem a porta da cantina. Estava sozinho na mesa e a única coisa em que conseguia pensar era em como tudo estava acontecendo tão rápido no primeiro dia. Além de Helena e Tommy em pé de guerra, alunos novos e completamente estranhos se aproximavam a cada instante. Logan lembrou-se de como achara todos os seus atuais amigos estranhos quando chegara a Shavely. Será que sempre se sentiria assim na presença de novatos? Fanny e Kelsey eram mais do que estranhas para ele: eram misteriosas e alheias. Quem seriam os próximos a cruzarem seu caminho e a deixarem essa mesma impressão?

Levantou da mesa com um suspiro preso à garganta e começou a caminhar em direção à porta. Virou o pescoço e enxergou Kelsey ainda encostada à parede, fumando. A garota percebeu que a encarava e, com a mão que estava livre, mostrou o dedo médio para Logan. Ele franziu o cenho e estava prestes a reclamar quando sentiu algo batendo em seu ombro. Olhou para frente e viu que tinha esbarrado em um garoto. Ele tropeçou nos próprios pés e quase foi lançado para a frente, pronto para cair com as duas mãos ao chão, mas Logan rapidamente segurou em sua camiseta e impediu a queda.

— Você está bem? — perguntou Logan.

— Sim. — respondeu o garoto, com uma voz serena e tímida — Desculpe. Eu não tinha visto você.

Quando o garoto ergueu a cabeça, Logan conseguiu notar suas feições físicas: era alto e magro, a pele branca como se fosse feita de leite. Os cabelos eram negros e os olhos tinham um leve tom esverdeado. O rosto era angular, preenchido por bochechas carnudas e levemente coradas. As sobrancelhas, assim como os cílios, não eram finas, porém bem delineadas e tracejadas.

— Espere aí. — disse Logan — Estou o reconhecendo. Você estava na aula de geografia hoje pela manhã.

O garoto deu um leve sorriso.

— Sim, estava. Eu também o vi por lá...

Logan percebeu que ele tinha deixado uma pergunta no ar.

— Logan. — ele disse — Me chamo Logan.

Percebeu, com uma pontada estranha de desconforto, que os olhos do garoto brilharam quando ouviu seu nome.

— Sou Ian. — disse, esticando a mão para que Logan pudesse apertá-la. — Seu novo colega de quarto.



Helena e Sophia estavam subindo as escadas que levavam ao dormitório. A cabeça da garota ruiva estava doendo e a coisa que ela mais queria era chegar ao quarto e despencar na cama, a fim de esquecer a discussão com Tommy.

Por mais que já estivesse acostumada a discutir com ele desde que começaram a namorar, nada daquilo era agradável. Estava longe de ser uma garota romântica que se preocupava em ter um relacionamento perfeitamente estável e sem nenhum tipo de desentendimento, mas aquilo não era confortável. Talvez não devesse ter falado com Tommy daquele jeito, mas ela sempre se sentia assim quando ficava longe daquilo que mais amava: sentia raiva, ódio e todo e qualquer tipo de sentimento destrutivo. E ela passara muito tempo longe de Tommy, vendo-o apenas quando a boa-vontade dele permitia. Não podia impedir a mente de fantasiar coisas completamente irreais — coisas que ela sabia que não era verdade.

— Não acha que foi muito dura com Tommy? — a voz de Sophia a trouxe de volta para o mundo real.

Elas já haviam terminado de subir o lance de escadas e estavam paradas no terceiro andar do prédio, onde existiam corredores e mais corredores apenas com dormitórios.

— Não, não acho. — Helena jamais admitiria na frente de Sophia ou de qualquer outra pessoa. Era sua melhor amiga, isso era fato, mas Helena preferia que algumas coisas permanecessem apenas ao conhecimento dela mesma. — Ele passou muito tempo aqui sozinho, Sophia.

A garota loira revirou os olhos.

— E você acha que ele ficou fazendo o quê? Acha que ele foi atrás das garotas problemáticas que cortam os braços com gilete? Helena, ele ama você! Quando vai aprender a ser um pouco menos defensiva?

Ela também o amava. E muito. Entretanto, Helena não era o tipo de garota que via um relacionamento como a coisa mais importante. Havia outras prioridades em sua vida, mas enquanto houvesse alguém que gostasse dela, não reclamaria.

— Eu não quero mais falar sobre isso.

— Então por que você praticamente me arrancou da mesa dizendo que queria conversar comigo?

Elas alcançaram a porta do dormitório e Helena segurou na fechadura. Porém, ela não a mexeu.

— Quando eu abrir a porta, você verá o motivo.

Quando Helena o fez, a imagem que sua mente estava imaginando tornou-se real. Havia uma menina ali dentro, os cabelos castanhos esvoaçando-se com o vento que entrava no quarto através da janela aberta. Ela estava parada e curvada, de costas para a porta e de frente ao armário aberto. Parecia estar mexendo em algo.

— Fanny? — chamou Helena, com a voz um tanto quanto tediosa. Sophia estava ao lado dela e olhava para a garota com o rosto franzido.

Fanny pareceu se assustar. Ela rapidamente largou o que quer que estivesse mexendo ali e fechou o armário, levantando-se e forçando um sorriso para as meninas. Disfarçou algumas tossidas, cobrindo a boca com a mão.

— Olá. — disse Fanny, com a voz engasgada — Desculpem pela invasão. Eu estava arrumando as minhas coisas agora que esse dormitório também é meu.

— Infelizmente. — resmungou Helena, abrindo espaço e indo em direção ao beliche. Quando ela olhou para o lado, percebeu que tinha uma cama sob a janela, com a parte superior virada para a entrada do banheiro — Essa cama vai atrapalhar na hora de fechar ou abrir a janela.

Estava óbvio demais que Helena não a queria ali e, embora não fosse de seu feitio ser tão rude assim, as circunstâncias eram propícias para tal. Estava com mais raiva do que jamais sentiu e qualquer ser estranho que estivesse em seu caminho iria levar patada. Talvez se arrependesse no dia seguinte, mas o que importava, naquele momento, era apenas o agora.

O olhar de Fanny parecia triste, mas ela não disse nada. Apenas suspirou, enquanto brincava de entrelaçar os próprios dedos pequenos e pálidos.

— Seus olhos sempre costumam ser vermelhos desse jeito? — perguntou Helena, que tinha arrancado os sapatos e já estava subindo na cama superior do beliche.

Ela não estava olhando para Fanny, mas percebeu que a pergunta a pegara de surpresa.

— O quê? Não. Eu estou com uma leve conjuntivite, é só isso.

Helena deu de ombros e jogou o corpo contra a cama. Nem se preocupou em vestir um pijama ou uma roupa mais velha. Apenas queria dormir.

— Hum, fiquei aí com a sua conjuntivite e cale essa boca. — ela disse, arremessando um travesseiro contra a própria cabeça, a voz tornando-se abafada — Eu quero dormir.

Não escutou nenhum som vindo de Fanny depois disso. Estava estressada e a única coisa que queria era esquecer que aquele dia tinha acontecido. Já era ruim demais ter discutido mais uma vez com o seu namorado e agora ainda tinha que dividir o quarto com uma estranha misteriosa e esquisita. Preferia entrar no mundo dos sonhos, onde seus problemas eram inexistentes.

Porém, mesmo com os olhos e os ouvidos cerrados pelo travesseiro, ela ainda conseguiu ouvir a voz de Sophia:

— Não se preocupe, ela não costuma ser assim. Apenas enfrentou um dia difícil.



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