Screaming escrita por caiquedelbuono


Capítulo 4
O caos começa.




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Se Logan pudesse descrever o seu novo colega de quarto com apenas uma palavra, escolheria grudento. Não que Ian fosse uma pessoa chata, mas ele simplesmente não parara de falar um só minuto depois do esbarrão na porta da cantina.

Estava dizendo com uma convicção inquestionável de que Shavely era um lugar agradabilíssimo, e que tinha excluído de sua mente toda aquela ideia que adquirira antes de chegar de que o internato pudesse ser uma espécie de prisão domiciliar para alunos problemáticos e delinquentes. Apesar de ter sido difícil para Logan tirar essa ideia da cabeça nos primeiros dias em Shavely, para Ian, não foi preciso nem ficar mais do que um segundo dentro do colégio para expelir toda essa ideia.

Ele sossegara um pouco quando chegaram ao dormitório, principalmente quando percebeu que Tommy já estava deitado na cama de cima do beliche, com o cobertor de lã cobrindo-lhe o corpo até a cabeça. Logan fizera menção em chamar pelo amigo, mas ele devia estar chateado demais com a discussão com Helena e a única coisa que talvez desejasse fosse ficar um pouco sozinho. Era óbvio que já estava dormindo, pois Logan conseguira escutar a respiração de Tommy sob os lençóis.

No dia seguinte, porém, Ian voltara com a sua mania de perseguição. Logan conseguia se lembrar de como Sophia parecia extremamente semelhante ao garoto quando chegara a Shavely: aparecia em todos os lugares e a todo instante, fazia perguntas sem o menor sentido e não parava de falar um só segundo. Os tempos de aula matinais coincidiram com os de Ian e ele estava o seguindo depois do almoço, quando Logan estava indo em direção à sala de Mary para conversar um pouco com a tia.

— Então, basicamente, eu detesto quando as aulas de manhã são sobre matérias extremamente cansativas. Sempre vou odiar história mais do que odeio qualquer coisa na minha vida.

Logan parou para observar Ian atentamente enquanto ele falava. Os lábios vermelhos moviam-se em uma velocidade maior do que ele poderia imaginar, tanto que as palavras pareciam ser expelidas de sua boca. As sobrancelhas erguiam-se e os olhos pareciam se iluminar com um leve brilho. Levou alguns segundos para Logan notar que, depois de terminar de falar, ele começou a sorrir.

— Bem, eu discordo. — disse Logan, puxando a gola da camiseta para engolir em seco. — História sempre foi a minha melhor matéria.

Ian tocou o ombro de Logan e deu um leve apertão. Olhou de soslaio para a mão do garoto, que permaneceu ali mais tempo do que deveria.

— Ei, cara, qual é o seu problema?

Logan pigarreou e Ian afastou a mão rapidamente.

— Hum, não sei. — ele murmurou — Ian, se não se importa, preciso falar com a minha tia. Acho que nossos horários à tarde são diferentes, então a gente se encontra durante o jantar.

Ian não esboçou nenhum movimento. Parecia estar vidrado enquanto olhava para Logan, mas seus lábios traçaram as palavras:

— Tudo bem. Até lá.

Ian acenou com a mão, deu um sorriso radiante e virou o corpo, contornando o corredor em que se encontravam e indo em direção à sala de estar.

Logan respirou aliviado quando sua única companhia remanescente eram as paredes de pedra. A presença do garoto o deixava visivelmente desconfortável e ele não sabia explicar o motivo. Nem Sophia o seguia tanto do jeito que Ian fazia. O que isso poderia significar? Havia conhecido o garoto no dia anterior e ele já estava agindo como se fosse o seu melhor amigo. Recordou-se de que Sophia também fizera o mesmo no ano passado. Será que esse era um mal dos novatos de Shavely?

Logan não ficou parado no mesmo lugar para pensar na resposta. Ele começou a andar, virando vez ou outra através dos corredores até chegar à porta da diretoria. Esticou a mão para tocar a maçaneta, quando ela começou a girar sozinha. De supetão, deu um passo para trás e franziu o cenho quando a porta se abriu e uma garota que ele nunca tinha visto na vida saiu de lá.

Tudo nela parecia escuro: a pele morena, os cabelos negros caindo sobre a cabeça e cobrindo-lhe os ombros, as pupilas e as íris negras misturando-se e ficando praticamente impossível de distingui-las. Não era mais alta que Logan e tinha uma postura rígida e firme, mas ao mesmo tempo, ela era capaz de esbanjar uma calma indescritível com aquele olhar sereno e brando.

— Olá. — disse a garota. Sua voz era adocicada. — Veio falar com a diretora?

Logan balançou a cabeça.

— Sim, é bem frequente que eu queira falar com ela, já que ela é minha tia.

Os olhos da garota se arregalaram e ela deu um sorriso bastante encantador.

— Ah, que legal! Ela me falou algo sobre o sobrinho estar estudando aqui em Shavely. Acho que consigo lembrar o nome que ela disse... — a testa dela enrugou-se — Logan, acertei?

Duas coisas se passaram no exato momento em que a garota citou o seu nome: as pessoas de Shavely nunca deixariam de ser estranhas em sua primeira impressão e por que diabos Mary falaria sobre ele para aquela menina que nunca tinha visto na vida?

Antes que pudesse perguntar, a menina disse:

— Deve estar se perguntando o porquê de sua tia ter falado de você para mim. Oh, não me olhe assim. Ainda não consigo ler pensamentos, embora eu quisesse muito. — ela fez uma pausa, enquanto analisava o rosto de Logan, que deveria estar um pouco corado — Espera-se que alunos problemáticos visitem frequentemente a sala da diretora e que ela use de palavras agradáveis para confortá-los quando o motivo de estarem aqui não é algo lá muito legal.

Logan lembrou-se de Janeth. Será que antes de sua entrada em Shavely, a antiga diretora era gentil do mesmo modo que Mary? Ele lembrava-se que ela soava gentil antes do filho ser brutalmente assassinado por Kofuf. Naquele momento, sentiu uma pontada de pena da ex-diretora. Se não fosse por Kofuf, ela não teria ficado paranoica e maluca depois que a única pessoa que realmente amava tinha morrido e também ainda estaria viva.

— Planeta Terra chamando Logan! Estava viajando?

— Desculpe. — ele disse, meio envergonhado — Às vezes, meus pensamentos vão a lugares que eu nem mesmo sei se existem.

Ou a antigas diretoras que morreram assassinadas por um zumbi antropomórfico.

— Bingo! Mais uma semelhança entre nós. — disse a garota, e antes que Logan pudesse abrir a boca para perguntar o que ela queria dizer com aquilo, ela acrescentou: — Eu já sei o seu nome, mas você ainda não sabe o meu. Que injusto! — ela esticou o braço para que Logan pudesse apertar sua mão — Sou Melissa, a mais nova das adolescentes problemáticas de Shavely. Mas, lembre-se, caro garoto, é sua obrigação sumária me chamar de Mel a partir de agora. Todo mundo chama.

A pele de Mel era lisa e macia, assim como sua aparente personalidade. Apesar de toda estranheza, ela era uma garota dócil. Completamente o oposto de Kelsey, a menina maluca que tinha pedido cigarro a eles na noite anterior. Kelsey realmente traçava o perfil de pessoas que estariam em internatos, mas Mel... Ela não parecia ter motivo nenhum para estar em Shavely.

Entretanto, os olhos dela lhe diziam o contrário. Apesar de toda simpatia, eles esbanjavam tristeza. Logan conseguia enxergar uma veia vermelha encobrindo ambos os brancos dos olhos. Talvez ela chorasse toda noite quando deitasse a cabeça no travesseiro por motivos que só ela soubesse. Essa era a coisa que menos gostava em Shavely. Apesar de o ambiente ser bonito, todos ali dentro tinham uma história que não podia ser descrita com o mesmo adjetivo. Todos já passaram por sofrimentos extremos, por brigas e discussões, por traumas que poderiam causar sequelas psicológicas, por anos e anos de terapia. Ninguém tinha uma história feliz para contar.

— Divagando de novo! — disse Mel, esticando o braço para dar um tapinha no ombro de Logan. Ele sorriu com o toque — Muito bem, preciso ir. Daqui a pouco tenho aula de matemática e preciso me preparar psicologicamente. Foi um prazer conhecê-lo, Logan. Nos vemos nas aulas!

— Digo o mesmo a você, Mel.

— Fico impressionada em saber que você aprende as coisas rapidamente.

Mel deu um sorriso e virou o corpo, transformando-se apenas em um pontinho no final do corredor.

Mais uma semelhança entre nós.

Aquela frase, que deixara Logan mais do que intrigado, ecoava em sua mente. Queria ir atrás de Mel e perguntar do que ela estava falando, mas o feixe de luz que passava pela porta entreaberta lhe chamou a atenção. Mesmo não tendo nenhum motivo aparente, queria conversar com a tia. Era um refúgio ter alguém que não fosse amigo dentro do colégio. Talvez ele fosse o único aluno que tinha aquele privilégio.

Ele não precisou nem bater na porta. Apenas a empurrou e Mary abriu um largo e grande sorriso. Os cabelos negros da tia estavam amarrados em um rabo de cavalo e ela estava sentada atrás da mesa, manuseando várias pilhas de papel. Ela sempre está mexendo com pilhas de papel, pensou Logan.

— Oi, querido. — ela disse, com a voz um pouco cansada — Você poderia estar fazendo tantas outras coisas nesse pequeno tempo livre antes das aulas e resolveu passá-lo ao lado da sua tia que você vê praticamente todos os dias?

Logan apenas sorriu e sentou-se em um das cadeiras frente à mesa que Mary ocupava. Ela pegou uma caneta ao lado dos papéis e começou a escrever qualquer coisa em um deles.

O garoto queria perguntar alguma coisa sobre Mel. Queria entender porque ela tinha parecido tão enigmática e porque Mary tinha comentado com ela sobre Logan. Mas ele já conseguia imaginar a tia dizendo que aquele assunto era segredo confidencial entre aluno e diretora e que ele não poderia saber, nem por ser sobrinho dela e nem por tal assunto envolvê-lo. Talvez não fosse nada importante e estivesse querendo saber de mais. Se fosse algo preocupante, a tia teria lhe dito. Ela não esconderia nada dele, esconderia?

— Estou tão atarefada. — suspirou Mary, olhando para Logan com ternura — Você acredita que além de diretora, estou ocupando um cargo extra de professora de reforço? Você sabe que sempre fui boa com matemática e tem um aluno chamado Pierre que está com dificuldades nessa matéria. Está deixando a professora de cabelos brancos! As coisas estão um pouco complicadas em Shavely com todas essas mudanças. Terei que dar aulas extras para ele até que eu consiga arranjar um professor fixo que possa dar aulas de reforço de todas as matérias.

Logan não fazia ideia de quem era esse garoto e, sinceramente, não queria saber. Devia ser mais um desses adolescentes loucos e alienados que vagavam pelos corredores do colégio. Talvez estivesse ruim em matemática simplesmente pelo fato de não conseguir pensar em outra coisa que não fosse bebidas e cigarros.

— Puxa, que pena para você. — disse Logan, em um tom de voz sarcástico que fez Mary elevar uma de suas sobrancelhas.

— A primeira aula dele será hoje à noite. — ela suspirou — Ah, não vejo a hora de chegar o final de semana.

A expressão final de semana fez algumas lembranças aquecerem a mente de Logan. Há alguns meses, no primeiro final de semana desde que chegara a Shavely, houve uma festa à fantasia no internato. Era uma tradição exercida esporadicamente por Janeth e Logan sabia que a tia manteria essas festas uma vez a cada três meses. Mas ele ainda não sabia quando seria a primeira. Então, ele perguntou:

— Só consigo associar final de semana a uma coisa: festa! Quando será a nossa primeira?

Os olhos de Mary arregalaram-se por um instante, mas ela rapidamente sorriu.

— Ainda bem que tocou nesse assunto. Achei que estava demorando demais para alguém me perguntar sobre a festa. Bem, Logan, você sabe que não tenho tanta verba como gostaria. Ainda é início de ano e Janeth não deixou uma quantia de dinheiro com a qual eu pudesse relaxar e apenas ficar observando o tempo passar. Então, não espere nada de extravagante nessa festa. Não terá uma decoração estupenda. Não terá cantoras famosas. Não terá fantasias temáticas. Será uma festa de boas-vindas aos novos alunos. Nossa finada diretora costumava dizer que prezava pelo bem-estar dos alunos e eu pretendo fazer o mesmo. Não quero que pensem que Shavely é um internato sombrio e severo.

Um internato sombrio, severo e palco de quatro assassinatos. No passado, era essa a realidade. Mary havia feito de tudo para abafar o caso e talvez os alunos novos não tivessem conhecimento disso. Mas os alunos antigos sabiam muito bem e talvez não mediriam esforços em fazer as fofocas chegarem aos ouvido dos novatos. Fazer festas alegres e simpáticas era uma alternativa para deixar uma boa impressão.

— E a pergunta que não quer calar é: quando será a festa? — perguntou Logan, com animação em seu tom de voz.

— Se tudo der certo, no sábado. Estou pensando em fazer algo simples ao ar livre. Vai dar muito trabalho arrumar a cantina para a festa, retirar os móveis, fazer a decoração e tudo o mais. Poderíamos fazer uma espécie de luau, o que acha? Posso até providenciar uma fogueira.

Logan considerou a possibilidade e acenou afirmativamente com a cabeça.

— Eu acho ótimo, apesar de ter a plena certeza de que não terá nem comparação à festa à fantasia do ano passado.

Mary torceu a boca.

— Isso, continue menosprezando os eventos que a sua tia planeja para agradar a você e a todos os seus outros colegas. Prefere as festas de Janeth...

— Você está com ciúme de Janeth? — Logan estava quase indignado, mesmo sabendo que a tia estava brincando — Sabia que ela está morta?

Um sinal quase ensurdecedor ecoou por todos os cantos e Logan suspirou profundamente. Período vespertino de aulas acabara de iniciar.

— Sabia que você tem aula agora? — Mary acenou com a mão, enquanto sorria radiantemente — Tchau, Logan.

Logan acenou de volta e deu um beijo no rosto da tia antes de abandonar a sala.



Helena estava atrasada para o jantar. Tinha permanecido tempo demais dentro do dormitório enquanto os outros alunos estavam ocupados enchendo a cabeça com baboseiras idiotas na sala de estar.

O humor da garota ruiva tinha melhorado desde o dia anterior, mas ela ainda não tinha feito as coisas que precisava fazer para se sentir ainda melhor. A única vez em que vira Tommy fora durante o almoço. Eles sentaram na mesma mesa, mas não trocaram uma única palavra. Nem sequer se olharam. Helena sabia o que tinha que fazer. Sabia que tinha que pedir desculpas por sempre ser tão idiota, mas ela jamais daria o braço a torcer. Jamais admitira perante Tommy que estava errada em qualquer que fosse a situação. Embora se envergonhasse disso, o orgulho era maior do que qualquer coisa.

Outra coisa que estava a incomodando era Fanny. A garota estranha que agora também era sua nova colega de quarto. O único motivo por ter agido tão estupidamente com ela, além do fato de estar de mau-humor, era que não estava acostumada com estranheza. A garota tinha uma aparência bonita e tinha sido educada na primeira vez em que surgira na sala de estar do colégio, pedindo informações sobre a sala da nova diretora, mas Helena sabia que tinha algo nela que não fazia sentido. Dava para ver que ela escondia alguma coisa, não só pelo jeito que agia, mas pelo modo como mexia no armário quando abrira a porta do dormitório e em como ela parecia ridiculamente educada demais. Sem falar no fato de Sophia não conseguir parar de falar com ela. Era Fanny para lá, Fanny para cá, que ela quase se sentiu tentada a enfiar a cabeça da menina loira dentro das roupas de Fanny. Sophia também insistia para que Helena pedisse desculpas a ela, mas aquele era um assunto delicado sobre o qual precisava de muito tempo para pensar.

Desceu as escadas rapidamente quando se deu conta de que o sinal para o jantar já havia batido há quase cinco minutos. Estava correndo pelos corredores que mais pareciam um labirinto, quando seu corpo se chocou contra algo. A única coisa que viu no momento do impacto foi uma onda de cabelos amarelos. Foi lançada para frente, mas algo a segurou pelas costas, impedindo que caísse no chão. Virando a cabeça para xingar Sophia e dizer que ela era uma mongoloide que não deveria ficar parada pelos cantos do colégio, ela viu que era um rapaz que a segurava. Os cabelos eram grandes e loiros, levemente bagunçados e faziam um trajeto direto aos seus olhos, que eram verdes e intensos. Helena não pôde deixar de notar que ele tinha jeito de surfista, com aquele sorriso galante no rosto, a pele branca e o corpo esbelto, com músculos definidos em toda a extensão de seu corpo, com destaque para o peito torneado e o inchaço sob a manga de sua camiseta azul escura.

— Finalmente uma garota gostosa nessa porcaria de colégio. Ultimamente, só venho esbarrando com garotos mais gays que o Justin Bieber.

Helena revirou os olhos. Era só o que faltava, um garoto metido a gostosão.

— Se continuar desse jeito, — ela resmungou — vai começar a sair alunos novos até do esgoto.

O garoto loiro deu um sorriso e Helena viu os dentes esbranquiçados e brilhantes confundirem-se com a pele pálida.

— O lugar de onde eu vim era infernal, mas tenho certeza de que não se assemelhava a um esgoto.

Helena suspirou e fez um gesto com a mão, descartando-o. Ela começou a andar em direção à cantina, mas o garoto parecia insistente demais. Ele segurou em sua mão depois que ela deu apenas dois passos. Helena o encarou com se pudesse matá-lo com as próprias mãos.

— Ei, ei, ei! — ele quase gritou — Espere. Ainda não me disse seu nome, princesa.

— Meu nome é: “cale a maldita dessa sua boca e me deixe em paz”. E, princesa? Tem certeza de que você não pode ser um pouco menos cafona?

O garoto pareceu se animar com aquele comentário, como se cada vez em que Helena fosse rude ou arrogante, ele fosse esbanjar mais cantadas galanteadoras.

— Adoro garotas agressivas. — ele disse — Me excita mais do qualquer outra coisa.

— Tenho certeza de que um chute no meio das suas bolas não vai te excitar de jeito nenhum.

O garoto começou a gargalhar. Helena já estava cerrando os punhos, pronta para acertá-lo no queixo daquele garoto maluco. Porém, para sua surpresa, ele segurou em sua mão e a levou para a boca, tocando-lhe suavemente, o que fez Helena arregalar os olhos.

— Paul, a seu dispor. Quando estiver se sentindo sozinha ou carente, já sabe a quem procurar. Estarei perambulando pelos corredores desse colégio. Receio que não será muito difícil me achar, já que a minha beleza estonteante destaca-se em meio a qualquer situação ou ambiente.

Paul largou a mão de Helena e ela se viu em uma situação realmente embaraçosa. Ela, que jamais corava, em hipótese alguma, estava sentindo o sangue quente banhando as veias de suas bochechas. Apenas não sabia se era por vergonha de Paul ter lhe beijado a mão, ato que nenhum outro garoto jamais fizera, ou se era por raiva dele estar sendo tão convencido. Ela optou pela segunda alternativa na hora de falar:

— Ok, Paul. Eu gostaria de dizer que foi um prazer lhe conhecer, mas na verdade, não foi. Se não se importa, preciso ir para a cantina porque estou faminta.

— Não fará a desfeita de ir embora sem dizer o seu nome para o cavalheiro que beijou sua mão, fará?

Helena quase berrou de insatisfação naquele momento.

— Que inferno! A porcaria do meu nome é Helena. Está satisfeito, seu traste?

Paul sorriu. Helena teve a leve impressão de que foi a palavra traste que fez com que os lábios dele esboçassem aquela reação.

— Satisfeitíssimo.

Helena cerrou os dentes.

— Ótimo. Nem pense em me seguir e muito menos em entrar comigo na cantina.

— Não vou à cantina. Já fiz um lanche rápido antes da maioria das pessoas chegarem. Não posso ficar em meio a muitas pessoas sem fazer alguma besteira. Se já fiquei animado desse jeito quando te encontrei, imagina o que eu faria... — Paul fez uma careta — Bem, deixe para lá.

Helena percebeu que havia um tom diferente na voz de Paul. Uma amargura, algo como um sentimento que ele quisesse esconder dele mesmo. Fez menção em perguntar qualquer coisa a ele sobre isso, mas Paul já tinha virado as costas e estava caminhando para a direção pela qual Helena tinha vindo.

Dando de ombros, a garota ruiva continuou o seu caminho à cantina. Alguns minutos depois, e ela tinha recheado o seu prato com arroz, feijão, frango grelhado e um pouco de salada de tomate. Pelo menos não tinha que se preocupar com dieta, já que os pratos servidos em Shavely não eram tão gordurosos e pesados.

Estreitou os olhos quando chegou à mesa na qual os amigos estavam sentados. Além de Logan, Sophia e Tommy, que estavam sentados em posições completamente distantes, estava Fanny e um garoto que Helena nunca tinha visto na vida. Estava sentado ao lado de Logan e falava algo que não conseguia entender. Arremessou a bandeja com o prato ao lado de Sophia e sentou-se, tomando o máximo de cuidado para não olhar para Tommy ou Fanny.

— Onde você estava? — perguntou Sophia, cortando um pedaço de frango — Achei que nem ia jantar hoje.

— Estava no dormitório. — ela olhou de soslaio para Tommy e comemorou mentalmente por ele ter percebido — Às vezes, preciso ficar um pouco sozinha para pensar em certas coisas.

— E que comece a chuva de indiretas. — disse Tommy, entredentes, enquanto mastigava um pedaço de alface.

Helena abriu a boca para falar que ele era um completo de um idiota, mas sentiu que Sophia colocou a mão na frente, impedindo que qualquer som saísse.

— Não e não! Vocês não irão discutir a relação aqui. Têm pessoas sentadas à mesa que não estão acostumadas com isso e poderão se sentir assustadas.

Helena levantou a mão na altura dos ombros e olhou apenas para o garoto que estava sentado ao lado de Logan. Ele parecia olhar para ela com vergonha, como se sua presença pudesse diminui-lo. Ela pensou em sorrir para ele, mas não o fez. Apenas o encarou.

— Quem é esse garoto aí? — perguntou.

— Sou Ian. — ele disse, sorrindo — Estou dividindo o dormitório com Logan e Tommy.

Helena olhou rapidamente para Tommy, mas ele não pareceu esboçar nenhuma reação. Na verdade, ele parecia não prestar atenção em nada a sua volta. Apenas no seu prato de comida.

Logo depois, Helena prestou atenção em outra coisa. A voz de Ian entrou pelos seus ouvidos e ela deu uma gargalhada alta. Todos que estavam à mesa olharam de um modo estranho para a garota, até mesmo Fanny, que se manteve muda desde que Helena chegara.

— Do que está rindo? — perguntou Logan, com as sobrancelhas franzidas.

Helena apontou para Ian.

— A voz dele. É muito engraçada. É fina e toda fofinha. Tenho quase certeza de que você gosta de brincar de espadas.

— O que você quis dizer com isso? — perguntou Ian.

Instantaneamente, Helena lembrou-se de Paul. O que a voz dele tinha de grave e seduzível, a voz de Ian tinha exatamente o contrário. Sabia que estava sendo inconveniente, mas nunca se preocupara com esses mínimos detalhes. Que mal podia haver em zoar um novato?

— Havia uma pergunta subentendida ali. Sua voz pode indicar algo que os outros não tenham percebido e eu sou a única pessoa que tenho coragem de olhar bem no fundo dos seus olhos e perguntar. Você gosta de espadas? Gosta do mesmo órgão sexual que esconde embaixo das suas calças? Em outras palavras, você é gay?

Ian ficou vermelho feito um pimentão. Ele estava tomando um gole de refrigerante, quando soltou abruptamente o copo e engasgou com o líquido, tossindo diversas vezes e cuspindo-o para fora da boca. Sem dizer nenhuma palavra, o garoto empurrou o prato para longe e levantou da mesa, correndo em direção à porta da cantina. Ele nem ao menos parou para olhar para trás e parecia estar indo esconder a cabeça dentro de um buraco e ficar lá para todo o sempre.

Helena não costumava ser assim e sabia que a razão para estar se comportando como uma estúpida estava bem ao lado dela, agora a encarando como se ela fosse uma criança. O olhar de Tommy não era diferente das outras pessoas. Até mesmo Fanny estava olhando estranho para ela.

— Qual é o seu problema? — perguntou o garoto de cabelos negros — Você tem o que no seu cérebro para fazer uma pergunta dessas? Dejetos de galinha?

Será que sempre cometeria algo estúpido quando tivesse qualquer indício de uma discussão com Tommy? A mente de Helena começou a pulsar e ela estava se segurando para não gritar com ele. Estava cansada de amá-lo, mas ao mesmo tempo ter uma vontade imensa de apertar o seu pescoço. Se ela soubesse que o amor seria assim tão complicado, ela jamais teria cogitado a ideia de se apaixonar.

— O problema é você! Não percebe que eu só faço essas coisas quando estou irritada? Nunca admitirá que está errado?

Tommy lançou a cabeça para trás e começou a rir.

— Eu estou errado? A única coisa que fiz desde que começamos a namorar foi amar você. Foi demonstrar que você era mais importante do que tudo. E a única coisa que você fez foi fingir que não se importa com nada. Foi agir como se fosse uma durona e tentar achar coisas que não existem apenas para mostrar que você sempre estaria por cima.

Que ótimo observador ele era. Helena poderia tê-lo xingado naquele exato momento, mas o melhor que ela poderia fazer era baixar a guarda.

— As pessoas escolhem as próprias maneiras de demonstrar o que sentem.

— Então, essas suas maneiras serão as responsáveis por levar o nosso relacionamento à ruína, porque parece que é isso o que você sempre quis.

O coração doeu como se tivesse levado uma facada. Ela não conseguiu achar nada que fosse inteligente o bastante para responder àquele argumento.

Helena olhou para Sophia e Logan, que estavam silenciosos e olhavam indignados para ela.

— O que estão olhando? — ela rosnou.

— Nada. — disse Sophia — Estamos esperando o show da ruiva acabar.

— Você quer brigar comigo também? — perguntou Helena, ajeitando as sobrancelhas em uma posição raivosa — Já foram dois hoje. Quer ser a próxima?

— Dois? — provocou Tommy — Com quem mais você brigou além de mim? Já está ficando saidinha desse jeito sem nem ao menos termos terminado? Será que gostaria de agilizar o processo?

Helena sentiu realmente a raiva apossando-se de seu corpo naquele momento e ela teve que se controlar para não dar um soco na mesa.

— Cale essa maldita boca, seu idiota!

A garota não ouviu mais nenhum som quando afastou o prato de comida, que já estava tornando-se indigesta, envolveu a cabeça com o braço e abaixou-a, torcendo para que a testa batesse com força na mesa e ela desmaiasse nem que fosse por alguns segundos.



A cabeça de Logan estava estourando. Ver os ataques histéricos de Helena não era algo muito agradável, especialmente quando ela fazia isso apenas para chamar a atenção de Tommy. E o que fizera na mesa de jantar não tinha sido nada amistoso. Percebeu o quão perturbado Ian ficara depois da indelicadeza da menina e Logan precisava ir atrás dele, apenas para ver como ele estava.

Já devia ser mais de nove horas da noite. Os corredores estavam escuros e os passos de Logan faziam mais barulho do que ele conseguia imaginar. As paredes de pedra estavam úmidas e ele ouvia ruídos que pareciam sair de dentro dos encanamentos do prédio. Já não era sem tempo de um arrepio lhe subir à espinha.

Não sabia para onde Ian tinha corrido e o primeiro lugar em que quis arriscar foi o dormitório. Estava no último corredor antes de chegar às escadas, quando percebeu algo estranho. Apesar da escuridão, havia algumas janelas e a luz prateada da lua estava iluminando o suficiente. Aquela parte do colégio era perto dos banheiros e tinha um bebedouro de água e um quadro de avisos colado à parede.

O bebedouro estava jogado ao chão e um pequeno fio de água escorria da torneirinha que estava aberta. Não havia nenhum papel fixado no quadro de avisos; todos eles estavam espalhados pelo chão do ambiente. Nervoso, Logan deu dois passos para frente e encontrou aquilo que ele menos queria ver: sangue.

Havia duas poças vermelhas exatamente no meio do chão do corredor. Logan percebeu que o líquido não estava fresco, o que indicava que o incidente tinha ocorrido há algumas horas. Sua cabeça começou a girar naquele mesmo instante. Lembrou-se do fatídico dia em que encontrara o corpo morto de Brian dentro da biblioteca, em estados deploráveis de mutilação. Suas mãos tinham ficado molhadas com o sangue que ainda jorrava do ferimento. Agora, ele encontrara sangue de novo. O que aquilo podia indicar? Uma briga? Um assassinato? Se alguém morrera, onde estava o corpo?

Logan não tinha respostas para as perguntas e tampouco uma maneira de pensar com clareza. Não naquele instante. Precisava sair dali. Não queria ser novamente a testemunha de algo incomum e misterioso, que provavelmente colocaria a vida de todos em risco, não pela primeira vez.

Quando levantou o corpo e olhou atentamente para o quadro de avisos, ele se assustou. Estampado ali, estava uma letra S estilizada escrita com sangue. Sim, ele sabia que era sangue, pois o líquido era espesso e tinha linhas escapando que indicavam que tinha escorrido.

Aquilo seria uma assinatura da pessoa que causara todo aquele caos? Logan não quis acreditar quando seu cérebro pensou em uma possibilidade bastante assustadora.

Havia uma pessoa cujo nome começava com a letra S...

A única que ele estava conseguindo imaginar naquele momento conturbado...

Sophia...


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