Série A Deusa Maldita: The Curse escrita por callmenikki


Capítulo 2
Capítulo Um – Em Busca de Respostas:


Notas iniciais do capítulo

Primeiro capítulo definitivo...
Espero que gostem, e comentem! (:



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Claire Thompson

Forcei um sorriso, segurando-me para não tremer. O problema não era nem mesmo o colar, mas sim a sensação que vinha junto com ele. O instinto de jogá-lo longe, e sair correndo, a esmo, porém fugindo de algo que eu não sabia exatamente o que era.

Passei o indicador por sobre o camafeu, alisando-o, e perguntando-me se aquilo era real.

Talvez não fosse o colar do sonho. Talvez... Fosse algo muito parecido. Suspendi o colar pela corrente, balançando o camafeu na frente de meus olhos.

Mesmas cores, mesma corrente, mesmo colar.

- Coloque – Ordenou ela, dando pulinhos ao meu lado. Suspirei, e coloquei o maldito colar. Não podia simplesmente recusar, não é?

O modo como ele se acomodou em meu peito, parecendo ter sido confeccionado para reinar em meu pescoço me assustou. Maravilhada, repeti o gesto de passar os dedos pelo camafeu, deixando-o escorregar por entre eles e bater com um baque surdo e gelado em minha pele. Sorri espontaneamente. Era lindo, e perfeito pra mim.

- Ficou perfeito em você! – Comentou Jackie, entrelaçando seu braço no meu, e arrastando-me para dentro da escola.

Lá dentro, Riley e seu namorado nos esperavam, abraçados. Empinei o queixo e sorri para Riley.

- Oi, Ry. – Saudei-a com um beijo no rosto, ignorando seu namorado por completo.

A verdade era que eu e Peter não nos dávamos bem desde a quarta série, quando ele me chamou de Pomba e colou um chiclete em meu cabelo.  Chamei-o de “Pé Torto”, e sem nem mesmo saber o porquê, ele ficou terrivelmente ofendido, e nunca mais nos falamos. Agora, alguns anos depois, voltávamos a agir civilizadamente na presença do outro. Por Riley.

                                                    ***

No dia seguinte, acordei com a já costumeira dor de cabeça que se tem após várias garrafas alcoólicas. A última coisa a qual eu me lembrava de era de Jackie balançando duas garrafas de Jack Daniels para mim e Riley, dizendo algo como: “vamos comemorar!”.

Com muito custo, arrastei-me para a escola, o colar que ganhara na noite passada pesando em meu pescoço. Pelo menos não sonhara esta noite. Estranhei quando, no lugar de Jackie, estavam Riley e Peter, me esperando em frente à escola.

- Oi Ry! – Cumprimentei-a, meus olhos ardendo, mesmo por baixo dos enormes óculos escuros.

- Oi – A voz dela era arrastada, como alguém que não bebia nada há vários dias. Eu sabia que era exatamente ao contrário. Ignorei Peter solenemente, como sempre fazia.

- Onde está Jackie? – Perguntei enquanto arrastávamos miseravelmente pelos decadentes corredores escolares.

- Quem? – Perguntou ela, e parei de mover-me para encará-la.

- Jackie. Jaqueline. Nossa melhor amiga. Cadê ela?

- Não adianta, Pomba. Também já perguntei, e ela não se lembra de Jackie. Nem ninguém na escola. – Comentou Pé Torto, e algo quando ele disse o apelido de Jackie me fez perceber que ela era mais do que apenas a melhor amiga de sua namorada, para ele. Encarei-o, quase arrancando meus óculos para acertar-lhe o rosto com eles. Ry continuou a andar/arrastar-se, como um zumbi.

- Você é nojento! – Não me contive ao gritar, e imediatamente me arrependi. Não só pelo fato de que toda a escola nos encarava, mas também por que minhas cordas vocais arderam.

Virei-me, acertando-lhe a face com meus cabelos, e saí andando mais depressa do que me achava capaz naquele estado.

O resto do dia ocupei-me perguntando sobre Jackie. Ou Jaqueline Donley, como deveria ser conhecida, mas ninguém, e eu repito: ninguém jamais ouvira falar sobre ela. Ninguém, a não ser Pé Torto. Se não fosse pelo colar que brilhava morbidamente em meu pescoço, eu também poderia acreditar que ela realmente não existira.

Riley passou a hora do almoço em Deus-sabe-onde, obrigando-me a dividir a única mesa vaga com seu nada adorável namorado.  Passamos os vinte e oito minutos discutindo, e incrivelmente chegamos à conclusão de que Jackie não iria simplesmente evaporar da mente de todos. Decidimos que, ao final da aula, invadiríamos a sala do diretor, e procuraríamos a sua ficha de estudante, descobrindo assim seu endereço – o qual nem eu, nem ele conseguíamos nos lembrar.

                                                       ***

Já era tarde da noite quando finalmente paramos em frente a janela da sala do diretor.

Minha mão tremia, mas tentava respirar fundo e manter-me calma. Não demonstraria fraqueza alguma na frente de Peter Pé Torto. Eu estava observando o ferrolho da janela, escolhendo um meio de arrombá-la quando algo cinza-escuro zuniu sobre minha cabeça, acertando em cheio o vidro, e quebrando-o. Olhei para Peter, assustada, só para vê-lo rodar um pé-de-cabra na mão esquerda. Estava feito.

Suspirei, espanando com as mãos os cacos de vidro que cobriam o peitoril da pequena janela. Perguntei-me como os ombros largos de Pé Torto passariam por ali, mas não me importei realmente.

Cometi, então, o que seria meu maior erro da noite, e o qual eu deveria ter tomado como um mau presságio: Entrei pela janela com a parte da frente do corpo.

Com um impulso, tirei meus pés do chão, dando uma cambalhota para dentro da sala, acertando meu nariz no chão, e meus pés na parte não quebrada do vidro. Se não estivesse usando coturnos de couro, teria com toda a certeza cortado meu tornozelo.

Levantei-me retirando com cuidado os cacos de vidro que grudaram em minhas roupas, e andei até o arquivo, que ficava do outro lado da sala.

Dedilhei os milhares de arquivos, procurando pela letra J. Congelei no lugar quando escutei passadas pesadas do lado de fora da porta, e reprimi o berro gutural ao sentir as mãos de Peter tampando a minha boca. Como ele entrara tão rápida e silenciosamente?!

Continuei a silenciosamente procurar pela ficha de Jackie; quando meus dedos a envolveram, as mãos de Pé Torto foram de minha boca para minha cintura, puxando-me com agilidade para debaixo da mesa do diretor. Houve um estrondo, e toda a sala foi iluminada por uma terrível luz amarelada. Foi quando percebi que algo, no corredor, explodira, e o fogo se aproximava de nós com uma velocidade inacreditável.

Em um surto de adrenalina, levantei-me, agarrando Peter pela gola da camiseta, e arrastando-o até a janela. Houve outro estrondo, exatamente como o primeiro, porém mais próximo. Tentei abaixar-me, mas Pé Torto envolveu minha cintura com os braços e curvou-se sobre mim. O fogo ricocheteou em suas costas e voltou-se para a parede mais próxima.  Se pudesse, teria o olhado atônita, mas a fumaça e a falta de luz me impediam. Cambaleei até a janela, atirando-me para fora sem nem mesmo olhar. Senti Peter vindo logo atrás de mim. Este agarrou minha mão esquerda – a que não segurava a ficha – e puxou-me, correndo em direção ao local em que estacionamos o carro.

Em silêncio, observei as casas passando a toda velocidade por minha janela. Tentei perguntar para onde estávamos indo, mas quando me virei para ele, as palavras simplesmente não saiam. Ele apertava o volante com tanta força que os nós dos dedos estavam brancos. No rosto, uma expressão quase beirando o pânico. O fogo. Acertara-lhe as costas, e mal nenhum lhe fizera. Bem, se eu fosse à prova de fogo, também enlouqueceria.  Decidi continuar em silêncio, tentando adivinhar para onde iríamos.

As casas ficavam mais raras à medida que as árvores ficavam mais comuns.

                                                           ***

- Claire... Acorda garota. Chegamos. – A voz rouca dizia. Demorei alguns segundos para perceber que a grave e sexy voz que me chamava pertencia a Peter. Por que ele não falava sempre assim? Teria tudo o que quisesse. Pisquei os olhos algumas vezes, e me deparei com... Bem, mato.

-Onde estamos? – Perguntei, olhando ao meu redor. Fora do carro havia apenas árvores. Ele estacionara o carro em uma pequena clareira.

- Aqui é o máximo que o carro pode nos levar. Ali – Ele apontou para algum ponto à esquerda – há uma pequena trilha. Em vinte minutos chegaremos à uma cabana. Foi o único lugar que consegui pensar. – Ele deu de ombros como se estivesse pedindo desculpas. Vinte minutos de caminhada à noite no meio do nada com Pé Torto? Não era uma boa ideia.

Caminhamos pelo que me pareceram horas. Tropecei, pelo menos, cinquenta vezes. Nas primeiras, Peter deixava-me cair, sem nem olhar para trás. Irritada, eu berrava. Após o vigésimo tombo, ele começou a andar mais lentamente, a mão sempre a postos perto de meu braço.

- Porcaria de raiz de árvore! – Exclamei ao prender meu pé em outra raiz sobressaliente. A mão de Pé Torto agarrou meu antebraço, impedindo-me de acertar o chão com meu nariz. Bufei, espanando a mão nas roupas.

- Não é a porcaria da árvore que te faz cair, Pomba. É a porcaria do seu equilíbrio. – Comentou ele, e percebi que ria. Bufei outra vez.

- Se a porcaria da raiz não estivesse aqui, a porcaria do meu equilíbrio não seria afetado! – Respondi raivosa. Outro quase tombo. Desta vez, um escorregão.

- Porcaria de musgo? – Perguntou ele, colocando-me de pé.

- Sim, porcaria de musgo, porcaria de raiz de árvore porcaria de floresta! – Exasperei.

- Vamos logo, garota. Estamos quase lá! – Resmungou Pé Torto, mas eu continuei a andar lentamente. Se levasse mais um tombo, teria um surto psicótico, e acabaria assassinando Peter Pé Torto, e seu sorriso sarcástico e irritante.

E realmente estávamos perto. Assim que passamos por um último carvalho – que eu sabia que era um carvalho por que havia um parecidíssimo em meu quintal – entramos em uma campina. De um lado, as árvores. Do outro, o monte. Encrustada à colina estava uma choupana. Parecia saída de um conto de fadas, e o local a sua volta só contribuía para isso. A colina em que a cabana se apoiava estava coberta de Amor Perfeito, coloridos e alegres. A            vegetação rasteira da campina tinha cheiro de orvalho, e o tranquilo lago que se encontrava ao lado da choupana trazia um cheiro de ar fresco ao lugar. A choupana, em si, parecia realmente antiga. Possuía paredes de pedra, e a porta era arredondada e de madeira maciça. À luz da lua, era um lugar perfeito.

-É lindo – Comentei embasbacada.

-É... Meus avós encontraram esse lugar quando tinham a nossa idade, mais ou menos. Passaram, então, para os meus pais, mas com a vida moderna, eles simplesmente se esqueceram desse lugar. Eu venho aqui desde criança. Traz-me calma, e algumas boas lembranças. – Ele deu um sorriso que me fez desejar não saber quais eram as suas lembranças. – Foi por isso que, depois da loucura de hoje à noite, foi o único lugar que consegui pensar.

Realmente, o lugar parecia possuir uma mágica calmante. Eu simplesmente me esquecera da explosão na escola, da ficha roubada em minhas mãos, e de como Peter era, aparentemente, à prova de fogo.

Tudo voltou como um elástico que fora repuxado até o máximo, e solto com um estalo. Suspirei, observando a lua cheia que banhava o chão com sua cálida luz prateada.  Havia mesmo sido uma noite e tanto. Com certeza não a mais louca de minha vida, ou a mais estranha, mas uma delas. Observei o rio, e imaginei a água gelada em contato com a minha pele, libertando-me de toda a loucura e estresse.

- Vai entrar, ou vai ficar aí parada feito uma idiota? – Perguntou o cavalheiro, que estava à porta, esperando-me com uma carranca. Revirei os olhos, toda a paz da água e da lua desaparecera. Corri até ele, atravessando a campina com um suspiro. Por dentro, a pequena cabana era aconchegante, e, como um flat, possuía apenas um cômodo. A cama ficava na parede esquerda à porta, em frente á uma lareira. Entre ambos, havia um felpudo tapete cinza-escuro.  Sentamo-nos no tapete, e, enquanto Peter atiçava o fogo, eu lia com atenção a ficha de Jackie. Havia pouquíssima informação, dizendo apenas que ela morava com sua mãe, e que sempre estudara em casa.

- Ela sempre estudou em casa? – Perguntei surpresa por não saber desta informação sobre minha melhor amiga desaparecida. Pé Torto continuou a ler, e exclamou:

- Onde fica Mount Lee? Nunca ouvi falar, não em Minden, ou em qualquer lugar de Nevada.

- Mount Lee? O Mount Lee?! – Exclamei, sem acreditar.

- O que é Mount Lee? – Gritou Peter, olhando-me raivoso. Revirei os olhos.

- É o monte em que ficam os letreiros de Hollywood, idiota.

- Tipo... Na Califórnia? À sete horas de carro daqui? Não é possível que ela more lá, e venha para a escola aqui. Não mesmo.

- Vai ver a informação está errada. – Comentei, mesmo sabendo que era mentira. Mount Lee não era um lugar habitável. Não mesmo. Virei a folha, procurando por mais informações, o que de fato encontrei, apenas de não saber o que era. Oito números escritos em vermelho.

- Peter. – Chamei-o, mostrando a folha. Ele olhou por alguns minutos, ponderando.

- Uma coordenada, talvez? – Ele falou incerto.

- O real endereço dela, você quer dizer? – Perguntei, colocando pouca fé naquilo. – Talvez seja um número de telefone, ou algo assim.

- É, ou algo assim. – Comentou sarcástico. Com raiva, puxei meu celular do bolso traseiro do jeans, e disquei os números ali. Ele tinha razão. Não era um telefone. Larguei o telefone no tapete, exausta. Poucas horas atrás, invadira uma escola, roubara uma ficha, e ainda escapara de algumas explosões estranhas. Era muito para um dia só.

                                                    ***

Não tenho certeza do momento exato em que adormeci. Se fora entre o momento do telefone, ou trinta segundos depois. Só sabia que estava confortável e feliz por esquecer todo aquele drama, mesmo que por algumas horas. Quando acordei, estava afundada em travesseiros macios, e lençóis de cetim. Sorri. Peter me levara até ali, isso estava óbvio. Olhei-o, que estava na cozinha, observando o fogo que ainda crepitava com uma caneca de café nas mãos. Quando percebeu que estava sendo observado, sorriu de leve. Murmurei um “obrigada”.

- Você é sonâmbula, sabia? Eu estava lendo a ficha quando você se levantou, e se jogou na cama. – Seus olhos se desviaram dos meus ao dizer isso, e eu sabia que era mentira. Não era sonâmbula. Na verdade, tinha um sono tão pesado quanto o de uma pedra.

- Claro, claro. – Respondi sem acreditar. Levantei-me a muito contragosto, andando até a pequena cozinha e servindo-me com uma xícara de café. Sentei ao seu lado na bancada que separava a cozinha do resto da cabana, percebendo que a ficha de Jackie ainda estava aberta, e os dedos de Pé Torto repousavam casualmente sobre sua foto.

- Se você gosta tanto dela, por que continua com a Riley?! – Perguntei sem conseguir me conter. Ele fechou a pasta com um baque alto, e, de repente, parecia que a atmosfera do ambiente havia esfriado uns 15 graus.  Percebi, um pouco tarde demais, que não deveria ter dito nada.

- Não lhe interessa Pomba. – Respondeu Pé Torto, a voz fria e cortante, como gelo. Desta vez, fiquei em silêncio, controlando minha vontade de gritar com ele, e estapeá-lo até que decidisse entre Riley e Jaqueline.

Sinceramente, eu preferia que ele ficasse com Ry. Jackie poderia ter qualquer cara na cidade. Sério mesmo, qualquer um. Mas, escolher justamente o namorado da melhor amiga, era sacanagem. Até mesmo para Jaqueline Donley.

- Nós precisamos descobrir o que são os números. – Comentei após quase vinte minutos de silêncio. Ele apenas assentiu, como se ainda estivesse muito interessado no fogo.

As chamas se rebelaram, aumentando suas labaredas, que lambiam a borda da lareira como pequenas traiçoeiras e perigosas serpentes. O som que se ouvia não era tão diferente do sibilar de uma cobra, o que me assustava um pouco. Se fosse preciso, jogaria Peter ao fogo. Afinal, ele era à prova de fogo, não era? Quase ri com esse pensamento, observando as labaredas vermelhas e laranjas.

- Não era fogo, era? – Perguntei de supetão, lembrando-me da explosão na noite anterior.

- Oi? – Perguntou Peter sem entender.

- A explosão, ontem.

- Era fogo, eu senti. – Respondeu ele. – Não sei como fizeram aquilo, mas eu senti que era fogo.

- As suas costas...

- Não me queimei. Não sei o que aconteceu, de verdade. Mas eu senti o perigo. O desespero que se abateu sobre nós. Aquilo não era normal, Claire. Não era natural. – Nesse ponto, eu concordava com ele. A sensação em meu âmago não era a de uma pessoa em meio a uma explosão, ou um incêndio. Era a sensação de uma pessoa... No inferno. Não havia palavra melhor para descrever o que senti. O calor infernal, mas era tudo ao mesmo tempo muito frio. Como se eu estivesse no Alasca, usando apenas roupas de banho.

Meneei a cabeça, concordando.

- Não era natural. – Repeti sua frase.

                                                          ***

Quando chegamos à escola, eu vestia roupas de Jackie. Aparentemente, ela guardava quase um armário inteiro no apertado banheiro do chalé, e Peter me deu a permissão para escolher uma roupa. A que eu usara na noite passada, após tantos tombos na grama úmida, se tornaram irreconhecíveis. Joguei-as no lixo. Era mais fácil explicar à minha mãe que deixara as roupas na Riley, do que explicar o porquê estarem tão imundas.  Assim que saí da caminhonete de Peter, recebi um olhar mortal de Ry que nunca havia visto em seu amável rosto de coração. Quando vi quem a acompanhava, ponderei retornar a caminhonete, fazer um a ligação direta e voltar para o chalé. A única falha no plano seria o tempo. Eu simplesmente não conseguiria fazer uma ligação direta antes que Ethan chegasse à porta do carro. Ou Riley, que com seu olhar mortal assustava-me tanto quanto meu “namorado” babaca. Ry batia o pé no chão, impaciente. Pé Torto colocou no rosto um sorriso falso e amável. Como aqueles de crianças quando aprontam, e estão apenas esperando que você descubra.

- Onde você estava? Eu te liguei a tarde toda ontem! Por que não me atendeu? Por que Claire estava com você? Por que não foi ao cinema ontem? Por que foi buscar Claire, e não à mim? – Esbravejava, sem nem se importar com os olhares de todas as pessoas no estacionamento. Sorri para Ethan. Sabe como é: se está no inferno, abrace o capeta!  Só ele evitaria com que eu levasse uma bela bronca. Passei meu braço por sua cintura, puxando-o para longe da Riley ensandecida.

- Oi gata – Disse ele com sua falsa voz sedutora.

- Oi, Ethan. – Respondi sem ligar, virando o rosto ao ver seu sorriso malicioso. Ah, droga, aquilo ainda iria me causar problemas.

- Está livre hoje? Meus pais vão viajar e...

- Não posso – Cortei. – Vou visitar uma amiga. – Não era de todo uma mentira. Eu iria visitar uma amiga. Uma amiga desaparecida não só da cidade, mas também da mente de todos que já a viram.

-Amiga, é? – O tom malicioso de sua voz me enojava. Desvencilhei-me dele assim que passamos pela porta de entrada da escola. – Eu conheço? – Eu não podia perder a oportunidade.

- Acho que sim. Jackie Donley. Sabe quem é? – Comentei. Olhei-o com atenção, procurando pelos traços óbvios de seu rosto quando ele mentia.

- Hum... Acho que não, mas poderia conhecer, não é? – Sua resposta foi um balde de água fria em minhas esperanças. Suspirei. Ele não estava mentindo. Realmente não sabia quem ela era. Coisa meio difícil, já que, mês passado, Ry e eu flagramo-los se agarrando no armário de vassouras. Antes de ter algo entre nós, se é que alguma vez houvera algo entre nós. Ele sorriu, quase inocente. - Mas e aí, pode fazer algo hoje?

Revirei os olhos, segurando a vontade de soca-lo.

- Não, Ethan. – Falei devagar, como se explicasse algo pela milésima vez para uma criança. –Já te falei. Não vou estar na cidade. – Peguei meu livro de álgebra, e meu inseparável Guia Rápido de Mitologia Grega. Eu era fascinada por mitologia. Grega, Romana, Egípcia...  Talvez por influência de meu pai, que sempre fora um escritor e historiador maluco.

Entrei na sala de Álgebra, sentando-me em um dos últimos lugares. Abri o livro na página 67. O número escrito com a horrenda letra da nossa professora, Sra. Wallace, no quadro-negro. Por baixo da mesa, abri o Guia, na página dez. Havia um de meus contos preferidos: O caso entre Afrodite e Ares.

O fato é: Hefesto se humilhava ao tentar humilhar Afrodite e Ares, e, bem, eu achava isso hilário. Tinha, em minha mente, uma visão bem formada da situação. Ares, marombado, enroscado em milhares de fios finos e invisíveis. Vermelho de raiva, bufando e se debatendo, tentando livrar-se da rede. Afrodite, parada, enrolando-se em um lençol, vermelha de vergonha e embasbacada pela atitude do marido. E, por último, Hefesto. Manco e desfigurado, rindo da cena, sem nem perceber que o termo “corno manso” se aplicava quase perfeitamente á ele. E, obviamente, os outros Olimpianos, constrangidos com a cena. Na realidade, eu poderia imaginar Apolo, com toda a sua beleza, sacando um celular, tirando milhares de fotos da cena, rindo com seu sorriso perfeito e...

- Senhorita Thompson, poderia vir até aqui e resolver este exercício? – Havia um tom cruel de escárnio em seu tom. Suspirei, me arrastando até o quadro. Olhei para os números escritos, tentando entender o que eu deveria fazer ali.  Em minha cabeça, uma voz feminina me falou exatamente o que fazer. No final, se não seguisse o que a tal “voz” falava, não teria conseguido resolver o problema. Enquanto eu voltava para meu lugar, olhei pela janela, e vi que, próximo as árvores que rodeavam a escola, havia um homem. Ele vestia uma túnica negra que, ao tocar o chão, se transformava em fumaça, ondulando na grama. A tez era azeitonada, repuxada por sobre os ossos da face. Os olhos, dois buracos negros. Vazios.

Ele me encarava com uma tentativa de sorriso de escárnio nos lábios, o que só o tornava mais assustador.  Abaixei o rosto e andei apressada para meu lugar.

O resto do dia passou rapidamente, e eu estava cada vez mais nervosa. A cada batida do relógio, a hora do resgate se aproximava, fazendo-me ficar mais e mais estressada. O homem da janela só piorava a situação. Em cada vidro pelo qual eu observava para fora da janela, eu o via. O mesmo sorriso, as mesmas mãos pálidas encurvadas em garras. Mesma túnica nebulosa.

O sinal tocou estridente, sinalizando que o dia escolar estava encerrado. Mas o meu dia estava apenas começando. Encontrei-me com Pé Torto no ginásio quinze minutos após o sinal. Tempo gasto apenas para jogar meus livros no armário, e esquivar-me de Ethan.

- Vamos? – Perguntou, dando início a nossa Missão de Resgate.


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