Guardiã do Rei escrita por Miss America


Capítulo 7
Um Príncipe Preocupado


Notas iniciais do capítulo

este cap seria postado amanhã, mas recebi duas novas leitoras muito fofas e esse sai em homenagem a elas!
enjoy, girls :D



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Talvez isso soasse egoísta, até um pouco cruel, mas Annabeth nunca ficou tão feliz por encontrar um semideus preso pela guarda real.

Quando todos foram jogados em um tipo de cativeiro sujo e fétido, ela encontrou Cassie do outro lado da cela. A menina olhava de modo suspeito para os lados e manejava algo nas mãos. Sendo filha de Hefesto, Annabeth logo concluiu que ela tentava fugir usando suas técnicas mecânicas.

Mas havia um problema: um guarda de ronda passava a cada minuto por lá, impedindo um trabalho mais minucioso de Cassie. Annabeth, que só entrara naquela situação para salvar a amiga, teve uma ideia e chamou a atenção do guarda.

— Hey! — ela exclamou, e o guarda virou-se para ela. — É, o senhor mesmo.

— O que quer? — ele perguntou, rude.

Cassie olhou de soslaio para a cena, e compreendeu de pronto o que se passava. Annabeth inspirou e expirou lentamente, tentando manter a calma.

— Tenho sede.

— Humph, não é problema meu — ele latiu.

— Repita isso — Annabeth estava séria — e gritarei e direi aos outros que me bateu.

— Experimente — o homem riu. — Ninguém vai se importar, menininha tola.

Tola? Não. Annabeth jamais aceitaria tal afronta em outro contexto. Mas ali ela precisava cooperar, pelo bem de todos.

— Por favor, apenas um copo de água.

O homem fungou, pegou sem cuidado uma taça suja de cima de uma mesa velha e mergulhou em um balde — se havia água ali, ela não sabia. Ele veio até a grade e ofereceu a Annabeth grosseiramente.

Ela se colocou em pé e limpou do rosto parte da água que espirrou nela. Olhou para o guarda controlando uma fúria interna, e estendeu a mão para a taça. O objeto era feito de ferro, antigo e enferrujado; a água, turva e com um cheiro esquisito dentro da taça sebosa. Todos os outros prisioneiros assistiam à cena com um misto de compaixão e curiosidade.

O soldado ria para a cara de ânsia de Annabeth, quando um estalido agudo soou. Todos se viraram para onde Cassie havia quebrado um cadeado e agora levantava uma janela pequena, suficientemente espaçosa para que ela passasse sem problemas. A expressão do soldado escureceu e suas feições contorceram-se no que Annabeth previu como um grito.

Antes que ele pudesse alertar os outros, ela bateu com a taça em sua cabeça deixando-o tonto. O puxou pela gola e colocou sua adaga no pescoço do homem. Um fino traço avermelhado nascia onde ela havia batido, enquanto o guarda se debatia e arquejava um pedido de socorro e tentando evitar o desmaio.

Todos os prisioneiros pularam de uma vez para a pequena janela aberta, e Annabeth temeu que Cassie fosse pisoteada, mas a menina surgiu dentre todas as pessoas e chamou por ela. Annabeth negou tristemente com a cabeça, e Cassie pareceu confusa.

— Annabeth, largue o homem e venha!

— Não posso! Vá, agora!

Cassie empurrou as outras pessoas e chegou ao lado dela. O guarda finalmente silenciava e fechava os olhos.

— Vamos, temos que ir.

— Eu não, Cassie. Devo ficar.

— Por quê?

Annabeth olhou para os lados.

— Porque tenho que encontrá-lo.

— Encontrar quem...? — Então os olhos da menina brilharam. Ela entendeu.

Surgiram inúmeros gritos. O pedido de socorro mal exclamado pelo homem chegou até os ouvidos dos companheiros.

— Ah meus deuses, é você!

— Sim, sim, agora vá!

— Espere — Cassie pediu —, você salvou minha vida. Deixe-me fazer o mesmo por você. Haverá um julgamento, e vão tentar descobrir se você é uma semideusa ou não.

— Como sabe disso?

— Apenas escute-me! Passe mal. Desmaie. Existe uma lei que obriga a Igreja a cuidar dos prisioneiros que estiverem claramente doentes.

— Mas...

Os passos de vários soldados eram ouvidos de onde elas estavam. O barulho de chaves e portões sendo abertos também.

— No hospital da Igreja tem o sacerdote Bernard, pode confiar nele. Ele vai cuidar de você. Depois, vire-se sozinha.

— Como você...

— Eu já estive ali — Cassie confessou. Annabeth não entendeu.

— Calma, o que você disse?

— Preciso alimentar meus irmãos e nossos primos, Annabeth, mesmo que isso signifique vir até aqui. Agora, boa sorte — desejou a menina, e virou-se em direção à janela sem mais uma palavra. 

Annabeth ficou observando-a partir, evitando chamá-la de volta. Seria estúpido; ela já conseguira escapar. No entanto, o que Cassie dissera pairava em sua mente e doía em seu coração. Aquela era a realidade de seu amado Acampamento, e algo que ela não poderia esquecer enquanto estivesse em sua missão.

Quando a patrulha surgiu, Annabeth soltou o homem e andou para trás até colar na parede. Um dos homens desembainhou a espada, e o barulho do metal silenciou os prisioneiros. Todos ergueram as mãos, temerosos ante as palavras de ordem do chefe dos soldados. Annabeth ficou no fundo, escondida atrás dos outros, que agora eram poucos: pelo menos metade dos presos fugiram, principalmente crianças e mulheres.

— Espero que permaneçam assim — o homem bradou. — Quietinhos, até o julgamento real de amanhã. E vou torcer para que sejam todos executados, inúteis.

 

 

Com essa lembrança, Annabeth abriu os olhos. Ela estava em uma cama simples de enfermaria, e um crucifixo a encarava da parede oposta. Ela ouvira quando o sacerdote Bernard viera medir-lhe a temperatura. Por sorte, ela estava mesmo quente — uma mistura de pavor, nervosismo e desespero contribuíram para que ela saísse do seu estado normal.

O monstro a assustou. A presença do Conselho real a assustou. Os critérios de julgamento a aterrorizaram, mas o que realmente a surpreendeu foi a coruja.

A ave sobrevoou os prisioneiros e pousou em um galho de macieira, logo atrás das cadeiras dos homens da realeza. De onde estava, aparentava estar sobre o ombro de alguém — este alguém? O príncipe.

O rapaz de olhos verdes não tinha a mesma expressão cruel dos outros homens. Parecia simpático, inocente e olhava para o julgamento com olhos reprovadores. A coruja aparentava estar sob seu ombro, como se dissesse "está vendo? Compreende-me agora?".

Prestou tal atenção ao fato que quase se esqueceu do monstro na gaiola. Talvez uma das coisas mais curiosas que já vira, e era também bastante perturbadora. Dentre todas as pessoas, ele farejava para apenas uma: ela. As palavras de Cassie soaram em sua mente como um sussurro: desmaie.

E foi isso o que ela fez.

Nada até então dera mais certo. Alguns suspiros presos nas gargantas foram ouvidos por ela, e em poucos momentos braços fortes a carregavam para algum outro lugar. Ela deitou-se em uma cama confortável — mais confortável do que todas que experimentara durante a viagem — e, ninada por uma música doce de um órgão, adormeceu.

Annabeth sentou-se na cama. O lugar estava escuro devido às cortinas ainda fechadas. Andou sem fazer ruído até encontrar um foco de luz, e chegou até uma sala pequena onde o sacerdote Bernard lia um livro calmamente. Quando a avistou, ele tinha uma expressão cansada.

— Como está, filha? — sua voz era serena e, sua dicção, perfeita.

Annabeth hesitou.

— Sinto-me... um pouco melhor.

O sacerdote fechou seu livro e esfregou os olhos.

— Ah... Deus perdoe estes homens, com estes julgamentos estúpidos...

— Eu... — ela gaguejou. — O que acontece comigo?

Bernard a olhou com olhos bondosos.

— Como não passou por julgamento, deverá confessar-se. Demonstrar arrependimento de tudo o que fazia antes de entrar para o reino do bom rei Paul. Não me entenda mal — o sacerdote de cabelos ralos sorriu timidamente —, mas foi melhor você passar mal. Não gostaria de ver aquela criatura horrenda em ação.

Annabeth olhava fixamente para o senhor. Algo nele era vagamente familiar.

— Hã, obrigada, sacerdote.

Ele assentiu.

— Vá para a Igreja, ali, por aquela porta. A marrom. O sacerdote Fritz estará lá.

Um arrepio percorreu a espinha de Annabeth. A fama de Fritz era conhecida no Acampamento.

 

 

Annabeth cobriu-se com um véu negro e entrou pela porta marrom, saindo do lado esquerdo do altar. No outro lado, a pequena cabine de confissão estava aberta, e o sacerdote Fritz rezava um terço. Annabeth, relutante, pôs-se de joelhos sem que ele a visse, e fez o sinal da cruz. Era melhor assim, sem levantar suspeitas muito cedo.

Enquanto mantinha os olhos fechados, ouviu alguém entrar na Igreja. Ela abriu os olhos e colocou-se em pé, virando-se em direção ao confessionário. Foi então que o viu, de verdade, pela primeira vez.

O príncipe Perseus estava ali, silencioso, prestando sua homenagem ao local sagrado. Quando a avistou, cumprimentou-a amigavelmente.

— Boa tarde, senhorita.

Annabeth curvou-se, um pouco nervosa.

— Eu... eu a conheço? — ele perguntou.

— Creio que não, senhor.

Ele pareceu desapontado.

— Oh, desculpe. É que hoje uma prisioneira desmaiou, e fiquei preocupado com a saúde da moça.

Annabeth lentamente sorriu, por baixo do véu, mas voltou a ficar séria. O príncipe aguardava uma resposta, e ela não sabia o que dizer. Quando ergueu os olhos para ele, a coruja trespassou pela janela e se foi. Annabeth engoliu seco. Desde o outro dia, em que fingira o desmaio, não havia visto mais a coruja sobre ninguém. Agora, a via novamente, e algo a fazia pensar que era a última vez que a veria. A coruja já não tinha mais o que dizer.

Annabeth virou os olhos para o príncipe, que sorria. Então, ela tirou o véu.

— Estou bem, muito obrigada.

Perseus sorriu. Um silêncio constrangedor instalou-se de repente.

— Ah, que bom — ele respondeu, depois de alguns segundos. — Quero dizer, que bom que está bem.

Annabeth curvou-se novamente, já que não sabia o que mais fazer e não aguentaria outro silêncio.

— Se me der licença...

— Ah, claro. Pode ir.

— Obrigada, senhor.

Ela ficou de costas, e andou lentamente até perto do confessionário, pensativa. Algo estava muito estranho: era como se andasse em nuvens. Sentia-se bem, feliz e completa, mas não sabia o porquê. Ela aguardou a reação do príncipe. O rapaz olhou em volta e, após um ou outro segundo, deixou o lugar com passos largos e jeito simples. Mal parecia alguém da realeza.

Quando ele saiu, Annabeth enfim deu-se conta do problema ao lembrar-se da coruja. Mas não, não podia ser ele. O herói... um príncipe? Como ela o convenceria de sua missão sem arriscar o pescoço? Ele poderia acusá-la de loucura ou coisas piores, e sua missão estaria falida. Os semideuses perderiam a guerra e o mundo seria destruído.

Ela respirou fundo. Uma coisa de cada vez. Primeiro, se a coruja voltasse, poderia mostrar outra pessoa. Talvez fora apenas uma coincidência. Sim, foi isso. Mas ele... ele era tão... diferente...

— Não pense que me engana, menina — o sacerdote Fritz cuspiu, interrompendo os devaneios dela enquanto surgia por suas costas.

Annabeth rolou os olhos e virou-se para ele.

— Bênção, senhor — ela pediu, em tom de deboche.

— Você fugiu ao julgamento, mas não fugirá para sempre — a voz do velho era afiada como uma faca raspando o muro. — Mais cedo ou mais tarde, sua máscara cairá, meio-sangue.

Annabeth lutava para manter a calma.

— Não sei o que está dizendo — ela falou docemente —, vim apenas para me confessar com o senhor.

O velho homem a encarou e a ignorou, andando em passos fortes até seu lugar no confessionário. Annabeth inspirou lentamente.

Oficial, ela pensou. Meu primeiro inimigo está feito.

 


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Notas finais do capítulo

xoxo



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