Guardiã do Rei escrita por Miss America


Capítulo 6
Alguém Que Não Tem Medo


Notas iniciais do capítulo

Hola people õ/



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Percy segurou-se firmemente com o braço e saltou. Pronto: estava em cima dos telhados.

Lá de cima a visão era única. Era o único lugar que o fazia sentir-se acima dos medos e das pessoas que o menosprezavam. Mas ele tinha uma sensação esquisita toda vez que subia. Uma sensação que beirava ao medo, a insegurança, como se não devesse estar lá em cima. Como se a altura não fosse algo destinado a ele.

Mas isso ele não contaria isso nem ao pai e muito menos à mãe. A rainha Sally tinha pavor de suas escaladas, e quando Percy era pequeno, ela dizia que raios atingiam crianças que subiam para perto do céu. Percy não acreditava nisso, embora uma vez ele quase levara um raio de verdade no traseiro.

Percy observava a cidade. Tão movimentada, tão monótona. Era como se Percy olhasse as coisas sob outro ângulo, um ângulo que era invisível àqueles seres humanos. Como se algo estivesse sempre a ponto de acontecer, uma tragédia iminente e, mesmo assim, aquelas pessoas ignoravam e continuavam vivendo suas vidas.

Perdido nesses pensamentos, não ouviu quando alguém se sentou ao seu lado.

— Bom dia, príncipe — sorriu a menina ruiva.

Percy despertou e olhou para o lado. Rachel sorria, e suas sardas pareciam mais evidentes sob o sol das onze da manhã.

— Bom dia? Acordou agora?

Rachel deu de ombros.

— Não consegui dormir cedo.

— Pesadelos de novo?

— Sim — ela respondeu, desanimada. Então, virou-se alegre para Percy. — Mas pelo menos eles ainda não viraram realidade, como os seus. Casamento, coroação... que vida animada.

Percy sorriu sem graça. Rachel estava certa. Uma semana após a coroação, seria seu casamento com a filha do conde Bobofit, Nancy. Ela era muito bonita, mas tão... superficial. Percy perguntava-se o que havia visto nela quando tinha sete anos e fora apaixonado por Nancy.

Rachel sentiu em si o desânimo do primo.

— Força, Jackson. Você só tem dezesseis anos. Se começar a sofrer tão cedo assim, não vai haver nada pra reclamar quando for gordo e velho.

Percy a olhou sério, mas não segurou o riso. Rachel sempre o animava; como, ele não sabia.

— Com o que sonhou desta vez?

Rachel suspirou.

— O de sempre — ela disse, dando de ombros. — Terremotos, coisas se erguendo da terra... enfim.

— O sacerdote não disse nada?

— Disse que eu devia me confessar.

— E você se confessou? — Percy riu. Deveria ser engraçado ver Rachel se confessando.

— É claro que não! — ela exclamou, como se o ato fosse uma coisa horrível. — Primeiro, eu acho que ninguém deve saber dos meus problemas. E sem contar que corro o risco de ser queimada viva ou decapitada também.

Percy rolou os olhos e franziu o cenho.

— Ah, por favor. Não me vá dizer que ainda simpatiza com semideuses.

Rachel manteve-se calada. Na verdade, todos os cidadãos mantinham-se assim quando o assunto era tocado. Qualquer palavra boba e... fim.

— Rachel, estou falando sério — confrontou Percy —, tome cuidado. Com esses seus sonhos, pesadelos ou seja lá o que for. É perigoso demais.

Rachel olhou no fundo dos olhos dele de forma penetrante.

— Nunca se perguntou se eles estão certos? Quer dizer, por que nunca lhe dão a chance de falar?

— Porque não falariam a verdade — repetiu Percy como tantas outras vezes, conforme aprendera com o pai.

— Isso é ridículo. — Rachel balançava a cabeça obstinadamente. — Como você pode saber se mentem ou não? Conhece aquelas mentes? Os corações? Não. Eles ainda são pessoas como nós, Percy. Sendo filhos de deuses antigos ou não.

Percy ponderou o que ela disse por longos minutos. O vento balançava seus cabelos e suas roupas, mas ele não se importava.

— Dizem... — começou Rachel, timidamente — dizem que os deuses moram entre nós. Vivem como pessoas normais, e não em palácios. Dizem que vestem roupas tanto finas como comuns, e estão onde menos imaginamos. O padeiro? Ele pode ser um deus.

— Você está me assustando — Percy confessou. — Não fique falando isso por aí. Vão pensar que enlouqueceu.

— Ah, esqueci — sorriu Rachel —, você não viveria mais sem sua priminha querida. — E, rindo, ela deu um soco de brincadeira em seu ombro. Percy devolveu e ambos quase caíram, rindo como crianças.

Por aquele mísero momento, Percy se esqueceu das palavras de Rachel. Elas já não o assombravam agora. Ele queria que continuasse sendo assim.

Um som de trombeta soou alto por todo o castelo, silenciando o riso dos dois. O olhar de Percy voltou-se para uma das janelas, onde ouvia sua mãe chamá-lo outra vez.

— Eles chegaram — Percy constatou.

Rachel não sorria mais.

— Boa sorte, em-breve-rei — ela desejou.

Percy desceu do telhado, preparando sua mente para o que viria.

 

 

Percy encontrou seu pai e os integrantes do Conselho na Praça do Rei. Estavam todos sentados impacientes em cadeiras estofadas em formato de meio-círculo, dispostas sob tendas de tecido. Mais à frente havia uma fila de soldados que os separavam da metade mais baixa da praça como um paredão de segurança. 

Ele chegou sem fazer ruído, sem querer chamar a atenção, mas o rei Paul não cooperou.

— Filho! Aí está você — começou, vestido em suas roupas avermelhadas e brancas bordadas à mão. — Tente não sumir de repente assim, certo? Cuidado com aqueles telhados, não são exatamente seguros. Sua mãe e eu...

— Certo, pai, obrigado — interrompeu Percy, que foi observado por um rei contrariado, mas silencioso.

O jovem não se sentia confortável mesmo naquela poltrona. Os olhares dos oficiais do governo e amigos íntimos do pai o fitavam com frieza. Aquela era a hora onde Percy poderia provar se nascera para ser um rei ou para limpar ruas.

O guarda mandou o sinal. O portão seria aberto. A mão de Percy tremia incontrolavelmente, e ele tentava a esconder do pai, quase sem sucesso. A conversa com Rachel voltou à sua cabeça de repente, e as palavras pareciam ser repetidas nos seus ouvidos.

Eles começaram a entrar e se posicionar na parte baixa da praça. Havia homens, mulheres, crianças e velhos, todos acorrentados sem piedade uns aos outros, trazendo expressões de pânico em seus rostos. Conforme chegavam, formavam linhas paralelas diante do Conselho e de Percy, prontos para ouvir a decisão sobre suas vidas.

Aquele era o momento em que seriam julgados. Havia três alternativas: liberdade, escravidão ou morte. Nenhuma das três era inteiramente justa. Escravos eram explorados e os libertos corriam o risco de morrerem de fome, se não encontrassem trabalho a tempo. E a morte, bem... não se resumia somente a morrer.

Percy olhou de soslaio para o pai. Ele parecia partilhar o sentimento do filho. Sentimento de culpa, de injustiça. Mas eles não estavam ali para fazer a Justiça ser exercida?

Depende do ponto de vista.

Um guarda cochichou qualquer coisa a outro e este saiu depressa. Quando voltou, trazia consigo uma jaula pequena, com uma coisa disforme que se batia com força contra as grades, tentando se livrar dos grilhões que lhe foram postos. Percy sabia o que era. E tinha medo.

Era um filhote de monstro, segundo o sacerdote Fritz, o antecessor do atual, Bernard. Deveria ser usado para reconhecer semideuses. A captura do animal era terrível, e acontecia uma vez ao ano, quando o outro monstro já era grande demais para ser controlado. Normalmente, para pegar essas criaturas, usavam um jovem meio-sangue como isca.

O sacerdote Bernard tentou inutilmente banir a prática, mas era considerado inexperiente — ele era bem mais jovem que Fritz — e, por isso, suas palavras quase sempre eram irrelevantes. Somente era ouvido quando dizia algo que agradasse à população, e o povo não iria aceitar de bom grado o fim da maior diversão que havia no reino — a caça ao monstro.

Essa era a primeira etapa do julgamento. Deveriam ser reconhecidos os semideuses presentes ali. A grade seria aberta, e o monstro seguiria exatamente para o meio-sangue. Caso atacasse ou ferisse gravemente a pessoa, ninguém se importava, afinal, os monstros não conseguiam machucar os "normais".

Percy olhou constrangido para os prisioneiros. Todos o encaravam com súplicas dolorosas nos olhos, exceto uma. Lá no fundo, na penúltima fileira, uma menina suja e de cabelos loiros se debatia, e olhava curiosa e ao mesmo tempo incrédula para Percy. Ele sorriu ao vê-la.

Quando a menina percebeu que era observada, afastou os olhos imediatamente. Agora, ela se debatia com menos força, respirava profundamente e parecia desesperada, procurando encontrar algo ou alguém. De repente, ela parou. Seus olhos se ergueram e as pálpebras se fecharam, e ela perdeu a resistência e equilíbrio.

Desmaiou.

 


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Notas finais do capítulo

Bobofit, certo? Tô com preguiça de ver se tá certo LOL (é que eu detestava muito ela pra lembrar exatamente do nome)
P.S.: NO, NO SHIPPO Perachel V1D4 L0K4