Um Dia Qualquer. escrita por Hikari


Capítulo 29
Extra - Han(sheep )sel and Gre(taa)tel.


Notas iniciais do capítulo

O título é como um Hansel e Gretel que é o nome do conto João e Maria em Inglês. É baseado no conto, mas modificado para mode Peeta on. É como a história, mas... well, mas também não. Bem, é, não. Espero que gostem. (: Eu não pude revisar o capítulo inteiro, então me perdoem.



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Pov. Peeta.

Dou mais um passo a frente, vendo nada mais do que a própria escuridão. Ela consumia tudo ao meu redor, árvores, pássaros sonolentos, animais exaustos, pedras pontudas e perfeitas para servir como um obstáculo em seu caminho e fazê-lo tropeçar até cair e rolar por um declive na terra, onde você derrapa, rasga suas roupas e calças e perde seus sapatos. Sobrando nada mais do que você, e um pedaço estreito e pequeno de um antigo pão semicomido e usado para partilhar e fragmentar em forma de minúsculos pedaços de cascas duras a fim de sujeita-lo a uma trilha para voltarmos a nossa casa.

Ah, é claro, não poderia esquecer. Minha Katniss ao meu lado não estava em um estado muito melhor do que o meu. Seu vestido simples e acinzentado estava imundo, cortado em tiras pelos galhos afiados e desbotado em várias partes emboloradas pelo tempo extremamente longo permanente em seu corpo. Ela tossia e levantava-se com dificuldade, auxiliando-se com seus cotovelos e joelhos, utilizando um tronco para se apoiar.

Fazia um dia e meio desde que fomos expulsos para a floresta pelos meus pais e toda a população do Distrito 12, o local constituído por nossa pequenina e humilde vila. Eles não aceitaram muito bem a minha escolhe de desposar minha garota de olhos cinzentos, e por isso, fui mandado embora sendo criticado e ameaçado tendo aturado as reclamações sobre o povo dizendo a respeito de minha mulher, julgando-a como uma bruxa. Não queria separar-me dela, muito menos acreditava em toda essa história, e foi por essa razão que fugi para cá, trazendo comigo nada mais que um pão, esquecido em um de meus bolsos agora completamente vazios e Katniss.

Mesmo em minhas condições, corro, apressando-me para ajudar Katniss manter-se em pé. Podia perceber sua exaustão em seu olhar carregado, com bolsas escuras debaixo delas indicando as noites sem dormir e o corpo magro por alimentar-se de apenas nossa divisão com o pão queimado. Tentávamos sem cessar encontrar alguma estadia, ou algum sinal de outra vila, algum outro ser vivente.

–Você está bem, querida? –pergunto com aflição tingindo minha expressão, Katniss encara-me, cansada, e assente com a cabeça, um pouco hesitante, ofegando e arfando com sofreguidão. Sei muito bem de seu estado, sua definição não é uma das melhores e está indiscutivelmente indo de mal a pior. Principalmente quando ela carrega nossa filha em seu ventre, segurando-se para não enjoar-se novamente e ter de parar nossa caminhada forçada e nossa fuga da desconfiança de nossos antigos colegas.

Engulo em seco, meus pensamentos voando por mil a procura de alguma resposta. Acomodo Katniss em um canto, em cima de uma pedra delineada por mucos, cobrindo-a e amenizando o provável desconforto, e afasto-me a uma distância suficiente para poder tomar conta dela e sondar o local que fomos parar.

Foi nesse exato instante que notei algo diferente em toda aquela extensão verde e azulada, variando entre as cores diversas da floresta indefinida. Estando ela vitoriosa em ter conseguido atrair minha atenção, aproximo-me vagarosamente de uma árvore frondosa, onde poderia me ostentar e prover um bom esconderijo, caso alguém houvesse nos espreitando de longe. O que nunca aconteceu.

Uma casa. Foi o que vi. E o que não acreditei, é claro. Uma casa, no meio de toda a floresta? Incrédulo, recuei alguns passos e voltei a observar o horizonte. Não poderia ser uma miragem, podia? Olhei para o lado e vi novamente minha mulher. Ela estava curvada para frente, dobrada em dois, expelindo alimentos de seu estômago, formando uma pequena poça a sua frente. Novamente, os contornos de uma casa encheram minha visão com uma esperança inovadora. Certamente era uma casa. E não era uma miragem. Definitivamente não estaria alucinando. Bom, a esse ponto, eu não me importava mais. Para mim, tudo para poder fazer minha Katniss ficar melhor, serviria. E naquele momento, uma casa para ela poder descansar e alimentar-se, seria o bastante. Ela com certeza iria se fortalecer, e poderemos seguir viagem. Afinal de contas, ouvimos falar de uma vila por perto, não era incomodada por ninguém e era isolada da maioria de toda Panem. O Distrito 13, como se chamava, seria um lugar perfeito, a localidade ideal para manter-nos seguros. Então, por que não relaxar só por um instante? Não tínhamos nada a perder.

Caminhei apressado, com um novo ânimo, em direção a Katniss. Ela deitara-se no chão e passava a mão lentamente pela sua barriga, murmurando palavras inaudíveis. Preocupei-me com ela, mas assim que ela me viu, imediatamente ergueu-se, apoiando-se nos cotovelos e me olhou, mostrando um lindo sorriso no rosto, como se nada a estivesse incomodando, como se toda aquela viagem carregando o bebê consigo não a desgastara.

Agachei-me perante ela e a ajudei a andar para longe da poça onde havia vomitado. Sustentei-a e descansamos em um tronco de árvore, onde eu a envolvi ao redor de meus braços e coloquei minha mão direita em seu rosto, a trança em seu cabelo estava jogada para trás, parecendo impecável, sem um único fio solto, comparando-se com o vestido rasgado, nosso corpo sujo e os novos cansaços que começamos a adquirir com o passar das horas.

–Katniss, achei um lugar onde poderemos passar à noite. – vi em sua feição uma carranca esculpir-se, ela fechou-se em si mesma e sabia exatamente as palavras que diria. Katniss não achava prudente, nem mesmo astuto de nossa parte, andar as cegas e aceitar qualquer oferta de hospedagem em um lugar tão suspeito como esse. Sei de sua determinação em sairmos dali o mais rápido possível, mas também não poderíamos continuar sem antes arriscar a sua saúde e a de nosso futuro filho (ou filha; não podemos descartar essa possibilidade). E antes de ela recitar uma única sílaba, interrompi-a: - Não se preocupe, estaremos bem. É só uma única noite. Só uma. Amanhã cedinho continuaremos nossa viagem.

Ela me encarou com um olhar o qual eu conhecia muito bem. Ela não iria aceitar. Não se permitiria ceder tão facilmente. Então, deslizei minha mão para sua barriga, bem onde nosso futuro filho (a) estaria. Podia sentir brevemente os movimentos do bebê, e notei sem precisar pergunta-la a agitação dele (a). Como ela poderia estar aguentando? Sabia que, embora não dissesse, queria – e necessitava – de um repouso. Nem que fosse apenas por um curto período de tempo.

–Pense em nossa criança. –sussurrei baixinho, seu olhar amenizou-se e soube estar no caminho certo. –Vocês não podem se esforçar muito.

Finalmente, depois de um tempo, pude convencê-la a seguir-me. Eu praticamente levava todo o seu peso, mas não ligava. Podia ver, com uma rápida olhada evasiva, suas pálpebras descerem, exaustas, e ela quase desmaiar várias vezes. Minha esposa cambaleava e estava pálida. Seu estado não poderia estar mais preocupante. Fiquei aliviado ao chegar à porta da frente.

E foi aí que percebi.

Não era uma simples casa. Poderia ser uma casa humilde: paredes de madeira, piso apodrecido e janelas arruinadas, desde que tivesse um aconchego de uma real moradia e alguém capaz de alojar por um minúsculo tempo um casal, não teria problema algum. Nós sequer iríamos reparar.

Mas não podia ser assim.

Era uma casa, sim. Mas a definição mais correta do que ela se constituía era... Bom, era de pães. Todos os minúsculos recantos eram feitos de pães. Pão francês, Croissant, pão ázimo, pão sírio, e muitos outros desconhecidos a mim. Primeiro, pensei que estava delirando, de verdade. Porém, se eu estivesse delirando, como minha mulher veria também? Ela olhava estupefata para a entrada, as janelas, a chaminé e o teto. Tudo feito de pães. Pães de diversos tipos. Supus que fosse alguma piada, mesmo não acreditando muito nisso. Eu costumava ser o padeiro da vila, e por isso mesmo meu título foi levado à longe e antes que eu pudesse piscar meus olhos eles me reconheciam apenas como ‘o garoto do pão’. E foi exatamente por essa razão de eu ter estancado no mesmo lugar e dado a volta.

–Ei, o que foi? –Katniss me puxou de volta a meio caminho. Ela me fitou, sem entender, segurava um pedaço da casa – um pedaço de pão – e mordiscara. Após um curto instante de silêncio preenchido por sua mastigação, parei um pouco com receio de tê-la feito mal. No entanto, para o meu assombro, ela apenas fez uma cara surpresa como se pensasse “é realmente comestível” e depois voltou a me fitar sem compreensão alguma: – Não foi você que tinha dito de nossa segurança e conforto aqui? E... Isso é muito bom.

Pensei em contradizê-la e falar que seu plano em acelerar nosso caminho seria uma ótima ideia, porém, não tive a oportunidade, porque bem nessa hora a porta abriu-se, sem ao menos termos tocado na maçaneta ou na porta para chamar qualquer um que vivesse ali. E outro motivo de ter ficado petrificado no mesmo lugar, foi Katniss ter devorado o pedaço do pão em um segundo, e sua barriga roncar. Talvez eles tivessem comida ali dentro. Eles tinham que ter. Afinal, se a casa deles era feita de algo que poderia engolir, por que não teria mais nenhum outro alimento?

Assim que a luz recaiu sobre nós e implantou-se sobre o sujeito a nossa frente, finalmente pude imaginar nosso destino mudando. Um velho senhor, meio recurvado, de barbas brancas e expressão alegre nos atendeu. Ele usava uma roupa formal, como se já soubesse que iria ter visitas, e uma flor branca jazia no bolso de seu paletó. Ele naturalmente era alguém hospitaleiro e gentil, era nítido em todo o seu ser. Pelo menos, a primeira vista.

Ele nos recebeu bem. Dizendo palavras espantadas e desconsoladas ao escutar nossas notícias, ele nos fez entrar e sentar-se em cadeiras postas estrategicamente em volta de uma enorme mesa de madeira, coberto de – adivinhem? – pães. Muitos, para mim, inexistentes. Fechando a porta, eu entreolhei-me com minha mulher que já tinha sua atenção conquistada. Seus olhos estavam grudados em toda espécie de pães. Eu? Bem, francamente, depois de ver tanta dessas massas em minha frente por anos e anos, não sentia tanta atração por elas agora.

–Oh, pobre casal. –O senhor, agora sentado a nossa frente, uniu as mãos e olhou-nos entristecido. Havíamos acabado de contar-lhe nossa história, e eu havia me aproximado de Katniss o máximo que conseguia. Nossos ombros encostados, eu dando-lhe proteção 24h por dia; e mesmo em meu estado, mantinha-me alerta para alguma ocasião indesejável. Porém, aparentemente, parecia tudo correr perfeitamente bem. Apenas um senhor de meia idade preocupado com jovens como nós. E um ser ainda prestes a vir a este mundo. –Como alguém poderia fazer isso com vocês?

Depois de uma pausa, balançar a cabeça e estalar a língua várias vezes, ele arqueou as sobrancelhas e olhou para Katniss e falou-lhe com uma voz baixinha, como se estivesse segredando ou dizendo uma informação extremamente sigilosa:

–Principalmente com você. Como falariam que você é uma bruxa? Digamos que conheço algumas bruxas por aqui, e você não é nada parecida com uma delas. – e então piscou. Minha esposa riu docemente, e acariciou a barriga onde nosso bebê estaria. Acrescentou então o bom velhinho: - E estou vendo que está esperando um novo ser. Tsk, tsk, é por isso que não me misturo com eles. Fanáticos por esses mitos. Chegam a mandar enforcar qualquer um que passe por eles em um dia ensolarado, mandando-lhe sombras. Se você agora flutuar em um pequeno laguinho por diversão eles o mandam na fogueira. Bastardos... Não se preocupem com isso.

E então não dissemos mais nada. Katniss ainda olhava para os pães esfomeada, e eu a encarava para checar estar tudo bem. O senhor finalmente anunciou, nos estudando com uma expressão impossível a mim de desvendar:

–Mas que maneiras são essas, as minhas! Perdoem-me, perdoem-me. Podem se servir. Não se preocupem com essa comida, tem muito mais de onde veio!

Katniss não esperou ouvir duas vezes. Ela agarrou a maior quantidade de pães possíveis e mandou-os direto para a boca, engolindo-os vorazmente. Suspirei ao vê-la obter sua expressão saudável novamente. Eu não estava com fome; na realidade. Pelo menos, não fome de pães, e deixei quieto. Satisfeito por apenas vê-la melhorar.

O senhor deve ter estanhado, pois logo perguntou com um ar apreensivo.

–Sirva-se também, meu caro rapaz. Não deixe de se alimentar, você precisa ficar nutrido novamente!

Dispensei-o com um gesto na mão, e ele me olhou emburrado. Embora não tenha feito perguntas, notei seu olhar inquieto, apesar de não ter entendido o porquê. Então, para quebrar o silêncio atormentador, eu perguntei algo que até naquele momento não havia percebido desconhecer sobre o assunto.

–Como o senhor chama?

O grisalho homem olhou-nos, Katniss parara de mastigar e olhava para ele com curiosidade, parecendo ter percebido o nosso não conhecimento da simplicidade do nome da pessoa que nos abrigava só naquele instante, assim como eu. Então, depois de um minuto que parecera uma eternidade, ele rasgou um sorriso em seu rosto e apresentou-se:

–Ah, eu não disse? Perdoem-me, perdoem-me. Eu me chamo Coriolanus. Mas podem me chamar de Snow. –sua voz afável tornou-se um pouco dura ao dizer-nos seu nome. Snow... Belo nome, certo? Diferente. Katniss anuiu, dando-lhe um sorriso de compreensão e voltou a atacar a mesa postada a nossa frente. Fiquei todo o meu tempo olhando para a janela com tons pastosos. Lá fora, os minutos passavam-se, e pude ver o amanhecer. Mal percebera os segundos transcorrerem, e muito menos minha Katniss, que ainda se empanturrava de alimentos. O que era algo incomum, considerando sua perda de apetite nos últimos anos; talvez seja por causa da gravidez, penso, tentando reconfortar-me.

–O que é isso? –viro-me para minha mulher que encara uma forma arredondada, encantada. Alternei meu olhar entre a minha esposa esfomeada e o velho senhor Snow. Ele abre um largo sorriso e responde, mandando-me olhares furtivos e alegres, levantando-se da cadeira e pondo-se atrás de nossas cadeiras. Ele pega o cesto contendo as diversas forminhas e estica em minha direção tentando me fazer experimentar um. Recuso educadamente, e penso seriamente se ele não tem algum problema com pessoas que não comem seus amados pães; porque ele finge não notar e começa a me espetar insistentemente com a superfície formada de fios da pequena cesta.

–Ah, é o pão de queijo. –Snow alarga mais ainda o sorriso e solta uma risada, cutucando-me com a cesta cheia de... ‘pães de queijo’ novamente. –Não é uma delícia?

Minha esposa sorriu e assentiu com veemência, pegando mais uma forma arredondada. Realmente? Parece que nós ficamos horas por aqui, como ela ainda não saciou sua fome? Resolvo ir para cama com a dormência preenchendo meu corpo, e ergo-me da cadeira, esticando minhas costas e bocejando com o cansaço vencendo-me. Minhas pálpebras pesadas ameaçaram finalmente se fechar quando dirigi meu olhar para minha esposa.

–Acho melhor nós irmos dormir. –pousei minha mão no seu ombro e Katniss suspirou, afirmando com a cabeça e limpando as palmas no tecido do vestido. Quando ela foi levantar-se, pude visualizar o olhar desconfiado de Snow, que novamente se reconstituiu assim que reparou em mim estudando-o, formou um sorriso pretensioso e disse de forma alegre:

–Ora, vou mostrar-lhe os quartos. Sigam-me, venham. –dizendo isso, gesticulou para frente e eu agarrei a mão de Katniss, olhando-a de esguelha. Ela parecia ter um olhar vago e sua mão livre involuntariamente escorregou para seu ventre. Franzi a testa, preocupado e apertei sua mão, chamando sua atenção.

–Está tudo bem? –sussurrei, ela não se virou para mim, apenas resmungou um “sim” baixinho, com os olhos fixos em frente.

Dormimos em um quarto acima da casa, confortável, porém sem uma única janela para nos possibilitar uma visão de fora. Katniss não esperou um único segundo para cair no sono assim que nos ajeitamos na cama do quarto e continuei por um tempo mais acordado, escutando a respiração suave e regular dela até conseguir se juntar com ela nos sonhos.

***

Quando acordamos no dia seguinte, Snow nos esperava lá embaixo. Ele continuava com a expressão sorridente e amigável e nos serviu um ótimo café da manhã. Bom, pelo menos foi para Katniss, já como não me alimentei por haver – mais uma vez – apenas pão na mesa. Tomei um copo de leite e fiquei observando a janela ali perto. O sol descia com rapidez e logo que Katniss acabou de comer, eu avisei-a, apontando para a luz adentrando no aposento, de nossa obrigação em partir. Um pouco receosa, ela concordou, e levantamo-nos. Snow continuava a nos olhar calmamente.

–Agradecemos pela sua hospitalidade, e não sabemos como podemos recompensá-lo por isso, mas tempos que ir. Uma longa viagem nos espera. –curvei-me para frente a fim de demonstrar minha gratidão e espiei sua reação enquanto abaixava a cabeça juntamente com minha esposa. Snow pareceu impenetrável e desprovida de qualquer emoção suspeita, pelo menos, ao aparente superficial.

Assim que me endireitei, pude pressentir algo chegando. Já ouvira muitas histórias de terror contadas por muitos aldeões da vila em seu tempo de folga quando passavam na padaria para passar o tempo. E aquela sensação era completamente diferente, ao mesmo momento em que era incrivelmente semelhante.

Snow deu alguns passos para frente, chegando cada vez mais perto de nós. Pude perceber Katniss mudando sua postura e tornando-se cautelosa, aproximando-se de mim. Snow havia dissolvido o sorriso em ácido, sobrando agora apenas a pele frouxa e caída e um olhar magoado com a boca curvada para baixo, em modo de desaprovação.

–Oh, não, não. Vocês acabaram de chegar! Não se apressem, vamos lá. Vou deixar todas as acomodações gratuitas para o casal. E isso, vocês podem acreditar, irá ser um imenso tipo de pagamento que vocês podem fazer por mim. Afinal, eu os acolhi, não? Posso mantê-los aqui ainda mais. –vendo nossas expressões ele amenizou nossos temores; ou tentou, ao menos. –Não se acanhem, não irá durar muito.

Engoli em seco, querendo sair dali o mais depressa possível. Comecei a dispensar quando ele balançou a cabeça estalando a língua, não havia escutado nada por trás ou ao meu redor mas tinha uma certeza absoluta de que não conseguiria escapar tão facilmente dali caso eu fosse pensar em fugir – uma questão não muito consolidável com Katniss ao meu lado. Não sei muito bem se seria uma circunstância boa para ela forçar mais suas energias, já como faltavam apenas poucos meses para nosso filho (ou filha) nascer.

Entreolhei-me com Katniss e ela suspirou, mandando um olhar para baixo e depois se voltando a mim, com uma feição mais alegre e aliviada. Pelo menos, poderíamos descansar um pouco mais. Não saberia dizer por quanto tempo ficaríamos andando na floresta até encontrar o Distrito 13, então por que não desfrutar um pouco mais da generosidade do bom velhinho? Tínhamos que aproveitar.

–Está bem. Mais uma noite, certo? –perguntei. Snow sorriu e assentiu. O sorriso dele não parecia mais ingênuo e puro a mim, mas ignorei esse pequeno alarme de minha consciência e ficamos por mais uma noite em sua casa estranhamente feita de massas. Descobri, mais tarde, que ela era totalmente imprevisível. No dia seguinte, ao acordar, encontrei-me em uma casa feita de bolo. Com várias camadas, coberturas, frutas ou doces e cada outro detalhe de um bolo sofisticado poderia ter. Impressionado, pensei estar em outro lugar, mas eu e Katniss acabamos descartando essa alternativa assim que Snow apareceu em nossa porta perguntando se tudo estava bem.

–Perfeitamente bem. –replicamos, olhando estupefatos para a camada de chantilly feita do cobertor. Katniss arrancou um pedaço de seu travesseiro e digeriu-o, assegurando-me ser feito de mousse.

Apesar de estarmos vivendo um longo estágio inacreditável (e tecnicamente impossível) de nossa vida pacata, acabamos por nos deixar levar e esquecemos completamente de nossa meta a escapar daquele tenebroso lugar. Mas quem se interessa? Àquela altura, ninguém mais se lembrava de nós! E tínhamos tudo que precisamos por aqui! Uma casa transformando-se ocasionalmente de pães e massas e outras de bolos e alguns outros doces em geral. Estávamos praticamente em um “conto de fadas”. (Ou, melhor dizendo, conto dos irmãos Grimm?).

Porém, não poderia ser para sempre.

Acordamos em um dia sem sol. Ou, quero dizer, sem janelas. Todas estavam bloqueadas por tábuas e cortina, não deixando nem um único raio ser atravessado pelas pesadas obstruções. Não sabia exatamente quanto tempo se passara desde quando chegamos nessa casa, porém poderia dizer que não foram apenas duas semanas. Snow, naturalmente, nos esperava no final da escada, e eu e Katniss sorrimos um para o outro imaginando como seria o dia. E o sorriso morreu a poucas frações de segundos depois.

–Olha, aí vocês estão. Tenho uma surpresinha para os dois. –arrulhou alegremente, rondamos a casa de forma serena, nossos olhos quase se fechando de tanta tranquilidade e presunção, como um dia ocioso e chuvoso faria as pessoas, enquanto a brisa fresca, etérea e narcótica de um sonho passado em nuvens. Uma surpresa! O que mais poderíamos aguardar? A casa estava adornada com diversos doces e salgados. Ao descermos as escadas feitas de tortas de frango nós passamos por uma mesa de jujubas e paramos a sua frente. O que poderia acontecer para acabar com nossas “férias”? A essa altura estávamos tão espairecidos que nem mesmo se ele nos levasse ao forno nos incomodaria ou iríamos desconfiar de algo. Pff, quem levaria alguém ao forno? E outra: Manter-se alerta; para quê? Ficar ansioso por um farto desnecessário? Qual o propósito? Ninguém iria nos perturbar mais. Poderemos ficar aqui e nem mesmo se meu primo viesse para nos levar de volta irá abalar nossa determinação de continuar onde estávamos. Era o lugar perfeito.

Então me veio em mente uma lembrança soterrada por vários e vários anos guardados. Uma história que eu escutara quando meu primo veio me visitar, Gale transmitira um aviso a todos do Distrito. Ao passar pela mesma floresta, um bruxo a rodeava. E embora houvesse se embrenhado em seus encantos, pode escapá-lo segundos antes de seu fim eminente. E lembrando-me de seu alerta eu pude abrir os olhos realmente, e o pensamento há muito esquecido; aquele no qual tinha se passado apenas de relance em minha cabeça devido a fadiga e a fome da noite alcançou minha parte lúcida como se fosse um foguete ligado a um dinamite.

Quem raios teria uma casa de doces/pães/salgados/alimentos nunca antes conhecidos? De pães!

Após parecido ter passado um milénio, eu acordei. Meus olhos antes sonolentos e serenos esbugalharam-se tanto quanto se visse um ser verde e raquítico e ele dissesse a mim que ele era meu pai. Ou apenas quanto se eu visse minha própria morte transcorrer por minhas pálpebras – o que foi certamente os exatos vislumbres vistos.

Mal percebera eu de estarmos nos movimentando pelo corredor de uma porção da casa em que nunca estivera antes; onde tínhamos parado? Onde estava a porta de onde tínhamos saído? Em um piscar de olhos estava no começo de uma escada indo direto a um porão escuro e bolorento, no outro, estava no fundo dele assistindo dois pares de ratos dançarem até um esconderijo seguro atrás de uma fornalha que poderia caber muito bem toda a população do 12.

Snow mexia a boca, porém eu não conseguia escutar nada. O único barulho era um zunido alto e agudo que enchia minha cabeça e fazia minha visão tornar-se cada vez mais fraca, difundindo-a e transformando imagens focadas e claras em apenas borrões sem nexo e com tanto sentido quanto um enorme bicho preguiça no meio de uma sala tomando sorvete teria. Eram pinturas a óleo escuras, dando impressão de terem arrastado no chão e alguém ter rolado sobre ela enquanto ainda estava úmida. Não dava para distinguir um ponto.

Senti a pressão da mão de Katniss na minha, foi possível ver dois pares de olhos a minha frente, encarando-me com expressão aturdida e imersa de aflição. “Você... bem?” foram as palavras entrecortadas que escutei em meio ao turbilhão de inversas cores sem sentido algum. Pude sentir a minha cabeça pesar e minha mente rodar, em busca de uma resposta convincente e atrativa, na qual meu cérebro poderia processar. Embora já soubesse muito bem o que estava acontecendo.

Acabamos no fundo do porão escuro, onde Snow estancou. Katniss praticamente me carregava e assim que paramos, ela quase desabou sob meu peso. Preocupei-me por um instante, mas logo não era mais preciso já como minha mente mal trabalhava mais. Lembrei-me do biscoito oferecido por Snow e meu estômago embrulhou-se fortemente. Pude visualizar Snow puxando-me e Katniss resistindo até soltar-me e me jogar em uma cela. Snow fechou as portas de metal bruscamente e sorriu para nós dois de forma relaxada, como se houvera apenas jogado o lixo para fora.

–Peeta! –escutei Katniss berrar e levantei-me com dificuldade, erguendo meu rosto para vê-la correr em minha direção, onde agarrou as grades entre os dedos e apertou a barra de metal até o nó de seus dedos ficarem brancos. Arrastei-me da melhor forma possível para perto dela e cobri sua mão com a minha. Minha mulher virou-se e com uma expressão mal-humorada e desentendida perguntou incrédula para o aparente velho frágil e bondoso: - O que você pensa que está fazendo?

Snow aproxima-se dela e a leva para longe de mim, entre seus berros e seus membros debatendo-se. Ela arranhava, socava o ar, desafiava e ameaçava, sempre com os olhos fixos nos meus. Comecei a berrar também, sem saber o que raios ele estaria planejando fazer com minha mulher. Minha cabeça latejava e teimava em não manter-se de pé. No topo da escadaria, com minha Katniss presa entre seus braços decrépitos, porém, fortes, vejo sua face transformar-se, em algo pútrido e irreconhecível. Não era um bondoso velhinho. Era um bruxo. Aquele bruxo que meu primo, Gale, contara.

–Tolos e tolos humanos. Vocês serão em breve minha refeição. E agora terei uma sobremesa. –ele umedeceu os lábios com a língua e encostou a mão enrugada na barriga de Katniss, onde nosso filho estaria. Meu corpo enregelou-se e uma ira inexplorável pareceu brotar do meu peito. Ele poderia fazer o que quisesse comigo, mas com minha esposa e meu filho?

–Não encoste um dedo neles! –berrei com todo o ar de meus pulmões. Snow apenas olhou-me, como se eu não passasse de uma formiga insignificante e disse:

–Ops.

Então a porta fechou-se e eu fiquei imerso sobre uma escuridão abrangente. Não conseguia enxergar nada, nem mesmo uma única silhueta. Encolhi-me com os joelhos no meu queixo e balancei-me para frente e para trás. A mente ficando sórdida e sombria, cheia de pensamentos relacionados a minha esposa e meu filho. O que ele faria com ele? Eu os havia posto nisto tudo. Se tivéssemos apenas passado reto poderíamos estar no aconchego da casa de meu primo no Distrito 13. Mas agora era impossível. O ar agourento fechava-me a um lugar obscuro de minha mente transtornada. O que ele tinha posto naquele biscoito?

Passaram-se dias, horas, sem ver a luz do sol, ou a face de minha Katniss. De poder sentir os movimentos de meu bebê na barriga de minha mulher ou poder segurar sua mão. Não sabia o quanto poderia aguentar. A única coisa que via era o rosto de Snow, com uma aparência perfeitamente decadente. Ele vinha visitar-me apenas para depositar um prato com aglomerados de comidas que me obrigava a comer. Dia após dia, noite após noite. A mesma coisa, a mesma rotina.

Até que enfim, pude ver minha mulher.

Foi o melhor dia daquelas lastimáveis semanas, ela estava com o rosto sujo de fuligem, mas fora isso e o vestido rasgado impregnando em sua pele; parecia completamente bem. Ela fora me levar a comida e eu estava envergonhado por minha aparência oleosa e malcheirosa. Ela, no entanto, não se importou. Imediatamente agachou-se com delicadeza e passou a bandeja com comida pela fenda embaixo da grade. Fiz uma cara amargurada ao ver o alimento, mas sabia que se não o comesse algo pior aconteceria com Katniss. Ela passou a mão pelas barras e pousou em meu rosto.

–Você está bem? –perguntou-me com um tom suave. Assenti com a cabeça, temendo as palavras não saírem de minha boca. Como se ouvisse meus pensamentos, ela acrescentou: - Sairemos daqui. Nada acontecerá conosco.

Ela abraçou sua cintura de forma protetora ao nosso filho. Sorri de maneira tristonha, olhando para cima a fim de ver se estávamos realmente seguros ali e se Snow não estava por perto.

–Perdoe-me. Foi minha culpa acabarmos aqui. –sussurrei-lhe, Katniss sacudiu a cabeça e chiou baixinho.

–Não, não foi. Eu concordei em vir; poderia ter negado e seguido caminho. Não se culpe. –e então, com uma agilidade incrível em suas condições, ela puxou dos bolsos do vestido surrado uma chave velha e enferrujada. Vendo meu rosto conturbado de dúvidas, ela permitiu-se soltar uma gargalhada e explicou: - Ele saiu para uma caminhada. Foi recolher mais algumas de suas flores para decorar a casa. Eu consegui roubar isto dele antes de partir.

Minha esperança reacendeu-se como se houvessem ligado uma vela em um longo corredor enegrecido. Com as mãos trêmulas, ela abriu a porta que rangeu incomodada e eu saí rapidamente, abraçando minha amada por um tempo longo, examinando-a para certificar-me de estar tudo no lugar.

Ficamos por um tempo assim; parados no escuro com apenas a brecha da porta entreaberta para nos iluminar. E então com um súbito de adrenalina, eu segurei sua mão e olhei para a porta, apavorado.

–Vamos. Temos que sair daqui.

Katniss não hesitou em aquiescer. Ela seguiu-me de perto, subindo as escadas e cambaleando até a porta. Estávamos pertos. Podia por fim ver a luz do dia lá fora e quase respirar o ar puro novamente. Estava a ponto de esticar meu braço para agarrar a maçaneta de rosquinha para sair quando outra pessoa o fez. A porta bateu com força na parede, causando um estrondo desnecessário e horrível. Katniss parou um pouco antes de eu, que me prostrei a sua frente para protegê-la. Mas é claro que isso não faria diferença. Havia tempos que não me exercitava ou movia meus braços por mais de alguns centímetros e mesmo que eu fosse ter de impedi-lo por força, não conseguiria mantê-lo longe por muito tempo.

–Vejamos o que temos aqui. –Snow adentrou na sala, o rosto praticamente fumegando de ira. –Os dois passarinhos fugiram de suas gaiolas.

Ele riu com sua piada. Uma risada grotesca e rude. Eu e Katniss recuamos alguns passos, e então estávamos contra a parede. Desde quando a parede era tão perto assim? Não importava mais; estávamos próximos da morte.

–Eu não esperava ter de comê-los assim, desse jeito. Mas acho que não vou ter outra escolha. –Snow fechou a porta pesadamente e andou até nós de uma maneira dolorosamente lenta. Katniss agarrou meu braço com força e pude sentir sua frustração. Estávamos tão, tão, tão perto. Por que ele tinha de aparecer agora?

Não pudemos fazer muita coisa. Tentamos resistir, porém, era tudo débil em sua impossível força descomunal. Eu passei a não pesar mais do que uma pena a ele, assim como Katniss que deveria ser muito mais leve. Ele nos carregou pelo trajeto inteiro até os fundos do porão arrastando-nos, sem se importar em nos machucar. Protegi Katniss da melhor forma, mas não pude evitar que ela recebesse um arranhão ou outro. Estávamos prestes a morrer, por que isso era importante a mim?

–Solte-nos, Snow! Tem carne muito melhor para você se alimentar lá fora. –minha mulher contornou, tentando nos salvar. Já estávamos a um triz da fornalha, podia sentir o calor arrastar-nos para dentro, lambendo nossos rostos e implorando para que nos aproximássemos. Resistíamos o máximo que podíamos. Assim como forças antagônicas lutando entre si, nunca encontrando ou existindo um real vencedor, sempre esperando apenas um ceder e, por fim, acabar com a infindável luta no qual o único vitorioso era somente um pequeno ser efemeramente jubiloso. Snow não ajudava em muita coisa, ignorava nossos protestos como se não passassem de um pequeno zumbido desagradável de abelhas.

Porém, quando estávamos praticamente dentro de toda aquela abominável quentura, ele parou de nos empurrar. Talvez porque já sabia que estávamos derrotados, ou talvez apenas para que nossa tortura demorasse mais do esperado. Ele sorriu ameaçadoramente e inclinou-se, segredando:

–Vocês querem saber de algo? –murmurou, alto o bastante para nós escutá-lo diante do crepitar das flamas. –Eu sou...

E então aconteceu uma cena que ficaria marcada em minha mente para sempre. Ele encostou os dedos debaixo do queixo e puxou-o com força, como se fosse retirar algo; realmente foi o ocorrido. Uma máscara desgarrou-se de seu rosto para que pudéssemos encarar a verdadeira face do ‘Snow’. Boquiaberto, não conseguia acreditar. Era... era...

–Carneiro? –perguntei, abismado. O carneiro mostrou seus dentes e baliu realizado. Seus olhos refletiram nas luzes incandescentes formando-se um redemoinho de adversidades.

–Olá, padeiro. Encontramo-nos de novo.

Não conseguia acreditar. Katniss alternou o olhar entre mim e o carneiro e perguntou em meu ouvido uma única frase “Vocês se conhecem?”, respondida por mim por um único aceno. “Infelizmente, sim”.

Fomos arremessados no vazio das chamas, rodopiando e – surpreendentemente – não se queimando. Minha pele não ardeu nem se esquentou como se estivesse descascando-se por um ralador. Pelo contrário. Ela ficou úmida e fria, e ao invés de ser sufocado pela fumaça eu fui afogado por algo muito parecido como água...

Repentinamente, ergui-me da cama. Estava ofegante e meu coração batia fortemente contra meu peito. Katniss adormecia ao meu lado, na cama, com sonhos leves e, finalmente, sem pesadelos. Annie dormia no quarto ao lado, junto com Fynn, no beliche. Estavam todos bem. Até mesmo Haymi estava vivo e babando tranquilo na sala – dava para ouvir seus roncos daqui de cima.

Nada de Snow. Nada de carneiros. Principalmente os carneiros. Eles não viriam mais.

Haymi provavelmente estava deitado junto ao meu filho mais novo. Ao meu redor no quarto já começava a aparecer os vislumbres de raios do sol no amanhecer. Nossa casa no Distrito 12 estava intocável, nada suspeito, nada para temer. Pude escutar um resmungo remoto da minha filha mais velha no outro aposento. Céus, ela estava bem.

Lentamente, deitei-me novamente na cama. A cabeça pesada e dolorida pelo pesadelo surreal, tentando acalmar meu coração acelerado, parecendo competir em uma maratona. Fechei os olhos novamente, mas não conseguia voltar a dormir. Ou melhor, sequer fechar direito os olhos eu conseguia sem lembrar-me daquele sonho. Remexi-me na cama por um bom tempo até poder sentir Katniss abraçando-me como se eu fosse o seu travesseiro particular.

–Peeta? –chamou-me sonolenta. Atendi seu chamado e me virei, e assim que fiz isso ela enterrou seu rosto em meu peito. Passei meus braços ao seu redor, ajeitando uma mecha de seu cabelo bagunçado para trás das orelhas. Ela não havia aberto os olhos, mas estava claro que sabia sobre minha insônia. –Você está bem? Está suado.

Sorri, confortando-me com sua voz. Agora eu estou, pensei. Fechei meus olhos novamente, dessa vez sem as lembranças do sonho me atormentar.

–Estou sim, querida. –respondi-lhe e escutei-a suspirar, aliviada. Pouco tempo depois, estava dormindo novamente. Dessa vez, sem casas de pães/doces/salgados. Sem carneiros balindo, rindo com escárnio de mim. Ou até mesmo do Snow.


Pov. Fynn.

Acordei por um pesadelo horroroso. Era pior de quando eu tinha de lutar contra Eragon em um dragão desconhecido com Arya ao meu lado. Céus, aquela elfa maldita me deixava nos nervos. [Sim, eu odeio Arya, me julguem].

Estávamos eu e minha irmã, entrando em uma casa de doces onde uma velhota bruxa nos encantara e quase nos colocara no forno e fizera de nós seu jantar. Para constar, consegui escapar com minha irmã ao arremessar a própria bruxa dentro do forno, mas isso não ajudava muito a situação. Haymi, dormindo ao meu lado da cama, babava e resfolegava no meu rosto, eu definitivamente não conseguiria dormir novamente.

Desci do beliche e deixei meu cachorro deitado no colchão. Olhei para Annie dormindo e pensei em acordá-la. Ao invés disso, pulei ao seu lado na cama e acomodei-me dentro do cobertor; o que foi bem pior de ir acordá-la.

Minha irmã pulou com a pedra de enfeite, cuja superfície brilhava com cores vibrantes, nas mãos, prontas para atacar qualquer um que tenha a interrompido em seu sonho. Encolhi-me mais no cobertor, pelo menos não estava mais a mercê da bruxa. Dessa vez, no mundo real, eu sabia que Annie mal deixaria uma velhota assar ela sem antes ter os braços e as pernas arrancados do tronco. Ou seja, era indestrutível. Poderia estar a salvo ali.

Annie, ao perceber minha presença debaixo do cobertor, olhou-me com desaprovação. Ela baixou a pedra vagarosamente, porém sem soltá-la. Tive de notar esse detalhe. Não dava para passar despercebido. Isso significava que ainda não estava confiante o bastante para me deixar passar incólume.

–O que você faz aqui? Vai pra sua cama, Fynn. –reclamou com os olhos piscando freneticamente para adaptar-se ao escuro.

–Não dá, mana! Eu não consigo... –repliquei abaixando o tom de voz. Ela suspirou profundamente, exigindo explicações, tentei dá-la sem me denunciar: - Eu tive um pesadelo e... e...

Minha irmã ainda me encarava, sabendo que eu escondia algo.

–E... e... – ainda gaguejava. O olhar de minha irmã intensificou-se no ar repreensivo e finalmente deixei escapar um suspiro aflito. Annie salvou-me do constrangimento de dizer em voz alta com minhas próprias palavras.

–Você fez xixi na cama, de novo?

Assenti quase imperceptivelmente e ela me observou por um momento, estudando-me até desatar a rir, abafando a risada com a mão para não acordar nossos pais no quarto ao lado. Senti meu rosto esquentar-se. O que ela esperava de mim, um garotinho de seis anos de idade?

–Fynn... Fynn... –ela começa. –Com o que você sonhou dessa vez?

Segundos depois de relatar meu pesadelo, estávamos ambos no pé da cama de nossos pais, tremendo de pavor, olhando para todos os lados para certificarmos de estarmos sozinhos na casa, sem contar nossos pais, Haymi e Haymitch. Garry Vader, nosso mais novo caracol de estimação, arrastava-se no seu potinho que eu segurava com força. Ele me dava algum conforto na maior parte do tempo. (Poderia arremessá-lo se alguém aparecesse). Talvez agora resolvesse meu problema, mas não estava dando muito certo.

–Pai? –minha irmã cutucou o pé do papai que estava abraçado a mamãe na cama. Meus pés estavam juntos e meus joelhos batiam um no outro. Gemi baixinho, escutando um estralo vindo do corredor. E passadas. Minha irmã sacudiu com mais força o pé de nosso pai, mas ele não acordou. –Pai?!

Entreolhamo-nos e soltei G.V. na mesinha ao lado da cama. Nós dois demos as mãos e assentimos um para o outro, concordando silenciosamente nossa proposta. Dobramos o joelho e com certo desespero nos impulsionamos para cima e pulamos sobre nossos pais, gritando alto escondendo-nos entre eles espaçosamente.

Primeiro foi mamãe a acordar. Depois, veio o papai. Ambos piscaram, pelo menos, uma dúzia de vezes, acostumando-se a fraca luz e a nosso peso, e tudo o que acontecia.

–O que está havendo? –meu pai perguntou, bocejando longamente. Minha irmã abraçou-o, tremendo e respondeu por mim:

–A bruxa quer nos pegar, papai. Ela quer nos assar em um forno gigantesco e nos comer depois!

Gemi baixinho e choraminguei enquanto me enterrava debaixo dos cobertores para mais perto da minha mãe, esperando ela reconfortar-me, o que logo aconteceu quando ela passou as mãos pelas minhas costas, acariciando-me para parar de chorar.

–É-é-é... –gaguejei incapaz de continuar.

–Shh, shh. Está tudo bem. –ela entreolhou-se com meu pai, imediatamente com as sobrancelhas erguidas de surpresa. De boca aberta, ele olhou para minha irmã encolhida ao seu lado e novamente para mim, que estava com os lábios tremendo.

–Vo-você também se encontrou com ela? –perguntei em um tom sábio; era como ler mentes, suas expressões refletiam tudo o que pensavam. Era fácil entendê-los. A maioria das vezes, pelo menos. Mas acho que quando ficamos mais velhos, esse nosso dom se perde; porque minha irmã nunca mais conseguiu interpretá-los tão bem quanto eu. Papai concentrou-se em um ponto fixo da sala e depois fechou a boca, passando a mão pelos cabelos longos da minha irmã.

–Ela? Bom... –ele relutou em continuar, mas não precisava mais. Eu entendia. Ela era assustadora, eu não queria prosseguir com o assunto. Fiquei feliz quando meu pai mudou de ideia: - Que tal fazermos nosso sanduíche? Hm?

Escutei a risada da minha mãe atrás de mim e quando ela beijou os meus cabelos com carinho. Acalmei-me no mesmo instante e poderia simplesmente cair no sono naquele segundo. Porém, parece que os planos do papai não seriam esses. Ele agrupou-nos no centro, trazendo Annie junto com ele para nosso lado. Minha mãe quase caiu na cama, mas segurando-me em mim, que me segurava nos lenções que estavam presos sob o peso do meu pai e de minha irmã, conseguiu firmar-se de volta.

–Eu vou ser o pão. – declarou papai, entusiasmado. Rolei os olhos.

–Você sempre é! –falamos em uníssono eu e minha irmã. Eu olhei para ela e vi Annie me fitando, começamos a gargalhar e saltamos em papai que rolou até seu lugar de origem. –Fique ai no seu lugar, pão.

Ao dizer essas palavras, minha irmã caiu em cima dele e fazendo-o perder o fôlego e arquejar, tentando puxar o ar de volta para seus pulmões. Annie anunciou em bom e claro tom “Eu sou a carne!!!!!!!!!” o que significava apenas uma coisa: eu seria o alface de novo.

Virei-me para poder demonstrar meu desprazer.

–Annie! Você foi a carne da última vez, agora EU quero ser. –cruzei meus braços com raiva e frustração. Eu não quero ser a parte da salada de novo, não mesmo!

Fui pego por minha mãe por trás, e fui derrubado para a cama novamente. Quicamos no colchão por um tempo até que minha mãe me agarrou e começou a fazer cócegas em mim.

–Parece que tem alguém emburrado aqui! –ela exclamou, juntando-se a minha irmã e abraçando nós dois ao unir sua mão com a do papai a nossa frente. Era como estar em nosso próprio esconderijo e proteção sigilosa. Ninguém mais poderia nos pegar. Nem mesmo a bruxa má. Ri alto e pude escutar mamãe dizer: - Eu também ficarei com a outra parte do pão.

Nesse instante precioso, nosso cachorro, Haymitch, apareceu para a festa, sacudindo-se todo e abanando o rabo no ar como se houvessem acabado de mostrar a ele um gigantesco osso. Ele escalou nossos pés e pernas até chegar ao topo e lamber-nos vitoriosamente, arrancando vários “Haymi!” de mim e de minha irmã.

–Parece que nosso cão quer participar. –papai disse, mas não era preciso porque ele já havia se acomodado sobre nós e se enrolado, olhando-nos com seus enormes olhos escuros, o rabo ainda balançando alegremente. –Ele é o tomate. E o recheio.

Estendi a mão e a passei sobre seu pelo em suas costas, fazendo-o agitar-se ainda mais. Ele lambeu minha palma e fechou os olhos, feliz. Nosso sanduíche saudável estava completo. Bem, ou quase...

–Eu tô tentando dormir, se ninguém se incomodar! –Haymitch apareceu, a careca brilhando sobre a luz do corredor. Ele olhou-nos de relance e estava se dirigindo a porta de novo quando meu pai o fez parar. –Quê foi?

Minha mãe apoiou-se no cotovelo e sorriu, amigavelmente, de maneira saudosa.

–Que tal reunir-se a nosso sanduíche?

–Sim! –gritei e Haymitch cobriu os ouvidos com as mãos; impaciente e visivelmente perturbado.

–Não! Não faça isso! –escutei minha irmã resmungar em tom quase inaudível, eu ignorei-a e continuei mostrando meus dentes alegremente para o “vovô”.

Após algum tempo, ele já estava roncando em nossos pés. Quis ficar, estranhamente, na ponta da cama, e nós não questionamos sobre isso. Minha irmã, realizada, afogou-se dentro do cobertor, para poder chutá-lo “sem querer” enquanto “dormia”. Ele não pareceu afetar-se. Sinceramente, parecia ter o melhor dos sonhos do que qualquer um de nós.

Quando todos dormiram, pude ficar sozinho e sentir a presença da escuridão e do silêncio pesar ao redor de nós. Mas dessa vez não tive mais medo, porque estávamos completos agora. E ninguém poderia quebrar as barreiras de nossos pais, nem de Haymitch, ou Haymi.

Com isso, dormi em um sono profundo e sem sonhos.


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Notas finais do capítulo

É isso! Ficou meio non-sense, não é? hahaha Eu gosto disso. Mais extras e capítulos em breve. O que vocês acharam? O carneiro de novo apareceu, wooohahaha. )O) Quero vê-los! Não sei quando vou postar o próximo, porque vou viajar e tudo mais e tals, e vocês não querem saber disso, por isso, logo voltarei! Podem mandar comentários, não fiquem tímidos, porque responderei todos e eu amo todos! Beijos, até o próximo. O clima tenso do capítulo voltará no próximo! Algumas ideias do que irá acontecer? Quem quer que eu coloque a capa da fic no próximo capítulo para vocês terem uma ideia da segunda parte? Isso mesmo, eu já fiz ela. Só falta diminuí-la porque aqui não permite aquele tamanho. .__.'

Obrigada a todos e... apareçam!