Um Dia Qualquer. escrita por Hikari


Capítulo 24
Uma nova desconhecida. - I


Notas iniciais do capítulo

Gente, desculpa o atraso. Eu quase desisti desse capítulo o que felizmente não aconteceu. E eu realmente acho que vou ser o próximo Oráculo porque o imprevisto-previsível que comentei aconteceu. É, eu vou ter que enrolar a contagem para a parte 2. Eu respondi a um comentário dizendo que iria ter escorpiões, enterros e Shelock Holmes nesse capítulo, certo? Pois bem, isso irá vir no próximo do próximo. Esse capítulo saiu maior do que eu esperava e ultrapassaram as 20.000 palavras que podem colocar aqui, e assim eu tive que dividir o capítulo, DE NOVO. .__. Desculpa. Eu não consegui cortar nenhuma parte que não seja importante.

Vejam pelo lado bom, o próximo capítulo já está pronto e não vai demorar tanto para chegar.

Agora aos agradecimentos: MUITO obrigada a recomendação da Gi Lumy Black!! MUITO OBRIGADA MESMO! Amei o que você escreveu. (: Obrigada a todos que esperaram e que estão me acompanhando. Amo vocês.

Contagem regressiva para a Parte 2: 5... 5 e meio... (u.u eu ainda não acredito que está acontecendo isso, enfim).

Espero que gostem.



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Notas iniciais!!!!

Pov. Fynn.

Ok. Um conselho.

Se vocês tiverem um cachorro babão que não o deixa dormir a noite inteira, ao menos cochilar por um mísero segundo, e ainda ter que ficar na “casinha” dele do lado de fora para que ele pare de uivar para alguma alma penada sobrenatural andando em volta de seu terreno, não o dê atenção.

Sério, não faça isso.

Haymi ficou latindo, choramingando, ganindo, uivando, e emitindo alguns outros sons bem variados e peculiares (para um cachorro como ele) a noite inteira. E quando se tem uma família como a minha em que te joga para fora de casa e tranca a porta para que o cão pare de latir você pode entender pelo que eu passei. Ou, melhor dizendo. Haymitch fez isso. Ele me trancou para fora de casa.

Estava frio, e eu quase congelei. Apoderei-me do aconchego da casa de Haymi (que meu pai fez anos atrás quando decidira que nosso cãozinho devia dormir em outro lugar que não seja o banheiro. Sim, Haymi tinha mania de dormir em banheiros e acho que o motivo para que meu pai construísse a tal casa fora por causa do próprio que o assustou quando ele estava no tranquilo na sua privada. Tenho certeza que ele pegou trauma devido à sempre chamar minha mãe para ir ver se tinha alguma coisa dentro do “aposento escuro” no meio da madrugada. Eu acho engraçado até hoje, apesar de minha irmã brigar comigo por isso. Ei! Não é minha culpa, está bem?) e tive que ficar aturando a baba canina nos meus pés e pernas à noite inteira. Pelo menos os pelos do meu cachorrão me cobriram. Afinal, eu estava com apenas com uma cueca samba-canção. Por isso, vou dar-lhes uma dica: nunca, nunca, jamais irrite o Haymitch na semana em que seu cachorro está carente. Jamais, escutou? O coração do velho já era mais frio do que um bloco de gelo congelado lá nos invernos de Nárnia.

Ah, e se você acha que dormir dentro dessa casinha onde seu cachorro deita todo santo dia é agradável por conta dos prováveis lençóis que furto de minha casa para que Haymi fique mais acomodado, bem... Olha aqui, isso não era nada confortável, nem um pouco. Principalmente se nas suas costas estiver a maior quantidade de ossos que você possa imaginar. Era como deitar em vários pregos, ou até mesmo naquelas pecinhas que fizeram para as criancinhas, como se chamavam? Sheldon, Martelo, Isopor, Eco, Maça (ah, não, pera, isso é uma arma, é óbvio não dariam para uma criança), Treco, Lego (?), tanto faz.

Meu cão não é um assassino. Se for isso que estiverem pensando. É só que minha mãe às vezes o leva com ela para caçar, e quando eles voltavam Haymi tinha uma nova coleção de aves e roedores em geral. Ele fica bastante ocupado naquelas tardes, apesar de fazer um bom tempo desde a última vez que saiu de casa. Ele parecia estar cada vez mais preguiçoso. Ou será que era só minha cabeça? Ah, bem. Não importa, certo? Não agora, pelo menos.

Voltando ao assunto inicial. É, eu acordei hoje dentro da casinha de Haymi com um traseiro canino na minha cara e sentindo várias minúsculas alfinetadas no meu corpo por causa dos ossos que eu me deitava em volta. E aquilo definitivamente não era um dos meus planejamentos do ano.

E era exatamente por isso que aquela maravilhosa manhã eu não conseguia mal me manter em pé. Não era minha culpa, como você vê. Haymitch deveria levar todas as broncas que, por acaso, foram direcionadas a mim.

E devo culpar Haymitch também por eu estar aqui no corredor da escola após ter sido expulso da aula.

Não, eu não fiz nada extravagante para isso, não se preocupem, não sou desse tipo de pessoa, se querem saber. É mais que... eu caí no sono. Meus amigos, é claro, tentaram me ajudar. Colin não parava de me cutucar com a lapiseira nas costas, o que não melhorava aos meus recém-machucados causados pelos ossos a se curarem, porém me mantinha alerta por um período de tempo. Jason, que estava à minha frente, não parava de fingir que estava mexendo na mochila, o que ao invés disso ele pegava um dos cadernos e me batia bruscamente na cabeça. Ou às vezes começava a cantar, o que era pior ainda. Pensava que meus ouvidos estourariam e explodiriam, jorrando sangue para todos os lados; então aquilo também era bem útil. Se fosse ver bem.

Porém, parece que o cansaço venceu minha força de vontade de continuar na sala de aula e os esforços dos meus amigos. Logo minha cabeça estava repousada nos meus braços cruzados, o corpo curvado para frente e os olhos fechados. Nem mesmo com a ponta afiada da lapiseira de Colin me salvou e Jason não poderia ter feito nada já como era arriscado se virar bem naquele momento em que a professora começara a olha-lo de forma desconfiada. Talvez estivesse suspeitando de que algo a mais acontecia da maneira que Jason praticamente estava assistindo a aula e “vasculhando” a bolsa inutilmente.

E exatamente por isso fui pego. Acordei no meio do meu sonho em que salvava... hãm, uma garota (é segredo, desculpa, mas ainda não estou confiante para acreditar em vocês a guardar isso) de uma equidna – é aquele monstro grego, só para deixar claro – e sim. Podem me chamar de estranho, eu concordo.

A Sra. Guillory agarrara minha orelha com o dedo indicador e o polegar, puxando-me para fora da carteira e para fora da sala de aula. Dando-me um sermão no caminho.

–Dormindo na minha aula, Fynn? De novo? –dizia com a voz áspera e rude. Depois de me botar para fora da classe eu já estava completamente acordado olhando para os lados, desnorteado, e escutando os risos escarnecedores dos meus ‘colegas’ de sala enquanto assistia eu ser expulso da aula, abafados rapidamente pelo olhar da professora. Pude ver meus amigos sacudindo a cabeça, repreendendo-me.

–Você sabe que eu não tolero isso, Fynn. Quantas vezes teremos que falar sobre isso? – seu tom era mais suave e ela murmurava, para que ninguém pudesse nos escutar. Agradeci mentalmente a ela por isso, não precisava de mais humilhação por aquele dia.

–Desculpa, Sra. Guillory. Não vou repetir. –assegurei-a com a voz não tão convincente assim. Não prometi, para avisa-los antecipadamente. Por isso não era necessariamente seguro de se dizer que cumpriria minha palavra. Esfreguei meus olhos para espantar o sono e a professora continuava me fitando. Bocejei, passando a mão pelas costas para tentar aliviar a dor incomodante. –Vou pra diretoria? –pergunto, esperando ordens.

Ela sacudiu a cabeça negativamente, soltando uma longa expiração. Será que ela já estava cansada de mandar alunos para fora? Tomara que sim, talvez na próxima vez eu pudesse escapar, com mais sorte.

–Não. Ande um pouco por aí até a aula acabar. –ela gesticulou para o corredor e depois fixou a atenção novamente em mim. –E ah, não se meta em problemas nem durma no chão. Estou fazendo um favor para você. Na próxima vez você não vai fugir, escutou? Esse é só o primeiro dia de aula...

Assenti apressadamente com medo de ela voltar atrás e mudar de opinião. Recuei até trombar com uma lata de lixo, quase caindo para trás e causando um ruído estridente que ecoou no corredor. Minha professora estendeu a mão em um impulso e depois as deixou escorregar no rosto, tentando evidentemente se acalmar.

–Calma, estou bem! –garanti (não que ela quisesse saber). Cruzei os dedos atrás das costas e prossegui: - Me comportarei, professora.

Ela mandou um último olhar de advertência para mim e voltou à sala, que já começara a se descontrolar, a fim de assumir a ordem por ali novamente. “Boa sorte”– pensei comigo mesmo enquanto seguia pelo corredor, com tentativas de passar despercebido pelas salas. E aqui estou.

Espero que nenhum dos inspetores me veja, afinal, não estava com o passe para andar ali livremente e aquilo poderia resultar em encrenca. Muita encrenca. Afinal, não queria incomodar meus pais no primeiro dia de... aula... CERTO! Tinha que parar de me meter em problemas. Minha consciência não me dava trégua. Andava pelo canto oposto de onde havia a maioria das portas de sala de aula e assuntos escolares. A parte em que é repleta de quadros, troféus, alguns bancos, os armários e banheiros.

Ainda bem que aquela era a última aula, e que assim que batesse o sinal eu poderia sair daquele lugar onde chamavam de hospíc-... quer dizer, escola.

Olhei para o relógio e vi que faltava ainda meia hora. Meia hora? Olhei novamente para o relógio e tive minha confirmação, fiquei perplexo. Os corredores estavam completamente vazios o que me agradou um pouco. Assim não teria que me preocupar com ninguém. Não havia mais nada para fazer, por isso decidi passar para o lado das salas em geral e observar o que se passava por lá.

Parei em uma das quais reconheci como sendo a minha antiga sala – a do primeiro ano daquela escola. Momentos trágicos... porém ao mesmo tempo, nostálgicos.

Acenei para os estudantes pela janelinha pequena que havia na porta, para tirar meu tédio. Eram os novatos dali e por isso não conhecia ninguém. Alguns me encaravam com a testa franzida, outros ignoravam e a minoria retribuía o aceno com um sorriso enorme no rosto. Normalmente eram algumas garotas do canto. Bom. Que seja.

Hoje mesmo, no intervalo, eu havia recebido milhares de caixas vindas por “admiradoras secretas”. Vai saber o que se passava pela cabeça das meninas; aquilo havia me surpreendido muito. E – podem se assombrar agora – soube que um também havia vindo de um garoto. Um. Garoto. Na verdade, aquilo me assustava. Sério. Muito mesmo. Estavam pensando que eu era o quê? Pensara que havia sido uma piada até notar os olhares das garotas que começaram a me secar quando passava por elas. Está bem, eu admito que mudei um pouco nessas férias. Mas precisavam me lembrar toda hora? Se não bastasse aquela mudança repentina de altura e a dessas massas musculares que havia crescido em mim, fazendo-me estranhar o meu próprio corpo, eu ainda tinha que arcar com a minha mãe que dizia que eu estava na fase do desenvolvimento e que dali alguns meses todos mal me reconheceria.

Nem preciso dizer que aquilo me amedrontava, não é? Maldição.

Olha, não é minha culpa que meu pai me obrigava a fazer todo o serviço lá de casa. Assim que fiz quatorze anos, ou melhor, um mês antes de eu fazer quatorze anos, ele havia metido na cabeça de que era hora de eu começar a trabalhar para ganhar meu “sustento” (sabia que ele só falava aquilo para tentar parecer mais responsável, mas geralmente nunca ficava sério na hora do trabalho. Só ficava quando mamãe estava por perto). Além disso, ele começara a me treinar fora de casa, minha mãe já tentara me ensinar arco e flecha, mas digamos que eu era meio... atrapalhado demais com essa atividade. E já como eu necessitava fazer algo para me ‘aquietar’ (palavras da amada parte materna aqui) ela havia feito meu pai me dar algumas aulas de camuflagem e defesa pessoal. O que somando com o trabalho com meu pai, bem... com todo o “trabalho pesado” que ele me designara vinha as consequências. E o resultado fora meio chocante.

Em apenas nesse curto período de tempo que começara, mais ou menos dois meses e alguns dias, muitos me diziam que eu tinha dezesseis anos, outros até comentaram que eu tinha dezessete. Sinceramente? Nunca imaginara que iriam pensar isso. Quem dera que de “pirralhinho agitado e dotado de uma energia vibrante” fosse passar para “adolescente disputando a atenção das garotas”. Mas nunca ligava muito para aquilo. Era meio que incomodante. Desagradável.

E outra? A única coisa que não era tão detestável nessa parte era que ela não me veria mais como apenas um garoto desajeitado... Talvez todo o trabalho houvesse rendido algo bom, afinal. Agora era só encontra-la... o que provavelmente faria ao sair da escola.

Chacoalhei a cabeça tentando evitar aqueles pensamentos da garota e os outros mais perturbadores. Sim, aquilo foi uma surpresa para mim. Quer dizer... Foi bem naquele momento que parei de me importar sobre... bem, outras garotas, que as mesmas começam a reparam em mim. Bom, não me interessava mais em outras que não fossem ela.

Por isso, eu havia ignorado tudo aquilo. Tinha recebido cartas, chocolates, flores amassadas e murchando, fotos, convites, uma tela fina de vidro translúcido que passava um vídeo de uma garota dançando e outras coisas que ao menos olhei. Não ouse me perguntar como arranjaram tudo àquilo naquele período da manhã. Nem eu sei a resposta (estariam guardando para algum outro pretendente?). Quando estava prestes a jogá-las no lixo, Colin me impediu, dizendo que não poderia fazer aquilo sem “destroçar alguns corações”. Bufei na hora e dei de ombros, tendo que jogar tudo na lata de lixo atrás do prédio da escola. (Sendo que Jason tinha pegado algumas das tranqueiras dali antes de eu despejar direto para o moedor de reciclagem).

Rapidamente me abaixei quando vi o professor da classe se virando para me olhar, atento por um dos estudantes ter apontado para a porta onde estava acocorado. Possivelmente me denunciando com a menor vergonha na cara.

Olhei para os lados e visualizei um banheiro por perto. Disparei para ele, abrindo a porta bruscamente, esquecendo-me que minha força tinha aumentado e quase a fazendo bater na parede e causar um estrago meio grave. Mas, felizmente, consegui conter a pancada e a fechei na mesma velocidade. Só que com mais delicadeza.

Abri uma brecha da porta e pude ver o professor sair da sala, olhando para os lados com urgência. Ele assobiou e um inspetor apareceu no canto. Droga, droga, droga. Isso não era bom, não era nada bom.

O inspetor alto com vestimentas de guarda completa assentia enquanto o homem falava com ele. O inspetor aquiesceu uma última vez antes de ficar de vigia por ali perto. Argh, maldição. Era tudo o que eu não precisava.

Agora como sairia dali? Ficar no banheiro não era uma das minhas escolhas de onde passar o ‘tempo livre’ antes de a aula acabar. Felizmente, haviam acabado de limpa-lo, e era o primeiro dia que os alunos o usavam, então o cheiro estava tolerável.

Fechei a porta com mais calma e me apoiei contra ela, pensando no que fazer. É, o jeito era esperar pelo sinal. Trancado no banheiro. Fechei os olhos imaginando o que aconteceria se me pegassem e enquanto fazia isso eu dei uma longa inspiração, com a intenção de me acalmar.

E foi aí que percebi que algo estava diferente.

O cheiro era estranhamente peculiar. Tinha o aroma de rosas e brisa da montanha, além de misturas distintas e heterogêneas, alternando-se entre perfume de chocolate, avelã, e alguns outros aromas que conseguia sentir ao chegar perto das meninas do colégio. Aquilo certamente não teria em um banheiro de garotos. Pelo menos, o cheiro não ficava por muito tempo. E geralmente não era tão... afeminado assim. Nunca teria um traço sequer desses perfumes femininos, ao contrário, estaria exalando completamente o odor de suor.

Oh não... Por favor, não me diga que...

Abri os olhos, esbugalhando-os e fiquei de cara com uma garota que estava estática me olhando, perplexa. O queixo havia caído e ela ainda deixava as mãos debaixo da água que escorria da pia, parecendo não ter percebido que a tinha deixado aberta.

Oh não, não, não, não. Eu devia ter imaginado. Isso tinha que ter acontecido. Estava obvio. Eu havia entrado no banheiro feminino. O que sempre me lembrava todo santo maldito dia na escola para não me confundir? Isso mesmo. Sempre me recordava de não entrar nele por engano, já como era bem ao lado do banheiro masculino. E foi exatamente o que fiz.

O. Banheiro. Feminino. E ainda tinha uma testemunha lá. Que me encarava, pasma. Ou dizendo, olhava para meus ombros mais largos e o meu peito que começara a se definir. Eu estava com medo dela. Com muito medo dela. Droga. Eu tô com medo dela.

Estou morto. Por favor, me visitem no meu túmulo e não deixem que dancem ‘macarena’ nele. Isso é desrespeito e eu não gostaria de virar uma pista de dança. Meu corpo semi desintegrado iria se sentir insultado, e a última coisa que alguém quer é deixar um morto irritado, não é? Quem sabe eu não lideraria a apocalipse zombie? Isso seria divertido.

Voltando ao assunto principal. Engoli em seco e resisti ao impulso de sair correndo dali como um total covarde. Já havia presenciado épocas em que meu tio Gale (antigamente) havia entrado em situações parecidas. Uma vez ele havia sem querer aberto a porta do banheiro feminino e recebido um sapato na cara. Um sapato de salto fino. É claro que naqueles tempos elas sempre pediam desculpas por ter sido, bem, por ter sido o tio Gale, mas... Isso era completamente diferente. Era escola. Guerra. Luta. Batalha pela sobrevivência. Era como a arena dos Jogos da época de mamãe. E não, isso não é um absurdo de comparação. Era completamente acessível. E combinava.

–E-eu posso me explicar. –gaguejei, levantei a mão com a palma virada para ela, tentando contê-la de qualquer imprevisto.

Um minuto depois havia sido encharcado com água no rosto, cegando-me temporariamente, e derrubado no chão pela garota ‘nada’ agressiva. Ela avançou para mim com uma adaga na mão onde antes estava uma presilha de cabelo.

É lógico que eu poderia desvencilhar-me dela ali. Mas não queria causar transtorno. Muito menos lutar contra uma garota. Não estava sendo machista ou nada parecido. Porém achava desnecessário que isso ocorresse. Talvez uma conversa decente e civilizada poderia...

–O que você veio fazer aqui, pervertido? –a garota rosna para mim, pressionando a pequena adaga contra o meu pescoço. Ela estava me ameaçando? Estava ameaçando me cortar/matar/aleijar por eu ter simplesmente entrado no banheiro?

Tentando não engolir o nó que se formara na minha garganta, sugeri:

–Que tal se conversássemos e depois você me julgasse, hãm?

Ela não cedeu, apesar de ter me analisado novamente, abaixando a cabeça e fazendo com que as cortinas negras de seu cabelo caíssem sobre meu rosto. Ela usou shampoo de melancia? Era o que parecia. Quando consegui observa-la por entre seus longos cabelos pude perceber a expressão vacilante dela quando os olhos correram por meus recém-criados músculos e depois voltar a me encarar, com um leve rubor nas bochechas. Achei aquilo engraçado considerando pelo que eu passava. Os olhos castanhos brilharam com uma ameaça e depois assentiu, ocultando a lâmina de volta a aparência ‘normal’. (ou tão normal quanto uma presilha poderia ser depois que você descobre que ela pode virar uma adaga).

–Está bem, garoto. –ela saiu de cima de mim, onde apoiava os joelhos na minha barriga fazendo-me sentir o estômago se revirar. Apesar de ela ser leve, a garota aplicara uma tremenda força ao me prender.

–Obrigado, hãm... –olhei para ela, incerto do que deveria chama-la. Ao contrário de certos alguéns eu não chamava todos por qualquer nome que me viesse à cabeça. –Qual é o seu nome? –pergunto ao ver que ela não me responderia, sentei-me no chão encostando as costas na parede fria. Vocês podem achar isso nojento, mas era o banheiro feminino. Era algo totalmente diferente. Principalmente quando era nítido de que estava limpo por ele ainda reluzir, mostrando os traços da limpeza matinal.

–Primeiro: as explicações. Depois, se me convencer do que você falar, eu posso me apresentar e não cortar sua garganta pela falta de privacidade. –disse firmemente, não oscilando na voz. Eu a admirei. Quem era aquela garota? Estreitei os olhos tentando reconhecê-la. Nunca a tinha visto por aqui antes.

–Ér, está bem. –tentei me acomodar melhor, mas era quase impossível. Estar sobre aquele olhar penetrante me dava arrepios, odiava ser observado. Principalmente quando a pessoa que o está observando é uma garota desconhecida que ameaçou cortar sua garganta.

–Estou esperando. –ela repete insistente, levanta uma sobrancelha e começa a enrodilhar a presilha-adaga por entre os dedos, remexendo-a impaciente.

Pigarreei e comecei, explicando de um jeito lacônico:

–Olha, eu estava andando no corredor e não tinha nenhuma intenção de vir até aqui. Nenhuma mesmo. Eu nunca iria querer, hãm...

–Invadir nosso território pessoal? Fazer coisas indecentes? –sugeriu erguendo o olhar para me encarar piscando aqueles olhos aparentemente ‘inocentes’.

–Ei, não exagere! –reclamei contraditório. Ela deu de ombros, indiferente e fez um gesto para que eu continuasse. Fiz o que ela pediu. –Bom, eu nunca iria querer entrar no banheiro feminino, mas eu não tive escolha porque um inspetor estava chegando. Eu me confundi. Nada demais. Pensava que esse era o meu banheiro.

–Sei... –franziu a testa, segurou a presilha com força, parando de movê-la entre as mãos e a depositou na palma. –Então está querendo dizer que você estava cabulando as aulas, andando pelo corredor a procura de confusão, um inspetor o achou e você no desespero correu para o banheiro feminino “sem querer”? É, acho que eu consigo acreditar.

Mas como...? Por que ela...? Ela mudou toda a história, ela trocou todas as cenas pelo inverso! O que raios ela tá tentando fazer? Alguma manobra psicológica para que se caso eu estivesse mentindo entrasse em pânico e concordasse com o que ela falasse e assim ser desmascarado? Ah, pois bem. Eu não minto. Não mais, pelo menos.

Bom, às vezes de vez em quando. Em situações necessárias. Mas são exceções.

–Não! Não é isso! Eu não sou um delinquente, se é isso que está tentando dizer. Eu fui expulso da aula e...

Ela levantou a sobrancelha fingindo surpresa, balançando a cabeça como se me mostrasse que o que eu havia dito estava perfeitamente de acordo com a rebeldia. E percebi então a interpretação que ela tinha. Recostei-me na parede a bati minha cabeça no concreto. Por que era tão difícil?

–Olha, eu não quis dizer isso.

–Explicação não aceita. –a garota liberta a lâmina de dentro da presilha, apontando-a para mim ferozmente. –Pervertido na mira.

Onde eu fui me meter? Endireitei-me na hora para caso eu precisasse me proteger. Não podia deixar que ela me decapitasse, se chegasse a minha casa naquela aparência com uma desculpa esfarrapada para a minha mãe ela poderia me jogar na fogueira, jogar a garota na fogueira e depois colocar a escola em chamas. Melhor evitar tudo isso, concordam?

–Calma, calma! Eu não fui expulso por alguma brincadeira sem graça, - relutei em continuar, quer dizer, que honra eu teria depois de admitir para a garota o que havia acontecido na verdade? Que olhos ela iria me enxergar? Além do mais, nem era a minha culpa a princípio. Finalmente suspirei e enxotei as palavras, obrigando-as a sair depressa para que nenhum mal entendido fosse completamente absorvido por ela – eu estava dormindo na aula, está bem? Por sorte, minha professora me deixou livre e me mandou ‘tomar um ar fresco’ enquanto a aula terminava. Mas eu não tinha passe, e por isso que estava me escondendo dos inspetores. Estava aqui perto olhando uma sala de aula quando um dos alunos me denunciou para o professor e tive que me esconder em algum lugar para não se pego, e aí sim mandado a diretoria, achei o banheiro e mal vi qual era quando entrei. Pelo jeito, isso foi um completo engano e eu não posso fazer nada agora além de esperar para que o sinal toque e a escola esvazie para que ninguém me veja aqui.

A última conclusão em elaborei agora. E era a mais aceitável. Sair agora? Sem chance. Depois de o sinal bater eu até poderia (assim o inspetor não poderia pedir meu passe já como todas as aulas acabaram) o problema é que eu estava em um banheiro suspeito e ver um garoto sair do banheiro feminino em pleno final da manhã seria algo não muito aprovado e certamente eu não poderia justificar sobre o porquê de ter entrado ali sem antes confessar sobre o que eu havia feito. Adultos jamais me entenderiam. Eles me odeiam. E ficaria marcado pelo resto da minha vida por aquele desentendimento.

A garota continuava a me olhar com os olhos semicerrados, ela tinha abaixado a lâmina que agora estava direcionada para o chão. Será que ela tinha finalmente confiado em mim? Torcia com o máximo das minhas forças que sim. Não queria criar alvoroço por causa disso, era totalmente inadmissível. Além de resultar em problemas para mim, iria ter para ela também. Certo, talvez eu também tenha essa regra de não machucar pessoas do sexo oposto. Mas e daí? Ambas das minhas explicações são relevantes.

–Parece que você não está mentindo. –finalmente murmurou, suspirando profundamente, derrotada.

–É claro que não estou! Por que mentiria? –retruquei um pouco ríspido. Logo suavizei meu tom de voz e acrescentei. - Desculpe se eu... a incomodei. E invadi sua “privacidade”.

A garota sacudiu a cabeça, escondeu a lâmina novamente para dentro da presilha e a prendeu no cabelo, deixando a franja arrumada para o lado. Estendeu a mão para mim, substituindo a expressão firme e rígida para uma calorosa e amigável. A mudança era perceptível, já como agora ela parecia carismática. A propósito, ao ter retirado a máscara desconfiada do rosto, ela demonstrou como era... bonita. O rosto tinha traços delicados, os cabelos caiam sobre os ombros como ondas, com um cacheado suave. Espero não estar fazendo nenhuma cara de bobo. Seria realmente constrangedor. Ainda mais quando ela queria me torturar.

Eu apertei a mão da garota, que sorriu de forma bondosa, mas sabia o que tinha por trás de toda a ingenuidade.

–Sou Chloe Grace. Desculpas aceitas. Entendo o que aconteceu, já houve algo parecido comigo ano passado. Foi mal sobre o mal entendido. Espero que não ocorra de novo, huh?

Anui com a cabeça, retribuindo o sorriso. Então refleti sobre o que ela havia dito, se eu tinha entendido bem, ela já teria entrado no banheiro masculino? Como...?

–Eu mais do que nunca. –a última coisa que eu queria era entrar lá de novo. –Sou Fynn Everdeen Mellark. E que história é essa? Você já...?

–Bom conhece-lo. E não quero falar sobre isso agora. –Chloe interrompeu e retraiu a mão depois de um tempo, ao ver que eu não a soltaria. Ela estava prestes a levantar quando eu a detive.

–Você não é daqui, é? –estava curioso para saber sobre ela. Eu tinha completa noção de que não me acalmaria até souber tudo a seu respeito; principalmente porque os meus pensamentos não paravam de rodar sobre aquela garota e não tinha dúvidas de que ela não me deixaria pensar em outra coisa.

–Não. –respondeu brevemente. Não continuou, porém. Apesar de eu ter esperanças de que ela me dissesse quem era e de onde viera. Pareceu inquieta por um momento, no entanto não soube o porquê.

–Então de onde veio? Distrito 2? –foi o primeiro lugar que me viera a mente. Quer dizer, da forma como agira, eu supunha que ela poderia ter vindo por aquelas bandas. Quem sabe, não é?

Mas para contrariar minhas certezas e me deixar mais desnorteado ainda, ela balançou a cabeça com firmeza.

–Distrito 1? 3? 4? 5? 6? 7? 8? 9? 10? 11? –todos vieram com uma negação na cabeça, enruguei a testa, desconcertado. Ela não era quem eu esperava, não mesmo. Qual outro lugar ela devia ter vindo? Prendi a respiração e disse o último distrito que faltara: -Então você veio do 13? É lógico, só podia ser...

Antes de eu terminar minha frase ela sacudia a cabeça em forma de negação novamente. Minha frase morreu na minha boca e continuei com o queixo caído, boca aberta e olhar surpreso. Fechei os olhos com força, e só abri-os novamente assim que me recuperei do choque. Eu disparei antes que eu pudesse me conter:

–Nenhum desses? Você não deixou passar algum, não? De nenhum mesmo? –Chloe soltou um longo suspiro, o sorriso se desmanchando do rosto. Se ela não era de nenhum distrito, só faltava... –De onde você veio?! Do Além? Ah, não! Você veio de uma realidade alternativa?! Um mundo paralelo?!

Eu estava sério enquanto falava, mas Chloe soltou uma sonora risada como se eu houvesse contado uma piada. Descobri que a sua risada era doce, suave, de que antes que eu pudesse perceber me fez sorrir.

–Não, garoto do banheiro. Eu não sou especial assim. –seu riso foi diminuindo até que só sobrasse o seu sorriso alegre nos lábios. Um leve vestígio do que poderia se transformar. –Quando eu digo que não sou daqui, eu quero dizer que eu não sou de Panem. –a última frase Chloe disse afetuosamente, com o timbre suavizado para que não causasse tanto assombro. O que realmente me causou.

Por um segundo pensei que estivesse caindo em um buraco profundo e sombrio. Fora de Panem? Nunca tinha conhecido ninguém que viesse de fora. Ninguém nunca havia nos visitado, pelo que eu sabia. Todos eram de onde eram. Nunca conheci uma pessoa que ao menos houvesse contato com algum morador de outra “nação”, se posso dizer assim. A não ser a Annie Cresta Odair e o filho dela no qual nunca soube o nome. São os amigos de mamãe que tinham resolvido explorar o que havia fora do lugar onde sempre viveram.

Mas fora eles? Jamais esperava conhecer alguém semelhante. Pessoalmente, pelo menos. Ela. Chloe. Comecei a admira-la ainda mais, um fascínio enorme aparecendo dentro de mim.

–Hm, você está bem? Er, eu não o... assustei, certo? –ela perguntou pausadamente. Era medo na voz dela? Por que ela estaria com medo? Seu rosto estava receoso enquanto me observava por entre os cílios negros e densos.

–Eu estou, é só que nunca vira alguém de outro lugar. –dei uma risada apreensiva e corri o dedo pelos meus cabelos, desarrumando-os nervosamente. Então franzi a testa pela segunda pergunta. -Por que você me assustaria? –retruquei, abaixando os braços e abrindo um dos sorrisos que eu raramente dava. –Isso é incrível! Você deve conhecer tantos lugares! Você pode me dizer algum dia como que é fora daqui? Eu sempre sonhei em saber.

A garota na minha frente se endireitou, arrumando os ombros e me olhando com os olhos estreitados, como se desconfiasse do que eu dissera. Continuei olhando-a empolgado, com o brilho de entusiasmo refletindo em meu rosto pela forma como eu deveria a estar analisando. Eu devia ter percebido. Agora a estudando meticulosamente posso perceber que sua aparência é exótica comparada ao das pessoas de Panem. E não de uma forma desnaturada ou manchada, mas de uma forma magnífica de prender a respiração. Meu coração se acelerou quando ela voltou a dar aquela risada e sua expressão ter suavizado ao abrir espaço para aquela feição terna que aquecia meu coração, relaxando em sua postura.

Chloe sacudiu a cabeça provavelmente pelo que eu havia dito.

–Nada. Não... é nada. –ela fixou o olhar em mim. –E sim, é claro que eu posso.

Arqueei as sobrancelhas, agora eu imitando-a. Chloe soube o que eu fazia e começou a me avaliar.

–Você promete? –perguntei, levantando o queixo e estendendo o braço, com a mão em punho e o dedinho esticado para que ela possa fazer o “pacto”.

Ela me olhou com uma cara de “o quê?” que logo foi substituída por uma “você não acredita em mim?” e logo passou para “isso é inacreditável”, finalmente estendendo o braço e enroscando o dedinho dela nos meus. Apertei-os para selar a promessa.

–Ok, eu prometo. –ela garantiu, revirando os olhos, divertida.

Ficamos um tempo sem dizer nada, até que por fim ela desviou o olhar, um pouco constrangida, levemente corada (ou foi só impressão minha?). Talvez seja por eu estar fitando-a fixamente. Mas nunca vou poder descobrir.

–Então, garoto do banheiro. Espero que você não me faça se arrepender pela promessa. Você, de preferência, não iria gostar. -ela tinha tanto um toque ameaçador quanto um mais ameno, capaz de me fazer esquecer-se de tudo que pensava. Ela era solícita nas palavras, tomando precauções necessárias para não dizer mais do que devia, apesar de aparentar estar se contendo para isso. Novamente, ela mudou de atitude repentinamente, adquirindo um tom de felicidade e complacência. –Aliás, obrigada por não surtar. Ou dizer... Ahn, esquece.

Não entendi direito o que ela quis dizer com aquilo, mas mesmo assim dei um sorriso carinhoso para ela, sentia-me estranhamente atraído por aquela garota, sentia uma compaixão que nunca pensaria que poderia nascer em mim. Pelo menos, não agora. Apenas se fosse para a... para ela. O que me desnorteava mais ainda.

–Por que eu surtaria? Não tem problemas, garota da adaga. –dei de ombros, ela riu pelo apelido.

Perguntei se era seu primeiro dia ali, ela confirmou rindo ainda mais. Tive vontade de bater minha cabeça na parede depois de refletir sobre o que eu havia dito. É claro que seria o primeiro dia dela, era o primeiro de todo mundo, tonto!

Porém, para tentar contornar minha deplorável confusão, eu perguntei se era seu primeiro dia em Panem.

–Ah. –ela exclamou, o sorriso desaparecendo. –Não. Eu cheguei mês retrasado.

Ela não disse mais do que isso. Era assim, ela não gostava de se explicar. Chloe evitou meu olhar quando respondeu; depois se remexeu desconfortável. Ela não gostaria de falar sobre suas raízes? Eliminei todas as perguntas que envolveriam algo de seu passado. E para descontrair o clima, voltei-me ao início.

–Mas espera aí, você me julga, porém se está aqui você também está cabulando as aulas. – ergui as sobrancelhas, desafiando-a. Ela apenas balança a cabeça, em negação.

–Ao contrário de você eu não durmo nelas. –desmentiu, olhou para cima de forma ponderada. –Falando nisso, é melhor eu voltar para minha aula. Afinal, você também precisa descobrir um jeito de sair daqui, não é? Não quero atrapalha-lo. E o resto da aula é sempre importante.

–Espere! –agarrei seu braço para que ela não se levantasse. Ela olhou para mim, aguardando. Não queria que ela fosse. Pigarreei e tentei enrolar. –Nunca é importante o final da aula. Na verdade, são os momentos menos proveitosos, na maioria das vezes.

–Na maioria das vezes. –ela reiterou, para demonstrar que estava claro que não eram todas. –O que você sabe se essa não vai ser boa?

–Porque é o primeiro dia. –chutei, depois quando vi que não a tinha convencido, acrescentei. –Porque eu posso prever o futuro e sei disso.

Ela gargalhou, voltando-se a sentar.

–Ah sério?

Confirmei, fingindo uma expressão séria.

–Sim, sim.

–Então me diga alguma coisa que vai acontecer amanhã.

Pensei. Não poderia mentir, afinal, eu não mentia, lembram-se? Pois bem, o que poderia ser provável de acontecer amanhã? Hmmm...

–Você vai conversar comigo. –disse o que eu realmente desejava. –E me dizer como que é fora de Panem.

Chloe inclinou a cabeça para o lado, coçando a nuca e refletindo.

–Bom palpite. Mas ambos sabemos que isso não é o que eu queria dizer

Sorri e desviei o rumo da conversa. Pelo menos havia conseguido mantê-la ali. Ao conversarmos ela logo se esqueceu de ir para a sua aula. Não a perguntei sobre o que a havia trazido a Panem, nem onde ela estava morando agora. Muito menos do seu passado. Já havia notado que Chloe não se sentia bem quando tocava nisso. Ela me fez muitas perguntas, e eu nem percebia o tempo passar. Nunca havia sonhado que conheceria uma garota como ela, que havia apontado a adaga para meu pescoço, no banheiro feminino, no primeiro dia de aula, e que ainda ficaria tão familiarizado a ponto de que poderia pensar que nos conhecíamos desde sempre.

Mas no final, apesar de ela sempre tentar não tocar no assunto de “família”, quando estávamos falando sobre meus pais, tudo se complicou.

–Dizem que sou muito parecido com meu pai. Não sei se isso é bom, ou é ruim. –ela riu com o comentário.

–Eu tenho certeza de que é algo de se orgulhar. Pelo que eu escutei, nos poucos tempos que fiquei aqui, ele parece ser uma ótima pessoa.

–É, ele realmente é. Obrigado... –tudo estava bem, até que eu deixei escapar: - Mas e o seu pai? Vocês se parecem muito?

Imediatamente mordi minha língua. Por que eu fora falar algo tão insensato? Notei seu rosto se apagar e ela morder o lábio inferior com força, nervosa. Estava querendo consertar quando ela – incrivelmente – me respondeu:

–Sim, absurdamente. –pude vê-la sorrir com saudade. Sua voz se amaciou como se estivesse emocionada, mas prosseguiu: - Ele cuidava de todo mundo, tinha o coração mais puro que qualquer pessoa poderia ter. Queria o bem de todos apesar de seu passado... – ela tossiu e chacoalhou a cabeça, descartando a informação de mim, decidindo não revelar seja lá o que for. Quando continuou, sua voz era embargada como se estivesse prendendo as lágrimas. – Eu amava muito ele.

Eu me incomodei um pouco pelo verbo flexionado no passado, mas pensei que fosse mera distração. Talvez ela não tivesse percebido que havia colocado ele naquele tempo verbal. Isso acontecia, não é?

–Ele... parece ser fantástico. –finalmente disse. – Queria muito conhecê-lo. – vi que ela se revirou no mesmo lugar, inquieta. –O que foi, Chloe?

Pensei que ela não fosse responder, mas aí ela olhou diretamente para mim e respondeu:

–Ele morreu, Fynn.

O sinal tocou no momento exato em que iria dizer algo, o que me aliviou um pouco. Relaxei por não ter que respondê-la. Principalmente porque eu não sabia mais o que falar. As palavras haviam fugido de minha mente. Através do que ela dissera, sabia que havia mais coisas. Por que parecia atemorizada? E do quê? Havia algo que ela não queria me contar. Algo que parecia pesar nela. Porém não tive muito tempo para pensar pois ao me ver pensativo, Chloe foi logo se apressando a me voltar a realidade.

–Ah, quanto tempo ficamos aqui? –ela perguntou, surpresa, mudando de comportamento rapidamente. Olhou para a porta do banheiro e levantou-se, limpando-se na calça que usava. Não a impedi, dessa vez.

–Hm, mais ou menos meia hora? –murmurei lembrando o horário que tinha visto no corredor. Devia ser algo parecido. Levantei desamparado pelo desânimo. Suas palavras ainda enchiam minha mente, incapacitando-me de pensar direito.

Tinha que pensar em como sairia dali. Minha irmã poderia demorar um pouco a chegar, mas já como o colégio não era muito longe, eu não poderia enrolar. Ainda mais que ela não esperaria o tempo inteiro, conhecia-a bem o bastante para saber que não ficaria ali plantada a minha espera. Provavelmente entraria para descobrir o que estaria sendo o motivo do meu atraso e eu não estava com muita vontade de receber uma bronca dela no meio da escola. Os gritos da criatura eram mais altos do que os roncos de Effie. E acreditem, quando ela ia a nossa casa você não conseguia dormir de jeito nenhum. Nem se você fosse tentar colocar todo o estoque de lã do distrito no seu ouvido.

Chloe deve ter compreendido minha aflição pela expressão do meu rosto porque logo abriu a boca para sugerir:

–Você precisa de ajuda? Não deve ser difícil tirá-lo daqui. –seus olhos recaíram sobre meu peito novamente e então acrescentou: -Bem, pelo menos não é impossível tirá-lo daqui, se por alguma sorte absurda o destino não nos tenha colocado garotas no corredor pode ser que você saia despercebido. –acenei com a cabeça lentamente. Ela alargou o sorriso e pegou minha mão, arrastando-me para a porta ao mesmo tempo em que eu vacilava para ceder aos seus protestos insistentes. –Vamos, Fynn. Temos que ser rápidos; alguém pode vir aqui e dificultar as coisas.


Pov. Annie.


Finalmente quando saímos da sala pude respirar o ar livre do começo da tarde. Sentia o aroma adocicado da hora do almoço que me fazia salivar. A escola estaria aberta e algumas pessoas ficariam por lá a tarde toda. Eu os invejava em parte. Só por causa disso.

Will estava ao meu lado me ajudando a andar. Eu ainda mancava apesar de seu braço estar firmemente na minha cintura enquanto eu caminhava – ou pulava – para fora da escola. Ele havia oferecido a me carregar, mas eu recusara na hora. A última coisa que queria era ficar novamente em seus “domínios”, se é que me entendem. Apesar de mais cedo eu estar com vontade de gritar pela dor, agora ela estava bem melhor. O que eu não sei se é uma coisa boa ou ruim já como eu não sinto mais o meu pé. Ele havia começado a formigar e latejar sem cessar conforme a manhã passava, e eu não pude fazer nada para que ele, por fim, acabasse não me enviando mais os seus sentidos.

–Você tem certeza que está bem, Annie? –Will repetiu a pergunta pela, vamos ver, décima vez naqueles cinco minutos. –Eu posso te levar. Pode subir nas minhas costas, não me importo.

–Não! –exclamei duramente pisando forte no chão, gritando logo em seguida por ter colocado, sem perceber, meu pé direito no solo apoiando-o levemente. –Eu sou tão estúpida. –murmuro roucamente curvando-me para frente, abraçando meu próprio corpo ao mesmo tempo em que os braços de Will me envolviam e me puxavam em seu encontro. Encolhi-me ajeitando-me nos braços fortes do ruivo, não tinha outra escolha. Eu não conseguia andar. Aquilo era simplesmente impossível. Cada partícula de mim implorava para que eu cortasse aquele pé e acabasse com a dor devastadora que se seguia pelo meu corpo. Estava a um triz de obedecer.

–Às vezes, Annie, você não pode fazer tudo sozinha. –Will me alertou, enrodilhei meus braços no pescoço dele, meio a contragosto. Ele sempre fazia aquilo. Sempre estava ali. Isso era meio irritante, mas ainda assim tinha que esconder minha gratidão para que não o deixasse tão cheio de si.

–É, e você não precisa me proteger toda vez que me machuco. –retruquei, ignorando os olhares fulminantes das garotas que estavam por perto. Meu pé sem querer bateu na porta ao sairmos e eu choraminguei, cerrando os dentes e selando os lábios para não escapar mais nada. Will imediatamente os arrumou, recolhendo-os delicadamente para mais perto do seu aconchego.

–Desculpa, tornadinho, se eu só quero o seu melhor. Sempre. –sussurrou, torcendo os lábios e logo depois, ao me notar observando-o, dando um sorriso de lado que me fez desviar o olhar e corar. Aquela sensação quente invadiu meu peito de novo e um pensamento começou a se espalhar pela minha mente, cegando-me. Eu queria continuar ali. Queria poder abraça-lo e sentir o calor do seu corpo e permanecer do seu lado.

Por favor, por favor, por favor... Eu queria tanto entender o que era isso! Sacudi a cabeça livrando-me daqueles pensamentos absurdos. Olhei para os lados, tentando achar algo para me distrair. Distrair-me tanto da breve lembrança de dor em meu pé, como o dos pensamentos sobre Will.

Cam estava junto a Melanie ao lado direito, conversando animadamente com minha amiga. Ela parecia se divertir quando estava com ele, mas mesmo assim mandava olhares preocupados para mim ao nos encaminhar para fora da escola. Ela e Cam iam embora juntos já como as casas dos dois eram perto e Alex geralmente ia comigo, por ser o mesmo caminho. Alex carregava minha mochila, vasculhando lá dentro para encontrar comida. Rolei os olhos quando a vi achar uma bala, mas não protestei por ela a ter roubado e colocado na boca. Nem me lembrava de como aquilo foi parar ali, por isso me limitava a torcer de que não seja tão velha e a deixe com intoxicação alimentar.

Chegando ao portão, Will deixou de lado todas as minhas reclamações para que ele me colocasse no chão novamente. Podia sentir o peso do olhar culpado dele e de sua aflição. Respirei fundo, ele era tão protetor. Será que não podia relaxar ou tirar algumas férias? Mesmo assim não podia deixar de me sentir grata.

–Bom, nos vemos amanhã? –Cam falou hesitante para nós, Melanie acenou sorridente.

–Melhoras para o seu pé, Annie. –ela mandou um sorriso pesaroso, me deu um beijo na bochecha e desajeitadamente se despediu de Will que assentiu com a cabeça em forma polida.

–Tente não cair em mais “poças de água” por aí, viu? –riu Cam, achando mais divertido ainda quando o ruivo franziu a testa para o que ele disse, nitidamente confuso. Sentia meu rosto queimar.

–Vou tomar cuidado; até amanhã. Vão pela sombra. –basicamente eu rosnei na última frase. Mandei um olhar enraivecido para Cam que obviamente já tinha entendido o que havia acontecido. Ele apenas deu de ombros ainda rindo e agitou as mãos despedindo-se pela última vez antes de deposita-las nas costas de Melanie para que seguissem em frente.

Ele não escaparia da próxima vez. Ah, mas não mesmo.

–Poças de água? Você contou a ele que você tinha escorregado numa poça? –Will voltou-se a mim após eles terem ido. Pisquei os olhos enquanto o encarava, tentando manter-me inocente.

–Bom, foi algo parecido não foi?

Will balançou a cabeça, sem acreditar no que eu fizera. Porém (apesar de eu pensar que ele devia estar) ele não parecia desapontado, apenas estava um pouco confuso. Confuso? Também não tinha entendido. Infelizmente não posso deduzir por palpites desse jeito. Queria lhe perguntar o que o estava incomodando, mas já devia ter descoberto.

Ele não gostara de eu ter mentido para eles. Se bem que não foi uma mentira daquelas horrendas. Eu só não contei que tinha estado com ele, e isso deve tê-lo afetado de um modo estranho. Não sei o porquê, afinal, eu só estava tentando compreender o que ele fazia ali e no momento estava brava com aquela abóbora irritante. O que me impossibilitara de ter vontade de dizer a verdade no pé da palavra.

–Então não foi em uma poça? –Alex se intrometeu. Revirei os olhos, ela estava com um fone laranja berrante na orelha que cobria quase a cabeça inteira dela e olhava com os olhos praticamente faiscando de eletricidade pela energia que emitia ao mexer no seu jogo portátil. (É, para que vocês vejam onde a criatura atingiu no vício dela.).

Mas a pergunta que revirava em minha cabeça: como ela escutara com aquilo beirando aos ouvidos-explodindo-e-jorrando-sangue-por-todo-lado? Só me faltava dizer que ela tinha um dom sobrenatural que a permitisse de pular esse obstáculo.

Porém eu atribuo minha escolha a de ela ser curiosa demais para conseguir manter-se quieta e sentir a necessidade de escutar o que os outros estão conversando. Ela mete o nariz em todas as situações alheias então não me surpreenderia se um dos fones dela não estivesse funcionando (por algum “estrago” do aparelho) e Alex ter escutado o que Cam tivera a gentileza de ‘escapar’.

–Na verdade, não foi não. –Will respondeu por mim, estava incapacitada de falar pelo meu choque inicial. Além dos problemas de meus pensamentos ainda acesos em minha mente. Maldição, eu preciso de um apagador de memórias, seria um alívio tirar aquilo tudo da cabeça e deixa-la vazia para variar. –Ela estava comigo quando caiu.

–Foi sua culpa. –retruquei automaticamente. Gostava de fazer isso, colocar a culpa nele, sabe? Assim eu podia descontar um pouco da minha raiva. Sempre funcionava.

–É claro, sempre a minha culpa, nunca da senhorita. Ah, por que não estou surpreso? –falou sarcástico. Ok. Essa doeu. Sabia que ele não pretendia me ofender nem nada, sua expressão estava claramente expressando sua brincadeira. Porém o que saiu de mim não foi necessariamente gentil, pode ser efeitos colaterais do mal estar que começara a sentir pela minha perna.

–Nossa, Will! Você se superou. –retrai minhas mãos e as cruzei na frente do peito, pressionando-a contra meu estômago para ver se a sensação passava. Se eu estava escondendo o que eu começara a sentir? É. Pode ser. Não queria que eles se preocupassem mais do que já estavam. Desviei o olhar e fiquei encarando o céu e cantarolando qualquer coisa para não precisar ouvi-lo.

Aquilo era tão infantil. O que estava acontecendo? Por que...? Ah, Céus. Eu mesma não estou me reconhecendo. Alex continuava nos observando, boquiaberta e expressão de desentendida no rosto.

Depois de um tempo percebi que Will havia parado de resmungar, estranhei a princípio e quando parei de cantarolar e fui voltar minha atenção para ele descobri que tinha acabado de cometer um terrível, terrível erro. Correto, aquele ruivo tinha mais truques do que eu pensava.

–Está bem, chulézinho. Se não quer falar comigo, eu aceito. –provocou áspero, o que realmente me surpreendeu. Ele estava bravo comigo? Eu não queria deixa-lo bravo... A menos que...

Franzi a testa. Processei o que ele disse e depois passei mais uma vez na minha mente para ver se tinha entendido direito. É, ou eu estava com problemas auditivos ou Will estava sendo possuído por alguém.

–Chulézinho, Will? Sério!? –perguntei com apatia. Ele queria jogar joguinhos agora? Estava me testando? Ah, pois bem. Não iria aceitar passar para o lado negro da força. Não mesmo, ele não me abalaria. Eu sabia muito bem quem ele era para que eu caísse nessa.

Mas então antes que eu pudesse impedir, eu já havia mergulhado de cabeça naquilo. Não porque eu queria, é claro. A raiva que sentia esvaiu-se até que eu não me lembrasse mais dela.

–Oh, resolveu falar! –bati no ombro dele, querendo rir, porém não o fazendo. -Ok, chuchu, vou parar.

–Isso só tá piorando. Por favor, não continue. -finalmente ofereci um sorriso para ele, resultando em ser um energético para ele continuar. Eu tinha mesmo que dar corda? Por que não simplesmente me mantive quieta?

–Por que não, chuchuzinho? –continuou vendo que estava conseguindo seu objetivo e aumentou o sorriso.

–Quer parar?!

–E que tal estressadinha? -meu olhar o deu a resposta que precisava para que ele prosseguisse. -Ou prefere minha vida ou vidinha?

–Tudo no diminutivo? -soei abismada, e é claro que estava. O que ele planejava com aquilo? Já tínhamos nos distanciado do colégio, chegando perto de onde meu irmão estudava. Queria com o máximo das minhas forças conseguir parar com toda aquela tagarelice sem fim, com o canto do olho podia ver as pessoas dar risadas de nós dois e Alex voltara-se para o jogo, obviamente desistindo de conseguir a resposta que queria para sua pergunta.

–Ah, então você prefere "coração"? Queijinho? Trufinha? Pipoquinha...?

Oh, raios. O que eu faria com esse garoto? Teria que aguenta-lo aqui também? Já não bastava ele não me dizer o que segredava, tinha que inventar apelidos para mim. Apelidos nem um pouco engraçados. Não para mim.

Mas quando ele disse tudo isso de uma forma tão natural eu quase não contive minha risada.

–Ah... Pipoquinha? É esse? Consegui atingir suas expectativas, querida?

Eu não posso explicar o que senti naquele momento. Foi algo como uma mistura de querer surrar ele até que ele não tenha mais dentes como uma brincadeira secreta entre nós.

Não havia percebido que ele havia se aproximado nessa disparada de apelidos. Agora estávamos tão perto que nossas testas estavam coladas e eu podia sentir sua respiração confundir-se com a minha. Ele tinha aquele sorriso de sempre estampado no rosto sarcástico.

Eu havia começado a rir, não me importando mais em me segurar. Se Will havia feito tudo isso propositalmente para me distrair foi exatamente o que ele conseguiu.

–Princesa? -dessa vez ele murmurou. Um murmúrio tão baixo que quase não fui capaz de ouvi-lo. Mas assim que as suas palavras chegaram ao meu ouvido, minha risada imediatamente cessou e pude encara-lo. Os verdes de sempre, com um brilho esperançoso colorindo ainda mais a minha visão.

Will parou de repente, o balanço oscilante tinha suspendido. Já havíamos chegado ao portão do colégio onde Fynn estava? Não me interessava mais. Minha cabeça estava zumbindo como que para me chamar a atenção, mas eu tinha bloqueado todos os pensamentos que poderiam vir à tona.

E então minha salvação entrou em cena.

–Olá? Por acaso tem alguém aí? Se não perceberam, eu ainda estou aqui. –Alex sacudiu o braço de Will fazendo-me despertar de meu transe. Imediatamente espantei tudo o que se passava pela minha mente, agitando a cabeça sem parar, meus cabelos chicoteando minhas bochechas.

–Desculpa. –falei enquanto olhava em volta. E sim. Havíamos chegado. Franzi a testa ao não ver meu irmão em lugar algum, ele sempre era um dos primeiros a sair pelo desespero em ir embora. –Alex, você tá vendo Fynn? –perguntei hesitante.

Will passou o peso de um pé para o outro ao olhar ao redor ajudando-me a examinar toda a área em volta. Alex havia tirado os fones e guardado na mochila, assim como o jogo portátil, ela parecia ansiosa em rever meu irmão – o que era evidente em apenas observa-la o procurar por entre as poucas pessoas que ainda restavam ali. Estava frenética e impaciente, o que me assombrava e fazia minha cabeça girar em várias especulações. Porém descartei-as rapidamente. Devia ser coisa da minha cabeça, certo?

Limpei a garganta, sentindo-me desconfortável nos braços do ruivo. As pessoas não paravam de cochichar e apontar para nós, e isso não me agradava muito. Respirei fundo, expirando lentamente.

–Ei, Will? –chamei delicadamente.

–Sim? –sua cabeça virou tão bruscamente ao mencionar seu nome que por um segundo pensei ter a escutado estralar.

–Você pode me colocar no chão? Vou conseguir andar, confie em mim. –afirmei ao notar a sua relutância. Depois de um longo momento de silêncio ele assentiu e eu pousei suavemente meu pé esquerdo no solo, Will não esperou nem um minuto a mais para logo me auxiliar, envolvendo-me na cintura.

O sinal já devia ter batido há, pelo menos, dez minutos. Eu que deveria estar atrasada – não ele. (Sei disso por Melanie nos ter obrigado a ficar com ela enquanto ordenava ao diretor começar a fazer uma campanha para salvar as corujas em extinção; demorou um bom tempo antes de o diretor finalmente se cansar de nós e aceitar a proposta. O que era uma maravilha já como agora eu tinha que participar de um grupo pacifista. Melanie havia dito para nós que faria uma camiseta para nos representar, mal espero – sim, isso foi uma leve ironia – porém apoio sobre seu argumento).

Então o que meu irmão estaria fazendo para demorar tanto? Por acaso tinha batido a cabeça em alguma porta de novo? Quer dizer, se fosse esse o caso já iria ser a quinta vez em apenas três meses, eu decididamente iria leva-lo para fazer uma visitinha ao hospital do Distrito porque a coisa estava feia.

Mas acho que não era isso. Algum pressentimento me dizia que tinha algo a mais.

–Vou entrar. Esperem aqui, pode ser? –disse já me adiantando a ir à frente deles, me desvencilhando dos braços de Will e mancando para dentro do colégio.

Uma fração de segundos depois o ruivo tinha pegado minha mão e a apertado com força enquanto me seguia. Alex estava ao meu lado e me dera uma pancada no braço com a mochila dizendo para não a deixar por trás de novo. E meu pé? Estava piorando cada vez mais.

Talvez eu aceitasse a oferta que Will me sugeriu mais cedo.


Pov. Fynn.


Nunca vá até um penhasco junto com Chloe Grace. Nunca. Principalmente se ela tem algum ressentimento com você e quer se vingar de algo que tenha feito. Ela não hesitaria em joga-lo do precipício.

Foi mais ou menos como eu me senti quando ela me levava até a porta. Eu a temia com todas as forças inimagináveis, digo, a porta. E se uma garota aparecesse e desse de cara comigo? O que ela faria?

Vamos fazer nossas apostas!

1º - me daria um tapa no rosto tão forte que pararia do outro lado de Panem.

2º - jogariam spray de pimenta no meu olho até eu perder a visão ao mesmo tempo em que me davam um tapa tão forte que apenas minha cabeça pararia do outro lado de Panem.

3º - iriam me reduzir a um pedaço de carne para se chutar enquanto cuspiam insultos para cima de mim.

4º - ou enquanto me chutava e cuspia insultos para cima de mim, resolveria que eu seria um bom churrasco e colocariam sal em cima de mim, me espetando com garfos até que me tornasse um pedaço nojento e repugnante de órgãos soltos.

5º - e depois de me sujeitar a que eu seja apenas várias carnes fétidas e tripas soltas iriam pendurar o meu coração na porta do banheiro para servir como aviso de nenhum garoto se aproximar de seu canto.

Ok. Eu acho que estou imaginando coisas demais. Ou só seja o pânico tomando conta de minha cabeça. Talvez elas apenas me chamassem de pervertido pelo resto do ano, assim como Chloe me nomeou quando me viu pela primeira vez. Apesar de eu não ter desconsiderado as minhas opiniões, é claro, elas poderiam acontecer. De alguma forma.

–Vamos lá, garoto do banheiro! –Chloe teimou. Eu havia grudado meus pés no chão, recusando-me a continuar, fazendo com que a única opção dela seja ir até minhas costas e tentasse me empurrar usando os ombros. Ela já arfava quando tentou pela terceira vez repetir o processo. –Qual é, Fynn Mellark! Eu estou tentando te ajudar!

–Eu sei disso. E estou totalmente grato, mas... –parei. Por que eu tinha um temor de sair dali? Não era o que eu mais queria? Bom, pelo jeito eu acabei de descobrir mais uma coisa sobre mim. Querem saber outra opção que eu acabei de revelar para eu mesmo? Eu estava receoso de quando nós saíssemos, eu nunca mais a visse. E se ela tivesse que voltar para onde nasceu e não nos encontrássemos mais? Afinal, ela não é daqui de Panem. E seria um pouco complicado sair por aí a sua procura. E se quando fôssemos a caminhos opostos, ela não quisesse mais falar comigo? E se...? E se...? Não podia me precipitar, tinha que continuar com a garota ali. Era a única certeza de que poderia vê-la de novo.

–Quer parar de ser medroso? Ninguém vai vir. –ela garantiu, foi para minha frente e me fitou com seus grandes olhos amendoados, cruzou os braços na frente do corpo e bateu o pé com impaciência no chão. –Eu vou contar até três. Se você não tiver se movido eu vou gritar com o todo o meu fôlego que tem um garoto chamado Fynn Everdeen Mellark no banheiro feminino. E que tinha vindo por vontade própria. Ou, se desejar, aquela alternativa de cortar seu pescoço ainda tá de pé.

Arregalei os olhos. Ela era má. Muito má. Quando a tal da Chloe começou a contar eu paralisei. A pergunta voltou na minha cabeça com mais intensidade: quem ela era? Quem realmente era ela? Tinha muitas coisas por trás do que ela me contara, muitas mesmo. Muitos segredos para desvendar. E queria descobrir todos eles, e qual outra oportunidade teria?

Faria outra promessa? Bem, ela já tinha feito uma comigo, então se ela fosse o tipo de garota que cumpria as promessas, eu não precisava me preocupar em não encontra-la novamente, porque certamente eu a encontraria. O problema eram as hipóteses. São elas que me preocupam.

–Três... –ela levantou as sobrancelhas, a boca aberta prestes a gritar, apenas esperando para que eu me movesse. Mas eu não me movi. Então ela sacudiu a cabeça e quando escutei o primeiro fiapo de sua voz saindo de sua boca eu corri e a tampei com minhas mãos. Ela pareceu subitamente surpresa, mas depois relaxou e rolou os olhos.

–Está bem, eu vou com você. Só... só não grite, está bem? –me pronunciei, senti o canto dos seus lábios levantando em um meio-sorriso. Lidei como sendo um ‘sim’. Porém antes eu vi seu braço se erguendo, ela estendeu o dedinho e entendi que ela queria fazer o juramento. Ela queria que eu prometesse que iria? Bom, não entendi direito o porquê, mas fiz o que ela queria.

Lentamente afastei minha mão para revelar um enorme sorriso da garota. E foi aí que eu soube que ela nunca iria gritar, eram apenas motivações para que eu a seguisse.

–Você me enganou... –sussurrei incrédulo, Chloe riu da minha cara.

–É claro que não. Você não quer sair daqui? Eu estou te ajudando. –ela pegou minha mão e dessa vez eu a acompanhei até a porta. –Agora, eu vou espiar e ver se alguém está por perto. Se...

Ela congelou, parando no meio da frase.

–O quê? –perguntei e ela chiou para que eu ficasse quieto. Silenciei, obedecendo-a.

Chloe inclinou-se e encostou o ouvido na porta, arrumando os cabelos para trás da orelha com delicadeza. Observei todos os seus movimentos, hipnotizado. Após um tempo escutando, a cor do seu rosto desapareceu, o que me fez ficar preocupado.

–Tem alguém vindo. –ela anunciou enquanto me empurrava para uma das cabines do banheiro. Alguém estava vindo? O jeito que ela mencionou a palavra me fez suspeitar de que não era um simples alguém. Ela conhecia essa pessoa, e evidentemente não era uma das suas favoritas.

–O que aconteceu? Quem está vindo? –perguntava exasperado tentando roubar dela alguma pista. Nada. Ela era mais determinada do que pensava.

–Espere aí, não saia. –Chloe fechou a porta quando me empurrou para dentro.

–E eu não vou sair mesmo.

–Shhhhhhhh. –me cortou ao mesmo tempo em que escutei a porta ser aberta com violência e ela arquejar. O que estava acontecendo? Eu queria poder estar do seu lado e saber. E poder não deixa-la sozinha. De alguma estranha forma aquilo me incomodava.

Risadas. Risadas grosseiras. Foi a primeira coisa que escutei assim que o som de fora misturou-se com o silêncio de dentro. Mas... não eram risadas conhecidas. Muito menos risadas que garotas teriam. Algo estava errado. Terrivelmente errado.

–Ora, Chloe. Por que você nunca mais me surpreende? O que veio fazer aqui dessa vez? Ah, espera. Estava chorando de novo? –sim, minhas suposições estavam certas. Eram garotos. O que eles faziam ali? E o que eles queriam dizer com aquilo? Como saberiam onde a garota estava? Porque era claro de que eles tinham aparecido com a intenção de encurrala-la. Escutei mais passos entrando até que eles se aquietaram e a porta foi fechada.

O que estava havendo? Não podia me mexer para que não causasse barulho, e não queria piorar a situação para ela. Por isso, tentei desesperadamente conseguir ver o que estava acontecendo por algum outro meio. Olhar por cima da porta? Muito arriscado. Eles poderiam me ver e era óbvio que não conseguia me agachar para olhar por baixo. Ao contrário deles que poderiam ver... meu tênis. Torci para que eles não notassem.

Consegui descobrir uma fenda entre a porta, grande o suficiente para que eu olhasse o que estava se passando pelo lado de fora. Havia três garotos. Típico. Dois “guardas” e um líder. Porém, o maior que estava na frente era extremamente parecido com Chloe, o que me fez ficar ligeiramente perturbado. Os mesmos cabelos negros, porém curtos, os olhos da mesma coloração castanha, porém cruéis e permanentemente traiçoeiras. As feições se assemelhavam, porém parecia que a do garoto era distorcida. Deturpada. Corrompida. Os dois estavam frente a frente o que me fazia pensar que... Não. Não devia ser isso, por que estava pensando sobre aquilo?

Os dois garotos estavam atrás, contra a porta para que ninguém a abrisse. Eram consideravelmente menores, as sobrancelhas unidas, nariz franzido e testas grandes demais. Tinham a mesma expressão carrancuda do líder.

–O que você quer, Ryan? Outro olho roxo? –Chloe o enfrentou, com os punhos cerrados, percebi imediatamente que a parte direita de seu rosto – a que estava virada para o outro lado – estava inchada, o olho quase não abria. Aquilo era obra dela?

Ryan soltou uma risada sem emoção, ríspida. Curvou-se para mais perto, fazendo-a recuar.

–Eu quero que você fique longe dos assuntos que não são da sua conta, Grace. –ele soou áspero. O que Chloe havia feito? Queria poder interromper tudo aquilo e fazê-la me explicar o que estava se passando por ali, mas sabia que isso não seria bom. Nem para mim, nem para ela.

Chloe não respondeu. Apenas cruzou os braços sobre o peito e esperou, pacientemente. Parecia não se intimidar com o garoto, os outros dois mantinham uma distância razoável entre eles, como se fosse explodir uma bomba nuclear a qualquer momento.

–Afinal, ninguém gosta de ficar ao lado de alguém como você. –ele continuou, tentando fazê-la ficar pior. –Não era por isso que veio até aqui? De que você chora todas as noites? Eu a escuto, Chloe. Você não pertence a esse lugar. Nunca vai pertencer. Todos tem medo do que alguém como você pode fazer. Nem mamãe te quis. –ele abriu um sorriso maldoso, Chloe empalideceu e pude percebê-la se enrijecer, tensa.

Espera. Mamãe? Eles... Então eles eram... Como eu suspeitava? Não, não podia ser. E do que ele pensava que estava falando? Eu nunca iria ter medo dela. Bom, a princípio eu tive, mas não por ela não ser daqui. Não por ela ser quem era. Era apenas um instinto. Está bem, ela me ameaçou com uma adaga, mas isso não interessava. Eu queria gritar para ele, gritar que eu gostaria de ficar ao lado dela, de que não importava de onde ela era; eu não tinha medo, de que ela não estava sozinha. Cerrei meus punhos, a raiva crescendo dentro de mim.

–Não enche, Ryan. –Chloe rugiu para ele. Seu tom de voz me assombrou, estava firme, severo, selvagem. Não a reconheci por um momento. Tive que lembrar a todo instante que ela era aquela garota dócil, bondosa. E não o que ela queria demonstrar ao Ryan ser.

Então ele fez algo que me apavorou. Ele levantou o braço lentamente, o rosto estava repleto de ódio, completamente alterado. Chloe olhou para onde eu estava; sabendo que eu assistia a tudo em silêncio. Ela balançou a cabeça avisando para não impedir e fechou os olhos. Por um momento, pensei que ele iria bater nela. E era o que faria caso ela não tivesse se desviado. Ryan pareceu confuso por um instante, e Chloe alarmada. Franzi a testa. Instintos protetores? Ryan havia descido a mão pesada com tanta brutalidade e rapidez que me surpreendeu os reflexos de Chloe serem tão bons a ponto de funcionarem até mesmo quando ela estava com os olhos fechados. O que fez crescer em mim uma leve desconfiança que logo afundei para não semear. Por que a desconfiança?

Chloe abriu os olhos e cerrou os lábios, podia ver uma chama ser acesa em seu olhar, ela suspirou fundo – relaxar? Suspender a resistência? Se controlar? Tentar não se lançar para o ataque? Não sei ao certo. – e Ryan partiu para cima dela com a ira refletindo em seus movimentos. Dessa vez, ela não tentou se desviar. Apenas ficou o encarando, inexpressiva, enquanto um forte golpe a atingia, fazendo seu rosto virar.

–Não tente, nunca mais, se meter comigo, Grace. Fique longe de nós. –ciciou atroz em seu ouvido, alto o suficiente para que eu escutasse. Chloe pareceu não se importar. Ela havia contorcido o rosto em uma careta, não via dor em sua expressão, mas sim uma fúria contida. Tudo o que queria fazer era sair daquela maldita cabine e mostrar para aquele bastardo o que ele realmente teria que receber. Mas não o fiz. Algo no olhar de Chloe me deteve, um aviso importante, uma urgência desesperada. Um pedido suplicante de não a ajudar.

Antes que ela pudesse responder, o garoto saiu com os dois companheiros o seguindo logo atrás. Ambos mandaram um último olhar para ela repleto de aversão. Murmuravam entredentes palavras que não era capaz de escutar, mas soube que Chloe conseguia. Ela sustentou o olhar, logo o desviando para a parede oposta. A porta se fechou e eu saí exasperado do cubículo onde havia sido confinado. Não pensava em mais nada a não ser em mandar aqueles caras para o Tártaro. Fazer um churrasquinho humano. Quem eles pensavam que eram?

Atravessei o banheiro e encostei a mão na maçaneta da porta, prestes a abri-la e correr para aqueles desumanos. Para dar o que eles mereciam.

–Não. –o toque quente da mão de Chloe contra meu braço me impediu. Apertei a maçaneta com força tentando conter minha explosão. –Por favor, não vá atrás deles.

–Ele... violentou-a. –rugi, sem conseguir reprimir o tom áspero de minha voz. Continuei virado para a porta, desejando que Chloe se afastasse para que eu pudesse ir atrás dos monstros.

–Fynn. –ela agarrou meu braço com mais firmeza, porém com cuidado para não me machucar. Ela deslizou sua mão até chegar aos pulsos e passou o polegar pelo dorso da minha mão, tentando me acalmar. –Isso não foi nada. Por favor.

Devagar, deixei meu braço cair e repousar ao meu lado. Afastei-me da porta, sendo puxado por ela até ficar a uma distância razoável dela. Virei-me para encara-la, a garota me observava atentamente, alerta para qualquer movimento que eu fazia. Seus olhos, porém, estavam culpados e lacrimejantes.

–Está bem, não vou. Mas não vou me controlar se... se ele fizer isso de novo com você. –balbuciei, voltando-me completamente para Chloe que me olhava radiante.

–Obrigada. –disse docilmente, abaixou a cabeça e então soltou a mão ao perceber que ainda me segurava. –Acho que eles já estão longe, vamos sair, ou não?

Ela tentou passar por mim, mas eu a contive, dando um passo para o lado e bloqueando seu caminho. Ela deu um passo para a direita e eu para a esquerda, não deixando de maneira alguma ela escapar.

–Ei, eu não vou sair daqui enquanto você não me disser o que acabou de acontecer.

Ela parou, cruzou os braços e finalmente voltou a olhar para mim, calma. Como se tivesse todo o tempo do mundo – o que provavelmente ela tinha.

–Então eu vejo que você nunca vai sair. –ela deu de ombros, indiferente. Franzi o nariz, teimoso.

–Nem você. –retruquei, imitando-a.

–Não preciso sair cedo daqui, se quer saber.

Acampamento no banheiro? Parece que iria ser assim. Não ligava mais, quer dizer, não era tão incomodante assim ficar ali. Com ela. Ela deve ter notado, pois mudou o peso da perna, aborrecida.

Apesar de ela não demonstrar, havia um rosado perceptível em sua bochecha esquerda, onde Ryan a havia estapeado. Queria que ela não tivesse que ter passado por aquilo. Queria que não fosse ela. O mais estranho era que ela parecia não perceber o machucado. Como se ele nunca houvesse acontecido.

Antes que percebesse, já levantava meu braço e passava a ponta dos dedos em seu leve inchaço que estava começando a se formar, acariciando-a com medo de ela se assustar. Chloe me encarou, espantada. Notavelmente surpresa.

–Está doendo? –pergunto baixinho, ela balança a cabeça ficando totalmente enrubescida. Levanto um leve sorriso que logo desaparece por preocupação. –O que aconteceu, Chlo? Quem eles eram?

Chloe solta um longo suspiro trêmulo, ela desvia o olhar, constrangida, abre a boca e a fecha em seguida. Estava com medo de me contar? Por quê?

–Era meu irmão. Meu irmão gêmeo. Ele só estava me advertindo. Lembrando-me de algo. Nada de importante.

Minhas suspeitas estavam certas. Eles eram parentes. Eram realmente parentes. Mas... o que ele queria dizer com tudo aquilo que havia falado? Por que a estava insultando daquele jeito? Eu e Annie brigávamos algumas vezes, mas nunca chegamos a fazer algo daquele nível. Era como se eles se odiassem. Como se escondessem algo um dos outros. O que evidentemente era o que acontecia. Sabia que tinha que refletir sobre isso mais tarde, por mais horrível que fosse.

Peguei sua mão, tentando reconfortá-la. Não tinha percebido, mas agora via que suas mãos tremiam. Ela estava abalada. De perto, podia notar as olheiras e lembrei-me do que o irmão dela havia dito. “Não era por isso que veio até aqui? De que você chora todas as noites? Eu a escuto, Chloe...”, ela chorava? Por um momento tinha pensado que ele houvera mentido, mas não. Era claro que era verdade. Seu rosto a denunciava.

E agora ela estava a ponto de desabar novamente. Sabia que ela devia estar se contendo, mas ei. Quando você tem uma irmã adolescente a flor da pele, um vovô babão e delicado e pais com um passado atormentado que os perseguia você acaba virando um especialista em descobrir quando alguém estava mal, triste ou querendo expulsar todas as angústias de si. E Chloe estava assim.

–Chloe. Olha para mim. –ordenei, ela se recusou balançando a cabeça, falei mesmo assim: - Eu ouvi o que o seu... o que Ryan disse. Você sabe que isso não é verdade.

Ela ficou quieta por um instante. Iria me responder? Não sabia ao certo. Eu sabia que o que o Ryan disse talvez não fosse ao todo mentiras. E eu entendia que ela devia saber também. Era verdade sobre Panem não aceitar de bom grado estrangeiros, mal consegue manter um bom contato com as outras nações. Ficava apenas nas sombras, tentando não arranjar problemas, mas querendo ao mesmo tempo continuar isolados de todos, como se o povo fosse o único que estivesse completamente ‘puros’. A maioria das pessoas não gostava de falar sobre o que havia lá fora. Muitas tinham medo do que havia por lá, outras tinham desprezo pelas pessoas de fora, e ainda havia aquelas que tinham intolerância a eles, odiavam-no como se fossem inimigos ou seres repugnantes, ou ainda como se tivessem alguma doença contagiosa. Era ridículo, odiável, deplorável e vergonhoso, mas era a realidade. E talvez fosse por esse motivo que quando ela disse de onde vinha, tinha perguntado se eu estava assustado. Continuei, esperando que ao menos ela estivesse me escutando.

–Você pode contar comigo. –ela finalmente levantou o olhar para me encarar com curiosidade, eu sorri e Chloe inclinou a cabeça para o lado. –Vou ficar do seu lado não importa o que acontecer. Não vou deixar mais ninguém a machucar. E isso é uma promessa.

Levantei o dedinho com esperança de ela enlaçar o dela. Já tínhamos feito três promessas, pelo que vejo. Só naquele curto período de tempo. Isso era bom, ou era ruim?

Chloe ficou um tempo parada, imóvel. Apenas me observando atentamente, como se aguardasse para quando eu fosse gritar “brincadeira!” a qualquer instante. Porém, tudo o que eu fiz foi balançar minha mão na sua frente para que ela visse que eu estava esperando. Arqueei as sobrancelhas em impaciência, oferecendo um sorriso afetuoso.

O que eu nunca iria esperar que acontecesse, foi o que se seguiu de repente.

Chloe riu docemente, um riso alto e tilintante. Bateu na minha mão para afastá-la e se lançou na minha frente, me dando um abraço apertado. Fiquei completamente perplexo que não conseguia fazer mais nada além de ficar ali, imobilizado pelo susto repentino.

–Obrigada. Isso significa muito para mim. –ela sussurrou no meu ouvido, pousando a sua cabeça em meu ombro, sorri finalmente saindo de minha paralisia e retribui o abraço, passando minhas mãos nas suas costas, tentando acalma-la. – Mas, sério. Você não precisa se preocupar comigo.

O que ela queria dizer? Como não me preocupar com ela? Eu nunca conseguiria fazer isso.

–Eu... –comecei, mas fui interrompido por um grito inconfundível no corredor.

Uma coisa que vocês devem saber: nunca duvidem do que minha irmã poderia fazer para me encontrar. E do que ela poderia fazer para me apressar. Poderia imagina-la com uma espada flamejante apontada para mim enquanto atirava bolos de fogo e gritava:

–FYNN EVERDEEN MELLARK. APAREÇA JÁ AGORA OU VOCÊ VAI SE ARREPENDER!

[...]


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Notas finais do capítulo

SIM! Eu amo a Chloe, e SIM, ela tem um misterioso passado por trás de tudo. E um grande segredo. Já escrevi a história dela, e estou super ansiosa para que chegue a parte em que ela relata... Bom, não vou dizer mais nada. ^^

Meu irmão também me fez colocar "Grace" no sobrenome dela e depois colocar em alguma parte o "Moretz" porque é o nome inteiro de uma atriz que ele gosta. Hahahaha, é.

Vou postar o próximo capítulo amanhã/hoje ou segunda dependendo de vocês. Mais uma vez me desculpem. ):

Preparadas para o próximo?