Um Dia Qualquer. escrita por Hikari


Capítulo 25
Desmaios, Sherlock Holmes e indagações. - II


Notas iniciais do capítulo

Voltei! Aqui o capítulo de vocês. Tive vários problemas e por isso não fui capaz de postar, porém, vim com dois capítulos e mais três extras. Estou orgulhosa por vocês continuarem aqui. *-* Espero que se divirtam e aproveitem, sinto muito pela demora. Obrigada a todos os pacientes!



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Pov. Colin.

–Vamos lá, vamos lá... –escutava Jason murmurar consigo mesmo, balançando a perna com ansiedade e pressa para sair correndo dali. Mesmo a alguma distância dele eu poderia notar sua inquietação. Ele não parava de se agitar na cadeira.

Olhei para o relógio no meu pulso (literalmente no pulso, era uma nova tecnologia que tinham desenvolvido pelo Distrito 3 que meu primo Adeb me mandou de presente). Faltavam dez segundos. Os números reluziam na minha pele, pulsando junto com meu batimento.

–Acalme-se, criança. –amassei uma bolinha de papel e a arremessei direto para a cabeça de Jason, ele não se virou, mas continuou pulando no mesmo lugar. Rolei os olhos.

O sinal tocou. Diversas cadeiras arrastaram-se ao mesmo tempo, alunos pularam para fora, correndo como se fossem salvar suas vidas, para a porta. Inclusive Jason. A porta ficou amontoada de pessoas se empurrando e trocando ofensas. A Sra. Guillory apanhou seu material, suspirou e abriu caminho por entre os estudantes, que lhe deram passagem e logo voltaram a lutar para sair.

Qual é. Por acaso eles não tem cérebro não? A esperteza deles deve estar de férias ainda, porque é a única razão para ainda não terem percebido que eles nunca sairiam dali daquele jeito, sendo que as mochilas e corpos atrapalhavam o caminho e os impediam de sair. Um de cada vez era o modo mais civilizado e prudente de se sair.

Mas alguém me escuta? Nãããããão. Nunca. Sou apenas um dos “figurantes” da cena. Não sirvo para muita coisa.

Arrumei meu material. Fynn ainda não havia voltado para a classe e eu me perguntava onde ele deveria ter se metido. Será que ele se prendeu nos armários de novo? Não seria surpresa encontra-lo dependurado na portinhola de metal.

Respirei fundo, começando a arrumar as coisas do meu amigo. Eu realmente não sabia como o vinha aguentando a todo esse tempo, mas pelo menos ele era arrumado. Tenho que admitir que quando voltei da viagem do Distrito 3 que fiz nas férias eu não o reconheci. O pai dele fizera um ótimo trabalho ao dar serviços a ele. Tenho certeza de que se ele não o houvesse designado esses trabalhos ele estaria nos jogos online dele. E conversando com aquela garota que ele nunca dizia quem era.

Ele passou a falar com ela a partir de um jogo. Era muito estranho como ele não prestava mais atenção em nós quando estava com aquele aparelho nas mãos. E não importava o quanto nós chamávamos por ele, ele não nos atendia nem se permitia dizer o nome da garota. Que passou a ser chamada sempre de “o ela” com um suspiro no final. Fynn não gostava quando eu e Jason imitávamos como ele ficava ao falar dela, mas era divertido, então não me importava quando tinha que arcar com as consequências.

Ajeitei as duas mochilas nos meus ombros e saí para a porta. Ela já havia se esvaziado e os últimos alunos saiam correndo para o corredor. Eles pareciam um rebanho de gnus. A sorte é que Mufasa não está aqui para ser atropelados por eles. Mas me senti como um Simba agora. (Sim, eu assisto Rei Leão. E não, não é uma antiguidade como muitos dizem. Eu tenho a versão holográfica do filme, está bem? Sim, eu também ganhei de presente do meu primo. E não, eu não choro no final... cof cof)

Cheguei até a porta e peguei o colarinho da blusa de Jason, puxando-o do tumulto dali.

–Ei! Me solta, Colin! Eu preciso sair daqui! Eu já acho que criei alguma doença tóxica escolar, com licença!?!? –resmungou, ignorei o que ele disse.

Arrumei meu óculos no alto do nariz. Começara a usar ele nas últimas semanas e eu odeio ter que ser obrigado a necessitar de um vidro para poder enxergar. A coisa boa é que eu tenho desenvolvido vários programas nele, e se algo como o caso de Fynn acontecesse comigo, eu não seria descoberto já como ele automaticamente deixa um sistema para que todos pensem que eu ainda estou acordado.

–Você sabe onde o Fynn tá? –perguntei, fingindo não perceber a raiva dele.

–E eu tenho cara de quem sabe? Sei tanto quanto você. –respondeu ironicamente, depois tentou me contornar, agarrei novamente seu colarinho e o puxei para longe da porta. –Ei, me solta, cara, já disse tudo o que você queria!

–Não! –empurrei-o para longe, apontando para a saída. –Fynn já devia ter voltado, ele nunca se atrasaria.

–Bom, tecnicamente...

–Não responda, Jason. Você sabe que ele odeia quando a irmã vem busca-lo.

Jason calou-se. Sorri, satisfeito. Peguei a bolsa de Fynn e passei para ele com certo anseio. Ele me olhou com uma cara de desentendido. Não, espera. É só a cara normal dele.

–O que você quer que eu faça com isso? –perguntou-me enraivecido. Dei de ombros como se fosse obvio.

–Você vai segurar para mim.

Virei-me e fui em direção a porta. Todos já haviam saído e os únicos três que ainda se remexiam para sair primeiro logo também desapareceram pelo corredor cheio de pessoas quando eu os chutei, empurrando-os para fora.

–O quê?! –Jason ainda estava indignado pela minha resposta. –Eu tenho cara de armário, por acaso? Não sou seu guarda costas não, cara.

Suspirei pesadamente antes de me dirigir a ele novamente, andávamos pelo corredor em busca do nosso amigo. Por que eu tinha um pressentimento ruim sobre isso?

–Porque você não fica quieto e me ajuda a encontra... –minha voz desapareceu, fiquei boquiaberto encarando minha frente enquanto via a própria violência em pessoa se aproximando. –Estamos fritos.

Jason estava prestes a reclamar novamente, por isso segurei seu maxilar e movi sua cabeça para frente, fazendo-o olhar para a direção que eu estava olhando. Imediatamente ele parou.

–Você quer dizer: Fynn está frito. Talvez você. Eu tô dando o fora daqui.

Ele soltou a mochila de Fynn no chão causando um ruído do impacto provocado, o material se revirando de onde estava guardado, ele dobrou as pernas para correr e eu estiquei a mão para contê-lo, segurando seu colarinho bem no momento em que ele tentou escapar, fazendo-o arfar e quase se asfixiar.

–Você quer me matar?! –conseguiu dizer enquanto massageava seu pescoço.

Dei de ombros e não pude responder a tempo, pois Annie já estava na minha frente me interrogando, sua testa estava franzida e cheia de aflição. Ela segurava a mão de um garoto alto, ruivo e com feições preocupadas, sempre a encarando como se ela pudesse a qualquer momento cair de cara no chão e se contorcer de dor. Do outro lado estava uma garota um pouco menor, ela estava frenética girando a cabeça de um lado para o outro, ficando na ponta dos pés e observando por entre todos os estudantes, procurando alguém desesperadamente. Estava procurando Fynn?

–Onde meu irmão foi? –Annie perguntou a nós. Sua voz não estava dura, nem repreensora, porém estava cheia de amargura, de uma maneira que me fazia pensar que ela tentava batalhar com alguma dor que a afligia.

–Nós não sabemos. Ele foi expulso da última aula. –Jason respondeu por mim, catando a mochila do chão, envergonhado.

–O quê!? Como assim ele foi expulso? –Annie entrou em pânico e deu um passo para frente, gemeu, cerrando os lábios para, provavelmente, sufocar um grito que saiu amenizado. Annie foi segurada pelo garoto ruivo antes de se desequilibrar. Ela enviou um olhar irritadiço para o pé. Com a ajuda do garoto, ela mancou para perto de Jason e colocou sua mão livre nos seus ombros. Exigindo explicações. –O que aconteceu?

Jason espantou-se, perdendo a fala. A irmã de Fynn chacoalhou-o para que ele dissesse logo e para salva-lo, eu me pronunciei.

–Ele dormiu na aula.

O rosto de Annie suavizou-se enquanto ela soltava Jason, respirando fundo para se controlar.

–Já devia ter imaginado. –nós dois apenas assentimos, sem dizer nada.

Certo, eu tinha medo dela. Como não poderia ter? Todos da escola tinham. Era como se você estivesse cutucando um leão com um galho. Poderia ser estraçalhado a qualquer momento se a perturbasse. (Ou, pelo menos, ter o crânio quebrado por uma pedra que ela poderia capturar por aí. Ou ter o coração atravessado por uma flecha/tronco/caneta/óculos [?]).

Annie afastou-se, observando o corredor a procura de uma presa.

–Onde ele pode ter se enfiado? –murmurou para si mesma.

Eu pensava a mesma coisa. Mas não tinha ideia da resposta. Poderíamos rondar a escola inteira e talvez não o achássemos. Tínhamos passado pelo armário dele e ele não estava lá preso. Tínhamos ido ao laboratório de experimentos e ele também não estava ali mexendo em nenhum radioativo, o que nos deixava sem opção por onde procurar.

A escola estava quase vazia. Poucas pessoas ainda andavam pelos corredores, algumas arrumavam os armários, outras cochichavam e a minoria ainda saia das salas de aula. Uma presença me atraiu o olhar, três caras. Ou para ser mais preciso, o que estava na frente. Ele estava com um dos olhos roxos, inchado, tinha a feição rude e arrogante, parecendo ser alguém medíocre e banal, tinha um posto parrudo, como se houvesse passado por algum tipo de educação dos antigos pacificadores, desde quando nasceu. Ele aparentava estar bem satisfeito; exatamente como Jason ficaria ao ter saciado sua fome na hora do almoço. Andava com passos apressados e pesados, como se estivesse tentando sair sem ser notado. Era impressão minha ou eu estava começando a relacionar que ele tinha alguma coisa a ver com onde Fynn estaria? Afinal, ele parecia seduzir todo tipo de encrenca, aquele nosso amigo loiro.

Olhei para os outros para ver se eles haviam prestado atenção naquele garoto. Todos pareciam dispersos em outros mundos, olhando para todos os lados menos para ele, exceto Annie. Ela estava apertando o olhar para analisar o garoto sinistro.

–Venham. –ela puxou a mão do garoto ruivo que a seguiu relutante.

Estava me encaminhando para junto a eles e vi pelo canto do olho a garota menor se aproximar de Jason.

–Você quer que eu leve? –ela apontou para a mochila de Fynn com o queixo, estendendo a mão. Torci para que ele dissesse não e fosse mais educado em carregar ele mesmo, mas é claro que minhas esperanças foram em vão.

–É claro. Toda sua. –entregou a mochila para a garota, que para minha surpresa, sorriu feliz e pegou a mochila, segurando-a com carinho e cuidado. Ok. Dei um tapa em minha própria testa para refletir minha decepção. Jason foi para o meu lado enquanto a garota foi para o lado da irmã de Fynn.

Olhei para ele expressando o quanto estava desapontado. Ele apenas não compreendeu e continuou caminhando, com a inocência de um bebê.

Percebi onde Annie estava nos levanto ao chegar ao fundo do corredor. Os banheiros, é claro. Como que não pude ir para lá? Mas ao invés de ir em direção ao banheiro masculino, ela foi ao feminino.

–Er, você não acha que seria mais provável ele estar ali? –o garoto ruivo acenou para a porta ao lado, mas Annie balançou, negando.

–Aquele garoto tinha saído daqui, e eu tenho uma leve percepção de que Fynn vai ter vindo daqui também.

Ah é, é lógico. Por que não, certo?

E antes que eu pudesse me preparar (cobrir meus ouvidos com a mão), ela berrou:

–FYNN EVERDEEN MELLARK. APAREÇA JÁ AGORA OU VOCÊ VAI SE ARREPENDER!


Pov. Annie.

Maldito pé. Se o meu irmão não aparecesse logo eu juro pela minha vida que eu vou acabar jogando-o em um mar e nunca mais voltar para pegá-lo de volta. Pelo menos ele vai ter uma linda expedição de graça por uma maravilhosa extensão de água, não é maravilhoso?

Não demorou muito para ele aparecer, no entanto. Não queria andar mais, me esforçar, só para abrir aquela maldita porta e entrar no banheiro enfurnado. A porta havia sido escancarada e ele apareceu, saindo hesitante como se eu fosse cortá-lo em pedacinhos (o que não era tão impossível assim).

Mas o que me surpreendeu, é que ele não estava sozinho. Ele tinha uma companheira agarrada no seu braço. Quem era ela? E o que os dois estavam fazendo ali no banheiro?

A garota não devia ter mais do que a idade de meu irmão. Seus cabelos eram negros e caiam com suaves cachos pelas costas, longos indo até a cintura, uma presilha prendia sua franja para o lado, não a deixando cair nos olhos, que, aliás, eram de um castanho claro, quase verde. Algo em sua postura me fez franzir a testa. Ela estava temerosa? Assustada? Receosa de alguma coisa? Com o quê, especificamente?

Will apertou minha mão com mais força e eu olhei para ele, que me enviava um sorriso para que não seja tão rígida com meu irmão. Suspirei. E meu trabalho como irmã mais velha?

Percebi os garotos, amigos do Fynn, arregalarem os olhos para a garota ao lado dele, só restava colocar um babador neles. Espiei de esguelha para ver se Will estava fazendo a mesma cara do que os dois garotos, mas ele parecia normalmente normal. Parecia mais interessado em Fynn, que parecia estar aterrorizado com o meu grito e nervoso pelo que viria a seguir.

Alex, ao meu lado, estava tensa; havia enrijecido as costas com o olhar sobrecarregado olhando para os dois. Ela carregava a mochila do meu irmão e pude ver que quase a deixou cair de seus braços ao ver a garota com as mãos segurando o braço de Fynn. De repente, seus ombros caíram, oprimida.

Espera aí. Desde quando eu já havia visto Alex assim? Eu nunca vira Alex assim. Então... Olhei de volta a Fynn e consegui captar ele enviar um sorriso para Alex, mas ela apenas desviou o olhar, de cara amarrada, fazendo meu irmão enrugar a testa e olhar desconcertado para ela, tentando entendê-la.

O que tinha acabado de acontecer aqui?

Sacudi a cabeça, deixando aqueles pensamentos de lado, por ora. Tinha que me acertar com meu irmão, de um jeito ou de outro.

–Fynn... Por que você fez isso? –ele olhou para mim, recuando um passo. A garota fez o mesmo.

–Desculpa, mana. Não queria demorar, eu só... é... –ele desviou o olhar para a garota e eles trocaram uma mensagem silenciosa. –Eu me perdi no horário, só isso. Estava cuidando de uns problemas.

–No banheiro feminino? –retruquei, aproximando-me com a ajuda de Will que nunca saia de perto de mim.

–É...

Eu atirei meus braços em volta do pescoço do meu irmão e o abracei, com força. Ele quase havia me matado do coração, por um momento pensei que aqueles garotos... Que eles haviam feito algo para ele. Algo que poderia ser um dos meus piores pesadelos.

–Você me deixou preocupada! –ralei com ele, depois abaixando a voz para que só ele pudesse ouvir, sussurrei baixinho: - O que aqueles garotos queriam?

Meu irmão não respondeu, resolvi interrogá-lo mais tarde. Apesar disso, senti a garota ao seu lado se remexer, desconfortável, ao terminar de fazer minha pergunta.

Afastei-me do meu irmão que sorriu fracamente, deixando claro que apesar de se sentir culpado, não estava nada arrependido. Depois me concentrei na garota.

–Quem é sua amiga? –perguntei, curiosa. A garota encolheu os ombros e corou, constrangida, me mandando um sorriso dócil. Antes que meu irmão pudesse responder, ela se aproximou e estendeu a mão para mim.

–Eu sou Chloe. Chloe Grace. –se apresentou, apertei sua mão calorosamente.

–Ah, que prazer. Sou Annie, irmão dessa peste aí. –falei carinhosamente, mandando um olhar irônico para meu irmão que me mostrou a língua, retribui o seu cumprimento.

Ela riu e voltou-se para perto do meu irmão, que entrelaçou sua mão com a dela para acalma-la. Chloe parecia um pouco nervosa, mas decidi não incomoda-la com muitas perguntas. Apresentei a todos a minha volta, Alex encarou-a mas não correspondeu ao sorriso que a garota lhe dava. Achei estranho. Alex geralmente era amigável com quase todo mundo, com exceção de Tess e a “tribo” dela. Então por que estava assim?

Fynn mordeu o lábio inferior, como se estivesse percebendo o que acontecia. Queria poder ter telepatia para nós nos comunicarmos silenciosamente e ele me dissesse o que estava dando em Alex.

No fim, fomos todos para frente do Colégio. Colin e Jason se despediram e rumaram pelo caminho contrário de nós. Já não havia mais ninguém perambulando por ali, então achei seguro deixar Alex, Fynn e Chloe passarem por nós para que eu me aproximasse de Will para dizer o que estava refletindo naquela hora inteira. Ainda estávamos na frente do prédio e tinha alguns banquinhos para as pessoas sentarem, as árvores estavam postas estrategicamente por perto.

–Will. –chamei, arrastando o passo para que possamos ficar para trás, ele olha para mim, prestando atenção. –Hm, será que...

Um sorriso começou a se formar no canto dos seus lábios. Por acaso ele era vidente? Ou era apenas essa cabeça oca que tinha sinal para detectar pensamentos, tipo o meu? Já sabia que ele tinha adivinhado, principalmente por ele ter parado bem na frente de um dos bancos.

–Você quer que eu a carregue?

Fiz uma careta pela dor que agora havia se acentuado. Não é minha culpa. Corei absurdamente quando ele tinha feito aquela afirmação como se fosse a coisa mais normal do mundo, e por eu não conseguir confirmar. Simplesmente não saía.

Will riu de mim e me levantou, colocando-me delicadamente no banco, em pé. Estava com minha perna direita levantada para que o pé não apoiasse no chão. Depois ele se virou de costas.

–Vamos lá, eu te levo. –encorajou-me.

Relutante, eu fui em suas costas. Ele me ajeitou até ficar acomodada e eu o abracei pelo pescoço. Ele segurou minhas pernas, tomando cuidado com a direita, tentando a deixar o mais confortável possível. Começou a passar a mão pelo meu tornozelo, o que me fez distrair-me da dor por um segundo.

–Está bem aí?

Assenti com a cabeça, dizendo que sim, e repetindo em voz alta ao perceber que ele não conseguia me ver.

–Obrigada, Will. –falei em seu ouvido. Pude ver um sorriso em seu rosto.

–Sem problemas.

Ele alcançou os outros rapidamente, Fynn me olhou risonho e eu o calei pelo olhar. Não era hora de escutar ele dizendo mais de suas ideias malucas que inventava. Revidei olhando dele para Alex e novamente dele para Chloe. Fynn corou e voltou-se para frente. Hm, eu finalmente consegui achar algo para jogar com ele. Agora não estava na pior.

Conversamos pela metade do caminho, Chloe disse de onde era e todos nós ficamos impressionados, animados e entusiasmados para saber como que é fora daqui de Panem, Fynn parecia estar com uma mistura de orgulho e felicidade, mandando um olhar significativo para ela que ficou com os olhos brilhando, rindo dele. Alex não ficou tão feliz com isso. Porém, mesmo que ela a escondesse, também estava empolgada pela novidade. Sempre quis conhecer como era lá fora, já tinha ameaçado a mãe de ir embora quando elas brigavam; o que era frequente. Chloe deve ter ficado surpresa pela nossa reação – de um jeito bom, já como alargou um sorriso de uma maneira que ela devia ter ficado com dor nos músculos do rosto.

Um pouco antes de chegarmos em casa, Chloe teve que ir. Fynn perguntou se queria que ele a acompanhasse, mas ela recusou; dizendo que podia se virar sozinha. Alex pareceu ficar cada vez mais estranha. Não falou a viagem inteira, o que me fez ficar preocupada com ela. Ela nunca ficava quieta. Nunca mesmo. Só se ela tivesse em algum dos seus jogos ou com um fone de ouvido, coisa que ela não estava.

Chloe havia dado um último abraço de despedida em Fynn, acenou a cabeça para eu e Will e depois encarou Alex, ela tentou se aproximar para abraça-la, porém Alex recuou, desviando o olhar e estendendo a mão, que Chloe apertou hesitante.

Quando ela andou para outro caminho, Fynn a seguiu com o olhar, olhando os arredores para ver se não havia nenhuma “armadilha”. O que me assustou, era como se alguém pudesse sair das sombras e sequestrar Chloe, e ele estivesse rondando o local para que isso não acontecesse.

Assim que ela desapareceu, Fynn foi até Alex que estava com a mochila dele ainda nos braços, um pouco afastada de nós. Porém quando Fynn chegou perto o suficiente ele esticou o braço e tentou segurar a mão de Alex, mas ela se desviou, assim como fez com Chloe, deu a mochila do meu irmão para o próprio e cruzou os braços, apertando o passo e deixando para trás um garoto loiro atordoado.

Pigarreei com a mão tampando a boca. Inclinei-me para Will, encaixando meu queixo em seu ombro e murmurando em seu ouvido:

–Por acaso eu deixei alguma coisa passar?

Ele sacudiu a cabeça, com a testa franzida.

–Estou pensando... Não. Esquece.

Continuei refletindo sobre o acontecimento, mas não pude pensar muito já como estava ocupada incomodada com o inchaço que meu pé estava adquirindo. Estávamos perto de casa quando ele parecia explodir do meu tênis, não sabia o que estava acontecendo, afinal, até aquele momento estava tudo bem. A dor começou a ficar insuportável. Mais insuportável do que poderia aguentar. Will havia me depositado no chão, com urgência e pânico nos olhos, ele segurou minha mão para tentar me acalmar enquanto Fynn tentou tirar meu tênis. Mas eu não aguentava nem que tocassem nele.

–Para! –praticamente gritei quando ele tentou tirar pela quinta vez. –Não vai sair.

Eu comecei a lacrimejar. Eu realmente teria que cortar o pé! Por que vida cruel?! Por quê?

–Não se preocupem, eu estou bem. –menti, fungando. Minha perna estava estendida no chão. Alex se ajoelhara e começara a examiná-lo junto ao meu irmão. Os ombros dos dois se tocaram e Alex se assustou, afastando-se um pouco. Ela enrubesceu levemente e Fynn que segurava meu pé o deixou escorregar de sua mão enquanto a olhava. Gemi e sufoquei o grito que queria sair de minha garganta, curvei-me, sentindo minha cabeça girar. –Você não tem coração. –resmunguei comigo mesma, Will apertou minha mão. –Estou bem, estou bem. –garanti, para acalmá-los. Mas que dramáticos, Céus. É só uma dorzinha e... EI! O que eles estão fazendo!?

–Não, Annie. Você não está nada bem. –ele soltou minhas mãos e eu lamentei. Queria continuar a sentir seu contato. Felizmente ele os colocou em meu rosto e me fez levantar a cabeça, um enjoo repentino tomou conta de mim. Como eu não notara antes? Podia sentir meu pé agora, e a dor lancinante lentamente me torturando. Eu tinha certeza de que eu ejetaria todo o meu lanche da manhã pela boca e rapidamente abaixei a cabeça. –Annie, você está pálida. Está sem cor!

De repente, vi-os desviar a atenção. Algo para mim inaudível fê-los interromper o meu exame particular e pude observar Alex olhar para Fynn e ele assentir para ela, que logo correu pela trilha em direção a minha casa. Franzi a testa, perturbada. Enquanto todos a seguiam com o olhar a moita atrás de mim sacudiu-se. Olhei para trás, mas não havia ninguém. Um pouco receosa, voltei a olhar para frente e tentei manter-me mais alerta; porém, fora inútil. Uma fração de segundos após Alex ter ido para longe Will afastou-se de mim – o suficiente para que eu ainda consiga segurar sua mão apesar de precisar deixar meu braço estendido – e agachou-se, pegando algo caído no chão com os olhos colados além da floresta. Fynn atirou-se para frente, com outro objeto indefinido tornando o centro de suas preocupações e curiosidade, fiquei com vontade de atirar uma pedra na cabeça dele já que parecia que aquele treco desconhecido merecia mais os cuidados dele do que a irmã praticamente sem a perna. Mas não foi o que eu fiz. Primeiro: porque eu não tinha nenhuma pedra por perto. Segundo: porque quando eu fui procurar uma pedra ao meu redor, ao rondar toda a área, alguém se esgueirou sorrateiramente ao meu lado e senti uma mão pressionar minha mandíbula, incapacitando-me de gritar. Tentei mover meus braços, ou mexer minha mão, mas eu não conseguia. Eu não os sentia mais. Percebi, tarde demais, uma ponta alongada fria e afiada penetrando minha pele, em minha nuca, direto a minha medula espinhal. Uma pressão transformou meu corpo enrijecido em membros moles e fracos, sem forças. Minha visão turvou-se e lentamente pude ter a noção do longo e frívolo metal separando-se de minha pele. A picada ardia, como se transbordasse fogo, o qual adentrava em meu sistema e queimava-me. Um enjoo encobriu-me e eu desabaria se Will não se virasse a tempo de estender a mão livre como apoio para minha cabeça não cair no solo.

Will novamente forçou que eu levantasse a cabeça, sua expressão mais atordoada do que o início. Queria poder dizer-lhe sobre o que ocorrera, mas era impossível. Eu não conseguia falar, gritar ou suplicar para que me ajudasse. Embora eu tentasse com toda a minha voracidade. Meu sangue parecia substituir-se por lavas e mal percebi quando ele pousou a palma na minha testa; antes ela transmitia um calor reconfortante, porém agora, tudo o que eu estava sentindo era um frio de trincar os dentes. Mesmo parecendo que ataram fogo dentro de mim, por fora, eu sentia uma imensa vontade de cobrir-me com o maior e mais grosso cobertor existente. Meus dentes batiam e a minha respiração saia difícil e fragmentada, as pálpebras pesadas. Vi o terror em seu rosto quando ele me abraçou e pediu para que Fynn corresse para casa e chamasse meus pais. Meu irmão, despertando do sonho, girou a cabeça com rapidez e obedeceu a ordem de imediato ao apenas bater o olho em mim. Senti alguém pegar minha perna, ajudando a dobra-la e a endireitar no colo do ruivo e com isso, pude enxergar o que meu irmão estava segurando minutos atrás. Uma flor. Uma delicada flor branca.

–Você está fervendo, Annie. E está suando, suando frio.

O quê? O que acontecia? Estava querendo dormir, descansar e, ao mesmo tempo, arrancar meu estômago fora para que tudo aquilo parasse. Minhas entranhas reviravam-se, em chamas. O mundo girava e o fogo passou a borbulhar para todo o meu organismo, confundindo meus sentidos e me fazendo parecer que estava imersa em um tanque de água ardente. As lavas cada vez me consumindo mais e mais.

O que era aquilo? Escutei a voz de minha mãe, mas não pude continuar consciente para verificar o que ela iria fazer. As últimas imagens que vi, foi meu pai atrás da agitada Katniss em modo mãe-alerta e ele pondo-se de joelhos e pegando a flor branca perto de mim, assisti ele olhar para minha mãe e guardar dentro do bolso da calça. De onde havia aparecido aquela branca flor desconhecida? Quem havia estado aqui, poucos segundos atrás? O que quer que aplicaram em mim... O que era?


E então, tudo escureceu e deixei que o fogo tomasse conta do meu corpo e de minha sanidade.


Oitavo dia, hospital.

Fiquei uma semana no hospital.

Uma. Maldita. Semana. Fazendo nada. Absolutamente nada.

Ou bem, quase isso. Não foi tão ruim assim.

Meu pé havia sido enfaixado, eles o tinham curado lentamente e tive que ficar com ele submerso em um unguento por metade do dia para que o inchaço desaparecesse e o fluxo de sangue voltasse a correr. Sim, eu quase havia perdido minha perna, e aí eu formaria um grupo com o meu pai, com a perda de um membro como o dele. Uma dor incômoda em minha nuca me afligira, mas ninguém comentara nada sobre. Quando fui passar minha mão atrás de minha cabeça, pude apalpar minha pele ardendo e uma leve protuberância na minha nuca. Não entendera o porquê nem como havia aparecido ali, já como eu nunca percebera possuir algum tipo de caroço bem atrás de mim. Perguntaram-se algo a respeito de uma planta, uma flor, branca e se eu havia percebido algo diferente, porém, eu não sabia onde eles queriam chegar. Para ser franca, eu não me lembrava de nada depois de terem me colocado no chão. E por isso, não pude responder suas perguntas desenfreadas.

A única informação que tive foi: Ao escorregar na escola eu havia torcido o pé, nada demais, mas depois quando me forcei a continuar a andar e Alex caiu em cima de mim? Eu o fraturei. Depois, disseram-me que quando eu continuei a o pressionar a que ele andasse, eu só piorei a minha situação e quase tinha acabado com a minha perna. Eles estavam admirados por eu não ter desmaiado antes, nem por ter me angustiado e gritado no primeiro momento. O problema era que, sim, eu senti a dor. Mas eu recusei-me a me deixar por vencida e fiz aquilo por pura teimosia. Como sempre. Não queria admitir minha fraqueza e fazer todos se preocuparem. O que, de novo, fez piorar; já como tive que passar por uma cirurgia que quase durou a tarde inteira.

Sinceramente? Eu mesma estava impressionada comigo mesma. Minha mãe havia brigado tanto comigo que pensei que escutaria seu sermão o dia inteiro, mas no final ela apenas começou a chorar, me abraçando como se fosse desaparecer dali. Meu pai tinha repetido diversas vezes palavras que não entendi, não entenderia por um bom tempo e nem compreenderia seu significado, mas eu só pude concordar, mesmo assim, amedrontada por ter desencadeado toda aquela confusão. Sabia que eles escondiam alguma coisa de mim. Era palpável, inegável. O jeito como agiam, um novo alarme parecia disparar em suas cabeças... Mas o que poderia ser?

Naquele instante, eu estava prestes a receber alta e finalmente sair do hospital do Distrito. Minha avó trabalhava ali, e era ela quem cuidava de mim. A situação ficava tensa quando minha mãe chegava, mas parecia que a façanha que eu tinha feito só havia melhorado a relação das duas. Então não foi tão ruim eu ter quase perdido a perna, não é?

–Ganhei. De novo. –sorri jogando a última carta do meu baralho na mesa. Entrelacei minhas mãos e endireitei a postura contra o travesseiro macio nas minhas costas, mandando um olhar vencedor para Will ao meu lado.

Lembra quando eu disse que teve o dia de visitas? É. Alex, Melanie, Cam, a irmã de Jason, Jason, Colin, Chloe haviam vindo. A irmã de Jason trouxe um vaso de flores para mim, o que depois eu descobri que na verdade não eram flores que haviam sido plantadas ali, eram morangos. É, eu acho que eu tenho que parar de falar minhas suposições, minhas palavras serviram como um carma e agora eu tenho que cuidar da minha plantações de morangos exclusiva. Aliás, Colin me trouxe um holograma de um filme nomeado ‘Monstros S.A’ (que ele havia dito que o primo o presenteou de aniversário, mas que combinava perfeitamente comigo. Por acaso aquilo foi uma indireta? Depois que vi o filme eu realmente achei que fosse uma). Eu agradeci e os amigos do meu irmão foram embora logo, ficando assim apenas Alex, Melanie, Cam e Chloe que estava sempre perto de Fynn.

Alex ainda mandava olhares esbravecidos para a garota, e eu ainda tentava entender o que poderia se passar entre as duas. E entre os dois, ela e Fynn. Quer dizer, no primeiro dia que acordei, depois de ter passado um dia inteiro completamente apagada pela cirurgia, para poder me recobrar, eu os havia visto conversando no canto do quarto, e aquele foi o momento que suspeitei haver algo que não sabia entre ambos do modo como Alex olhava para ele. E foi o único dia que Chloe não pode ir e Alex voltou ao normal. Coincidência, ou não?

Melanie estava quase virando uma beterraba naqueles tempos. Ela parecia pior do que eu em relação com a situação. E eu estava lidando bem com ela. Era como se houvesse transferido toda a minha própria preocupação para ela. Não me incomodava muito com a nova protuberância na minha nuca, não mais. Ela costumava latejar, porém eu não comentava com ninguém sobre isso. Todo dia ao me visitar, Melanie chegava-se atrás de mim e colocava a palma em minhas costas, sentindo a nova formação na minha pele, fazia uma careta, estalava a língua e se afastava com a expressão carrancuda.

Finalmente chegamos ao Cam. Ele tinha conseguido furtar da mãe uma caixa cheia de passatempos da antiguidade do tatatatatatatatatatatatatatataravô que a mãe estava levando para o bazar que vai ter na próxima semana. Na verdade, não é bem um bazar. É mais como uma confraternização dos anos de Panem após a revolução e da tão amada liberdade.

Já como comecei a dizer, vou me explicar. Afinal, estava chegando de qualquer jeito, não é?

Tem duas partes.

A primeira é apenas uma, hm, uma abertura. Algumas pessoas resolvem abrir barracas de venda para comemorar e se reencontrar com velhos amigos, e, além disso, vai haver divertimentos de amadores. As pessoas dos Distritos resolveram se reunir no 12 e formar várias formas de “alegrar” os cidadãos. Sinceramente, são mais como um... ‘parque de diversão’. É, eles realmente nos entreterem.

A segunda é a parte em que tem o festival. Nunca participei disso, no entanto meus pais sempre eram presentes. Meu pai convidava mamãe para ir com ele; como se isso não fosse previsível. Ela sempre fingia uma surpresa quando ele chegava a ela com um buquê de flores. Oh, mas que coisa linda, eu honestamente acho que eles se sentem obrigados a ir, e é por isso que vão.

Agora vocês devem estar se perguntando “Festival do quê?”. Vou responder para vocês: é um festival de “dança”. Agora estão entendendo o porquê eu odeio, certo? Outra ideia daquelas benditas criaturas. Não era tão recreativo assim, o festival tinha por objetivo aproximar mais as pessoas de Distritos diferentes. Por exemplo, na hora em que o nosso governante escolhesse, todos tem que trocar de pares, e assim redescobrir um provável amigo. Ideia maravilhosa, não é? Não.

Bem, eu disse que nunca participava. E nunca participei mesmo. Eu fugia de todas as pessoas que tentava me convidar a acompanha-los. Uma vez tive que me esconder em um espinheiro, o que não foi uma das experiências mais agradáveis que eu já tive, porém foi um sucesso porque eu pude despistar o infeliz e ainda presenciar ele convidar outra garota, o que me deu um alívio instantâneo já como ele parecia desesperado em me perseguir em todo lugar que ia. Infelizmente não participar não significava o mesmo de não ter que comparecer. E sim, essas são palavras diferentes, pelo menos para mim. Eu e Fynn éramos arrastados junto com meus pais. Enquanto eu detestava com todas as minhas forças, meu irmão até que gostava.

Eu comparecia. Mas ninguém me via. Eu obedecia minha mãe no que ela requisitava (afinal, mesmo se eu desobedecesse, eu não gostaria de ver no que iria dar), e quando chegávamos perto de todas aquelas pessoas e meus pais acabavam se distraindo com si mesmos, eu apanhava meu manto encapuzado, o vestia e desaparecia na floresta ao lado. Fiquei muito boa em me camuflar, ninguém nunca me achou desde quando decidi iniciar a fazer isso. Fico lá todo o festival, até ele terminar, e assim chego em casa primeiro, dizendo aos meus pais tudo o que eles desejam ouvir: “não arrumei encrencas”, “não me meti em confusões”, “não atrapalhei ninguém”, “eu me diverti bastante”, etc. O que não era mentira, afinal de contas.

Não sei muito bem o porquê de eles fazerem aquilo. Nunca haviam pensado em começar uma confraternização antes. Nem nada parecido. Um grupo diverso havia sugerido e a maioria das pessoas aceitou. Começou há dez anos, Tess e a família fazia parte do grupo em que havia indicado a sugestão. Sempre duvidei de suas intenções, mas até que era distrativo aquela ideia. Como um dia de folga do cotidiano.

E teríamos que passar por tudo aquilo novamente daqui uma semana. Mas já como o dia ainda não chegou, explicarei mais para frente. Não vamos nos precipitar.

Bom, nessa caixa havia um jogo de cartas. Ficamos praticamente o dia inteiro jogando depois de Cam ter explicado as regras, Alex ganhava todas. Eu só vi todos juntos um dia da semana, o dia depois do ‘incidente’. Depois, minha avó não deixou mais ninguém vir. Apenas meus pais, Fynn – e após eu ter insistido muito – Agatha, Gale e Will.

–Será que você não pode me dar uma trégua, não? –Will reclamou, cabisbaixo. Era a terceira vez que jogávamos, Cam tivera o favor de deixar aquele jogo conosco, embora tivesse que levar a caixa de volta, e eu estava começando a melhorar. Will, apesar de tudo, era horrível naquilo, o que me fazia ficar com vontade de rir.

–Calma. Um dia você vai melhorar. –confortei-o guardando as cartas no estojo apropriado que Cam havia me entregado.

Will tinha se virado e ido até a janela, ele afastou uma brecha da cortina para que pudesse observar lá fora. Estava chovendo e trovejava. Eu tinha o conhecimento de que o dia favorito de Will era quando chovia. Eu? Não gostava de confessar, mas sempre tive medo de trovões. Meu pai gostava de dizer que eram apenas descargas elétricas que não iriam fazer mal algum para mim, só que sempre imaginava um raio me atingindo e eu virando um defumado pedaço de carne indo para as vendas como “Carnannie, não perca já o seu! É limitado!”.

–Ei, não se estresse, abóbora, você vai começar a morar aqui a partir de agora, não é? Você com certeza vai se aperfeiçoar. –acrescentei fingindo estar me queixando com um tom seco, embora o que eu realmente queria era dizer em um modo totalmente contrário. Depois, mais ameno, prossegui: - Além do mais, é com o tempo que você aprende com suas próprias derrotas.

De alguma maneira, a notícia de ele vir para morar no 12 me deixou mais alegre e aliviada por vou poder ter o ruivo sempre por perto (para garantir que ele esteja se comportando, só isso).

Will voltou-se para mim e me encarou com aqueles olhos verdes se destacando no cenário monótono do quarto. Ele estreitou-os até que se tornassem apenas fendas brilhantes reluzindo uma luz esverdeada.

–Annie, vamos jogar outra partida. –desafiou-me chegando mais perto. Fiquei encarando sua expressão determinada enquanto ele se aconchegou ao meu lado da cama, colocando uma almofada para servir de apoio às cartas. Então comecei a rir. A rir tanto que pensei que meu estômago iria explodir. –O que foi?

Sequei uma lágrima que tinha se formado no canto do olho pelo meu surto, balancei a cabeça, voltando ao normal e pegando as cartas novamente. Mandei-lhe o melhor sorriso que poderia fazer, admirando secretamente sua confiança.

–Nada. –falei, distribuindo as cartas e sem querer roçando a ponta dos meus dedos nos dele, fazendo-me corar.

Semana que vem teria a primeira parte da confraternização, e meu aniversário estava chegando. Sairia do hospital amanhã, e já poderia ir a escola no próximo dia. Se estava ansiosa? Tinha um leve pressentimento de que aquela semana seria sim, muito cheia. Eu vou tentar descobrir o segredo dos meus pais, no entanto sei ser difícil e complicado eu realizar tal fato. Aqueles não confessavam nem por meio da poção Veritaserum (HP). E também sei de que, se eles resolvessem me contar (muito improvável), eu encontraria algo de que eu não poderia gostar. Melhor não falar mais nada, minhas palavras podem virar realidade como aquele carma dos morangos.


Segundo dia no hospital.

Pov. Autora.

A garota lentamente abre os olhos, piscando-os sem parar para se acostumar à iluminação. Estava... no hospital? Quando havia aparecido ali? Tudo o que se lembrava era de seu corpo sendo consumido por um fogo efervescente e de braços a envolvendo com proteção.

–Filha? –a mulher a sua frente chama, Annie resmunga qualquer coisa, incapaz de falar pela língua adormecida, parecendo pesada demais para poder ajuda-la a formar palavras coerentes. –Filha!

Ela é apertada com força pelo abraço da mãe que quase a sufoca e faz cair na inconsciência novamente.

–Eu... ainda não morri, mãe. –brincou com a voz rouca, rindo enquanto retribuía o carinho.

–Querida, você quer roubar todo o oxigênio da nossa garotinha? –Peeta aparece do outro lado, ele sorri com a felicidade estampada no rosto, os olhos azuis brilhavam como enormes safiras reluzentes. –Você quase fez sua mãe desencadear a décima guerra mundial, filhota. Sabe o quanto isso é perigoso?

Katniss bateu no braço do marido por cima da filha, enviando-lhe um olhar repreensivo. Peeta pigarreou assombrado e voltou-se para Annie, que os observava com divertimento. Os dois deram um demorado abraço.

–Quase viramos gêmeos, batatinha. –o pai declarou para a garota, que franziu a testa confusa. –Sabe, gêmeos. –deu uma batidinha na perna artificial, Annie arregalou os olhos, sentou-se depressa e descobriu a perna. Suspirou aliviada. A perna estava inteira, mas mesmo assim enrolada em vários panos que exalavam um cheio forte. Ela logo se cobriu de novo pelo vento gelado que entrou pela janela, estremeceu, sentindo uma camada uniforme das plantas medicinais que conhecia até bem demais, para seu gosto. Porém aquelas pareciam ligeiramente diferentes.

–Calma, você está bem. A sua avó estava aqui e a ajudou, meu amor. –Katniss inclinou-se e beijou a testa da filha, passando a mão pelos cabelos de Annie, reconfortando-a.

–Vovó? –perguntou, passando a mão pela garganta, incomodada.

–Aham, não se preocupe, logo você vai estar totalmente bem e podemos voltar para casa. –afastou-se a mãe, com uma calma provocada pelo alívio de saber que sua filha estava melhor. –Mas não pense que vai escapar, vamos ter uma longa conversa, mocinha.

Annie comprimiu os lábios. “Isso não é algo que se quer escutar quando acaba de acordar, mãe”, pensa sozinha, não tendo coragem o suficiente de pronuncia-las em voz alta.

A garota captou um suspiro profundo vindo do seu outro lado, virando a cabeça descobriu Gale e Agatha sentados na cadeira de visitas. Agatha parecia prestes a dar a luz, olhando sua aparência Annie ficou surpresa pelo quão ela mudou nas últimas semanas que não a tinha visto. Sua feição estava irradiante, talvez pelo fato de que em breve carregaria seu bebê, mais um novo membro da família.

–Annie! –ela correu para abraça-la. Gale atrás dela tentando a fazer diminuir os passos pelo medo de que ela e o futuro(a) filho(a) se machuquem. Annie achou graça da situação. Agatha parecia despreocupada e quando o marido a abraçou por trás fazendo-a reduzir o passo e parar, ela olhou brava para ele. –Gale! Quer parar de ser tão chato? Nossa querida filha não vai se importar se balançar um pouco!

Gale a ignorou e lentamente fez o percurso com ela, ainda com os braços em volta dela, envolvendo de forma defensiva a esposa e a filha.

–Filha?! –Annie questionou, sentando-se ereta e aceitando os braços de Agatha, que a apertaram com carinho.

–Sim, descobrimos mês passado. Isso não é maravilhoso?

Annie riu, imaginando a cena de uma mini Aimee correndo pela casa. Já como as duas são parentes, quem sabe ela não se parecesse com a amiga que conhecera no começo das férias?

–É sim. Parabéns!

Agatha se afastou, dizendo um ‘obrigada’ enquanto era empurrada delicadamente para o lado (fazendo-a ficar com uma carranca, com raiva de todo aquele ‘cuidado as grávidas’). Will apareceu, disparando para perto de Annie, segurando as mãos da garota e afagando-as brandamente, a garota sorriu e o trouxe para perto, dando um abraço apertado no rapaz, que assim que saiu do estupor, cercou-a pelos seus braços fortes.

–Esse aí passou a noite em claro por causa de você. –a voz do irmão encheu sua audição, Annie se soltou do rapaz e virou a cabeça para observar o irmão que estava com um sorriso provocador no rosto. –Você acredita que ele nem foi a escola? Quer dizer, quem falta no segundo dia de aula?

–Fynn. –Annie alargou o sorriso, Fynn estava na porta, com o uniforme escolar. Ele aproximou-se e revelou a companheira que estava ao seu lado. A irmã arqueou as sobrancelhas, olhando a amiga do irmão, Chloe, sorrir para ela de um jeito amigável.

–Chloe quis vir aqui ver como você estava. –explicou-se o garoto rapidamente, pela primeira vez, parecendo constrangido. Annie estava com vontade de rir do irmão. Os pais estudavam Chloe atentamente enquanto a garota sorria, envergonhada. Annie supôs que ela não devia conhecer tantas pessoas diariamente da maneira como se portava.

Katniss trocou um olhar com Peeta que sorriu acenando a cabeça para a esposa, a mesma gargalhou e foi cumprimentar a tímida garota.

Enquanto todos se apresentavam, Annie lembrou-se do que estava se remoendo em sua cabeça. A questão que a incomodara a manhã inteira. A própria culpada pela garota estar naquele estado.

Ela limpou a garganta, chamando a atenção de todos; ela se viu como o centro das atenções e acabou perdendo a fala. O toque de Will a despertou, fazendo-a pular da cama e grunhir de frustração por ter a perna dormente, imobilizada.

–Eu tenho uma pergunta. –disse simplesmente, não sabendo como começar, a princípio. Todos pareciam agir normalmente, como se a presença de Gale, Agatha e Will não fossem tão inesperada. Provavelmente porque eles já sabem a causa, e eu sou a única que não, pensou a garota, angustiada. Será que ela estava destinada a nunca saber o que acontecia? Porque só podia...

–Sim, filhota? Você quer saber por que nós trouxemos essa cadeira de rodas para você...? –perguntou Peeta virando-se, a garota assombrou-se, perplexa, pensando que não andaria mais, apesar de ainda terem salvado sua perna.

–Como assim!? –exclamou estarrecida.

–Peeta! –Katniss o censurou, batendo no peito do marido e cruzando os braços, olhando-o como se o desaprovasse. O loiro encolheu os ombros, constrangido.

–Desculpa, brincadeira. Brincadeira sem graça. Pode continuar.

Annie suspirou aliviada. Relaxou a postura enrijecida e voltou a cair no travesseiro que estava apoiando suas costas. Sacudiu a cabeça antes de continuar:

–O que vocês estão fazendo aqui? –olhou diretamente para as três pessoas que se dirigia.

Will olhou para Agatha quando a garota passou o olhar por ele, depois repousou em Gale que se remexeu e fitou a mulher como Will fizera, Agatha alternou o olhar entre os dois.

–Ei! Por que eu tenho que explicar?

–Você disse que queria contar a novidade, querida. –Gale se justificou, seguido por Will:

–Você disse que eu estava proibido de dizer até que vocês pudessem anunciar por conta própria.

Agatha suspirou, passando a mão pela barriga onde a filha estava.

–Nossa filha quer vir nascer aqui. –ela revelou, alegremente. A mãe de Annie suspirou, emocionada – assim como Peeta –, Gale abriu um sorriso orgulhoso, Will aproximou-se de Annie pegando a sua mão e passando o dedo sobre o torso dela, Fynn apertou a mão de Chloe que deu um leve sorriso de canto. Até Chloe sabia, e ela não? O que ela queria dizer com aquilo? Agora a criança que nem havia saído da barriga da mãe estava conversando com a própria dizendo o que queria? Eles só podiam estar falando em códigos.

–O quê? Espera, eu não estou coletando informações para o Planeta Diário. Nem sou a Lois Lane para desvendar o que você quer dizer. –replicou Annie, refletindo sua impaciência na voz. Fynn balançou a cabeça, “você é muito lerda, irmãzinha” pensava. Sua ansiedade era praticamente palpável, correndo entre eles.

Will a olhou de um modo – que até onde Fynn percebeu – intenso, o que a fez corar ligeiramente. O irmão tossiu para esconder sua risada que ameaçava escapar e notou Annie se remexer, inquieta, no seu lugar.

–Calma, Clark Kent que eu também não sou a sua Lois Lane, está bem? –ela provocou, fazendo-o dar um quase sorriso, ela desviou o olhar, nervosa. Katniss cutucou Peeta com o cotovelo, fazendo o marido arfar pelo golpe súbito; Katniss não percebeu o olhar do loiro, que logo se suavizou e o fez sorrir.

Agatha queria rir, estava nítido quando ela colocou a mão sobre a boca tentando esconder do olhar curioso de Annie.

–Ela quer dizer, lerdinha, que eles resolveram que Agatha faria o parto aqui. No Distrito. Não que o bebê falou com ela. –Will apressou-se, como se lesse seus pensamentos. O rapaz havia pronunciado o apelido com carinho e suavidade enquanto levantava o braço e passava a ponta dos dedos na maçã do rosto de Annie. A compreensão assumiu o rosto da garota, o qual também se tornou ruborizado tanto pelo apelido, quanto pelo o garoto ter sabido o que ela pensava tão rápido como se ela houvesse falado em voz alta e pelo gesto que sucedeu após ter explicado. Então enviou um olhar zangado para Will, obviamente pelo que ele a chamara – que apenas fez o garoto rir baixinho – e voltou-se para Agatha.

–E por que você quis isso?

Agatha abaixou a mão, que se enlaçou com a de Gale.

–Decidimos fazê-la nascer no mesmo lugar onde o pai foi criado. –ela levantou a cabeça, com os olhos brilhando de empolgação, sorrindo para o marido que beijou o topo de sua cabeça. –E aqui estamos. Provavelmente ficaremos por um bom tempo... desculpa não ter avisado antes, Will contou que você estava aflita para saber sobre o que viemos fazer aqui. Mas queríamos fazer uma surpresa. –ela sorriu docilmente.

Annie queria estapear a própria face. Ela fez todo aquele escândalo para depois chegar e a resposta for simples assim? Bom, aquilo era de se esperar. Suspirou, inclinando a cabeça para trás até que ela se recostasse na parede.

–Então... agora você entende o porquê de eles terem que ter te contado? –Will sussurra em seu ouvido, fazendo-a estremecer. Annie levanta repentinamente, sentando-se e se encontrando com o sorriso de sempre do ruivo.

–É sério o que meu irmão contou? Você não dormiu nem foi à escola por minha causa? –desviou o assunto para que não precisasse responder a pergunta. O rapaz desmanchou o sorriso, no qual se transformou em um muxoxo enquanto ele se empertigava e cruzava os braços sobre o peito. Seu rosto esquentou e ficou drasticamente corado.

–Talvez. –respondeu sucintamente. A garota começou a rir, impressionando todos na sala. Agradeceu a Agatha e segurou a mão de Will para emitir sua gratidão por ele também.

Fynn arrumou a postura, claramente sentindo-se cheio de si pelo trabalho bem feito.

–Missão cumprida. –falou heroicamente. Chloe ao seu lado sorriu mostrando os dentes, Fynn prendeu-se naquele sorriso deixando sua mente vagar sobre a misteriosa garota.

–Falando nisso, eu ainda tenho que cumprir a minha. –disse, focando nos olhos cinzentos do garoto loiro que tiveram efeito calmante nela, fazendo-a dizer as palavras que ela tentava evitar. –Você quer que eu conte como que é lá fora?

Desde o dia anterior, quando o havia conhecido, ela não parava de pensar nele, de refletir sobre ele. O rapaz era um dos únicos que a entenderam tão rapidamente. Ou melhor, o único que a entendeu completamente em um único instante. Apesar de não poder contar – ainda – sobre quem ela realmente era, ela gostava de conversar com ele e poder ver o seu sorriso. De estar em sua companhia. “Eu estou bem?” a garota sacudiu a cabeça, espantando os pensamentos.

Fynn esboçou o maior sorriso que já dera. Os olhos faiscavam de empolgação.

–Sim. –afirmou com a cabeça, frenético.


–Está bem, garoto do banheiro. Eu vou lhe dizer...

[...]

Pov. Annie.

Após seis dias eu recebi alta no hospital, minha avó finalmente largou do meu pé e me deixou sair sem contestar ou ficar reclamando aos sete ventos, pude retirar as plantas medicinais que eles haviam amontoado em minha perna, porém, ainda mancava, infelizmente, e tinha que conviver com o bendito do gesso por mais uma semana, já como a fratura tinha sido algo razoavelmente grave. Minha avó fizera de tudo para reduzir o máximo a quantidade do tempo que ficaria com ele e assegurara de que até a primeira parte da confraternização meu pé já estaria totalmente curado, sem nenhum traço de que algum dia eu o houvesse fraturado. Achei um alívio e havia deixado escapar um grande suspiro quando ela me dissera a novidade.

Minha nuca não me incomodou mais. Logo me acostumei com o caroço e com a palpitação constante. Era aturável, e eu não tinha do que reclamar. Minha avó examinara de todas as maneiras possíveis e não encontrou nada de anormal. Poderia ser natural. Mas descobriria, de qualquer forma, apenas depois.

Will realmente tinha faltado a maioria dos dias para ficar comigo, como meu irmão tinha me contado no primeiro dia que acordei no hospital. Depois de muito insistir (e de obriga-lo, ameaçando jogá-lo em uma clínica onde cuidavam de assuntos altamente perigosos como ácido [para desenvolver em experiências futuras]) ele cedeu e conseguiu ir aos três últimos dias quando garantiu a si mesmo que eu estava dormindo profundamente na manhã (ou seja, na realidade, eu estava fingindo para ele poder se decidir logo), o que foi uma ótima escolha já como ele acabou me ajudando nas matérias novas. Tive sorte de ter faltado apenas na primeira semana de aula. Estaria frita se houvesse sido diferente.

Para eu ser sucinta, muitas coisas tinham mudado enquanto eu estava praticamente criando mofo dentro daquela sala entediantemente branca. Cam estava mais próximo de Melanie, como se finalmente houvesse aberto os olhos e decidido agir. Todos nós sabíamos que desde o primeiro dia que o conhecemos ele tenta impressioná-la, e parece que estava dando certo. O projeto das corujas em extinção de Melanie estava rendendo sucesso; o que me surpreendeu. Já havia um número considerável no grupo, e ele crescia a cada dia que se passava. Estava feliz por ter dado tudo certo, não parava de imaginar como estaria no final do ano.

Meu irmão, apesar de vê-lo basicamente todos os dias no hospital, parecia mais maduro. É, só havia se passado uma semana, mas... Parece que a garota, Chloe, tinha uma grande influência sobre ele. Ela me visitava frequentemente, também. Sempre estava com meu irmão, embora um dia tenha ido sozinha. Quando estávamos apenas nós, eu pude conhecê-la. Não pude saber muito sobre sua vida, porém isso não é sinônimo de ficar em completa ignorância a respeito dela. Eu soube sobre o seu caráter e sua pessoa. Era uma boa menina; honesta, gentil, inteligente, caridosa e divertida. Parecia sempre medir e analisar as palavras antes de pronunciá-las. E, afinal, sempre tentava fazer me esquecer da situação deplorável que havia me metido, e tinha passado do meu teste de ‘irmã mais velha’. Não me importava mais de ela gastar a maior parte do seu tempo com meu irmão. Como ela dissera, Fynn sempre a mantinha ocupada. Quando ouvira aquilo uma súbita vontade de rir me dominara, até parecia que os dois se conheciam desde bebês.

Não precisava dizer muito a respeito dos meus pais. Eu os via vinte e quatro horas por dia. Se não era minha mãe descansando na cadeira ao meu lado à noite, o meu pai que tomava o lugar. Minha mãe aproveitou o momento para me deixar manusear o seu livro, aquele cheio de dizeres em sua caligrafia. Foi como se eu a conhecesse com outro par de olhos. Mas sem deixar de admirá-la.

O que mais havia mudado na última semana, porém, fora Alex.

Ela havia ficado estranhamente mais alerta e séria. Apavorantemente calma. Como se a qualquer momento alguém a pudesse atacar por trás. E não fazia mais nenhuma gracinha sequer nas aulas, pelo menos, na maioria. Prestava tanta atenção que se Cam tivesse aparecido com apenas uma grande frauda no meio da aula ela não notaria. Nunca a tinha visto daquele jeito, foi como se houvessem feito uma lavagem cerebral nela e implantado uma nova Alex. Ela não ria mais tão fácil como era de costume, nem conversava como antigamente conversava, minha forma de vê-la mudara e agora podia encarar uma garota de dezesseis anos e não uma de quatorze, a qual ela realmente era. Não sabia o que tinha acontecido; o que me fizera suspeitar mais ainda dela. Estava calada e não andava mais com os jogos na mão; na realidade, não a vira jogando aquilo desde quando voltara para a “vida social”, cinco dias atrás.

Acho que dá para imaginar o que eu fizera quando a vira pela primeira vez.

Flashback on.

–Alex! –eu disse, caminhando em sua direção com um sorriso atravessando meu rosto prestes a explodir de felicidade. Ela abriu um pequeno sorriso no canto da boca e lentamente se aproximou de mim, dando-me um abraço apertado. Sorri enquanto retribuía, porém, desconfiando sobre sua mansidão.

–A escola não é a mesma sem você, Annie. –murmurou no meu ouvido, afastando-se e bagunçando meus cabelos, passando a mão pelo topo de minha cabeça para me irritar. Porém, minha alegria apenas aumentou. Era bom estar de volta. Quase não podia pensar direito em meio a toda monotonia do hospital e a todas as regras de medicina que minha avó me lecionava. Era como estar na aula o dia inteiro, mas dez vezes pior.

–Creio que não, huh? –brinquei, e ela sacudiu a cabeça recuando alguns passos para que eu pudesse passar. Will, ao meu lado, estava cumprimentando Cam e lhe entregando algum caderno no qual não pude especificar de que assunto seria, nem mesmo pude distinguir sobre o que eles poderiam estar falando. Melanie estava discutindo com os dois, fazendo-me estar desperta e atenta o bastante para notar a falta de interação da parte de Alex. Uma semana atrás ela estaria: 1- Ou se intrometendo na conversa ou 2- Se intrometendo na conversa, com o fone laranja nos ouvidos, pulando e gritando com uma máquina grudada nas mãos, os dedos voando nas teclas. Porém, agora, ela estava quieta, concentrada em um livro, evitando ser notada e transparecendo estar bem mais tranquila do que normalmente estaria. O celular que mantinha sempre na mão agora estava aparecendo em um dos bolsos da calça, ela ao menos olhou para ele quando mudou o peso da perna deixando-o preso apenas por mera força da gravidade e um fio solto de tecido.

Franzi a testa. Agora que estava com sanidade o suficiente para poder pensar em paz, sem ter que me preocupar em questionar com os meus amigos a minha frente (que pareciam estar em um debate altamente importante, algo como alienígena transportando corujas terem aparecido na periferia do D6), eu pude refletir sobre o que estava de diferente nela.

–Alex? –chamei relutantemente, a garota ergueu o olhar para mim e voltou às letras novamente.

–Hm?

Empertiguei minhas costas, agora estando seriamente preocupada. Ela estava indiferente? Desde quando eu a vira assim? Qual foi a última vez que a consegui encarar com aquela anatomia? Sem toda a agitação e adrenalina praticamente escorrendo dos seus poros?

–Você está bem? –continuei, com um nó se formando em minha garganta. Apertei a mão de Will tentando achar forças para continuar, mas o olhar que ela me mandou fez meu coração se partir. Era melancólico, misturado com uma determinação. Podia sentir sua respiração pesada, como se tivesse se lembrado de algo e lutava para vencer os próprios pensamentos.

–Perfeitamente. –ela fechou o livro ruidosamente, oferecendo-me um sorriso tranquilizador. –Não se preocupe, Annie. Você é uma ótima amiga.

Uma ótima amiga? Alex nunca falaria aquilo. Pelo menos, eu nunca a tinha pensado falar aquilo para mim. Não diretamente. Talvez por meio de socos e experiências quase morte, mas... Nunca. Até aquele momento. Sua mão pousou no meu ombro e ela aplicou uma pressão de leve nele, depois deixou a mão escorregar de volta ao seu lado do corpo, como um peso morto sem os jogos que sempre o avivavam.

Tudo o que queria fazer era sacudi-la para fazê-la voltar a vida. O que será que tinha acontecido?

Flashback off.

Queria muito perguntar o que estava acontecendo, mas nunca tive a oportunidade. Ela sempre desviava o assunto quando eu o tocava e sempre ia embora mais cedo, dizendo que a irmã estava doente e precisava ajuda-la. Tinha uma leve impressão de estar me evitando... Ou será que ela evitava outra pessoa?

Tentei conversar com Fynn a respeito, tentei mesmo. Mas sempre quando eu tocava na palavra “Alex” ele suspirava com pesar e seu olhar se apagava. Se eu tivesse falando disso há apenas alguns dias atrás, seus olhos iriam brilhar e resplandecer como estrelas, então eu não entendia o motivo de agora estar completamente causando o efeito contrário. Ele não me dissera muita coisa, mas não o quis pressionar, portanto não continuei com minha investigação. Se eu tenho uma certeza, era de que ambos tinham alguma coisa e agora? Não sei mais o que dizer. Minha amiga sempre recusava quando a chamava para vir em casa, sempre dizia estar ‘atarefada’. Não acreditava realmente nisso.

Como devem ter percebido; cinco dias se passaram. Muitas coisas mudaram e posso dizer com absoluta certeza de que tinha um forte pressentimento de algo mais estar por vir. Quando cheguei à escola no primeiro dia que eu me estabilizei por completo, todos pareciam já estar adaptados à rotina de sempre. Os armários eletrônicos (feito especialmente pelo D3) se abriam com um estalo e se fechavam com a tranca retumbando pelo corredor. E eu consegui, com a ajuda de Will, compreender as matérias que havia perdido as explicações, o que me ajudou um punhado.

___We’ll Fly – Evermore. (opcional).___ (http://www.youtube.com/watch?v=eDXirqosrX4)

“Round the rivers bend, this is not the end, the end
When we're face to face, when the time arrives

There will be no chains, only open sky
And we'll fly”

–Venci. –Will descartou a última carta a minha frente, o sorriso satisfeito nítido em seu rosto, recostou-se na pilha de livros as suas costas, aqueles em que deveríamos estar estudando.

Fechei a cara, jogando as minhas cinco cartas que sobravam do baralho no chão, cruzando os braços e fazendo um bico revoltado. Nunca deveria tê-lo ensinado a maneira correta de se jogar, e as estratégias do jogo. Cam tinha resolvido presentear as cartas para Will, que ficara radiante e agora não parava de me fazer disputar com ele. Até Alex não conseguia ganhar dele agora.

–Preferia quando você não sabia jogar. –disse, zangada, fazendo-o rir enquanto inclinava-se para arrumar as cartas esparramadas a nossa frente.

Quando as pessoas dizem a você que vão a sua casa “estudar” é a mesma coisa que dizer “relaxar” ou “fugir de algum compromisso relativamente sério”. Will tinha combinado de vir para fazer os trabalhos que os professores tinham passado na semana na qual eu tinha faltado. Era para amanhã, e não havíamos quase nem tocado nos cadernos.

É, acho que minha fama de nunca fazer os trabalhos sempre vai me perseguir.

–Quer dizer que está com inveja? –Will sorriu ironicamente enquanto arrumava as cartas ordenadamente e as colocava na caixa. Eu franzi o nariz, cerrando os lábios para me conter de dizer qualquer palavra que poderia me denunciar. O ruivo ergueu os olhos para me encarar, com os seus verdes profundos brilhando jocosamente. Rolei os olhos e peguei um dos cadernos ao meu lado, abrindo-o para tentar disfarçar minha expressão. Tarde demais. –Hm, eu consegui fazer Annie Mellark ficar com inveja?!

Não levantei os olhos ou expressei qualquer coisa. Apenas procurei a página certa que dizia sobre nossa tarefa. Senti a aproximação de Will, mas não me movimentei, tentando manter minha respiração normal e os batimentos cardíacos estáveis. Ele conseguia alterar isso agora. Facilmente. Não era ótimo? (Estou sendo sarcástica, porque não, isso não é tão legal assim). Continuei sem dizer nada quando ele sentou-se a minha esquerda, ignorando-o completamente com a vã esperança de ele deixar aquilo de lado. A única coisa que ele não sabia era que eu não apenas o invejava por causa disso. E também não acho que “invejar” seja a palavra correta para nomear o que eu sentia.

–Não acho que essa é a palavra certa. –deixo escapar, com um suspiro. Encontro a página que procurava e a abro no nosso trabalho. O desânimo me dominou. Era mesmo para amanhã? Não poderia ser para mês que vem? Se bem que... eu iria deixar para o último dia de qualquer jeito. Melhor acabar com aquilo logo.

–E qual seria? –Will toma nas mãos o caderno que eu segurava, fazendo uma anotação em um canto, tento visualizar o que ele havia marcado, porém ele apenas levanta a borda do caderno e o esconde de mim, batendo a ponta do lápis na borda das folhas. Suspiro novamente.

–Podemos não falar disso agora? –levanto-me e contorno a bagunça que fizemos no chão do meu quarto. Livros jogados, mochilas abertas em um lado, papéis amassados e restos de comidas perto da cama. Ele iria me ajudar a arrumar aquilo quer ele queira, quer não.

–Não. Na verdade, estou mais interessado na sua resposta do que qualquer outra coisa. –ele coloca-se em pé, era um tom de desafio em sua voz?

–Bom, você vai ficar sem saber dela. Agora, por favor, você poderia passar o caderno? –pisco os olhos para ele, tentando tomar de suas mãos nosso trabalho, mas ele apenas o coloca no alto, fora de meu alcance, esperando.

–Hm, digamos que ele está fora de uso temporariamente. –retruca, fechando os olhos com uma forma decisiva e empinando o queixo, faço um muxoxo enquanto observo-o semicerrar o olho esquerdo para me analisar. Ele esboça um sorriso de canto, irônico.

–Como você consegue?! –replico, farta de esperar após ter se passado cinco minutos e ele não ter movido um único músculo. Ele abre os dois olhos inteiramente e pisca, confuso.

–Consigo o quê?

–Isso! –gesticulo para ele e me afasto, demonstrando minha rabugice. Cruzo os braços sobre o peito e resolvo pensar em peixes. Talvez peixes me acalmem. Pode funcionar, afinal, nada é impossível, é? Ou será que pensar em lobos é melhor? Ou em pinguins? Hm...

–Isso...? –ele me pressiona e sinto sua aproximação pela oscilação de temperatura. Era para ser um dia frio, mas pelo que parece eu já estou suando tanto que tenho que secar minhas mãos na minha camiseta.

–Por acaso você é o Percy? –pergunto subitamente e posso encarar a expressão desnorteada de Will, como se ele se sentisse deslocado em um aquário cheio de peixes-palhaços enquanto ele é uma lula.

–Percy?

–É, Percy Jackson. Porque tá difícil. –vejo-o rolar os olhos e explico: - Como você consegue me interpretar tão facilmente? Ou saber o que falar quando está comigo?

Will solta uma risada breve e volta os braços para os lados, abaixando as mãos e depositando o caderno no canto da minha cama, passando os dedos pela folha e virando o caderno para o contrário, impedindo-me de ver a sua anotação, depois coloca as mãos nos bolsos da calça, me encarando de um modo chistoso.

–E quem disse que eu consigo? –seu timbre é animado, como se houvesse vencido algum Grammy e estivesse desfrutando de seu prêmio.

Limpo a garganta, não devia ter dito aquilo.

–Annie?

–Você, oras! Você já diz tudo, pelo que você faz! –solto, não me importando mais pelas palavras que saem da minha boca mecanicamente.

Para minha surpresa o ruivo ri prazerosamente, posso ver o seu rosto iluminar, parecendo refletir toda a empolgação que deveria estar sentindo do modo como agia – exatamente do jeito como estaria uma criança ao conseguir montar o seu avião de brinquedo.

–Annie, nem mesmo Sherlock Holmes pode interpretar você. –ele por fim fala quando se acalma e volta a respirar normalmente pelo surto de risada momentânea. Depois franze a testa e olha para cima, como se ponderasse sobre algum assunto. –Ou talvez... você seja o próprio Sherlock já como, certamente, ele poderia decifrar qualquer coisa.

Primeiro penso que é alguma brincadeira. E após alguns segundos descubro que não era. Sem conseguir me controlar eu deixo escapar uma sonora gargalhada ao ver sua expressão séria ao dizer a sua frase. Então eu processei o que ele disse e exclamei:

–Holmes é um homem! – paro e vejo Will voltar a atenção para mim. –E eu sou...

–Uma mulher? –Will tenta, sem nenhum traço de sarcasmo. Eu sinto minha bochecha esquentar e engasgo com minha própria saliva, tossindo e cobrindo a boca com a palma ao dizer:

–Não exatamente, mas... Uma garota.

De esguelha consigo enxergar Will formar um sorriso discreto, então ele pigarreia e prossegue:

–Bem, você é uma forma feminina do Sherlock. –ele arqueia uma sobrancelha como se para perguntar se está bom para mim. Até que a comparação não é tão ruim. Resolvo continuar com aquele rumo da conversa, era melhor do que ter que conversar sobre... Sobre o que ele queria saber a princípio.

–Se eu sou Sherlock, então quem você é? –provoco-o, andando alguns passos até ele e parando com um livro de Biologia estendido no chão de distância. Will alarga o sorriso aceitando o desafio e curva-se na minha direção.

–Se você é o Sr. Holmes. Então eu sou Dr. Watson, John Watson.

Fico com vontade de rir nesse momento, mas sufoco a risada no meio caminho para fora, em minha garganta, e assinto tentando manter minha postura austera, se é que eu estava assim.

–Oh, elementar, meu caro Watson. –falo circunspecta, juntando as mãos nas minhas costas, agarrando o pulso esquerdo com a mão direita.

Espera um instante... Não deveria ser ao contrário? Quer dizer, a minha vista Will parece muito mais com Sherlock do que... Eu. Inclino a cabeça para o lado, estreitando os olhos e inspecionando o ruivo da cabeça aos pés. A expressão dele torna-se confusa mas eu não paro minha análise para explicar a ele o que eu estou fazendo.

–O que foi? –ele questiona, não respondo. Continuo a encará-lo sem me importar com o tempo que passo fazendo isso. –Ei, Annie?

Quando volto a olhar seu rosto, noto que suas sobrancelhas estão levantadas e ele está com um sorriso de orelha a orelha, esforçando-se para não rir, meu coração começa a bater mais forte em meu peito e tento disfarçar meu rosto queimando.

–Ãhnm, nada. É só que você deveria ser o Sherlock. –retorno a conversa. Não, que droga. Pelo menos eu o fiz se esquecer do assunto inicial. Alívio? Ainda não. Preciso ter certeza que aquilo tenha sido deletado da sua mente.

–Hm. Então vamos trocar os papéis. –Will empurra o livro que nos separa com um dos pés e reduz nossa distância. –Senhor, ou digo senhora? , Watson. –ele permanece no mesmo lugar, apesar de ter caminhado um pouco para frente, e mantêm a expressão solene e neutra. –Estou detectando um desvio?

Recuo lentamente até que fiquemos na distância anterior, a uma considerável forma de poder vê-lo sem necessitar erguer o olhar. É só falar, não é? Parece que minha tática não funcionou tão bem para ele.

–Desvio de...? –tento prolongar o tempo, mas ele meneia a cabeça e continua:

–De assunto. O que você me diria antes de tudo isso começar?

Um nó se forma na minha garganta e penso que se eu falar ou mentisse minha voz iria me denunciar. Posso sentir a pressão no meu estômago, era como se eu voltasse a ter aqueles trabalhos de apresentar na frente da sala inteira.

–Will, por que você se importa? –ainda não entendo aonde ele quer chegar. Por que aquilo deveria ser tão importante para ele? Gostava mais do Sherlock Holmes. Era bem mais seguro.

Ele tira as mãos dos bolsos e as larga ao lado do corpo, pega o caderno ao seu lado onde depositou alguns minutos atrás e aproxima-se. Ele fica a minha frente e eu tenho que inclinar levemente a cabeça para trás para poder enxergá-lo, cruzo os braços, resistindo. Porém, não consigo me conter e antes que eu perceba, eu já havia dito.

–Está bem, você me impressiona, ok? –o canto de sua boca se repuxa em um quase sorriso. –E você devia se sentir honrado por isso.

–Ah, mas eu me sinto honrado. Muito mesmo. É meio complicado impressionar certas pessoas. –ele diz, levantando as sobrancelhas. Nossa distância é curta e meus sentidos disparam. Fico paralisada no mesmo lugar enquanto ele levanta a mão e passa o polegar pelo meu queixo. Depois o abaixa e estende o caderno para mim. –É melhor começarmos.

Will recua e começa a pegar os cadernos espalhados pelo chão, arrumando-os perto da porta, escolhendo alguns para nós fazermos nossas pesquisas. Era isso? Simplesmente assim? Era apenas essa resposta que ele queria ouvir? Meu coração parece despencar como uma pedra em um declive. Por que ele fazia aquilo comigo? Era como se tivesse brincando com meus sentimentos... Sentimentos que não conseguia entender.

Apertei o caderno que estava segurando com as duas mãos e o virei para a folha onde ele havia escrito a anotação. Abaixei o olhar e foquei a sua letra bem traçada; como se o tempo estivesse retrocedendo pude sentir a pedra voltar para o abismo, ainda não completamente caída. Uma leveza e um sorriso desabrocharam de dentro de mim enquanto lia o que estava escrito.

Obrigado por ter me ajudado, Annie. Minha curinga.

Quantas vezes eu tinha que dizer a ele sobre isso? Eu não era nenhuma dessas nomeações que ele me denomina, nenhum “curinga” – muito menos a dele.

“So walk with me, into something new
The valley of peace comes into view
We all need a friend to carry us through
You found it in me, I found it in you”

–We’ll Fly // Evermore.


Pov. Alex.

Olhei para aquelas máquinas uma última vez. Na palma da minha mão, desligadas e sabendo que não encontraria mais ele ali, elas pareciam sem graça, mortas e descoloridas. Ele costumava estar ali, presente todos os dias. Costumávamos conversar através daquilo, e também formar duplas nos jogos.

Mas agora ele parecia não existir mais.

Por que eu fora começar com tudo isso, afinal? Tudo teria sido mais fácil se nada tivesse acontecido. Não teria que sentir aquela horrível sensação no meu peito. Uma sensação de ter algo frio e afiado rasgando-o, perfurando o que eu mais acreditava dar certo.

Fechei minha palma em punhos, sentindo pela última vez os contornos familiares das máquinas. Joguei meu ombro para trás, levantei a mão e arremessei para longe o que eu queria esquecer. Escutei o barulho estridente da quebra e dos estilhaços, as peças que conhecia caindo ruidosamente no chão. Suspiro e caminho até a parede, agachando-me para pegar cada peça do que antes eram meus companheiros pelo dia inteiro. A forma de me comunicar com aquele garoto.

Abri a lata do lixo ali próximo e deixei cair da minha mão aberta as peças arranhadas e desgastadas das antigas máquinas que ganhara de aniversário. Nunca mais. Fiquei presa naquele mundo surreal por muito tempo, tinha que deixar tudo para trás.

Ele. Ele começara a falar comigo há seis meses. Pensei que tinha começado a sentir algo por aquele garoto, mas deve ser coisa da minha cabeça. Ele é só o meu amigo. Um amigo, companheiro. Nada demais. Ou melhor, tinha que me lembrar de que ele era o irmão da minha melhor e mais velha amiga. Não podia deixar que a raiva que sentia por ele pudesse chegar a Annie. Ela não podia saber o que tinha acontecido. Quer dizer, nem tinha o que conter porque nada acontecera.

Depois de ver as peças desaparecendo de minha visão, caindo na profunda escuridão dos poços eu fechei a tampa e enfiei minha mão na blusa de frio que me agasalhara. O clima não estava tão gelado, mas também não era um dos dias mais quentes. Virei-me e comecei a andar na direção de minha casa. Pensando em tudo o que tinha acontecido na semana.

Primeiro: Annie havia acabado de quase perder a perna. No primeiro dia de aula. Por que eu não me surpreendia? Bom, de qualquer jeito, ela passara uma semana, ou melhor, oito dias sem dar sinal de vida, até chegar à escola. E quando ela chegou foi como se houvesse saciado a minha sede de todos os oito dias passados em seca. Não era por ela estar ao meu lado, eu tinha que voltar a pé para casa sozinha, e o irmão dela, hm, o Fynn se voluntariou para me acompanhar até lá, mesmo eu recusando. Não podia fazer muita coisa já como ele sempre me esperava no caminho, e mesmo eu não dizendo uma palavra sequer, ele conversava sem parar, tentando me fazer rir. O que tenho que admitir que algumas vezes dera certo.

O Fynn. O antigo Fynn? Não sei mais. Ele parece ter mudado, e mudada cada vez mais conforme os dias se passavam. Ele parecia mais alegre e descontraído, o que me fez ficar aliviada já como normalmente ele ficava um tanto fora da realidade a maior parte do tempo. Era como se sorrisse mais e tivesse algo novo nele. Eu nunca o havia visto assim. Pode até ser que todo o motivo por ele estar se tornando diferente não seja por minha causa, mas quem quer que o esteja deixando assim, melhor e mais confiante, eu agradecia. E sabia muito bem quem era: Chloe.

Está bem, eu admito que no momento em que a vi com ele eu quase saquei alguma coisa pontuda para enterrar nos olhos dela, mas após pensar e refletir... Bom, ainda bem que não tinha o feito. Ela acompanhava-nos a maior parte dos dias, mas muitas vezes deixava-nos sozinhos. Talvez eu tenha uma leve impressão de que ela saiba sobre o que eu sinto pelo... por ele. Ou pelo menos sentia, já como tudo não parece a mesma coisa desde o primeiro dia de aula. Como se tudo o que acontecera antigamente não se passava de um grande e imenso pesadelo, ou digamos, um amontoado de borrões indesejados por minhas lembranças. Sacudo a cabeça vigorosamente para espantar qualquer vestígio desses sentimentos desprezíveis e imprudentes, não era relevante pensar em algo assim no momento. Principalmente quando tinha tanta confusão na minha cabeça.

Fazia cinco dias desde que Annie voltara para a escola. Ela parecia estar se adaptando bem apesar de ter perdido uma tonelada de conteúdos novos e nada bem vindos. Já devia saber quem a estava ajudando, afinal, eles não saiam do lado um do outro desde quando ela chegou e voltou a se apoiar no chão, embora com certa dificuldade.

Finalmente. Inspiro o ar mórbido e familiar de casa. Não queria aproximar-me nem mais um passo. A minha casa onde morava era certamente grande, e era exatamente por isso que não chamava ninguém para vir. Era apenas uma mina de luxúria e egoísmo, praticamente como a antiga Capital trabalhava. Eu tinha aversão de tudo encontrado lá. Representando apenas aquela fonte odiável do individualismo e ignorância. É, foi bom enquanto durou – ficar fora pelo menos na manhã.

Poderia passar o dia inteiro fora daquele insano cômodo insuportável cujo advérbio “lar” não se encaixava de forma alguma. Meus pais eram separados, meu pai decidira fugir quando eu tinha oito anos e desde então ele deixara minha mãe com duas filhas pequenas para cuidar sem se importar ou dar a mínima para aquilo. Ele nunca visitava, e minha irmã, na época recém-nascida, nunca o tinha conhecido. Eu tinha prometido para mim mesma que se eu encontrasse o meu pai miserável novamente ele não veria a luz do próximo dia, e por isso ele tinha sorte de eu nunca o ter achado. No entanto, minha mãe não ligava muito para tal acontecimento, assim como não ligava para mais nada. Ela simplesmente se importava com sua fonte de riquezas irritantemente petulantes. E desnecessárias, devo acrescentar. Ela passa o dia inteiro fora, no Distrito 1. Isso pode ser um profundo alívio para mim, os dias que ela vinha eu tentava passar o máximo do meu tempo possível longe dela. Acho bom ela ficar a maior parte de sua vida fora da nossa rotina diária, e quando ela vinha, nós não parávamos de discutir.

Cerrei minhas mãos com tanta força que senti pontadas dolorosas causadas pelas minhas unhas roídas machucando a palma. Abri a porta, observando a visão obscurecida de sempre. Não vi ninguém, como sempre, a casa aspirava um ar sem vida e sem traço de energia para transmitir a supostos convidados inexistentes. Aparentemente era bonita por fora, porém, por dentro, era oca. Podia-se dizer a mesma coisa de certas pessoas, e infelizmente tinha que viver com uma presença como essa o dia inteiro.

Fui direto para o corredor onde apresentava os quartos. Ao invés de entrar no meu empoeirado e sem mobília eu adentrei o quarto da minha irmã, onde havia um armário para guardar as minhas e as coisas dela, uma cama e um colchão no chão, um único banheiro cujo, admiravelmente, era o único que usávamos apesar de haver mais três espalhados pelo andar e uma escrivaninha simples que por escolha própria decidira arrumar no nosso recanto. Minha irmã de seis anos levantou a cabeça do seu desenho e ao me ver de encontro à soleira da porta seus olhos faiscaram de empolgação e ela levantou-se de um pulo para me abraçar. Ela lançou os braços ao redor de minha cintura e enterrou o rosto em minha camiseta.

–Alex! –falou com a voz embargada, parecia estar segurando as lágrimas e obviamente era o que realmente estava fazendo. Sorri e passei a mão pelos cabelos da minha irmã, a fim de tranquiliza-la. Os seus fios despenteados eram tão negros que chegavam a ter uma coloração azulada e era incrível quando este era refletido pelo sol. –Por que você demorou tanto?

–Desculpa, pequenina, tive que passar em um lugar antes de vir pra cá. –ela afasta-se de mim e posso ver sua expressão acentuar-se, curiosa. Ela enxuga os olhos com o dorso da mão, possivelmente formulando uma pergunta para resolver saber por onde andara e por que. Não gostaria de comentar aquele assunto para ela, então desconversei: - Não se preocupe, Lyra. Eu já voltei, não é? Vou ir preparar algo para nós comermos, você está com fome?

Lyra pareceu se esquecer do meu atraso e imediatamente pulou no mesmo lugar, catando a folha e o estojo com as ferramentas de colorir, com animação. Os olhos escuros da minha irmã brilhavam tanto que pude ver a única coisa que mantinha aquele lugar com o pouco de cor e vivacidade e me permitia ainda viver ali.

–Sim! –ela foi correndo em direção à cozinha e eu a segui, com um sorriso fraco esvaindo-se aos poucos do meu rosto. Ela pode ter me desconcentrado por um tempo, porém, ela não iria me ajudar a eliminar todos os pensamentos e estranhezas que começaram a aparecer. Há anos a alteração dos distritos fica cada vez maior, as pessoas parecem mais felizes e acostumadas com a nova forma de vida de cada um, mas mesmo assim eu sentia que algo estava errado. Principalmente pelo que acontecera essa última semana, nos dias que Annie estava no hospital. Há mais ou menos dois anos que algumas pessoas começaram a desaparecer, embora tenham sufocado o caso. Minha mãe, em uma das poucas vezes que veio, estava quieta demais para o meu gosto, pouco tempo depois pude saber, não por meio dela, a razão. Essa semana, três dos companheiros do seu trabalho foram encontrados inconscientes no turno noturno e quando acordaram, eles não se lembravam de nada exceto de terem saído de casa, um mês atrás. Eu sabia que minha mãe tinha conhecimento de algo, mas ela não queria dizer. Pude escutar enquanto caminhava perto da estação de trem sobre eles terem vislumbres constantes de uma imagem e de uma cor específica. A cor roxa tingindo uma serpente, sibilando a eles palavras de alerta. Palavras para eles manterem-se longe do assunto não pertencente aos próprios. Além de um permanente olho cruel e castanho vigilante. Não pude ainda contar a Annie sobre o ocorrido, mas pressinto que tenho que me apressar logo para dizer a ela. Na verdade, mal sei como posso começar. Cada vez que fico ao seu lado, sinto-me mal por ainda não tê-la informado, mas como eu posso falar? E se eles me acharem louca?

Não sei o porquê. Mas Tess de repente houvera ficado um tanto suspeita a mim quando desapareceu por três dias; naqueles mesmos dias em que encontraram as pessoas desacordadas perto do trilho do trem.

***

Dormi ao lado da minha irmã, naquela noite. Ela não me deixara ir a minha própria cama a pouca distância da dela por causa de seus pesadelos e por isso eu tive que ficar cantarolando algo até ela ir dormir, como forma de dizer que estava tudo bem. Ela tinha me abraçado e agora eu não podia me desvencilhar, muito menos queria. A presença de Lyra ao meu lado me trazia conforto e calma. Eu pude pensar melhor ao notar ela ter finalmente se assentado e descansado.

Passaram-se quase duas semanas de aulas e de toda aquela confusão desconcertante. Eu me autorizei pensar sobre o assunto que tanto evitava. Fynn. Talvez seja o melhor afastar-me dele um pouco, ou quero dizer, esquecer os acontecimentos desse fim de ano e todo o resto. Ao eliminar os meus aparelhos eletrônicos eu tinha feito aquela decisão. Eu o observei em todos esses dias para achar uma brecha, um vestígio, de o que eu pensara estar acontecendo desde aquela época fosse verdade, realidade. Poderia até ser, mas não era mais. Bom... um dia teria que acabar, porém, como poderia ter acabado se nem havia sido iniciado? De qualquer jeito, não era certo daquela maneira como as coisas estavam indo. Apesar de um de seus amigos me disser o quanto ele falava de “alguém” com um tom de saudade, eles também me comunicaram de que esse “alguém” está aos poucos sumindo, cada vez menos comentado. Não que ele a tinha esquecido por completo. Mas era como se tivesse ficado apenas na lembrança, uma lembrança boa. E talvez seja melhor assim. É, é melhor assim. Ele não entrara mais nos Jogos, e raramente ficava em casa direto, já como começara a levar a Chloe em diversos lugares, muito provável a fim de distraí-la. Todos nós sabemos sobre o quanto ela não é muito bem vinda a casa dela, por causa do irmão, apesar de sua mãe tentar acomodá-la do melhor modo possível. Era ótimo saber que Fynn estava fazendo um trabalho satisfatório, afinal, além de ajudá-la a melhorar vagarosamente, era um efeito mútuo. Ele não ficava mais sozinho e muito menos ela.

Sem notar eu me flagrei sorrindo na escuridão do quarto, apoiei minha cabeça no topo da de Lyra. Minha irmãzinha estava adormecida quieta e relaxada, ocasionalmente soltava suspiros ou aconchegava-se melhor perto de mim. A respiração leve e constante estava começando a me fazer fechar os olhos, quase completamente apagada. Não tinha percebido quão exausta estava até aquele momento. Ela recitava algum tipo de palavra algumas vezes e depois de muito tempo tentando descobrir que palavra era, posso finalmente escutá-la murmurar:

–Totoro¹... Totoro¹!

Rio baixinho para não acordá-la. Aquilo realmente agiu como um remédio necessário para mim. Uma energia estimulante passou pelo meu corpo e mente. Totoro¹... ela comentava muitas vezes sobre esse tal de Totoro¹ comigo. Continuamente ela dizia sobre conseguir vê-lo nas florestas, e até um dia me disse que tinha o ajudado a fazer uma plantação crescer. Afinal, segundo ela, Totoro¹ era um guardião da floresta, no qual tinha alguns dons espetaculares. Eu acho divertido e engraçado os desenhos que ela fazia dele, alguns muito fofos também. Ela havia pregado alguns fora da casa, atrás onde dava para a floresta.

Lyra remexeu-se por um segundo e abraçou-me com mais força, enterrando sua cabeça em meus braços. Puxei o cobertor para cima, para aquecê-la. Algumas noites são tão frias que posso sentir uma camada espessa do ar gelado penetrar-me até os ossos e congelar minha respiração. Essa era uma dessas noites, uma das noites que pela janela eu conseguia visualizar um número esbaforido de estrelas.

A noite perfeita que me ajudava a ponderar sobre o que faria a seguir. Sabe aquela sensação de quando um peso desaparece de seus ombros? Como se você houvesse carregando um fardo o tempo todo e ao menos tinha percebido? Era exatamente assim como me sentia. Parecia estar tudo indo bem, nos trilhos assim como era para ser. Não tinha mais vontade de arrancar os olhos de Chloe com minha própria mão. Afinal, ela havia virado uma amiga para mim, e quase a podia considerar como um novo parente também. Já a vi algumas vezes perambulando pelas árvores, sozinha, mas não tive coragem de ir até ela perguntar o que fazia por aquelas bandas. Logo, em outros tempos, a via andando com Fynn por lá, então aquilo me fazia relaxar e não se preocupar mais. Annie estava se recuperando tão rapidamente que poderia até assustar os médicos, mas não era para tanto; minha amiga empenhava-se tanto para fazer a perna curar-se logo que os esforços sucedidos eram mais como um triunfo para os demais, inclusive eu. Assim eu poderia certificar-me de mostra-la minha nova novidade sem me afligir de poder piorar seu pequeno probleminha. Minha mãe não iria demorar a voltar a nos ver e Lyra estava saudável e alegre, como deveria ser.

O único problema no momento são minhas suspeitas. Minhas suspeitas cada vez mais furiosas para me fazer acreditar nelas, dizendo o quão verdadeiras são. As suspeitas de me preparar, de desconfiar sobre algo que está por vir.

E o caso dos desaparecimentos? Esse era o pior de todos. O motivo cujo qual não me deixava descansar com tranquilidade e paz que tanto precisava. Quando pensava sobre eles, sobre os corpos encontrados após um mês desaparecidos, com as pessoas sem memórias ou lembranças do que aconteceram senão... Hm, eu não conseguia continuar. E por que alguém os devolveria depois sem memórias se apenas fazê-los desaparecer poderia poupá-los de todo um trabalho e um possível risco em serem descobertos? Era algum tipo de mensagem? Ninguém, porém, havia captado qual era – se realmente fosse alguma – e a maioria das pessoas mal tinha conhecimento desse incidente. Era como se o trem se desviasse do caminho e colidisse com os trilhos violentamente, brutalmente sendo mandado para fora, para um caminho sem linha, reta ou direção. Um caminho desconhecido e sem sinal do fim do túnel por onde passaríamos em uma escuridão tenebrosa aparentemente sem fim. Interminável, maçante e sem luz ou guia.

Suspirei, profundamente e lentamente. Era amanhã. Amanhã eu contaria para Annie sobre os acontecimentos. Amanhã explicaria. Meu coração acelerado pela preocupação e ansiedade se acalmou, e a minha mente, frenética e desenfreadamente cheias de suposições, se aquietou. Finalmente pude descansar. Arrumei minha irmã para perto de mim, protetora, e beijei os seus cabelos pensando no que seria dela no futuro, se o que eu estava pensando fosse acontecer de verdade.

***

Acordei cedo naquele dia. Com o mesmo pensamento da noite anterior: era hoje. Hoje iria contar. Não poderia mais relutar em adiar as informações. Era preciso, era evidente que era preciso.

Chamei minha irmã com certa impaciência, ela lentamente abriu os olhos, piscando-os desesperadamente pela sensibilidade da luz da manhã. Ela bocejou e se espreguiçou quase me mandando para o chão. Pude sentar-me e olhar para o relógio, era cedo demais ainda. Arrumei meus materiais, fui tomar banho e preparar o café da manhã. Lyra ainda cambaleava com sono e comeu o que fiz a ela com a cabeça apoiada na mesa, os olhos fechando-se e com um triz de adormecer em cima do alimento.

Ao terminar de me alimentar, ajudei minha irmã a voltar para o quarto, onde ela prometeu para mim de que continuaria acordada e faria seus trabalhos de casa como combináramos. Não confiei muito, porém deixei passar. Dei um último beijo de despedida em sua testa e peguei minha mochila para sair em direção à escola, o que eu vi por último ao sair, de esguelha, foi Lyra soterrando-se novamente debaixo das cobertas e desabando na cama. É claro que ficaria acordada... Claro, com certeza.

Fui caminhando a passos lentos para o prédio tão conhecido. Não estava tão empolgada, mas sentia-se bem e mais leve depois da reflexão de ontem à noite, quando eu finalmente fiz minha aliança com meus pensamentos. Obriguei-me a deixar as mãos cruzadas para não começar a roer as unhas, um mau hábito criado no começo do ano. Fiz uma lista mental dos dias desde que tudo começara a ir a um rumo para fora dos trilhos: uma semana e cinco dias. Quase completando duas semanas. Hoje era sexta-feira, a maravilhosa sexta-feira. Amanhã poderei acordar mais tarde, tentar descansar meus nervos com insônia. Ou pelo menos, era o que eu queria. Provavelmente terei que fazer mais uma pilha de trabalhos para segunda-feira, como estava virando costume pelos professores.

Entrei no colégio e adentrei os corredores, para meu armário. Não vi Annie, Melanie ou Cam no caminho. Olhei para o relógio e percebi ser cedo demais para terem chegado. Estranho. Normalmente deveria ser o contrário, não é? Dei de ombros por nenhuma razão aparente e pressionei o dedo no cubículo para reconhecer minhas digitais ao chegar a frente ao meu armário. Escutei o bipe familiar e a porta abrir-se, escorreguei a mochila dos ombros e ajeitei meu material específico para o dia. Encontrei embaixo de vários cadernos e minhas três Máquinas de Choque – não me pergunte o porquê eu tenho isso dentro do meu armário escolar – lá no canto, praticamente espremido diante de todas as tranqueiras, uma foto. Franzi a testa e retirei-a delicadamente. Sorri diante do que estava segurando.

A foto havia sido tirada ano passado, e devo tê-la esquecido por aqui. Cam, Melanie e Annie estão todos fazendo careta atrás de mim enquanto eu, na frente deles e a menor de todos, estava com um suco em uma das mãos, mostrando a língua pintada de azul para a câmera. Soltei uma gargalhada ao lembrar-me daquele dia. Faltavam apenas uma semana para as férias e era o último dia das provas finais. Annie havia competido com Melanie a pagar o suco para mim em uma aposta.

Guardo a foto no meu bolso para não me esquecer de levar para a casa e fecho o armário, arrumando a mochila em minhas costas. Faço uma rápida verificação no corredor e não vejo ninguém, quem sabe se eu esperasse lá fora alguém me visse?

Começo a andar de cabeça baixa pelo corredor, em direção a saída. Não tinha muito tumulto por ali, o que era um alívio exultante. A última coisa que vocês poderiam querer era estar sendo empurrado e jogado para os lados por adolescentes desesperados e afobados cheios de pressa e irritação.

Tentei me distrair para não me pegar pensando na semana novamente. Fui para a provável conversa certeira que teria dali alguns minutos com Annie. Como iniciaria? Vamos ver as alternativas... Eu posso começar deliberadamente e ir direto ao ponto sobre os desaparecimentos ou entrar no assunto em questão aos poucos, vagarosamente, para não assustá-la ou apavorá-la de alguma forma extremamente desconfortável como “alguém está tentando tramar algo suspeito que possa envolver mortes e perdas de memórias”. Além do mais, não fora a primeira das muitas notícias que recebi – ou ouvi por segundos – de desaparecimentos, ou até em situações extremas, mortes súbitas e sem resolução, um mistério intenso e sem nenhuma justificação mantida em sigilo por muitos; consegui absorver detalhes ao ir, ao acaso, perseguir minha mãe ao seu trabalho (quando estava desconfiando de algo banal estar acontecendo pelo seu silêncio nunca antes ocorrido, e, de fato, eu estava certa). Como poderia falar isso a ela? Se mal eu consigo compreender ou aceitar essa informação?

Estava tão absorta em meus pensamentos que não percebi um bloqueio no caminho. Uma pessoa obstruía minha passagem e eu trombei com ela – no caso, um garoto como pude notar em suas roupas desgarradas e no seu modo de permanecer em pé – colidindo de encontro a seu peito, assustando-me por um segundo até conseguir entender o que acontecia. Não levantei a cabeça, contudo. Apenas recuei, embaraçada, e falei quase baixo demais para ele escutar:

–Sinto muito. –e uma voz juntou-se a minha, formando a única palavra em um coro uníssono. Sua voz grave e suave havia dito a mesma palavra no mesmo instante que eu. Escutei sua risada breve que logo desapareceu e eu me permiti um sorriso fugaz, dei um passo ao lado e segui meu percurso, com a cabeça agora em outro curso. Não tinha ninguém no corredor, dando livre passagem para qualquer um cujo destino fosse o outro lado. Então por que raios aquele garoto tinha parado bem na minha frente se poderia simplesmente passar pelo outro lado? Bom, não tem muita importância. Talvez ele estivesse distraído assim como eu.

Antes de poder terminar de dar meu passo para fora da escola, eu sou segurada por trás e quase desabo no chão. Consigo me equilibrar a tempo e giro nos calcanhares, dando meia volta para encarar o infeliz. Sou surpreendida ao perceber que são as mesmas roupas e o mesmo jeito daquele ser de anteriormente. Ele estava de lado, impedindo-me de encarar-lhe as suas feições para tentar detectar algum tipo de piada por trás de tudo. Quem sabe não seja apenas mais uma daquelas brincadeiras de mau gosto da Tess? Seria uma opção razoável considerando tudo o mais.

Porém, parece que não era aquilo. Descartei esse pensamento quase que imediatamente de minha cabeça ao que prossegue.

–Na verdade, não. Eu não sinto muito. -escuto-o vagamente, eu arqueio as sobrancelhas pensando se aquilo era realmente relevante e refletindo o porquê de sua troca de frase tão instantânea e repentina. Ele vira-se e eu ergo o olhar no qual havia cravado ao lado sem perceber, cética. Pela primeira vez sou capaz de vê-lo e fico embasbacada por um segundo. Eu esqueço como faz para respirar, como era pronunciar uma palavra e fiquei por um tempo ali, imóvel, apenas encarando-o. Seus cabelos escuros e curtos eram arrumados desajeitadamente, os olhos azuis escuros pareciam me perfurar e estudar minunciosamente, eles eram sábios e perspicazes demonstrado de um jeito peculiar, como se soubesse o que havia dentro de mim. Sua postura era bem equilibrada, porém agora, ela estava tensa e rígida, como se passasse por algum teste extremamente importante e não pudesse gaguejar. Depois de ter visto minha expressão desconcertada ele sorri para mim, hesitante e lentamente, com receio, e um sentimento que reconheci revirou-se na ponta do meu estômago ao fazê-lo. Ele aparenta ser gentil pela sua forma de me olhar e carinhoso pelo modo como sorri, ponderado pelas falas e compreensivo pela expressão tranquila, mas agora, transparecendo certo temor que não pude interpretar. E ao dar um meio-sorriso de canto eu posso ver um leve vislumbre de uma existente covinha nas bochechas. Não, não poderia estar acontecendo de novo. Não depois de tudo pelo que aconteceu.

Após ter conseguido achar minha consciência novamente, tudo parece voltar ao normal e meus pés tocam novamente no chão enquanto eu adquiro a feição de sempre. Ou pelo menos eu espero assim. Saio do torpor momentâneo reconstituindo-me da melhor maneira possível.

–Hm, bom pra você... –libero meu braço que ainda estava com sua mão e o arrumo ao lado do meu corpo, ansiosa para sair dali. Não queria me meter com aqueles sentimentos de novo, e tinha um pressentimento nada bom do que poderia vir a seguir. –Com licença. –assim tento seguir para fora, porém sou impedida pelo próprio que me interrompe a meio passo, bloqueando minha passagem pela segunda vez naquele dia. E eu ainda mal o conhecia.

Ele pigarreia meio envergonhado e eu franzo a testa, esperando. Ele parece mais sério e confiante, determinado a dizer algo. Curiosa, decidi ficar. Ou talvez, não tivesse escolha já como meus membros não me obedeciam mais. Mas ainda conseguia falar.

–Ãhn, mais alguma coisa...? –pergunto relutante, encarando-o por um breve instante até desviar meus olhos por constrangimento ao encontrar os seus retribuindo o olhar. Ele não diz nada, apenas fica a minha frente, boquiaberto, vacilando em uma frase aparentemente constituída por diversos "hm" e "ér..." levando-me a pensar sobre o porquê de sua confusão mental para formar uma frase completa. A boca se abria e se fechava constantemente, com fracassos em tentativas de mencionar algum som. Ou ele havia se esquecido do que queria dizer ou ele tinha acabado de se lembrar onde deixara o seu pedaço de pizza que ele provavelmente comprou e supostamente era para ter perdido em algum cômodo de sua casa.


–Eu... –ele respira fundo, relaxando a postura e finalmente tirando todo aquele comportamento atemorizado e receoso. –Você pode me explicar História?

Fito-o desnorteada. Ele quer que eu o explique História? Assim? De repente, depois de tanto esperar uma pergunta completamente diferente, ele me pergunta sobre ensiná-lo História? Mas... Por quê? Ou melhor, por que ele pediria para eu explicar a ele essa matéria? Afinal, eu não o via na sala, então provavelmente ele deveria ser de outra turma. Porém, olhando por outro lado, ele não parecia com os estudantes das outras salas do segundo ano, então consequentemente ele não deveria ser da mesma série que eu sou. Geralmente sou boa em reconhecer rostos. Então se ele não for da minha série, ele pode ser da turma avançada ou teria acabado de chegar ao colégio, mas ele não parece ser um novato, muito menos o reconheci entre os alunos novos que entraram, sendo alvos das mais diversas formas de ‘saudações do colégio’ dos veteranos. O que me leva a pensar que ele... é um veterano. Um ano a mais que eu. No terceiro ano. É, pode até ser. Não conheço muitas pessoas acima, mesmo quando nós tentamos evita-los para não causar problemas ou confusões, mas agora eu tinha certeza disso.

E se minhas suposições estivessem corretas, por que ele veio me perguntar para explicar História a ele de um estudo avançado no qual ainda não estudei?

Balanço a cabeça para voltar a realidade e me deparo com o seu olhar ansioso e paciente. Ele me observa com uma esperança de concordar, como uma criança ao perguntar para a mãe se ele pode ir brincar com os amigos. Tendo que responder alguma coisa, a única frase que me vem em mente é:

–Eu nem sei quem você é. Me desculpe.

Dou um passo para frente e ele fica agitado. Paro no mesmo instante ao notar o desespero e preocupação nele. Fico ainda mais confusa até que ele sacode a cabeça e desajeitadamente estende a mão para mim. Ele muda o peso da perna e quase escorrega por um degrau da escada de pedra para descer até a frente do colégio.

–Sim, sim. Eu sabia que faltava alguma coisa... –aperto sua mão e o puxo para longe dos degraus com receio de ele acabar se desequilibrando e caindo, claro que seria uma cena engraçada, mas atrair atenção não era algo de necessidade no momento. Solto sua mão e o garoto fica me encarando pelo que parece um bom tempo, ele leva a mão até a nuca, inquieto, depois muda o peso da perna novamente, perambula no mesmo lugar, quase tropeça, volta as mãos até o lado do corpo e após isso parece perceber que não era uma boa opção e a volta até a nuca, coçando-a confuso. Sinto vontade de rir com sua movimentação frenética. Seu desespero aparente pareceu suavizar-se e desaparecer ao ver-me soltar um sorriso contido e ele suspira como se descarregasse um enorme peso de si. Então ele abaixa os braços pela última vez e dá um pequeno sorriso para mim, deixando à mostra a covinha nas bochechas. –Eu sou Sean. Espero que me perdoe pela minha inconveniência, devia ter me apresentado antes.

–Não se preocupe com isso, Sean. –inclino a cabeça para o lado, testando o nome em minha mente, repetindo-o até se dar conta de parecer natural já a mim. Deixo uma gargalhada escapar e sorriu satisfeita ao vê-lo concentrado em mim. –Eu sou Alex.

–Eu se- -ele para no meio da frase e contorna – Sim! Alex. Alex...

Sorrio amigavelmente e receosa. Não sei direito quem é aquele garoto e com toda a certeza eu não precisava de mais alguém para lidar com. Mas ele não parecia querer más intenções. Ele parecia ingênuo e incerto, apenas. Coerentemente eu pensei que não teria problemas ao ajudá-lo em seu trabalho já como agora ele “se apresentou devidamente” e blábláblá, bom, existia ainda o ‘mas’... Como raios ele me descobriu? E por que eu? Quer dizer, eu nunca o tinha visto na minha vida inteira. Talvez, bem provavelmente, fosse porque eu não prestava atenção às coisas – e muito menos as pessoas – ao meu redor. Do mesmo jeito, era coincidência demais. Ou não?

Ao me dar conta que ele não falaria mais nada, eu resolvo pronunciar minha palavra enquanto olhava distraidamente por cima dos seus ombros a fim de notar algum ser conhecido. Para meu alívio, ninguém que conhecia parecia estar a minha vista.

–Então... Você é de que ano, Sean? –quer saber? Eu até que gostei do nome, acho que vou usá-lo frequentemente a partir de agora.

Ele hesita, não responde por um momento. Pode ser que tem algo entalado na garganta, ou que ficou sem fala. Porém, posso considerar apenas uma falta de atenção, ou temor da minha reação ao me responder, o que eu realmente achava ser a verdadeira. Sean me analisa cautelosamente até que responde:

–Do terceiro.

Hm, como esperado. Não havia dito? Ele era um ano a mais que eu, um veterano. E por isso, aquelas perguntas se intensificam e fico mais curiosa sobre seu interesse em mim. Ele poderia pedir ajuda para, não sei, qualquer um da sua sala. E não para alguém que acabou de trombar alguns minutos atrás.

–Do terceiro... –repito, arqueando as sobrancelhas. Ele deve ter entendido ao ponto em que eu quis chegar, pois logo se explica:

–Eu sei que pode ser meio estranho eu estar pedindo a você me explicar História é só que... –ele para de falar, engole em seco e continua: - O professor indicou a você. É isso.

Ele parece satisfeito com a resposta que deu, ainda estou apreensiva, mas eu deixo essa passar. Realmente, no segundo dia de aula, o professor havia me dado um livro dos estudos avançados e eu o estudo em casa. Isso não era injusto, era apenas compreensível. O professor estava me dando uma chance em alcançar meus objetivos, e agora, vem isso. Será que é algum tipo de consequência por querer me precipitar e ir além do que estudo na sala de aula? Acho que preciso parar de pensar desse jeito. Tenho que ter esse pensamento: “Foi só uma coincidência”. “Uma estranha e muitas vezes improvável coincidência”.

–Certo. –assinto com a cabeça, tentando ganhar tempo. Observo-o melhor para tentar detectar algum tipo de mentira que ele poderia estar inventando. E não encontro nenhuma. Ele estava completamente normal, sem nenhum traço de alguma invenção. Era simplesmente o jeito que ele era. Sean começou a bater o pé no chão e abre um pequenino sorriso quase invisível e percebo que devo ter ficado encarando-o mais do que o previsto, logo desvio o olhar e vejo o horário. Meus olhos quase saltam das órbitas, faltam apenas três minutos para o sinal bater.

–E então...? –ele me pressiona. Sean também lança olhares de esguelha para o tempo, rapidamente se esgotando, e a ansiedade sobressalta em seu olhar.

Minha vez de hesitar. Tinha muitos problemas para ter agora essa pessoa que mal conhecia pedindo-me para explicar uma matéria a ela. No entanto, essa poderia ser minha brecha para escapar das minhas preocupações. Pode até ser que eu me esqueça delas por um instante. Eu tinha que acreditar nisso.

–Está bem. –solto um suspiro e posso notar a felicidade estampada no rosto de meu mais novo conhecido.

–Obrigado. –ele diz contendo uma espécie de tsunami que o faz cambalear um pouco. –Muito obrigado. Hoje, certo?

Ele já está se afastando e fico espantada pela sua disposição. Mas hoje? Hoje certamente não seria um dia útil. Não, definitivamente. Tão cedo assim? Mal tínhamos combinado direito sobre esse estudo precariamente bizarro e mal planejado. Pelo menos para mim.

–Não! O quê? –tento dizer, ou gritar, mas ele está longe e não escuta. Ou finge não escutar porque deixa escapar um sorriso suspeito, vira-se e começa a caminhar para a outra direção, com a maior calma possível. Ainda estou observando-o, atordoada quando escuto o sinal bater e Melanie ao meu lado.

–Alex! Onde você estava? Nós te procuramos pela escola inteira. –ela praticamente berra nos meus ouvidos. Ela está nervosa. Não, furiosa. Droga, que maravilha. Vou ter que escutar seu sermão o dia inteiro agora.

–Aqui. –arrumo a mochila nos meus ombros e começo a andar. Melanie me segue com o interminável sermão de sempre. Posso olhar pelo canto do olho Cam rindo e olhando Melanie de uma forma que conheço muito bem, mas que agora já não é tão familiar para mim. Sacudo a cabeça para tirar aqueles pensamentos da minha cabeça, não posso voltar nisso. Annie chega correndo para perto de nós quando estamos perto da porta da sala de aula, ela estava ofegante e ria divertida com Will, que estava dobrado sobre si mesmo apoiando-se nos joelhos, sem fôlego e gargalhando juntamente com a minha amiga. Apostando corrida de novo? Se ela quebrasse a perna pela segunda vez eu faria questão de rir da sua cara e dizer um grande e merecido ‘bem feito’ – não, não, está bem, esquece. E espera, onde estava aquela “pedra branca” em volta da sua perna? Ela tinha tirado? Não era para ela ter ficado uma semana com aquele treco? Sua avó deve ter arrumado um jeito, é claro.

–Perdemos o horário. –justificou Annie para nós, que estávamos fitando-os sem entender, Melanie tinha parado de ralar comigo e estava dando um meio sorriso, cutucando Cam com o cotovelo, ele tinha a mesma expressão sarcástica no rosto.

–Oh, percebemos, não precisam desculpar-se, o casal de pombinhos está perdoado.

Olho para Cam com uma sobrancelha levantada. Ele está encrencado. Annie apruma-se parando de rir, balança a cabeça e passa por nós, entrando na sala sem dizer uma palavra. Will solta um longo suspiro observando-a, ele bate de leve no ombro de Cam em forma de cumprimento e meneia a cabeça para eu e Melanie antes de seguir o furacão pela sala.

–Parabéns, Cam. Entrou para a lista negra de Annie agora. –falo depois de vê-los se arrumando em seus lugares, rio dele que está com a cara fechada.

–O quê? Isso tem que se acelerar, não posso ficar parado assistindo aos dois lerdos ‘apaixonados’ sem fazer nada, posso?

–Na verdade, você deve. –Melanie agarrou o braço dele e o puxou para dentro da sala. Ele não lutou para afastar-se e sua expressão vitoriosa já me deixou claro tudo. Mas que lindo, eu sou a excluída de todas as formas existentes.

Sigo os dois e assisto à aula com o menor entusiasmo. Olho para Annie perto de mim e tento planejar uma forma de conseguir falar com ela sozinha, não quero preocupar mais ninguém.

[...]


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¹ Totoro – Para quem não sabe quem ele é, Totoro – ou melhor, Tororu – é um guardião/espírito protetor da floresta que aparece em “O meu vizinho Totoro” ou “Meu amigo Totoro”, um filme de animação japonesa feita pelo Hayao Myazaki, e dos estúdio Ghibli cujo mesmo possui um logotipo do próprio Totoro.


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Notas finais do capítulo

Tive que dividir de novo o capítulo. ;-;
A parte emocionante ficou no próximo. Mesmo assim, quero receber comentário nesse, huh? O que acharam? Não estão bravos comigo, estão?



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