Felina escrita por MuriloVonNachtwind


Capítulo 7
Vizinhos fora do tempo




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Estavam então ambos sentados à mesa. Marcinha cabisbaixa, não estava acostumada àquela situação. Lúcio estava confiante: Aquela menina, aqueles olhos baixos, fugitivos, não eram de repulsa. Eram de desconforto. Já se apaixonara antes por meninas que o mundo rejeita e essa reação pusilânime era a moda. Lúcio sabia que por ela ficariam nessa meia-conversa sem palavras, então precisava agir, falar. Falou:

“Você mora aqui faz muito tempo?”

“Faz uns sete anos.” Levanta fracamente os olhos “E você, mora aqui?”

“Morei. Nasci aqui. Meus pais separaram e acabei morando no Méier. Você, veio de onde?”

“Engenho de dentro. Quase no Méier.” Ela ri.

“Somos vizinhos fora de tempo.” Disse o rapaz, rindo. “Mas podemos ser vizinhos mesmo. Meu pai tem certas ideias de voltar para cá. Estava meio incerto, por isso vim passar uns dias por aqui, ver o ambiente, as ruas, as pessoas...”

“Vem do Méier para Olaria?” A menina estranhou.

“Não, não. Moro com minha mãe no Méier. Meu pai é que mora em Copacabana coma  esposa.”

“De Copacabana para Olaria?” A menina era toda uma exclamação.

“É, as despesas andam altas. Íamos para a Tijuca, mas acabaram decidindo por voltar para a casa de minha primeira infância. Não que tenham me consultado. Mas quanto mais conheço o bairro e a gente dele, fico mais certo de que pode ser uma escolha acertada. Ademais não gosto da Zona Sul.”

“Não gosta da Zona Sul?”

“A Zona Sul é uma burrice aparelhada de museus e teatros.” Disse, parafraseando o Otto.

                A menina riu. Bom sinal. Talvez conhecesse o Otto Lara. Lúcio só conhecia por conta daquele seriado da Rede Globo, no qual Nelson faz um apud de uma frase do Otto sobre a Europa. Conheceria melhor se tivesse lido uma confissão, contida no “Remador de Ben-Hur” Onde Nelson conta a experiência toda. Nelson viveu a vida toda no Brasil, não conheceu a Europa. Quando o Otto voltava de uma viagem para a Europa, Nelson pergunta sobre o lugar. A resposta: “A Europa é uma burrice aparelhada de museus.”.

                Lúcio pensava exatamente o mesmo da Zona Sul. Era um desperdício de cultura. A quantidade de gente que poderia fazer uso prático era de um rendimento abissal de tão baixo. Se tratava apenas de um embuste: O Rio de Janeiro de verdade é o subúrbio; o carioca de verdade é o suburbano. Antes uma burrice honesta, absoluta e desemparelhada de qualquer cultura que uma toda maquilada para inglês, francês e companhia limitada verem. Pensava isso enquanto a menina se recuperava do súbito acesso de riso. Mal terminava e dizia:

“Eu gosto de Olaria.”

“Eu não conheço tanto. Morei aqui faz séculos e só me lembra pouca coisa, imagens esparsas, com as quais eu poderia no máximo montar um quadro cubista da minha infância.”

“É um bom lugar”

“Não nego. Quanto mais conheço mais gosto. Vim para isso mesmo, conhecer o lugar, as ruas, as pessoas. Morar no Méier é uma coisa, aqui é diferente.”

“Diferente como?”

“Não sei. O subúrbio muda pouco de bairro pra bairro. Mas aqui tem algo diferente do resto do mundo. Acho que é o cheiro de infância, alguma ferormona umbilical que me faz gostar desse lugar incondicionalmente.”

“Amo esse lugar. Tudo que preciso tenho por aqui. Menos o teatro, de que gosto, mas não tenho condições de assistir sempre.”


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