Dragonheart escrita por pensamento_azul


Capítulo 2
Capítulo 2 - Ferro e Fogo




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Três dias depois da minha aparição na vila ela veio, como ordenado.

Eu a ouvi subir a montanha, acompanhei seus passos sem que ela soubesse. Eu ouvia cada som e imprecação que saia de sua boca, ouvia cada pensamento e sentia o queimar de sua pele, a aceleração de seu coração, o suave respirar de seus pulmões. Ela caminhava pesada e demorou a me encontrar. Deixei-lhe uma trilha de rochas destruídas e queimadas como secretamente ela esperava encontrar – afinal, em sua mente inferior eu era uma fera de destruição sem sentido, um avatar da entropia pura e simples. Ela esperava que apenas destruição e morte cercassem meu covil, ignorante de que como todos os seres pensantes eu também apreciava me cercar de beleza e coisas agradáveis aos meus sentidos hiper-aguçados.

Ela chegou até mim, caminhando através da gigantesca cicatriz na montanha que marcava a entrada de minha casa, com temor. Saindo do sol para as sombras ela prendeu a respiração e parou. Eu a esperava em meu gigantesco trono de rocha, garras à mostra, asas abertas e olhando-a do alto, obrigando-a a sentir medo e vertigem ao contemplar meus olhos. E me surpreendi.

Ela era única – tinha vindo a mim não como sacrifício, mas com guerreira. De alguma forma roubara ou ganhara armas e uma armadura de anéis de aço. Usava um elmo, seus cabelos soltos por baixo do metal. Tinha um escudo redondo e vermelho, bem proporcionado a seu corpo e uma espada um pouco pesada demais para sua mão. Mas era forte, aquele filhote humano – crescera no campo, acostumada ao trabalho. Mas não sabia lutar. Deixei que tentasse.

Seus golpes ricocheteavam inutilmente contra escamas que nem mesmo o trovão pode ferir. Seu desespero crescia e seu esforço me divertia enquanto eu fingia lutar. Na verdade dançávamos como um casal de noivos em sua festa de núpcias, ela tentando tirar-me a vida e meu esforçando-me para não acabar com a dela acidentalmente.

Minha presa gritava e amaldiçoava e perdia ainda mais seu precioso fôlego ao fazê-lo, inconsciente de que, fosse aquela uma luta real, estaria ela entregando-me a vitória. Rosnei e seu elmo se partiu; chicoteei minha cauda contra as rochas, o chão tremeu e ela caiu. Dei o golpe final. Inspirei o ar, todo o ar da caverna e dos arredores e até as nuvens distantes no céu dançaram para mim. Ela começou a sufocar, antevendo meu ataque, sabendo o eu viria a seguir. Sua mente fervilhava de imagens de si mesma queimada viva, sua aura se mesclava de medo e horror e dúvida. Então expeli e soprei, concentrei minha força apenas o bastante para conter as chamas, cuspi fumaça e magia.

Os humanos entendem tão pouco. Eu posso cuspir fogo ou fumaça ou magia com a mesma facilidade; posso concentrar ou diluir minhas chamas para ferir a carne ou o espírito. Cuspi apenas fumaça de ferrugem, que corroeu os anéis brilhantes da armadura dela, destruiu sua espada de brinquedo, desfez suas roupas transformando-as em pó. Ela caiu desacordada.

Eu a observei pela primeira vez com calma, enquanto dormia. Sua pele era branca e macia e ela tinha cabelos escuros e maltratados. Era forte, de coxas grossas e seios desabrochando. Era jovem, catorze ou quinze verões no máximo, ainda não conhecera um macho, nem com a boca nem entre as pernas, como muitas de suas colegas faziam nos campos, no verão, quando achavam que ninguém via ou ouvia. Eu podia sentir o cheiro de sua pureza, um cheiro único que desaparece quando uma fêmea é maculada e no qual tantos de meus irmãos são viciados.

Senti-me doente. Divertido e ao mesmo tempo irritado pela presunção daquela criatura frágil e doente, arrefeceu em mim sem motivo algum a centelha de destruição. Não queria matá-la. Não queria.

Decidi que ficaria com ela.

 

# # #

 

Poetas humanos diriam que a fúria feminina é comparável à dos dragões. Tolice – uma fêmea de minha espécie jamais se igualaria àquela pequena humana em seu ódio destrutivo.

Mesmo nua e indefesa ela urrava. Imprecações e ódio! Destruir-me-ia com as próprias mãos, não fosse minha pele mais dura que as rochas de meu covil. Lançar-me-ia ao Abismo de Nodd, soubesse as invocações para tal. Mas era tudo inútil e passageiro, eu era seu captor e ela minha escrava. Caiu exausta uma, duas, cinco vezes antes de decidir que era inútil tentar me atacar. Tentou fugir dez, doze, vinte vezes, até perceber que cada uma de suas tentativas já era antecipada por mim antes mesmo da semente dessa idéia germinar completamente em sua mente. As terras ao redor de meu covil são tão obedientes a mim quanto é meu desejo que elas o sejam; ao meu comando rocha e pedra caem dos céus, passagens somem ou se formam, abismos surgem ou desaparecem.

Falei-lhe. A princípio ela acreditou que estava eu apenas me divertindo antes de matá-la de alguma forma horrível. Porém logo o desespero e a solidão começaram a corroer sua desconfiança. Falei-lhe como dragão nenhum jamais falou a um humano desde o surgimento do mundo. Contei-lhe sobre os segredos do mundo natural que sua espécie apenas começava a compreender. Falei-lhe sobre o céu, o sol e as estrelas; ensinei-lhe a língua das rochas, dos pássaros e do mar. Compartilhei o som de minha voz e o bater de meu coração; e com isso, toda a minha força e magia.

Ao fim daquele ano Brianna e eu éramos um. E, a partir de então, ela sabia que eu a libertaria em um instante se ela assim pedisse. Mas ela nunca pediu.


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