A Hospedeira - Coração Deserto escrita por Laís, Rain


Capítulo 36
Outros Reencontros


Notas iniciais do capítulo

For the first time you can open your eyes
And see the world without your sorrow
Where no one knows the pain you left behind
Or the peace you could never find
It's waiting there to hold and keep you
Welcome to the first day of your life
Just open up your eyes

(Open Up Your Eyes - Daughtry)



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POV — Estrela

 

— Então, a Curandeira? – disse Peg, virando-se para Logan – Você escolheu bem.

— Também achei – disse ele, sorrindo para ela enquanto acariciava meu cabelo. – Foi mais fácil inventar uma história sobre o desaparecimento de Estrela dessa maneira. Ela se passou por Águas Claras e ninguém estará procurando pela sua hospedeira agora, porque dissemos que Estrela morreu durante uma fuga para o deserto.

— Bem pensado – disse Jared que tinha se aproximado. – E quanto a nós? Acha que outros Buscadores tentarão encontrar nosso esconderijo, já que supostamente Estrela teria vindo para cá nos procurar?

— Não. Eu menti quanto ao lugar onde a encontrei, Joguei a localização para uns bons quilômetros a oeste. Além disso, eu lhes garanti que tinha passado dias aqui procurando e que não tinha encontrado nada. Todos pensam que vocês fugiram para longe, provavelmente desde a primeira vez em que nos encontramos.

— Isso é bom – disse Melanie. – Você fez bem.

— Obrigado. Se vamos mesmo viver aqui, eu não poderia arriscar que nosso sumiço levantasse nenhum tipo de suspeitas que pudessem trazê-los até aqui. Acho que consegui inventar uma boa história. E Estrela também foi uma excelente atriz – brincou Logan, olhando todo orgulhoso para mim e me deixando sem graça. — Além disso, Peg vai precisar de toda ajuda possível com a gravidez e Estrela agora tem conhecimentos de Curandeira.

— Agradeço por isso, Exter... Logan! – disse Ian, engolindo, a um olhar de Peg, alguma provocação que passou despercebida por Logan, mas não por mim, que graças a ela o conhecia bem demais para isso.

Olhei para Peg e ela sorriu sem graça, encolhendo um dos ombros como quem diz “Você sabe como ele é! ”. Sorri de volta para ela, e continuamos caminhando rumo à praça central.

Eu tinha esperado reencontrar as pessoas aos poucos, mas quase todos estavam ali. Por um momento, eu não soube o que fazer. Estava muito ansiosa para rever alguns deles, Jamie em especial, mas, acima da ansiedade, o que me invadiu naquele instante foi receio. Como na ocasião do tribunal, esse grupo configurava uma das coisas que podem nos ferir com mais força: o desconhecido conhecido. Quando você não sabe como as pessoas vão reagir, mas sabe que elas podem te magoar com todo empenho e facilidade, porque sabem o que fazer para isso.

Eu nunca poderia ter me preparado para o que veio a seguir, porque, enquanto eu estava encolhida por trás de todos, pronta para me fundir à primeira parede que me fizesse cara de boazinha, Jeb, que ia à frente, uniu o indicador e polegar e os levou até os lábios, produzindo um assobio alto como uma buzina.

A um só movimento, como uma espécie de dança sincronizada, todos os rostos se voltaram para nós. As expressões deles, de início congeladas em sorrisos ou palavras pela metade, foram pouco a pouco se alterando. Havia expectativa, ansiedade e até mesmo alguns poucos sorrisos de acolhimento. Mas havia também esgares que me pareceram de puro desprezo e, principalmente, até mesmo nos olhos dos que sorriam, havia medo.

Medo de mim. Medo de nós. Logan e eu éramos o desconhecido deles. Saber o que o medo pode levar as pessoas a fazerem me enregelava até os ossos.

Eu sabia que seria difícil. A última vez em que estive sob o escrutínio de tantos olhares atentos foi durante o tribunal. Involuntariamente, todo o meu corpo se tensionou e me enrolei no tronco de Logan, nos protegendo.

Ele me segurou forte e, como da outra vez, pôs a mão aberta sobre meu rosto, pressionando-me contra a curva de seu ombro, formando uma barreira entre nós e o resto do mundo.

— Coragem, amor. Era isso que você queria, lembra? Teremos que nos acostumar com o lado ruim também – ele me aconselhou, os lábios quentes encostados em minha testa. – Nem todos serão amistosos, mas quem se importa? Estamos juntos, afinal.

Logan tinha razão. Estar ali com ele era tudo o que importava. Todas as pessoas que eu amava estariam conosco de agora em diante e isso me fazia forte o suficiente para enfrentar o quer que fosse preciso. Depois de tudo que passei, não seriam uns olhares atravessados que me fariam temer.

Levantei a cabeça e o olhei direto nos olhos, ligeiramente envergonhada por meu momento de fraqueza. Assenti de leve para dizer que eu era novamente a Estrela forte e decidida de minutos atrás. Então me empertiguei, imitando o gesto de Logan quando ele achava que suas batalhas já estavam ganhas, e atravessei a pequena multidão que formava a minha recém construída família, trazendo meu amor atrás de mim. Seguros um no outro, como sempre estaríamos, postei-me com ele ao lado de Jeb.

— Estes são nossos novos moradores – disse Jeb. — Logan vocês já conhecem. Estrela também, mas, claro, não com esse rosto. Então aqui está. Da próxima vez que virem uma ruiva bonita de olhos prateados, já sabem quem é. Devo lembrá-los que a presença deles aqui foi sancionada pela maioria e deve ser respeitada. Então, nada de gracinhas e deem um jeito de se acostumar com eles. Agora voltem ao que estavam fazendo, mas lembrem-se: minha casa, minhas regras. E vocês sabem bem quais regras são essas.

Alguns tentaram fingir que nada de mais tinha acontecido e voltaram às suas conversas, embora ainda nos lançassem, disfarçadamente, olhares desconfiados. Outros se levantaram e vieram nos dar as boas-vindas. Fiquei imensamente feliz em vê-los, eram eles quem eu estava procurando, os amigos de Peg e Sunny, aqueles que não nos rejeitariam: Geoffrey, sozinho, pois Trudy estava com Sunny na cozinha, Heath, que não pôde deixar de tremer um pouco na presença de Logan, certamente lembrando-se de sua primeira e traumática incursão, Heidi, Lily, Andy, Paige, Brandt...

Dava pra ver que Logan estava se sentindo desconfortável, até acuado, em meio a tantos humanos, mas ele estava se esforçando e estendendo a mão e sorrindo para todos. Eu o deixei trocando palavras amistosas com seus novos futuros amigos, pelo menos eu esperava que pudessem ser. Para ele seria mais difícil, mas este era um bom começo. Enquanto Jeb estivesse por perto, eu sabia que ele ficaria bem.

Eu estava feliz e confiante no futuro, mas havia algo no presente que ainda me faltava. Meu coração pulsava de saudade de alguém cuja ausência eu tinha notado no primeiro olhar.

— Onde está Jamie? – perguntei baixinho para Peg, ela sabia bem que era por ele que meu coração ansiava.

— Estava aqui quando saímos... – respondeu ela, sorrindo de forma compreensiva diante de minha ansiedade, mas experimentando um pouco da sua própria. Mesmo que ela tentasse disfarçar, eu sabia que ela gostava de saber dele a todo instante.

De repente, seu sorriso se ampliou e um suspiro quase imperceptível escapou de seus lábios. Ela inclinou a cabeça em direção à entrada oposta, mostrando-me algo. Quando me virei, nosso garoto lindo corria em minha direção e meu coração deu um salto.

Em poucos passos, ele atravessou a pequena multidão de amigos que nos cercava e parou diante de mim.

— Estrela? – ele me reconheceu de imediato, o que fez com que eu me sentisse iluminada como uma grande árvore de Natal.

— Jamie. Agora somos do mesmo tamanho – brinquei, referindo-me ao fato de que ele tinha crescido e estava mais alto do que Peg e do que eu, quando aquele era meu corpo.

Ele riu e estendeu a mão, desmanchando o cabelo de Peg como se faz com uma criança. Ela fingiu uma carranca mal-humorada para nós dois, mas no fim também sorriu.

— Também posso fazer isso com você, Estrelinha – disse Jamie esticando o outro braço e desmanchando meu cabelo também. – Você não é tão alta.

— Mas continuo sendo mais velha. Você vai ter que me respeitar, isto é, se me deixar ser sua irmã também – arrisquei, imitando seu jeito atirado, espontâneo e sem reservas de lidar com tudo.

— Humm... – disse ele, franzindo os lábios e estreitando os olhos como se estivesse decidindo o destino do planeta. — Acho que posso aguentar outra de vocês tentando mandar em mim. Posso passar a conversa em vocês três com o pé nas costas.

— Isso é o que você pensa – disse eu, rindo junto com Peg. – Posso te dar um abraço?

— Demorou!

Os braços de Jamie me envolveram e tudo em mim se misturou a ele. O sentimento materno de Peg e de Mel por ele era tão grande que sobreviveu a tudo que nossos corpos, nossas mentes e nossos corações tiveram que suportar e se impregnou em mim também. Eu o amava tanto que chegava a doer!

Pela minha visão periférica, vi Logan se aproximar. Afastei-me de Jamie a tempo de ver os restos de um sorriso torto que tinha passado pelos lábios de meu amor. Ele sabia o quanto Jamie era importante para mim e estava feliz porque eu tinha sido acolhida com tanta facilidade.

— Oi – disse Jamie, com seu jeito irresistível de fazer todo mundo se sentir um mistério a ser descoberto.

— Olá, Jamie. É um prazer conhecê-lo. Já ouvi falar muito de você – Logan o saudou, virando-se para mim e sorrindo com cumplicidade.

— E eu de você.

— É mesmo? – perguntou Logan ecoando minha surpresa.

— Sim. Tio Jeb disse que você, quer dizer, seu hospedeiro, era policial e que você atira muito bem.

— Sim, é verdade – respondeu, olhando para Peg com olhos contritos enquanto se lembrava, como eu, de quando ela tinha estado em sua mira, naquele dia fatídico que, apesar de tudo, tinha desencadeado os eventos que nos trouxeram até aqui. – Por quê?

— Bom, eu estive pensando, será que você podia me ensinar a atirar? – perguntou Jamie com a maior cara de pau do mundo.

— Acho que...

— NÃO!!! – gritamos Peg e eu em uníssono.

— Acho que não – disse Logan, dando um sorrisinho sem-graça. – Preciso me comportar bem – justificou-se. – Pelo menos por enquanto – acrescentou em voz baixa como se nós não pudéssemos ouvi-lo.

— Aaaah! Era só o que me faltava: a Patrulha das Almas! O Buscador aqui é ele, garotas. Que tal vocês brincarem de deixar o Jamie em paz? – protestou nosso garoto, com um súbito mau humor adolescente que eu não pude evitar achar uma gracinha.

Logan arregalou os olhos e encolheu os ombros para nós como quem diz: “Não tenho culpa nenhuma nisso”. Jamie passou o braço pelos ombros dele e ficou de costas para nós, mas ainda podíamos ouvir o que ele dizia.

— Olha só, eu tenho uma proposta pra você. Se Estrela agora vai ser minha irmã, isso significa que você é meu cunhado e você sabe o que dizem sobre os cunhados, não é?

— Na verdade, não. O que dizem? – perguntou Logan inocentemente. Era até engraçado ver Jamie tentando engambelá-lo. Observei curiosa para ver como ele se sairia e pedi calma a Peg com o olhar.

— Que se fossem bons não começavam com... Hum, deixa pra lá! O negócio é o seguinte: Jared pensa que é meu pai, ou melhor, meu dono, e não me deixa fazer nada. Ian é legal, mas nunca faz nada que desagrade Peg, ainda mais agora. Mas você... Acho que você tem potencial! Você é como eu, um lobo solitário e tal...

Não pude conter minha risada nessa parte e vi o tronco de Logan tremer ligeiramente, como se ele estivesse se esforçando para não gargalhar. Felizmente, Jamie pareceu não perceber.

— Você e eu não somos fãs de obedecer e acho que por isso vamos nos dar bem. Talvez mexer com armas seja um pouco demais para a sensibilidade de minhas irmãzinhas por enquanto, então podemos começar com algo mais simples. Que tal me ensinar a dirigir?

Ai, minha nossa!

Peg olhava para mim em pânico, o sangue fugindo de seu rosto. Logo a veriam assim e correriam para ver o que estava acontecendo. Eu esperava, pela sorte de Jamie, que fosse Ian, porque se Mel ou Jared o ouvissem falando assim, aprontariam um escândalo!

— Pensei ter ouvido você dizer que isso era uma proposta – disse Logan calmamente.

— Sim, e daí?

— E daí que até agora só você se beneficia com isso. Eu só me dou mal. Se isso é uma espécie de acordo, tem que haver alguma coisa que me beneficie também.

— Bem, eu não disse que era um acordo, mas sim uma proposta. Se você quer um acordo, eu vou ter que pensar melhor sobre isso, porque, sinceramente, eu não tinha pensado nessa parte.

— E quanto tempo você gastou pensando nessa sua... proposta? – perguntou Logan, dando corda ao garoto, mas a essas alturas eu já podia ver pela segurança em sua voz que ele já tinha tudo sob controle.

— Hum, não muito... – confessou Jamie, envergonhado.

— Façamos o seguinte: eu tenho uma contraproposta. Quantos anos você tem?

— Quinze.

— Certo. Vocês tiravam carteira de motorista aos dezesseis, não?

— Sim, mas isso era antes...

— Não era, não. Nós mantivemos essa regra.

— É mesmo?

— É. – Não era. Como as Almas sempre obedeciam às regras de segurança, a idade mínima para dirigir era uma escolha pessoal. Mas Logan não titubeou ao mentir para Jamie. – Então espere mais um ano, até você completar dezesseis. Aí as garotas terão tempo para se acostumar com a ideia.

— Você vai me ensinar em um dos seus carros? Tio Jeb diz que eles são o máximo.

Logan engoliu em seco. Seus “bebês”? Nas mãos inexperientes e impulsivas de Jamie? Até que eu queria ver.

— Se eu não precisar te ensinar a atirar, posso pensar no seu caso. Temos um ano para negociar.

— Um ano não, sete meses. Meu aniversário é daqui a sete meses.

— Tudo bem, que seja. Ficamos acertados assim?

— Pensei que seria mais fácil – disse Jamie, pesaroso por não conseguir manipular Logan, como sabia que fazia facilmente com as outras Almas que conhecia. – Mas serve. Estamos acertados.

Logan olhou para trás e deu uma piscadela rápida para nós. Ele e Jamie deram as mãos fechando o “negócio” e eles se voltaram para nós novamente.

— Não estou vendo Sunny – reparou meu Buscador.

— Geoffrey disse que ela e Trudy estão na cozinha. Você quer ir vê-la? – perguntei, e ele confirmou com a cabeça.

 Uma pontada de ciúme passou sorrateira pela barreira da minha racionalidade e se alojou num cantinho do meu coração. Eu sabia que era totalmente injustificado. Com exceção de Jeb, Sunny tinha sido a única pessoa que tinha sido receptiva com Logan, era por isso que ele queria vê-la. Além disso, eu também tinha sentido muito a falta dela. Entretanto o ciúme era um sentimento que me repugnava e ao mesmo tempo torturava desde que acordei neste corpo.

Talvez fosse uma particularidade de Vivian, certamente o único fardo que esta hospedeira tinha me deixado, e eu ainda estava aprendendo a lidar com ele. Mas hoje tinha sido um dia especialmente intenso nesse quesito, e eu já tinha dado tudo de mim para remover qualquer vestígio de ciúmes que eu pudesse sentir de Peg. Felizmente, eu consegui, mas só porque sabia, em primeira mão, o quanto era intenso o amor entre ela e Ian. Com qualquer outra pessoa, mesmo que fosse com Sunny, que eu tanto adorava, eu aparentemente não estava tendo a mesma sorte. Eu odiava isso e jamais deixaria que ninguém percebesse, especialmente Logan.

Então, dei um jeito de dizer a mim mesma que eu amava Sunny demais para sentir qualquer coisa negativa em relação a ela, e que Logan não merecia qualquer desconfiança de minha parte. Enfiei o ciúme num canto escuro de meu cérebro que eu não visitava nunca e pensei no quanto eu mesma queria vê-la.

— Então vamos até a cozinha. Eu também estou com saudades dela – falei com a alegria mais sincera que havia em mim, ignorando a pequena garra que tentava me arranhar lá de seu canto escuro. – Além disso, eu queria ver Doc também. Onde será que ele está?

— Vou chamá-lo lá no hospital – respondeu Jamie, saindo em disparada pelo corredor sem nos dar tempo de mais nada.

— Vou pedir a Ian que vá com a gente até a cozinha – disse Peg. – Para o caso de Kyle estar lá – completou, retorcendo os lábios de um jeito que parecia quase irritado.

— Qual é o problema de Kyle estar lá? – perguntou Logan quando ela se afastou.

— Ele não gostava da gente, lembra? Pelo visto, isso não mudou – constatei com pesar, porque, para falar a verdade, eu gostava de Kyle.

— Isso significa que ele continua magoando Sunny – constatou, e nós dois trocamos um olhar sombrio e protetor. – Bom, acho que teremos que dar um jeito nisso, se for o caso.

Ian e Peg voltaram e nós nos dirigimos para a cozinha, nos divertindo com minhas tentativas de ir adivinhando o que eu ainda me lembrava sobre os caminhos a partir das memórias de Peg.

Quando chegamos, Sunny e Trudy estavam rindo enquanto manejavam com destreza invejável os utensílios para preparar o almoço de todos. Elas tinham uma sincronia perfeita como se sempre tivesse sido assim. Eu me lembrava de que Sunny tinha se apegado a Trudy e que ela e o marido, Geoffrey, tinham correspondido o carinho sendo seus protetores desde o início. Era adorável de se ver. O amor emanava delas de forma quase visível e o resultado se antevia no cheiro maravilhoso que invadia nossos sentidos.

Kyle estava sentado num dos bancos, hipnotizado. Com o rosto apoiado nas mãos e os cotovelos sobre a mesa, ele observava cada movimento de Sunny, encantado e faminto como se ela fosse o melhor doce do mundo e ele um garoto prestes a fazer uma travessura. Era impossível que ele não soubesse o quanto a amava, ainda assim o homem seria capaz de negar isso a si mesmo.

Foi ele quem primeiro nos viu, e sua expressão mudou rapidamente do olhar terno e amoroso com que observava Sunny para algo muito semelhante ao desprezo com que antes olhava Peg.

— Eu tinha esperança de que mudassem de ideia e ficassem longe daqui. Principalmente você, Buscador.

— Kyle, por favor! – Ian o repreendeu.

Eu podia praticamente ler a resposta mal-educada se formando na garganta de Logan. Algo como: “E eu tinha esperança de que tivesse nascido um cérebro nessa sua cabeça!”, mas, por mais que eu quisesse que Kyle ouvisse umas boas, olhei para Logan para lhe dizer que não o fizesse. O equilíbrio entre ele e Ian era tênue demais para que eu permitisse que uma discussão com Kyle o pusesse em risco. Além disso, eu não queira magoar Sunny.

— Eu não mudo de ideia. Não quando dou a minha palavra sobre as coisas – foi o que Logan se limitou a dizer, em vez da resposta atravessada que ele certamente preferiria ter dado. Ao que Kyle respondeu com uma careta de deboche.

Sunny e Trudy tinham se virado confusas para o diálogo animoso, mas decidiram ignorá-lo e virem ao nosso encontro.

— Você está linda – disse Sunny ao me abraçar, e seus olhos se encheram de lágrimas.

Eu me senti absolutamente desprezível por ter sentido ciúme dela há poucos instantes. Aquela Alma era a criatura mais pura e delicada que eu já tinha conhecido. Incapaz de ferir alguém sem machucar muito mais a si mesma.

— Senti sua falta – disse eu, porque era verdade. Ela era um oásis, uma amostra adorável de nosso mundo ali, onde seríamos obrigados a ignorar nossa passividade natural e estar constantemente na defensiva.

Trudy me recebeu com um abraço também e Sunny se aproximou de Logan, parando à sua frente.

— Irmã – disse ele, meneando a cabeça como da primeira vez em que a tinha visto.

— É tão bom que estejam aqui! – ela respondeu ao segurar as mãos dele, e Kyle bufou, ofendido.

Sunny retesou-se ao ouvir a reação dele e baixou os olhos, mas aquilo não a intimidou realmente. Ao contrário, fez com que se sentisse ainda mais próxima de nós, seus semelhantes que o homem que ela amava insistia em odiar, embora o próprio Ian parecesse censurá-lo com o olhar por se apegar se a um sentimento que não precisava mais existir.

— Seremos uma família agora – disse Sunny abraçando Logan, que dessa vez não estranhou sua reação.

— Sim. Para o que quer que você precise – respondeu ele, lançando um olhar de aviso para Kyle.

“Não a magoe”, ele parecia dizer. E a ameaça não era nada velada para alguém que o conhecesse tão bem quanto eu.

— Está tudo bem, Kyle. Logan já se desculpou pelo que fez. Peg e eu estamos em paz. E Sunny só está feliz por ter outros como ela aqui – falou Ian, compreendendo minha tensão e vindo em meu socorro.

— Você não precisa de outra família, Sunny. Você tem a mim e a Ian, tem seus amigos, Trudy e Geoffrey. Você tem Peg... – rebateu Kyle, como se quisesse dizer que a “cota de parasitas” do lugar já tinha sido alcançada.

— Posso amar todos vocês, Kyle. E esperava que você não tivesse mais tanto desprezo por quem nós somos.

— O quê? Eu não desprezo você!

— No entanto, não é capaz de aceitar meus semelhantes.

Kyle se aproximou, desconcertado. Talvez ele esperasse que esse sentimento dela tivesse ficado para trás, mas estava claro como cristal que não tinha. Ele a puxou para si e a abraçou.

— Eu aceito você, Sunny. Amo quem você é. Amo você. Mas este é um lugar de humanos, um dos últimos que nos sobrou.

— Não, Kyle. Este é um lugar para seres que se amam, não importa de que espécie sejam.

Pode apostar em Sunny para desconcertar o ogro com sua doçura!

Kyle suspirou e contraiu os lábios, vencido. Não havia nada que ele pudesse dizer para sustentar sua posição que não a magoasse irremediavelmente. E, felizmente, ele foi capaz de perceber isso. Depois de dar um beijo carinhoso nos cabelos de Sunny, olhou para nós com olhos um pouco menos duros.

— Tudo bem, Luz do Sol Através do Gelo – disse, usando o nome verdadeiro dela, mostrando que, ao contrário do que gostava de aparentar, não tinha esquecido quem ela era. – Acho que por você posso tentar fazer isso.

Então eles se olharam nos olhos e o mundo pareceu parar por um instante para os dois enquanto ela sorria.  Mas então Jeb entrou na cozinha trazendo Doc e em poucos segundos o momento se foi.

— Puxa vida! Acho que pisei numa gosma açucarada aqui no chão. Não, esperem. Eram só essas Alminhas calorosas espalhando amor – brincou Jeb num tom debochado. — Será possível que onde vocês vão vira essa meleca, seus hippies? – Nós rimos e ele continuou. — Pronto, Estrelinha, Jamie disse que você queria ver Doc e eu o trouxe para você. Pode espalhar suas borboletinhas nele enquanto Sharon não descobre.

— Oi, garota. Não ligue para ele. Esse velho bobo só está com inveja que você tenha mandado me chamar. Sejam bem-vindos – disse Doc estendendo a mão a Logan, que a segurou e sorriu para ele em resposta.

Eu “espalhei minhas borboletinhas” em Doc e dei outro beijo em Jeb.

— Pra você não ficar com ciúmes! – brinquei, enquanto ele ficava mais uma vez vermelho para o deleite de Logan, que não o deixaria em paz pelos próximos minutos, enquanto fazíamos nosso “tour completo” pelas cavernas.


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Notas finais do capítulo

Olá, Alminhas.
O vínculo entre Sunny e Trudy pode ser visto nascendo na minha fic Luz do Sol Através do Gelo, para o caso de vocês estarem se perguntando de onde isso saiu.
O capítulo de hoje vai dedicado com todo carinho a DanyMandT, autora da nossa mais nova recomendação.