A Hospedeira - Coração Deserto escrita por Laís, Rain


Capítulo 35
Mundos Cruzados


Notas iniciais do capítulo

They can have the world
We'll create our own
I may not be brave or strong or smart
But somewhere in my secret heart
I know
Love will find a way
Anywhere I go
I'm home
If you are there beside me

(Da trilha de Rei Leão -2)



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POV – Estrela

 

Não tinha percebido o quanto tinha sentido a falta de Mel e Jared até que eles também vieram me abraçar. Estive tão imersa em minha vontade de ver Peg, em minha ânsia por estar novamente perto de John, que cheguei a me esquecer que havia todas essas emoções guardadas para mim assim que chegasse.

Eu me sentia celebrada, acolhida e feliz, mas não pude deixar de notar que nem sequer um olhar foi dirigido a Logan, a não ser por Peg, que o olhava disfarçadamente, com uma expressão impossível de se ler no rosto. Talvez um reflexo da minha ao olhar para Ian, que permanecera parado, agarrado a Peg e parecendo não saber como agir.

Uma onda de carinho voraz passou por mim ao observar seus olhos safira. Sim, definitivamente havia algo aqui, uma espécie de amor, certamente. Mas agora, livre da atração implacável que ele exercia ao corpo de Peg, meu sentimento por Ian empalidecia diante do que eu sentia por Logan, de como eu precisava dele com uma urgência tão grande que me destruiria se ele não me amasse.

Eu já tinha sentido algo semelhante por Ian, quando as lembranças de Peg se apossavam de mim, mas o que eu sentia por ele agora era totalmente diferente. Era mais como um eco distante de uma bela canção. Um anseio fraco como um suspiro de saudade por algo que nunca existiu. Um vislumbre tênue do impossível.

Eu o amava, sim. E acho que sempre amaria, mas de um jeito que pouco tinha a ver com o que se sente por um amante. Ele era uma parte de Peg, uma parte de Mel, uma parte de John, uma parte de mim. E não se pode amar mais ou menos as diferentes pétalas de uma flor. Por isso decidi que não suportaria que as coisas ficassem estranhas entre nós, que era preciso que todos soubessem a verdade.

Segurei ao mesmo tempo a mão de Logan e a de Peg e disse, olhando nos olhos cinzentos dela, mas alto o suficiente para todos ouvirem:

— Peg, este é Logan. Você se lembra dele, já o viu pelos meus olhos e sabe que eu o amo, mas talvez suas lembranças não façam justiça ao que sinto por ele, talvez você ainda tenha dúvidas de meus sentimentos por Ian. Então preciso que saiba o que sinto e quero que comecemos de novo, se for possível.

— Estrela, eu... Você não... – Peg tentava me dizer que eu não precisava me explicar, que ela sabia bem o quanto isso podia ser confuso, que todos que estavam ali sabiam.

E eu sabia que não precisava explicar nada. Eu apenas queria. Queria que todos eles soubessem o que Logan significava para mim. Queria que eles pudessem emprestar apenas um olhar a ele. Sabia que se o fizessem, que se pudessem ceder ao menos um pedacinho de seus corações, ele os tomaria de assalto. Como aconteceu com Jeb, que apenas nos observava com seus olhos que nos envolviam como uma cúpula. Ele e Logan já tinham se tornado tão amigos! Se Logan o tinha conquistado, o mesmo podia ser feito com Jared, Mel e até mesmo com Ian. Eu apenas precisava pôr as coisas às claras.

— Eu sei que não preciso, Peg. Sei que você se lembra como é maravilhoso quando a cortina cai e podemos ver o amor sem nenhuma barreira. Quando o seu corpo pode finalmente amar quem sua mente e seu coração escolheram. E eu o amo, minha irmã. Como se meu coração tivesse sido arrancado de mim e posto de volta, pleno da presença dele.

Olhei para Logan quando disse isso e achei que o sol não podia me acolher sob um calor mais forte do que o que irradiava de seus olhos. Peg sorria para nós e nos observava com ternura. Ela sabia perfeitamente do que eu estava falando. Talvez estivesse vendo a si mesma e a Ian em nós. Mas por mais parecidos que fôssemos, não éramos iguais. Logan e eu não pertencíamos a este lugar como eles dois.

— Eu sei como se sente – disse Peg. – Sei o quanto você o ama. Eu me lembro. Por isso senti tanto a falta dele como senti a sua. Não é sua culpa a confusão que você deve estar sentindo. Faz parte desta situação única em que nos encontramos.

— Vai ficar tudo bem, Estrela – interferiu Mel. – Os laços que criamos aqui não cabem na nossa antiga maneira de ver o mundo, porque tudo está diferente agora. Como Peg disse, nossa situação é única, mas nós quatro descobrimos nossa própria dinâmica. Vocês também acharão uma maneira de lidar com a confusão.

— Deixe-a falar, Mel – pediu Jared, e eu quis lhe dar um beijo pela maneira como ele tinha sempre me defendido e compreendido desde que nos conhecemos. – Nós nunca falamos abertamente sobre isso, e acho que esse silêncio só fez com que demorássemos mais a achar o caminho.

— Obrigada, Jared. Eu não sei se palavras podem tornar isso mais fácil, mas eu certamente gostaria de tentar. Há algo que eu gostaria que vocês soubessem – disse eu, apertando forte a mão de Logan e olhando-o com um pedido inarticulado nos olhos, antes de olhar para Ian e Peg com o mesmo anseio. Eu só precisava muito que eles me entendessem. – É só que... Mel tem razão ao dizer que precisamos procurar uma maneira única de entender os laços que nos unem, mas independentemente de entendermos ou não, eles existem. Eu sei que há um sentimento que impele Logan a proteger Peg como sempre me protegeu, a cuidar dela. E sei que ela sabe disso e que é um carinho recíproco.

— Sim, é – disse Peg, sorrindo para Logan sob um olhar enciumado de Ian que, mesmo assim, parecia estar se esforçando para compreender. – Mas isso não quer dizer que... Quero dizer, eu não estou confusa quanto a isso.

— Nem eu, Peg. E é isso que estou tentando dizer. Eu amo Ian, mas não como achei que amava quando estava no seu corpo e carregava o filho dele. – Ian me observava assustado enquanto eu dizia isso, confuso quanto ao que estava por vir. – Eu amo você, Ian, mas não como se o quisesse para mim, mas sim como um amigo, como um irmão, como uma parte de mim para a qual ainda não achei um nome. Eu te amo, simplesmente porque te conheço, porque já te vi como Peg te vê, e isso é indelével. É o que une você e Mel nesse sentimento lindo que vocês compartilham. Eu também quero isso, se um dia você puder me dar o mesmo.

— Eu posso, Estrela – respondeu Ian, deixando o lado de Peg pela primeira vez e vindo para mais perto de mim, tocando meu rosto com ternura. — Sei que posso, porque não existe nada maior do que o que você me fez sentir quando trouxe Peg de volta para mim. Quando me deu o presente de saber que eu tinha um filho. Isso também é indelével.

Eu sorri para ele e Logan se aproximou como se quisesse interferir naquilo de alguma maneira. Eu o tinha mantido preso dentro daquele círculo apenas pelo aperto tênue da minha mão na dele, mas eu não tinha ideia de como ele estava se sentindo ou se estava realmente entendendo o que eu queria dizer ou o que estava tentando fazer, definindo nosso lugar naquele mundo tão peculiar em que tínhamos entrado depois de tudo o que nos aconteceu.

— Posso dizer uma coisa a vocês? – pediu ele, com sua calma e determinação costumeiras, mas algo em sua voz me fez perceber que o que ele faria agora era algo que nunca tinha feito antes. E que nunca faria, nas antigas circunstâncias. Peg e Ian olharam um para o outro e assentiram. Então, Logan continuou. – Estou aqui por causa de Estrela, mas isso não significa que eu não me importe com o resto de vocês. Não somos amigos e vocês não têm nenhuma razão para me permitir mudar isso. Mas eu gostaria de fazer parte deste lugar. Deixei de ser quem eu era para percorrer o caminho oposto e estou aprendendo ainda. Estrela parece ter nascido para ser humana, para ser uma de vocês – disse, me olhando com orgulho e acariciando meu rosto daquele seu jeito particular, com os nós dos dedos que mal me tocavam. – Já eu... Eu ainda tenho um longo caminho pela frente. Mas amo sinceramente essa criança que você carrega, Peg, e é verdade o que Estrela disse sobre como me sinto em relação a você.

— O que isso significa, de fato? – perguntou Ian, mas não de modo acusatório ou possessivo, ele apenas estava tentando entender.

— Significa que quero estar perto dela e protegê-la, não só porque John está aí dentro, mas porque ela é importante para a mulher que amo. Quando eu a conheci, elas eram uma só, mesmo que Peg não estivesse realmente presente, uma parte enorme de quem Estrela era e de quem se tornou tem a ver com ela.

— Então você não se importa mais com a troca de hospedeiras?

— Nunca me importei, de fato. Eu só estava confuso, achando que Estrela estivesse, de alguma forma, se sentindo coagida a fazer o que fez. Mas eu a amo e sua hospedeira é apenas uma circunstância. Não foi pela hospedeira que me apaixonei. Não sou humano e não me importo com isso da mesma maneira que um homem comum se importaria. Você é humano e não se importou.

— Eu entendo. Quando eu me apaixonei por Peg, Mel era a hospedeira dela e quando Peg a deixou, eu soube assim que pus os olhos nela. Acho que aprendemos outras maneiras de nos reconhecer, não é?

— Acho que sim. Não saberia dizer com certeza, mas acho que sim. Embora, eu esteja aqui desde o início, as particularidades dos sentimentos humanos e a maneira como podemos nos apegar a um corpo, tudo isso é novo para mim. Só sei que eu a reconheceria em qualquer parte, de qualquer forma.

— Isso não tem a ver com ser humano, Logan – falou Jared, se dirigindo a ele pela primeira vez. – Tem a ver com deixar o amor te ensinar a ver além. Eu gostaria de ter aprendido antes. Teria poupado muitos sofrimentos – completou ele olhando para Mel, que o fitava de volta com olhos perdidos num tempo distante.

— Acho que você tem razão – disse Logan –, sobre como o amor ensina coisas a nós. Eu quero aprender. Quero que Estrela me ensine a fazer parte deste mundo de vocês, a merecer meu lugar aqui. Mas, antes, preciso amarrar as pontas soltas do passado. Não estou pedindo que me perdoem agora, porque imagino que deva ser difícil. Bom, na verdade, nem imagino o quanto. É a primeira vez que me arrependo de alguma coisa e acho que nunca tive que perdoar ninguém. Meu hospedeiro nunca conseguiu fazer isso pelos que fizeram mal a ele e isso o destruiu... – Todos se entreolharam confusos, porque não sabiam da história dele, no entanto deixaram que continuasse. — Mas eu gostaria que vocês soubessem que me arrependo pelo que fiz a Peg, mesmo que, naquela época, aquilo fizesse todo sentido para mim. Se eu entendesse as coisas como entendo agora, jamais teria feito o que fiz.

E aí estava! Era essa a mudança que pressenti na voz de Logan. O próximo passo de sua extensa e complexa mudança. Ele estava aprendendo a pedir perdão.

— Não é necessário, Logan – disse Peg. – Está tudo bem. Foi isso, no final das contas, que trouxe vocês dois pra cá.

— É necessário, sim! – replicou Ian. – Ao menos para mim. E eu aceito seu pedido, só me dê um tempo para me acostumar com o fato de que não preciso mais te odiar. Por ora, aceite isto como um gesto de paz.

Ian segurou minhas duas mãos e as uniu, juntando assim, a mãos de Peg e Logan, que eu ainda segurava. Eu entendi o que ele queria e os soltei, para que eles pudessem estar finalmente próximos. Peg olhou curiosa para Ian, que fez um gesto com o braço como se a conduzisse, como se desse licença a Logan para entrar de vez em seu mundo.

— Olá, John – disse Logan, tocando respeitosamente a barriga de Peg, depois de ela lhe dar permissão com o olhar. — Sua outra mãe e eu sentimos sua falta, carocinho de vômito.

Os outros não entenderam, mas Peg e eu não pudemos conter a risada diante da lembrança da antiga provocação de Logan.

Ian se aproximou de mim e passou o braço por meus ombros, num meio abraço sem jeito de quem ainda não sabia bem o que fazer. Eu retribuí, de início imitando seu gesto desajeitado ao passar um de meus baços por suas costas. Embora eu já soubesse disto, fiquei feliz ao me certificar de que a chama voraz que me fazia derreter em sua presença não estava mais ali. Então passei meus dois braços pela cintura dele, dando a entender que estava tudo bem.

Ele sorriu e finalmente fechou seu aperto em torno de mim e eu senti meu mundo ficar completo. Ficamos ali, parados e unidos, observando a vida lentamente se reajustar diante de nossos olhos, enquanto Peg e Logan se reconheciam, encontrando seus próprios caminhos um para o outro num processo mais lento, mas igualmente implacável.

Eles se olharam por um tempo, comunicando-se numa linguagem que ia além das poucas e polidas palavras que trocavam. Então, enfim se abraçaram e mais um caminho estava forjado. Nossos mundos estavam, enfim, irrevogavelmente cruzados.

— Bom, garotos, isso tudo é muito bonito e tal e estou considerando seriamente a aquisição de violinos na próxima incursão. Especialmente para esse tipo de momento tocante – brincou Jeb — Mas agora vamos acabar com isso, porque eu não tenho mais idade para ficar assistindo essas cenas açucaradas sem ficar com sintomas de hiperglicemia. E eu tenho que fazer o meu famoso tour com os novatos aqui.

O momento se desfez e nós finalmente saímos do lugar apertado, quente e desconfortável que tinha servido de prisão para Peg e Mel.

Certa vez, essas paredes de pedra abrigaram muito mais dor e dúvida do que seria possível conceber. Mas agora era o ponto de partida de um recomeço. O que tinha acontecido aqui era mais poderoso do que qualquer tristeza e ecoaria pelos idos perdidos do tempo.

Aqui, o amor tinha encontrado um caminho.


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Notas finais do capítulo

Dedicado especialmente a Rosalie Weasley pela nossa nova recomendação.
Olá, queridos. Gostaram do déjà vu de infância na música do capítulo? Eu sei que isso foge um pouquinho do nosso estilo (meu e da Laís) de colocarmos músicas de rock, mas essa música é tema de um dos momentos mais bonitos de um dos meus filmes de animação favoritos. Além disso, tem tudo a ver com o capítulo.
Aliás, eu fiz uma playlist no Youtube de todas as músicas que têm sido trilha sonora de nossa fic. Quem quiser dar uma olhada, está aqui: https://www.youtube.com/playlist?list=PLmjS9kuww_2htPh6pGliIkKtjNR1TNKcX
Então, amores, esperamos que tenham gostado do capítulo. Semana que vem tem mais.