A Hospedeira - Coração Deserto escrita por Laís, Rain


Capítulo 21
Amigos




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/254366/chapter/21

Never opened myself this way
Life is ours, we live it our way
All these words I don't just say
And nothing else matters
Trust I seek and I find in you
Every day for us something new
Open mind for a different view
And nothing else matters

(Nothing Else Matters - Metallica)

 

POV — Logan

— Olha, Jeb, eu agradeço pela comida, mas eu queria mesmo é saber como está Estrela – disse eu, enquanto mastigávamos um pão escuro e esquisito e nos refrescávamos com a água com gosto de pedra que Jeb tinha trazido.

— Hmm... É verdade! – disse ele, enquanto acabava de mastigar um bocado. – Com tudo isso que vocês aprontaram acabei me esquecendo.

— E então? – perguntei, mal conseguindo conter minha ansiedade.

— Ela está bem. Está acordada e já está fazendo amizade com Melanie, Jamie e Jared.

— Sim, eu já ouvi falar desses. Uma vez ela se referiu a Melanie e Jamie como seus irmãos. Ela deve estar feliz, então – disse eu, ao mesmo tempo grato e decepcionado por ela estar encontrando apoio em alguém que não fosse eu.

— Ela está muito preocupada com você. Ficou com medo de que tivéssemos te matado.

Era impressão minha ou Jeb tinha percebido minha aflição e estava tentando me consolar?

— Você está falando sério?

— Corrija-me se eu estiver errado, mas você foi a única pessoa importante para ela desde que chegou aqui neste planeta. Ela não vai suportar te perder. Nem vai conseguir te substituir por outra pessoa.

Podia não ser verdade, mas aquelas palavras tiveram um efeito poderoso sobre mim.

— Obrigado – disse eu, referindo-me não apenas ao que ele tinha dito, mas às suas ações nas últimas horas.

— Claro, claro. Mas não vá se acostumando com o momento “Jeb Aconselha”, porque aqui a coisa funciona mais na base do “Jeb Ordena”!

— Sim, mestre. Boa sorte em tentar mandar em mim! – respondi eu, rindo pela primeira vez em... sei lá quanto tempo!

— Você tem fibra, moleque! Acho que vamos nos dar bem.

Era a coisa mais curiosa que já tinha me acontecido, a maneira como eu me sentia com Jeb. Mais estranho até do que me apaixonar por Estrela. Afinal, ela era aquela coisa absolutamente linda e impossível de se resistir e Jeb era... bom... Jeb! Esse velho rabugento e mandão ao qual eu estava me apegando a cada minuto.

— Nós já estamos nos dando bem. Mas, voltando a Estrela, se ela acordou significa que a febre abaixou. Pensei ter ouvido você dizer que vocês não tinham mais remédios...

— Nós ainda tínhamos um pouco de Refrescar. Ainda bem que você a encontrou antes de assar o pãozinho que está no forno!

— Quê?

— O bebê. Não é nada bom para uma grávida ficar com febre!

— Minha nossa! John! Como ele está? – Sobressaltei-me.

— Calma, ele está bem. Pelo menos é o que Doc acha. Não dá pra ter certeza, nós não temos como fazer exames, mas até agora ela não apresentou nenhum sintoma que indicasse que o bebê não está bem. E ela já está muito melhor, hidratada e sem febre. O único problema agora é a dor das queimaduras. Uma das mulheres que mora aqui sabe fazer um chá com umas plantas da região que ajudam a refrescar um pouco. Mesmo assim, ela vai passar uma noite desconfortável. E você também não vai ficar muito melhor com essa bola de futebol crescendo do lado de sua cara.

— Estou bem – menti.

Cada vez que eu mastigava, sentia como se os ossos do meu rosto estivessem sendo moídos. E minha cabeça e meu rim também não estavam em sua melhor forma. Consolei-me pensando que Ian também devia estar se sentindo como se tivesse tido um encontro com um caminhão. E a placa com os dizeres “Logan partiu sua cara” estava bem gravada na “fuça” dele.

Esse pensamento me fez sorrir e sorrir me fez sentir ainda mais dor. Porém, o que mais me incomodava era mesmo a impossibilidade de curar Estrela e garantir a segurança de John. Eu lamentava isso quando algo me ocorreu.

— Jeb, naquela noite, quando... Bom, você sabe, quando capturamos Peregrina e tudo aquilo aconteceu, nós encontramos um furgão cheio de comida, roupas e remédios. Era ela quem conseguia essas coisas para vocês, não era?

— Sim. Nós temos outros... “meios”, por assim dizer, de conseguir as coisas, mas o principal era ela que trazia. Por isso estamos com as despensas vazias.

— Eu sou um Buscador, Jeb!

— Acho que Ian bateu meio forte na sua cabeça, Logan. Eu já sei disso! Você esqueceu que já fomos apresentados?

— Não é isso. Preste atenção! Aposto que quando Peregrina tinha que conseguir certas coisas, principalmente remédios, ela tinha que inventar algumas histórias ao ser questionada. Mas ninguém questiona um Buscador. E nós temos passe-livre em qualquer Estação de Cura.

— Você está dizendo que conseguiria os remédios de que precisamos? E o que me garante que no minuto em que você vir um dos seus não vai nos emboscar, voltando aqui com um exército?

— Ah, sim. Porque vocês estavam muito mais garantidos comigo aqui fora, ao lado de um carro veloz e com o tanque de combustível cheio! Ora, Jeb! Achei que já tínhamos passado dessa fase! A mesma garantia que você tinha antes você tem agora. Estrela e John estão aí.

— Tem razão. Já passamos mesmo dessa fase. Deve ser por isso que você não me contou que está escondendo o tanque de Peregrina dentro do seu carro! Enterrado no meio do deserto é o escambau!

Caramba! O velho lia mentes ou o quê?

— Como foi que você descobriu? – perguntei sem graça.

— Mentira não é exatamente o forte de vocês, Almas. – disse ele, satisfeito com a própria sagacidade.

— E por que você não contou a Ian?

— Porque esse é o único trunfo que você tem. É a única coisa que realmente garante sua segurança neste lugar. Sabe, eu tenho um bocado de rapazes impulsivos pra controlar aqui. Blefar faz parte da coisa.

— Falando em blefar, eu queria que você soubesse...

— Que você não abriria o tanque de Peg e a deixaria queimar no calor do deserto? Sim, já percebi isso também.

— Como é que você faz isso?

— Eu leio mentes, Buscador!

— Eu quase consigo acreditar nisso! Mas não me chame de Buscador, Jeb. Como eu disse, acho que não posso mais ser chamado assim. Mas você daria um excelente!

— Exceto pelo fato de que eu sou humano e um de vocês nunca me pegaria! Vocês não conseguiriam me expulsar da minha própria mente. Sou um tanto quanto apegado a ela.

— E se você fosse pego de surpresa?

— Você acha isso possível?

— Não, acho que não. É por isso que não te pegaram? Porque você descobriu tudo antes de um de nós conseguir chegar até você?

— Viu? Você também é capaz de descobrir as coisas.

— Faz sentido. Mesmo no começo, com todo o elemento surpresa, muitos de nós tiveram problemas com hospedeiros resistentes demais.

— Imagino. Mas eu não sabia disso até a chegada de Peg.

— O que você quer dizer?

— Estrela não te contou nada sobre como Peg chegou aqui?

— Não. Eu passei semanas tentando descobrir por que Peregrina se associou a vocês, mas não consegui.

— Claro. Se ela te contasse isso teria que contar também que estava pretendendo devolver o corpo e que nós sabíamos como fazer.

— É, mas eu não a culpo. Eu jamais permitiria isso. É arriscado demais! Não se ofenda, Jeb, mas eu não acho que vocês sejam capazes de fazer isso direito.

— Não só somos capazes, como já fizemos várias vezes.

Sei.

— Me fale sobre isso.

— Quando Peregrina chegou neste planeta, ela não estava no corpo que você conhece, aquele que está com Estrela agora. Minha sobrinha, Melanie, foi capturada e inseriram Peg no corpo dela. Mas Mel é uma Stryder, ela não aceitou ir embora. Não sem uma boa luta!

Nesse momento ele parou, acho que esperando que eu fizesse algum comentário, mas eu não consegui. Apenas mantive minha atenção vidrada no relato, enquanto tentava impedir meu queixo de cair no chão.

— Durante meses — continuou —, Mel bombardeou Peg com suas lembranças e emoções. Ela não deu um só instante de sossego para a pobrezinha! – disse ele, rindo com orgulho. – Peg acabou se apegando a Jared, o namorado de Mel, e a Jamie, meu outro sobrinho, irmão de Melanie. Eventualmente, Mel se lembrou de como chegar aqui e convenceu Peg a tentar.

Mais ou menos como Estrela se apegou às memórias de Peregrina.

— E como foi isso? Vocês a aceitaram?

— Oh, não! No começo foi terrível. Havia gente fazendo fila para matá-la. Mas Jared não permitiu.

— Porque ele sabia que Melanie estava lá também?

— Não, Peg foi esperta o bastante pra não dizer nada sobre isso. Se ela tivesse dito, as coisas ficariam piores. Todos já estavam achando que ela era uma Buscadora e que se conseguisse fugir ia trazer outros pra nos dizimar. Se ela tivesse dito algo sobre Melanie, todos achariam que era um truque baixo e Jared a teria matado instantaneamente, antes que ela pudesse dizer isso a Jamie e colocá-lo em perigo.

— Não entendo. Por que ele não a matou então?

— Porque ele não conseguiu. Porque eu não deixei. Porque nós não somos assassinos. Porque a dúvida sempre existiu. Sei lá! Escolha o que achar melhor. Enquanto isso, vamos falar mais um pouco sobre esses remédios que você pode conseguir. Aonde é que nós vamos? Acho que, pra uma primeira e rápida experiência, poderíamos ficar por perto. Tucson mesmo. O que acha?

— Espere um pouco! “Nós”? Você está ficando maluco se acha que eu vou levar um humano comigo! É perigoso demais pra você. Até pra mim, se nós formos pegos.

— Filho, quem está ficando maluco é você se acha que eu vou perder a oportunidade de sair numa incursão com um Buscador. Sabe quantas pessoas no mundo podem dizer que já fizeram isso? Pois eu digo pra você: depois de hoje, Jeb Stryder vai ser o único!

Não tive como não rir da cara que ele fez. E isso só me ajudou a me lembrar do quanto era mesmo urgente conseguir remédios. Meu rosto estava doendo tanto e ficando tão inchado que parecia que tinha outra cabeça nascendo em mim. Estrela também devia estar sentindo muita dor, e pelo menos a dor física eu podia fazer melhorar. Provavelmente seria inútil discutir com Jeb mesmo. Além disso, eu queria continuar ouvindo a história de Peregrina.

— Tudo bem. Mas você vai ter que me prometer que não vai sair de dentro do carro.

— Certo, certo. Não é como se eu pudesse sair por aí dando ao mundo o prazer de minha companhia mesmo. Só de sair daqui por algumas horas já vai ser o suficiente.

Pela primeira vez, considerei como seria não poder ir e vir para onde se quisesse. Agora mesmo eu queria entrar onde Estrela estava e não podia, mas só porque eu realmente não queria desrespeitar nosso acordo. Não fosse por isso já teria encontrado uma maneira. Mas Jeb e os outros humanos podiam perder tudo caso se arriscassem a sair. Buscadores iguais a mim se encarregariam disso. E eu me sentia péssimo só de pensar em algo assim acontecendo a Jeb.

Credo! Esse negócio de se apegar aos humanos era contagioso!

— Olha, Jeb, vou te levar com uma condição: você vai ter que me contar o que levou Peg a ficar aqui e abrir mão de quem ela era por vocês. Quem sabe assim eu entendo um pouco o que acontece com Estrela.

Quem sabe assim eu entendo por que estou começando a gostar da ideia de ficar aqui.

— Tudo bem. Eu dirijo?

— Não abuse. Mas vou te dar um desconto. Estrela roubou meu bebê preferido quando veio pra cá. E depois o abandonou no meio do deserto. Na volta, nós passamos por lá e você o traz pra mim. Qual você prefere dirigir? Porsche ou Mustang?

— Você está de brincadeira?

— O que você acha?

— Acho que Jeb Stryder acabou de virar seu fã número um.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Obrigada por todos os reviews carinhosos e entusiasmados que vocês têm deixado, seus lindos!
Amanhã tem mais um capítulo.