Perdida Em Seu Olhar - (Finalizada) escrita por Eu-Pamy


Capítulo 30
Capítulo vinte e nove - Olá Tristeza.


Notas iniciais do capítulo

Desculpe, eu não reli.



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Capítulo vinte e nove. – Olá Tristeza.

"Às vezes é preciso passar por certas dificuldades para que possamos ir com mais afinco no que virá pela frente."

Querida Tristeza. Como vai você? Estava sumida, senti sua falta. Mas é reconfortante saber que você não se esqueceu de mim... Ao menos você não me deixou. Obrigado por estar sempre ao meu lado, você é a minha única companhia agora... É tudo que eu tenho neste momento. Agradeço por aquecer o meu coração, ele anda muito frio nestes últimos tempos, que bom te encontrar no meio desta tempestade. Você me dá esperança, pois quando me sinto triste, sei que estou viva. Não me lembro de algum momento que você não estivesse ao meu lado... Você é fiel a mim. Obrigado querida, obrigado por me lembrar que não estou morta. Você é a única que ainda se preocupa comigo. A senhorita Felicidade e o senhor Satisfação foram embora, sabia? Tudo que eles me deixaram fora uma criança... Que é só o que tenho... Amiga Tristeza eu posso te pedir um favor? Por favor, imploro que fique longe da minha filha. Pode fazer isso por mim? Ela é muito pequena, não acho que esteja preparada para te conhecer... Obrigado querida, você é muito compreensiva. Vejo-te em breve, até.

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"Não existe situação desesperadora; existem pessoas que se desesperam com certas situações."– J. Odines

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Porque ser mãe? Acho que a pergunta mais apropriada seria: Porque não ser?

Ser mãe é ser apresentada a um nível superar de felicidade. É padecer no paraíso, beirar o inferno, e dizer adeus ao caos do mundo. Nada importa quando se está grávida, porque nada é tão importante quanto aquele pequeno ser crescendo dentro de você. Nada é mais importante que isso e nada te proporcionará mais alegria. Ser mãe é estar completa, é provar do milagre divino, da magia carnal, e de um amor desproporcional. Você ama aquele bebê mesmo antes de vê-lo, de tocá-lo, mesmo antes de saber qual é o seu futuro, se ele será bom ou ruim... Você simplesmente o ama mais do que a sua própria vida. Ser mãe é ser heroína, fada, rainha. Ser mãe é ser compreensiva, carinhosa, fiel. Ser mãe é saber dizer “não”, é se jogar na frente de uma bala para defender a cria, é abrir mão da própria vida para que ele sobreviva; é ser protetora e ter sexto sentido. Ser mãe é ser Mulher, com “M” maiúsculo. É ser vidente, saber quando seu filho sente dor, mesmo ele estando do outro lado do país. Ter um filho é a experiência mais preciosa e glorificante que Deus poderia dar a uma mulher. É milagroso ver a barriga crescer a cada semana, a cada mês; sentir a ansiedade de segurar aquela pequena cópia de você nos braços... Você anseia por cada segundo ao lado dele. Você o ama de um modo assustador, sente-se obcecada pela sua segurança, felicidade. E a cada instante que você e ele se interligam e se completam durante aqueles nove meses, você compreende que não poderia mais viver, mais sorrir, mais amar se ele não estivesse ao seu lado, se aquela criança não estivesse bem. Ele é o seu tesouro, seu filho amado, sua adoração, sua religião. Você é devota daquela criança abençoada, daquele anjo sem asas. Porque ter um filho, é ter um milagre de mãos pequenas dormindo no berço do quarto ao lado.

Não importa se ele será advogado, pedreiro, apresentador de televisão, ator, empresário, agricultor, só o que importa, é que ele seja feliz e tenha um bom coração. Eu só quero que o meu filho possa sorrir todos os dias, que ele nunca derrame uma lágrima sequer, mas mesmo se ele derramar, peço a Deus que o ensine a amadurecer com essa tristeza; que o ensine a superar as barreiras da vida, o torne forte, humilde e sábio. Eu só desejo que meu filho possa um dia conhecer o amor verdadeiro, que ele tenha saúde e sabedoria para escolher o certo ao invés do errado. Sinto que algo dentro de mim cresce junto com aquela criança: o meu amor por ele. Ele pode ser vesgo, albino, ter alguma deficiência, que eu o amarei do mesmo jeito, com a mesma intensidade. Eu enfrentarei guerras por ele, enfrentarei qualquer um que se colocar no seu caminho com a força de uma leoa. Que esteja preparado para morrer aquele que o fizer sofrer. Não importa se eu irei para a cadeia, passarei fome ou perderei amigos, enquanto eu estiver viva, eu defenderei o meu filho, mesmo que seja necessário defendê-lo dele próprio.

Essa criança é tudo que eu sempre quis... Eu perdi as contas de quantas vezes eu pedi a Deus, que eu implorei aos céus que me dessem essa criança... Desde pequena sempre fora o meu sonho, e agora, esse sonho está se realizando e eu estou sem reação. Não sinto medo, não sinto dor, esses sentimentos não alcançam o nível de satisfação que me encontro. Eu só consigo agradecer... E prometer que serei a melhor mãe de todas. Que meu filho nunca se sentirá abandonado, traído e ignorado por mim. Eu jamais seria capaz de ignorá-lo... Ele... é tudo, o meu tudo. É a pessoinha mais importe e significativa para mim... A felicidade dele é a minha felicidade, a tristeza dele é a minha, e a doença dele também é a minha doença. Uma lágrima que escorre dos seus olhos, queima o meu corpo, o meu espírito. Eu só posso prometer que jamais serei igual a minha mãe. Meu filho jamais sofrerá por minha causa, eu só quero fazê-lo sorrir. Ele jamais terá que ficar trancado dentro do quarto chorando o dia inteirinho por que a mãe dele não quis levá-lo a praia, porque ela se negou a dar um pouco de atenção a ele... Eu não serei igual a Silvia, eu serei completamente diferente dela. Meu filho terá uma mãe de verdade e um pai que não se matará quando ele tiver oito anos deixando ele sozinho no mundo. Meu filho não terá uma vida igual a minha, jamais. Eu não permitirei que isso aconteça. O mundo é grande e irá assustá-lo, eu sei, mas eu nunca irei soltar a sua mão. Enfrentaremos tudo juntos. Sempre juntos, como os três mosqueteiros: “Um por todos e todos por um”.

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***

Eu poderia estar sempre enjoada, sempre com fome e sentindo dor nas costas, como se nelas carregassem o peso do mundo inteirinho, mas eu afirmo com toda convicção: Nunca estive tão feliz.

Meu coração faltou pular para fora do meu corpo quando o médico anunciou o que eu já sabia ser verdade.

– Parabéns, você está grávida. – Disse calmo, sentada em sua cadeira de mogno do outro lado da mesa. – Você é uma mulher saudável, tem tudo para ser uma ótima hospedeira, seu corpo estará passando por muitas mudanças nas próximas semanas, mas isso é normal. Enjôos, tonturas, e até mesmo mudanças de humor são totalmente compreensivas. Eu irei te passar uma dieta e algumas vitaminas para que você não tenha problemas com sobrepeso depois do parto. Daremos inicio ao seu pré-natal imediatamente, e com o passar das semanas, você terá que fazer alguns exames, todos exames de rotina para saber como o embrião está se habituado ao corpo. Não se preocupe, com a benção divina, o seu bebê será saudável. Tudo é uma questão de boa alimentação, exercícios e paciência. E lembre-se, evite ao máximo se expor a momentos onde você poderá se irritar, evite lugares muito movimentados, barulhentos, que transmitam agressividade, isso não é bom para você e nem para o seu bebê. Eu recomendo que você freqüente lugares tranqüilos, ainda melhor se for na companhia de amigos e parentes que te transmitiram boas vibrações. Mas é claro, não é porque você está grávida que você está morta. Não fique deitada o dia inteiro, isso não é bom para ninguém e você poderá ficar depressiva. Passeia, caminhe, vá a lugares bonitos que te fazem bem, fique na companhia de pessoas que gostem de você. Mantenha-se afastada de comidas excessivamente gordurosas, faça exercícios como ginásticas, caminhada e Yoga. E afaste-se também dos vícios. Álcool jamais, cigarro também não, e até o café é bom evitar. Com o passar dos meses, você sentirá cada vez mais vertigem e desconforto, eu te sugiro usar roupas confortável, tênis e sapatilhas apropriadas, salto-alto jamais, isso acabará com a sua coluna. – Sorri, ele não precisava falar sobre salto-alto, já que eu os odeio. – E uma dica estética é passar óleo todos os dias no corpo para evitar as tão desagradáveis estrias que poderão se formar. Futura mamãe, eu sou um médico experiente, e acredite em mim, você não precisa ter nenhuma preocupação por causa da sua idade. Já vi mulheres muito mais experientes terem bebês lindos e saudáveis. Tudo é uma questão se bom-senso e de amor. E se preparem, porque o seu pequeno tem apenas quatro semanas, vocês ainda terão muitos meses pela frente. Sugiro que aproveitem todos os dias. Essa é uma experiente renovadora. O milagre da vida. Ninguém nunca sai igual depois de passar por uma experiência como essa.

Meus ombros caíram relaxados e eu não consegui dizer nada, apenas olhava para o Lucas e ele olhava para mim, dizendo mil palavras com aquele olhar. Havíamos conversado noites inteiras sobre o assunto, planejando, decidindo, tentando entender... Tudo era muito novo, muito intenso. Era difícil conseguir separar o que era sonho do que era real.

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***

– Lucas, eu sei que você não planejou ser pai aos dezenove anos... - Sorri sem graça - Mas eu prometo que vou tornar essa experiência fácil para você. Você não vai precisar trocar uma frauda sequer se você não quiser, eu me responsabilizo por toda essa parte... Eu só te peço para ficar ao lado do nosso filho e ensiná-lo a ser uma boa pessoa... O resto é por minha conta.

Estávamos sentados na areia da praia, observando as ondas quebrar na costa e as estrelas do céu parecer maiores, assim como a própria lua. Era domingo, quase nove da noite e a praia estava praticamente deserta, com exceção dos pescadores e alguns malucos que teimavam em surfar à noite.

– Eu não quero que essa experiência seja fácil. – Ele me encarou. – Eu só quero que o nosso filho tenha saúde.

Os pelos do meu braço se arrepiaram. Aquele fora a primeira vez que ele dissera: “Nosso filho”. Isso me fez encarar tudo diferente. Finalmente compreendi que não estava sozinha. Sem perceber, acabei conseguindo tudo o que sempre quis: Consegui formar a minha família. E era uma família linda por sinal.

Mordi os lábios, quase chorando.

– Eu não acredito que esse tempo todo eu procurei pelo homem perfeito, e não percebi que ele sempre estive ao meu lado.

O modo como ele me olhou me fez perder o ar, ficar zonza e me senti única.

Ele era o único capaz de me tirar do chão só com um único olhar, com um único sorriso... Ele era o único capaz de me completar verdadeiramente.

– Você é o homem da minha vida. – Sussurrei para ele.

– E você é a mulher da minha. – Seus olhos brilhavam.

– Acho que esse é um daqueles momentos especiais, que marcam a sua vida para todo o sempre, não é?

– Não é o “momento” que marca a minha vida... É você. Qualquer momento ao seu lado é especial.

Olhei para o chão.

– Você precisa parar de fazer isso.

– De fazer... ?

– De dizer sempre o que eu quero ouvir. – Sorri. – Isso é golpe baixo. – E o beijei com força, quase nos derrubando na área da praia.

Eu não compreendia como era possível, mas a gravidez só servia para me fazer amá-lo cada vez mais. Quando estávamos juntos, não existia sociedade, família, preconceito e problemas; não existia nada, só nós dois e o momento. Porque quando estávamos juntos, o mundo ficava pequeno demais comparado ao nosso amor.

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***

Na semana seguinte, nosso médico marcou uma ultra-sonografia, e nós conseguimos detectar os batimentos cardíacos do nosso filho.

– Senhora, o seu bebê está bem, porque a senhorita está chorando? – Perguntou o médico responsável pelo procedimento. Antes de começarmos a ultra-sonografia ele nos explicou que era novo no hospital, e que eu era uma das suas primeiras pacientes.

O Lucas sorriu condescendente.

– Vejo que você ainda não conviveu com muitas mulheres grávidas... – Comentou, apertando a minha mão como se dissesse que estava do meu lado.

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***

– Que nome você quer para o nosso filho? – Perguntei para ele duas semanas depois, enquanto mordia a minha maça verde. Estávamos deitados na cama, assistindo um show na televisão. Passei a mão pela minha barriga, sentindo um pouco de azia.

– Eu não sei querida... Ainda nem descobrimos o sexo dele.

Fiz uma careta.

– Mas eu não sei se eu quero descobrir, quer dizer, não agora.

– Mas você sempre defendeu a teoria de que os pais necessitam saber o sexo do filho para comprarem o enxoval. – Mordi a maçã novamente. – Você até tentou convencer a Karol quando ela estava grávida do Fernando, lembra? O que te fez mudar de opinião?

Dei de ombros.

– Eu só gostaria que fosse uma surpresa... Acho que será mais emocionante assim.

– Eu não concordo. – Disse, não se dando conta do perigo.

Franzi o cenho.

– Querido, você não tem que concordar. Se eu digo que vai ser assim, é porque VAI ser assim, entendeu?

Ele riu.

– Claro, quem sou eu para discordar de uma grávida histérica? – Abri a boca para dizer qualquer coisa, mas ele se antecipou, parecendo querer evitar uma briga, certamente com medo de perder para mim. – Mas me responda você, que nome você gosta?

– Eu não sei... São tantos nomes... E além do mais, eu fico apreensiva de escolher um nome e quando ele ou ela crescer, odiarem o nome. Acho que eu iria me sentir muito culpada. Ou se ele não tiver cara do nome que eu escolhi. – Comecei a falar muito rápido. – Já imaginou? Ele poderia sofrer bulling por causa do nome que eu escolhi... E mesmo assim, eu também não quero escolher um nome tão comum... Nosso filho será único, o nome dele também deve ser diferente, mas eu não quero nada como: Suemari, Patriuri, nada tão absurdo ao ponto de quando ele crescer ele querer trocar o nome...

– Calma, eu entendi certo? Suemari? Que raio de nome é esse? Por acaso você conhece algum coitado que se chama assim?

Ele riu.

– Não. Eu acabei de inventar. Suemari é uma junção de Suelen e Mariana, e Patriuri é uma junção de Patrique e Yuri. – Sorri. – Bem, diferente né? – Indaguei, orgulhosa da minha criatividade.

– É. – Concordou. – Eu não me surpreenderia se solto por ai existisse alguém que se chame assim. – Ele sorriu. – Mas nem venha dar uma de doida, porque meu filho ou minha filha não se chamará Suemari e nem Patriseiláoque. Pode tirar essa idéia da cabeça.

Gargalhei.

– Eu só falei brincando. É claro que eu não quero esse tipo de nome, eu quero um nome... Perfeito. Você entende? Porque o nosso filho vai ser perfeito.

Ele sorriu de lado.

– Vai ser sim. E não se preocupe, nós iremos encontrar um nome perfeito como ele. Temos muito tempo ainda para escolher, não precisamos ter pressa... – Uma pausa. – Mas agora, eu quero aproveitar um pouco você. – Sorriu com malicia, segurando o meu queixo e me beijando.

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***

O mundo é extraordinário e o futuro é algo fascinante. Como algumas pessoas podem ousar dizer que são capazes de prever o futuro? Ninguém é. Porque o futuro é uma constante variável. Porque ele está sempre se modificando, evoluindo, se moldando... Sinto um frio na barriga só de pensar que a cada decisão que tomamos, nosso futuro muda. Isso dá medo. E se eu tomar a decisão errada? O que vai ser do meu futuro? O que vai ser do futuro das pessoas que eu amo? Talvez esse seja o mais fascinante do futuro: Não importa quantas vezes você pergunte ou quanto queira pagar para alguém te dizer, você só descobrirá o seu futuro vivendo ele. Não é como se fosse uma janela, que basta você olhar para fora dela e vislumbrar os fatos. Não, o futuro é misterioso e sombrio. Porque mesmo estando feliz hoje, amanhã você pode chorar pela morte de algum conhecido ou os seus conhecidos poderão chorar pela sua morte. Não tente entender o futuro, não tente mudá-lo, apenas viva, viva e descubra com os seus próprios olhos o que Deus guardou para você. Descubra o que tem dentro da porta que você abriu, qual o motivo de você estar aqui.

Eu acredito que todos temos uma missão. Talvez a minha missão tenha sido caminhar pelas ruas do centro, no dia 28 de março de 2010, e parar uma mulher para pedir uma informação, impedindo que ela atravessasse a avenida; e por coincidência ou não, enquanto ela respondia a minha pergunta com uma simpatia rara, um carro com quatro assaltantes fugindo da polícia virou aquela esquina e passou voando pelo farol fechado. Naquele momento ela me olhou assombrada, levou a mão até a boca e sussurrou:

– Você percebeu que acabaste de salvar a minha vida?

De fato, se eu não tivesse parado ela para pedir aquela informação, certamente ela teria sido atropelada ou pelo carro dos assaltantes ou pelo dos policiais, mas definitivamente ela não estaria bem. Talvez esse tenha sido o meu destino. Talvez eu só tenha sido mandada para esse mundo, para salvar a vida daquela mulher. Gosto de pensar assim. Gosto de acreditar que em algum lugar, existe um ser maior nos protegendo. A vida faz mais sentido para mim assim. É mais simples enfrentar a violência do mundo, sabendo que em algum lugar, existe alguém me protegendo.

Mas se eu for pensar assim... Que eu fui enviada para salvar a vida daquela mulher, então eu também tenho que pensar que o Lucas fora enviado para salvar a minha vida. Porque se ele não tivesse entrado na minha vida, eu não sei o que seria de mim. Provavelmente, eu estaria trabalhando em um escritório como secretário ou como vendedora em uma loja de construção, teria perdoado o Rogério e estaríamos noivos novamente, sem filhos, sem metas e sem esperanças. Eu sofri muito quando descobri a traição do Rogério, mas Graças a Deus que ele me traiu! Graças a Deus que tudo aconteceu desse modo. Graças a Deus. Hoje, mesmo olhando para trás e sabendo do meu sofrimento, sei que ele foi necessário, pois sem ele eu nunca teria chegado aonde cheguei. Sofrer é ruim, mas é sofrendo que aprendemos a superar a dor, como dizem: É caindo que se aprende a levantar. Se eu não tivesse levado esses socos da vida, jamais aprenderia a me desviar deles. Hoje sou uma mulher mais forte graças as dores que eu senti no passado.

É engraçado pensar que eu salvei a vida daquela mulher no dia que antecedia o meu aniversario de trinta e sete anos. Parecia um recado de Deus, dizendo que eu sou capaz de fazer coisas boas, que eu não sou um monstro. Parecia que ele estava dizendo para eu ter fé no seu poder, que tudo ficaria bem no final. Eu só precisava ter esperanças.

Talvez tenha sido a gravidez, o meu amor pelo Lucas ou o sucesso do meu segundo livro infantil, mas finalmente eu havia conseguido sentir esperança novamente. Eu a tinha perdido há muito tempo, bem antes de conhecer o Lucas, quando meu pai se matou, eu era só uma criança e sofri demais a perda, mas agora... A esperança voltou ao meu coração. A esperança e a fé. E eu prometo que elas jamais se afastarão de mim.

Pela primeira vez na minha vida, eu me sinto em paz.

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***

Eu estava com três meses de gravidez, vestia um vestido preto, que disfarçava um pouco o volume na minha barriga, estava com os cabelos presos e sapatilhas confortáveis. Era dia sete de maio de dois mil e dez, oito horas da noite. O céu estava limpo de nuvens e não chovia há semanas. Desci do carro com cuidado, depois fechei a porta e caminhei até a porta da casa. Toquei a campainha algumas vezes, até que a Karol apareceu. Ela ficou surpresa quando me viu.

– Susan! – Gritou empolgada, sorrindo de ponta a ponta. Tentei retribuir, mas estava nervosa demais para sair natural. Ela avaliou a minha roupa por alguns minutos, depois me abraçou. – Você foi a algum enterro por acaso? – Disse ainda segurando meus ombros.

– Não. Por quê? – Enruguei a testa.

– Não é óbvio? Você nunca usa vestido preto, é natural que eu ache que alguém morreu quando te vejo com um. Ué, será que essa carreira de roteirista está te subindo a cabeça? Não me diga que você está ficando esnobe depois de tudo? – Riu. – Você sabe que estou brincando, não é? Você está linda.

Sorri.

– Obrigado. – Olhei para os lados. – Não vai me convidar para entrar?

– E desde quando você precisa de convite? – Ela deu passagem para eu entrar. Caminhamos até a sala de estar e nos sentamos no sofá. – Você quer tomar alguma coisa? Um suco ou um café? Quer dizer, eu particularmente odeio tomar café a noite, mas se você quiser eu posso fazer.

– Uau. Estou impressionada. Se eu soubesse que para você me tratar bem bastava só eu sumir por alguns meses, eu teria feito isso antes. – Brinquei. Ela pareceu envergonhada.

– Você é uma ingrata, eu só estou tentando ser gentil. – Jogou o travesseiro nas minhas pernas. – Mas depois disso, você vai ficar passando vontade, pois eu me recuso a preparar qualquer coisa para você! - Sorriu vitoriosa.

– Não se preocupe Karol, eu não vim até a sua casa para comer, até porque eu conheço o seu tempero e pelo amor de Deus, eu não quero... – Parei de falar quando ela gargalhou.

– Olha só quem está falando! A senhorita “Só sei fritar ovo”. – Riu mais alto. – Você fica falando mal do meu tempero, mas quem é que fica pedindo a receita de tudo o que eu faço? Hein espertinha, quem é?

– Com certeza uma maluca desequilibrada que precisa ser internada em um hospício.

– Que bom que você admite que é você.

Nos duas gargalhamos.

– Eu estava com saudade disso. – Falei rindo. – E falando em saudade... Cadê o Fernando e o Pietro? Eu estou louca para apertar as bochechas deles.

– “Apertar as bochechas”? Nossa, isso é tão coisa de tiazona, me faz lembrar das minhas tias encalhadas do interior. – Ela provocou. – Mas você deu azar. O Felipe saiu com os meninos.

Minha expressão ficou triste.

– Ah, sério? Que pena. – Cruzei os braços.

– Isso que dá vir sem avisar. Se você tivesse me ligado mais sedo, eu poderia ter falado para ele deixar para sair outro dia. A verdade é que ele foi levar os meninos na casa da irmã, e você sabe como eu odeio aquela cobra, né? Eu dei qualquer desculpa para não ir e ele acabou aceitando, acho que eu disse que estava com cólica, essa desculpa nunca falha. – Ela sorriu da inocência do próprio marido – Mas me diga uma coisa, você só veio aqui para ver as crianças? Cadê a consideração com a sua amiga de tantos anos? Desse jeito me sentirei deixada de lado. – Ela cruzou as pernas e sorriu. – Não, sério, eu estou feliz por você ter saído da ‘toca’.

Sorri de lado.

– Do modo como você fala, até parece que eu nunca saio daquela casa. – Soltei. – Eu sei que não tenho vindo tanto aqui quanto costumava, mas não precisa me tratar como se eu fosse uma presidiária em condicional. Eu só tenho trabalhado muito ultimamente... Você deveria ser a primeira a entender isso, afinal, seu marido é empresário, ele também dedica grande parte da vida ao trabalho.

Ela declinou a cabeça, como uma criança encarando algo misterioso ou sem sentido.

– Eu não quis dizer isso. – Começou. – Eu só estou dizendo que sinto a sua falta, não me leve a mal. Acho que estou me sentindo um pouco só agora que o Fernando passa quase o dia inteiro na escola e o Pietro está sempre com a babá. E não se compare com o Felipe, porque ele e o trabalho possuem quase uma relação de amor. Ele é obcecado por essa porcaria.

Olhei para os quadros pendurados nas paredes. A maioria o Lucas havia dado para eles. Senti um nó na garganta. Respirei profundamente.

– Você não tem conseguido trabalho? – Indaguei.

Ela mexeu em um mexa de cabelo.

– Não. – Me olhou frustrada. – Até parece que ninguém mais liga para a natureza. Ninguém tem mais tempo para se preocupar com jardins, árvores, estufas... Todo mundo está muito ocupado pensando na Copa do mundo, você sabe. Deus tenha misericórdia dessas pessoas... Onde já se viu? Trocar a beleza das flores pela agressividade desse esporte? Esse país é mesmo subdesenvolvido. Céus. – Suspirou, revoltada. Tentei acalmá-la com um sorriso. – Mas tudo bem, eu sei que mais dia menos dia, essa Copa acaba e tudo voltará ao normal. É tudo uma questão de tempo e paciência. – Ela sorriu.

As suas ultimas palavras me fizeram lembrar da minha gravidez, e do motivo pelo qual eu estava aqui.

– É. Você tem razão. – Falei a primeira coisa que veio à minha cabeça.

Ela pegou o controle e ligou a televisão, trocando de canal algumas vezes.

– Mudando de assunto... Ontem eu vi o Lucas. – Falou distraída. – Ele estava numa floricultura, comprando flores... Quer dizer, eu acho que ele estava comprando flores. Mas por qual outro motivo uma pessoa vai a uma floricultura, não é mesmo? Eu só não parei para conversar com ele, porque estava de carro, presa no transito. E além do mais, fiquei com medo dele estar acompanhado ou estar indo se encontrar com alguém. Não existi nada mais chato que uma ‘velha’ enchendo o seu saco quando você está acompanhado... Então eu fui boazinha e ‘quebrei’ essa para ele. – Ela riu – Eu já fui adolescente, sei como é insuportável e constrangedor encontrar conhecidos quando se está ‘paquerando’ alguém. Então conclui que o Lucas não merecia passar por isso também. Mas é uma pena que eu não vi a menina...

Congelei.

– E porque você acha que ele estava acompanhado? – Minha voz saiu baixa.

– Como eu disse, eu estava de carro e passei rápido pela floricultura, não deu para ver direito. Mas tive a impressão de vê-lo conversando com uma loira, pena que ele estava na frente dela e não deu para eu ver o rosto da garota. Só espero que não seja a ex dele, eu nunca fui com a cara daquela menina... – Deu de ombros. – Mas a vida é dele e quem decidi isto é ele, não é verdade? – Eu assenti automaticamente quando ela me fitou. – Você está bem?

Meu coração acelerou.

– E-e p-porque não estaria? – Levei minha mão à minha barriga inconscientemente.

– Sei lá. Você empalideceu de repente. Parece até que viu um fantasma... – Uma pausa – Você quer um copo de água?

– Talvez, quer dizer, um copo de água é uma boa idéia, eu vou aceitar. – Ela enrugou a testa, provavelmente sem entender o meu comportamento.

– Eu vou trazer. – E caminhou até a cozinha.

– Meu Deus... – Sussurrei, lembrando de mim e do Lucas termos nos beijado dentro daquela floricultura. E se ela tivesse visto nós dois aos beijos? O que seria de nós? Levantei do sofá e fui atrás dela na cozinha. – Karol. – Chamei. Ela estava enchendo o copo com a água do filtro.

– Eu disse que não precisava vir, eu iria levar. – Me entregou o copo com água. – Susan, você tem certeza que está bem? Suas mãos estão tremendo... – Tomei um gole de água e depois coloquei o copo em cima da mesa.

– Na verdade... Eu não estou bem. Tem uma coisa... Tem uma coisa muito importante que eu preciso te dizer e se eu não disser agora, acho que nunca mais terei coragem de te falar. – Falava muito rápido, sem respirar – Eu sei que já deveria ter de contado isso, mas eu quero que você me entenda, eu estava muito assustada. – Choraminguei, sentindo as lágrimas virem. – Eu nunca quis que isso acontecesse, mas aconteceu... Você precisa entender que eu nunca planejei isso. – Seu rosto ficou sério e seus olhos me encaravam sem vida, como se ela já soubesse o que eu iria falar. – Eu sei que é horrível, Karol, eu sei que eu sou um mostro... – solucei. – Por favor, eu não planejei nada disso... – Comecei a chorar com intensidade, o choro ficando mais alto do que as palavras.

Ela se aproximou de mim assustada, pegou uma cadeira e pediu para eu me sentar. Depois entregou o copo de água novamente para mim.

– Susan, calma, me diz o que está acontecendo! – Pediu, me olhando nos fundos dos olhos. Continuei soluçando, sentindo a coragem me abandonar e tudo começar a tremer. – Por favor, me diz o que eu posso fazer... Diz o que está acontecendo, você está me assustando! Tem haver com o Lucas? Ele está bem? O que aconteceu? Diz pelo amor de Deus! – sua expressão era perturbada, mas nada comparado com a minha. – Susan, nós duas somos amigas, se acalma e me diz o que está acontecendo...

– Ka... Ka.. rol... – Choraminguei tão baixo que duvido que ela tenha entendido.

– Se você não me disser o que está havendo, eu não poderei te ajudar. – Sua calma só piorava o meu estado. – Aconteceu alguma coisa com o Lucas? Com a sua mãe? Por favor, diz alguma coisa... - Senti uma ânsia de vomito quando escutei ela falar a palavra “mãe”. – É sobre o Felipe? Você ficou sabendo alguma coisa sobre ele? Alguma t-trai-ção?– Sua voz tremia de preocupação. – Por acaso você e o Felipe...? – Ela estava entendendo tudo errado.

– Não é isso. Karol... – Por um segundo, eu só pude ver ser olhos, e neles, me vi refletida. – Eu estou grávida do Lucas. – Parei de chorar. Finalmente eu havia conseguido falar. Finalmente aquele pesadelo não estava mais preso dentro de mim e eu pude deixá-lo ir, pude jogá-lo para longe de mim. Entretanto, eu não havia apenas jogado o pesadelo para fora, como eu também havia passado ele para outra pessoa. Tive certeza disso quando vi sua expressão se contorcer, virando um misto de nojo, raiva, espanto e descrença.

Ela me deu as costas, caminhando para o outro lado da mesa e se sentando em uma cadeira.

– O que... você disse? – Falou baixo, com os olhos fixos em algum canto qualquer da cozinha. Ela estava em choque.

Levantei-me e caminhei até ela.

– Por favor... Eu juro; juro que eu nunca planejei isso... só... só aconteceu. Eu sei que é horrível... Eu sei de tudo isso, mas, por favor, tente entender...

– O que você disse? – Ela encarou meu rosto. – O que você disse?! – Falou mais alto. – Eu. Quero. Que. Você. Repita. O. Que. Você. Falou! – Gritou entre os dentes trincados, pronunciando cada palavra como se fosse uma sentença. Fiquei assustada.

– Eu estou...

– VOCÊ ESTÁ O QUE? – Ela se levantou da cadeira. Ficamos uma de frente para a outra, os rostos quase colados por causa da pouca distancia que nos separava.

– GRÁVIDA! – Berrei, voltando a chorar. Seus olhos ficaram sem vida. Ela balançou a cabeça de um lado para o outro, negando varias vezes.

– Não pode ser. Isso é piada... Eu sei que não é verdade...

– Eu sei que é difícil de entender... – Levei minha mão aos olhos, tentando secar algumas lágrimas que manchavam a minha visão. – Até para mim foi difícil no começo... Mas você precisa entender que o Lucas e eu gostamos de verdade um do outro. – seus olhos se arregalaram com as palavras. – Nós não planejamos esse filho... Tudo aconteceu muito rápido, mas eu o amo. Eu nunca me senti assim, Karol. Eu sei que é insano, mas eu amo aquele homem. – Isso foi a gota d’água.

– Saia da minha casa.

– O-o quê?

– Saia da minha casa! – Suas palavras saíram duras e cheias de ódio.

– Por favor... – Implorei.

– SAIA AGORA!

Assenti, dando alguns passos para trás, tinha medo de que ela pudesse me machucar.

– Eu sabia que você iria reagir assim... Tudo bem, eu compreendo. Mas por favor... Você é a minha irmã, eu não quero te perder, não quando mais preciso de você... Nós duas somos melhores amigas, pelo amor de Deus, por tudo que é mais sagrado, eu imploro, não me abandona... Karol, eu preciso de você, preciso do seu apoio, sei que agora tudo é inaceitável... Mas nós somos amigas-...

– NÃO! – Eu podia ver as lágrimas encherem seus olhos. – Você não é a minha amiga! Não mais. – Meu coração se quebrou em mil pedaços, espalhando seus restos pela cozinha. – A minha amiga é uma mulher razoável, inteligente, madura, que JAMAIS faria algo assim! – Cada palavra sua me machucava, mas nada se comparava a dor que eu sentia pelo seu olhar. Ela nunca havia me olhado assim. – Você não é mais a minha amiga, está entendendo? Você é um monstro, uma mulher sem escrúpulos... Sem moral. Eu tenho nojo de você. – Ela levou a mão à boca, depois caminhou para longe de mim. – Susan, como você teve coragem de fazer isso? Onde você estava com a cabeça? O Lucas é só um menino... Você... Você... – presenciei o seu mundo desmoronar bem na minha frente. – Você o obrigou? Você o obrigou a fazer... isso? – De repente sua preocupação e medo pareceram mais fortes do que toda raiva e surpresa que ela poderia sentir.

Senti-me tonta com aquela acusação. Como ela poderia achar que eu seria capaz de fazer uma coisa dessas? Que tipo de psicopata ela acha que eu sou?

– Claro que não! – Gritei. – Eu jamais... Você não escutou o que eu disse? Eu não planejei isso Karol! Nem eu, nem ele! Eu juro. – Mesmo tentando entender o ponto de vista dela, eu sentia raiva... Porque ela tinha que reagir assim? Porque ela tinha que agir como se eu tivesse acabado de confessar um assassinato? O que o nosso amor tem de diferente dos outros? Qual o pecado que estamos cometendo em estarmos juntos? Porque as pessoas não podem aceitar o que sentimos um pelo outro? Porque isso é tão errado? Meu Deus, nós dois nos amamos, será que não temos o direito de sentir isso? Por que...? Porque não podemos nos amar?

– Por favor, não faz isso comigo... Diz que é brincadeira, eu vou aceitar, mas, por favor, desmente essa história. Isso... Isso...

– Essa é a verdade Karol, a única verdade que eu tenho para te dizer, não existe outra.

Ela piscou varias vezes, como se finalmente estivesse assimilando os fatos. Ficamos em silêncio por alguns minutos, apenas nos encarando. Eu não sabia mais o que estava sentindo. Tudo era surreal demais. Eu não podia aceitar que a minha vida e tudo pelo qual lutei estava se explodindo diante dos meus olhos. Mas de um jeito insano, eu conseguia me sentir aliviada, como se tivesse tirado um peso enorme das minhas costas.

– Se você já falou tudo o que tinha para dizer... Então acho melhor você ir embora. – Arfou. – E peço que não me procure mais; vai ser melhor assim. - Falou por fim.

Eu assenti.

– Eu sei. – Caminhei até a saída da cozinha, mas parei e olhei para ela. – Antes de eu ir... Eu só queria dizer que você é e sempre será a minha irmã, isso nunca mudará. Não importa que você me odeie agora... Eu sempre vou estar de braços abertos para te receber. Você pode contar comigo para qualquer coisa. Se um dia você quiser me ver ou quiser conversar... – Sequei uma lágrima - Saiba que eu ficarei muito feliz em te receber na minha casa. Você faz parte da minha família. – Ela encarava o chão, sem nenhuma reação, nenhum indicio de que mudaria de idéia. Tomei coragem e em seguida fui embora.

Ás vezes você precisa fazer coisas que não quer, para o bem daqueles que você ama. Esse era um daqueles momentos, onde tudo muda, onde tudo se transforma por causa da sua escolha. Eu escolhi contar a verdade para a Karol, eu sabia que ela não reagiria bem, mas mesmo assim, eu escolhi contar a verdade a ela. Porque somos irmãs e eu a respeito. Talvez essa decisão tenha acabado com a nossa amizade. Talvez por causa disso, nunca mais poderei chamá-la de “amiga”, mas eu não me arrependo, porque sempre que olhar para o passado e lembrar desse dia, eu saberei que apesar do medo da rejeição e da discriminação, eu fui sincera. Eu venci os meus próprios anseios, pisei em cima dos meus pesadelos e me mostrei mais forte do que qualquer vontade de sair correndo. Eu não menti, não enganei, fui sincera até o fim. Hoje eu mostrei minha coragem... Porque é fácil enfrentar um furacão, o difícil é sair vivo dele. E hoje eu provei que sou capaz, que sou mulher suficiente para arcar com as conseqüências das minhas escolhas. Eu não apenas enfrentei o furacão, como também sorri para ele. Porque o meu pior inimigo, sempre fui eu mesma. Eu nunca consegui fazer nada sem pensar na opinião dos outros, mas hoje não, hoje eu caminhei com as minhas próprias pernas. Finalmente o peso das opiniões alheias não machuca mais as minhas costas. Sei que é difícil perder uma amiga, mas foi necessário. Mais do que ser franca com ela, eu preciso ser franca comigo mesma. Preciso listas as minhas prioridades, mesmo que isso acabe com a minha vida e com a daqueles que gostam de mim. Eu não posso temer a vida, não posso me apoiar nas outras pessoas para sempre. Eu já tenho trinta e sete anos, não posso mais agir como uma menina de oito anos, que ainda chora pela morte do pai. Eu preciso me permitir crescer, pois só assim poderei seguir com o meu destino. E o meu destino, é ser feliz.

Eu encarei o furacão e ele me encarou de volta. Nós dois saímos machucados, mas nós dois saímos vivos. Porque ás vezes a dor, só serve para nos tornar ainda mais forte. Hoje eu me fortaleci. E estou preparada para o próximo furacão que o destino colocará no meu caminho. Porque se eu venci um, venço todos.

Se eu tenho uma filosofia de vida, essa filosofia é: “Aquilo que não me mata, me fortalece”.

Quando cheguei à minha casa, estava com dor de cabeça, os olhos inchados, perdidos na própria dor e quase não conseguia andar, como se estivesse me recuperando de uma ressaca. Tudo girava, meu mundo havia sido pintado de cinza, mas no meio de toda aquela escuridão, eu ainda era capaz de enxergar a luz.

Sentei-me no sexto degrau da escada, e fiquei ali talvez por três minutos ou por três horas, eu não sei, apenas fiquei ali, até que ele chegou em casa, feliz, enquanto carregava duas sacolas nas mãos. Ele não reparou o meu estado quando se aproximou, ou se reparou, provavelmente concluiu que eu não tive um bom dia por causa da gravidez.

– Você não vai acreditar, eu descobri um lugar onde vende o seu maldito açaí, e a melhor parte é que não fica muito longe daqui. Eu comprei três potes só por garantia. E então, vai querer comer tudo agora ou vai deixar um pouco para amanhã?

Sorri desolada.

– Acho que não estou mais com vontade.

Ele se sentou do meu lado, decepcionado.

– Como não está mais com vontade? Você não me deixou dormir ontem à noite por causa desse açaí, não é justo o seu desejo ter passado logo agora que eu achei onde vende! – Bufou inconformado. – Bom, você poderia comer um pouquinho só para não fazer desfeita, não é? Assim eu me sentiria mais tranqüilo, não quero que o nosso filho tenha cara de açaí! – Ele brincou, batendo com o cotovelo no meu braço e piscando com só um olho. Eu ri do seu jeito descontraído. Na maioria das vezes era só disso que eu precisava para me sentir melhor. Eu só precisava dele perto de mim que tudo ficava bem. Sem pensar duas vezes, eu o abracei com força, o deixando desconcertado. – Hey, eu também estava com saudades... – Sorri, nos afastando. – Isso tudo é porque eu comprei o seu açaí? Minha nossa, se eu soubesse teria comprado logo um pé de açaí e plantado no nosso quintal. – Comecei a gargalhar.

– Eu preciso te falar uma coisa. – Falei depois de certo tempo.

– Já sei, você mudou de idéia e vai querer o aça-...

– Não. Não tem nada haver com o açaí. Eu preciso te contar uma coisa que eu fiz hoje. – Eu mal terminei de falar e sua expressão ficou preocupada.

– O que foi? Aconteceu alguma coisa com o nosso bebê? – Questionou aflito.

– Não. Ele está ótimo. – Sorri, para que ele tivesse certeza de que aquilo era verdade. – É que hoje eu visitei a Karol.

– Ah é? Que maravilha. E vocês conversaram bastante? – Ele não esperou eu responder. – Eu te disse que é bom você sair um pouco de casa, ver pessoas... Lembra o que o médico disse na última consulta? Ele disse que você precisa se distrair um pouco mais, tirar a cabeça dos problemas-...

– Eu sei. – O interrompi. – Mas eu não fiz esse tipo de visita para a Karol. Eu fui lá para termos uma conversa... – Ele franziu as sobrancelhas. – E eu... contei para ela sobre nós. – Soltei.

– Você o que? – Perguntou espantado.

– Eu sei, eu sei... Desculpe, mas eu precisava dizer isso para alguém. Esse silêncio estava me sufocando.

– Mas porque diabos você inventou de passar por isso sem mim? Cristo. – Ele levou as mãos à cabeça. – Quando é que você vai entender que nós estamos juntos nisso? Que somos uma dupla? Você não precisava passar por isso sozinha!

– Eu sei, mas eu quis passar por isso sozinha. Eu tinha que passar por isso sozinha.

Ele negou com a cabeça.

– Não, não precisava. Susan tente entender uma coisa, você está grávida, não pode ficar passando por momentos assim... E se tivesse acontecido alguma coisa com a nossa criança?! Você pensou sobre isso? PELO AMOR DE DEUS, SEJA RAZOÁVEL! Eu não quero te ver passando por isso, não se torture assim. Você sabe que isso não te fará bem.

Tentei secar as lágrimas com as mãos.

– Me desculpe... – Afundei meu rosto contra o seu peito.

– Não, eu que tenho que pedir desculpa, eu não queria gritar com você, me perdoe. Mas você está me deixando louco. – Ele riu baixinho, me afastando devagar para encarar meus olhos. – Você está bem? – Assenti automaticamente. Estava tão acostumada a ouvir as pessoas me fazendo essa pergunta que nem pensava para responder. – Como... Como foi que ela reagiu?

Dei de ombros.

– Como esperado. – Ele concordou, deixando o assunto morrer. – O importante é que eu te amo, e que – peguei sua mão e levei até a minha barriga – o nosso filho tem saúde. O resto fica em segundo plano.

Ele sorriu, mas depois ficou sério.

– Você me promete que não faz mais isso? Tudo bem você querer falar para as pessoas, mas não faz isso sem mim, está bem? Eu não suporto imaginar você passando por isso sozinha. Susan, nós dois estamos juntos nisso, você entendeu? – Assenti – Promete que não vai mais fazer essa loucura?

– Prometo. – E o abracei. Fiquei escutando o barulho do coração dele voltar ao normal, até que ele nos separou.

– Bom, que tal nós esquecermos esse assunto e comermos o seu famoso açaí?

Ri.

– Seria perfeito.

– Ótimo, assim o nosso filho não terá cara de açaí. – Gargalhamos, nos levantando e indo até a cozinha.

Eu não conseguia me sentir triste quando estava perto dele. O Lucas era o remédio de todas as minhas doenças, ele era o antídoto de todos os maus que pousavam sobre a minha cabeça. Ele era capaz de curar tudo, menos o nosso amor, que a cada instante ficava mais forte e imaculado, indestrutível e mais forte do que qualquer preconceito que possa existir neste mundo e ousar tentar nos separar. Porque quando duas almas perfeitas se encontram, nada é capaz de separá-los, com exceção da própria morte.

Ou talvez... Nem ela.

.

****

A vida estava passando, correndo contra o próprio tempo, passeando no oceano do desconhecido, voando por todo o céu azul-claro que logo dava espaço ao azul-escuro, brincando de dizer “tchau” para o Sol e “oi” para a Lua. Os dias passavam, viravam noites, e as noites, voltavam a virar dias, tantas vezes que perdi as contas. Mas com a certeza de que a cada vez que o Sol dava o ar da sua graça, uma nova Susan nascia com ele. O brilho que vinha do universo, seja de estrelas ou raios ultravioleta, não eram tão potente quanto ao brilho que crescia dentro de mim, o brilho da vida, da esperança e da alegria, que ofuscava a todos ao meu redor. Mesmo quando chovia minha alma não se molhava, porque estava vacinada contra decepções e atrasos importunos do destino. Eu voava por cima dos problemas, e me permitia desfrutar de um belo dia de Sol. E raramente me arrependia de alguma decisão que tomava, menos quando estas estão relacionadas à comida. Eu nunca fui boa com regimes ou horários para tomar vitaminas, entretanto, quando o assunto se tratava de bolos e frituras eu era quase uma expert. Eu falava a linguagem das grávidas, mas escrevia contos infantis, que iam ao ar todos os dias da semana, e permaneciam com uma boa audiência. Eu apreciava a minha vida e mesmo sendo obrigada a abrir mão de algumas coisas, eu continuava satisfeita com o rumo que a minha vida estava tomando.

Em Junho, com quatro meses e meio de gravidez, vendemos a nosso casa e nos mudamos para outra mais distante das favelas, em um bairro nobre do Rio de Janeiro, onde nosso filho poderia ter uma boa criação e não presenciaria diariamente a violência. Eu estava cansada de ser assaltada, cansada de viver com medo, eu não queria isso para o meu bebê, nem eu e nem o Lucas. Foi necessário apenas duas semanas para que nos adaptássemos a nova vizinhança. A nova casa não era muito maior do que a anterior, mas ainda assim ela tinha algo diferente, algo “só nosso”, que me transmitia uma sensação de conforto. Ela era simples, delicada e muito bonita, simplesmente perfeita para nós, como se tivesse sido fabricada sobre medida. No quintal dos fundos havia várias árvores frutíferas; goiabeira, amoreira, pitangueira e um limoeiro, onde eu passava parte do dia me deliciando com os sabores variados. O que diferenciava essa casa das outras, era que nessa o Lucas e eu teríamos uma suíte para nós dois; tão grande que parecia um quarto de hotel. Ao lado do nosso quarto, seria o quarto do bebê, e o seguinte o lugar onde o Lucas pintava. Eu também ganhei um escritório só para mim, ao lado da minha nova biblioteca, onde eu escreveria os meus livros. A casa também era composta por três banheiros, uma sala, uma cozinha, um quarto de hospede, lavanderia, garagem e porão. Como éramos os primeiros donos da casa, ela ainda tinha cheiro de nova, o que me fazia delirar de satisfação.

Na ultima semana daquele mês, recebi uma ligação do diretor de um programa de entrevista da televisão aberta, me convidando para fazer uma participação no programa dele, onde eu falaria sobre o sucesso do desenho animado e aproveitaria para divulgar o meu terceiro livro infantil. E evidentemente, eu aceitei. Mas no meio da entrevista, tive uma grande surpresa.

Eu estava com um vestido solto, que disfarçava a minha barriga. Naquele momento, eu era apenas uma escritora um pouco acima do peso e não uma grávida de quatro meses.

– Desculpe interrompe-la. – Disse o apresentador, com um ar misterioso. – Mas a produção preparou uma surpresa para você... – Abri a boca com espanto.

– Uma surpresa? – Perguntei desconcertada.

– E parece que você vai gostar. Está preparada? – Assenti. Ele fez um gesto com a mão e então começaram a rodar um vídeo no telão. Sorri quando vi do que se tratava.

– Eu sei que provavelmente ela deve está querendo me matar neste momento... – Ele riu. – Mas a produção pediu para eu guardar segredo e eu achei justo. – O apresentador sorriu vendo a minha expressão. – Eu vou ser clichê, vou dizer o que todo mundo diz, mas a diferença é que desta vez é verdade. Eu poderia passar o resto da noite falando desta pessoinha maravilhosa, que ainda assim não seria suficiente. – meus olhos se encheram de lágrimas - A Susan é uma mulher estupenda. Linda. – Sorriu. – E muito guerreira. Ela é o meu exemplo, a pessoa mais determinada que eu já tive o prazer de conhecer. Eu não costumo dizer muito isso, mas a força dela é tão grande, que eu acabo me tornando forte também. Ela é a minha única família, eu não sei o que seria de mim se ela não estivesse do meu lado esse tempo todo. Sou muito grato a Susan, e me sinto muito feliz com tudo de bom que está acontecendo na vida dela, porque ela merece. Ela batalhou muito por tudo isso. Deus sabe o que faz e nunca comete erros, por isso ele a criou. – Seus olhos brilhavam. – Eu só queria dizer muito obrigado, obrigado por ser a pessoa que você é e, por favor, nunca mude esse seu jeito guerreiro de ser. Eu te amo. – Ele sorriu e o vídeo acabou.

Houve uma explosão de palmas vindo da platéia, enquanto eu chorava de emoção. Tentei dizer algo, mas eu só conseguia chorar e sorrir.

– Realmente foi muito emocionante... – Começou a narrar o apresentador. – Eu que estou aqui do lado dela vejo como isso mexeu com a estrutura...

– LINDOOO!!! – Gritou uma voz feminina em algum canto da platéia.

– Isso não se faz. – Sorri, secando meus olhos. – Eu não esperava mesmo, muito obrigado, foi lindo.

O apresentador segurou minhas mãos.

– Sim, foi mesmo. Mas me diga uma coisa, que rapaz bonito-... – Começou. Algumas pessoas gritaram “Uhum!”, concordando com ele. Ele apontou para as pessoas. – Está vendo? Eu não sou o único que acha. Esse rapaz é modelo? Ele poderia participar de concursos de beleza facilmente-...

– Ah é, ele é uma doçura. – Concordei.

– Qual o nome dele?

– Lucas, ele acabou de fazer vinte anos... – mais gritos femininos.

– Desculpe essas assanhadas, - alguns risos – mas são todas encalhadas que não podem ver um rapaz bonito que ficam todas soltinhas. – Algumas pessoas gritaram e outras riram da brincadeira do apresentador. – Mas deve dizer que esse rapaz tem cara de modelo, uma beleza diferenciada...

– É. – Sorri – E eu estou impressionada, porque o Lucas é um menino tímido, deve ter sido muito difícil para ele se permitir ser filmado desse jeito.

– Ele está aqui na platéia?

– Não, não, ele não pode vir.

– Uma pena. – Rimos. – Mas voltando ao assunto da entrevista... Você poderia nos explicar como surgiu a idéia do desenho animado?

No dia em que o programa que eu gravei foi ao ar, liguei para a minha mãe, mas ninguém atendeu, então deixei uma mensagem.

– Mãe... Eu não sei se você está ai... Quando você ouvir essa mensagem não precisa ficar preocupada... Eu só queria avisar que eu fui convidada para ser entrevistada no programa do Jô. Sei que passa de madrugada e você gosta de ir dormir sedo, mas... é importante para mim. Eu ficaria feliz se você assistisse. O programa vai passar hoje... Se você puder, assista, está bom? Desculpe o incomodo... Tchau. – E desliguei.

Olhei para o lado, o Lucas estava me encarando pensativo.

– Será que ela vai assistir? – Questionei, precisando ouvir uma resposta.

– Eu não sei querida. – Respondeu com sinceridade, passando a mão na minha barriga.

.

***

Em julho o Lucas teve férias. Eu insistia para ele largar o serviço, mas ele era teimoso demais. Mesmo com o meu sucesso e a minha ótima fase financeira, ele não queria se sentir como um inútil, mesmo eu repetindo que isso era só besteira da cabeça dele. Aproveitamos o seu tempo livre para organizar os últimos preparativos do quarto do nosso filho. Compramos móveis, brinquedos, ursos, ele pintou a parede de branco e depois fez vários desenhos nela, cada um mais lindo do que o outro, e também compramos roupas, sapatinhos, mamadeiras; compramos fraudas, remédios para bebes, calmantes, perfumes, cremes, chupetas, enfim, tudo o que um recém-nascido precisa. Íamos a cada quinze dias ao médico. Fazíamos ultra-sonografia e exames para saber se tudo estava correndo bem. Eu continuava comendo como uma leoa, mas tinha consciência de não exagerar. Ás vezes eu me sentia péssima, gorda, feia, irritada, e outras vezes, eu me sentia linda, sensual, transbordando de desejo. O Lucas nunca sabia como eu iria acordar no dia seguinte, mas ele era paciente e respeitador. Muitas das vezes que eu perdia o controle, eu acabava brigando sozinha, porque ele nunca ousava levantar a voz para mim, sempre levando tudo aquilo com bom-humor.

Eu costumava dizer que seriamos os pais perfeitos. Ele era o pai protetor, sensível, preocupado, e eu era a mãe descontraída, nostálgica e imperativa.

Eu escrevia durante a semana e nos finais de semanas nós passeávamos. Sobretudo, gostávamos de freqüentar feiras de livros, inauguração de restaurantes, parques de diversão e cinemas. Depois da minha entrevista no programa da Globo, fiquei surpresa com a quantidade de e-mails que eu recebi, alguns de fãs, escritores iniciantes, e muitos, mas muitos mesmo, convites para festas de aniversários, inauguração de eventos e palestras escolares. Eu me sentia elogiada com a repercussão e com aceitação das pessoas, mas a minha gravidez e os roteiros dos episódios já estavam tomando muito do meu tempo, eu não podia me dar ao luxo de pensar em qualquer outra coisa que não fosse isso.

O mês passou tranqüilo, até que no começo de Agosto, ele e eu tivemos uma conversa. Uma conversa que há muito tempo nós estávamos evitando ter.

– Precisamos contar para a sua mãe. – Ele se sentou no sofá, e estendeu a bacia com a pipoca para mim. Eu estava assistindo um romance na TV e não olhei para ele. – Você está com quase seis meses, logo essa criança vai nascer. Precisamos contar para ela, afinal, ela é a avó.

Eu não queria falar sobre isso. Não queria nem pensar na imagem da minha mãe. Isso tudo era insuportável demais.

– Lucas, agora não, por favor. Outro dia falamos sobre isso, está bem?

– Como você quiser, mas eu acho que já adiamos demais esse assunto. A sua mãe tem direito de saber.

Esfreguei a minha testa, sentindo dor de cabeça.

– Você fala como se ela fosse pular de felicidade. A única razão de esta gravidez estar indo bem até agora é porque ela não sabe de nada. A Silvia vai enlouquecer quando descobrir, eu não quero nem imaginar do que ela é capaz, Lucas. Aquela mulher é um monstro, e você sabe que ela não gosta de mim. Eu tenho medo até de contar para a minha irmã e ela contar para a Silvia. Isso seria só mais um motivo para ela ter ódio de mim. Se ela já me odeia agora, sem eu ter feito nada, imagina então o que sentirá quando descobri? É capaz de ela querer matar essa criança... – Abracei a minha barriga, aflita com a idéia.

– Não exagera. A Silvia pode até ter os seus defeitos e excentricidades, mas ela nunca seria capaz de uma crueldade dessas. Ela é a sua mãe acima de tudo.

O encarei incrédula.

– Ela é capaz de qualquer coisa para me deixar triste. Sempre foi assim. Ela é insana e não é deste mundo. Eu nunca entendi porque ela me odeia tanto, já que sou eu que devo odiá-la por ter acabado com a vida do meu pai e com a minha. Ela é monstruosa, não existem limites para pessoas como ela.

– Sei que você tem os seus motivos para ter amargura, mas o perdão é um ato nobre, e você deveria pensar nisso. Logo seremos pais, nossas vidas não vai mais rodar entorno de nós. Se você ama o nosso bebê, então precisa perdoar a sua mãe. Eu não quero que o nosso filho ou a nossa filha cresça em um mundo de ódio, vendo a mãe e a avó se menosprezar desta maneira. Eu não quero que o nosso bebê cresça achando que isso é normal. Entende? – Assenti – Eu vou estar com você meu amor, não importa o que ela vai dizer, eu vou continuar amando você. Nós somos adultos, ninguém tem nada haver com a nossa vida, mas ela será avó e sempre me tratou bem. Eu não quero te obrigar a passar por um momento difícil, não quero que você passe nervoso, mas ela é a sua mãe, vai entender.

– Se você acha isso é porque não a conhece direito. – Arfei. – Mas se você faz questão... Eu faço isso.

– Não, NÓS faremos isso. – Corrigiu, sorrindo para me encorajar.

***

Seria perigoso demais enfrentar uma viagem de mais de cincos horas até São Paulo nas circunstâncias em que me encontro, então decidimos ir de avião.

Quando aterrissamos no aeroporto de Guarulhos, pegamos um táxi e fomos até a casa da minha mãe. Nós a tínhamos avisado da visita, mas não falamos sobre o motivo. Provavelmente ela só aceitou porque achou que o Lucas estava com saudades.

Enquanto tocava a campainha, ele apertou a minha mão. A mão dele estava gelada e me fez arrepiar.

A porta se abriu lentamente. Quando nos viu, seu rosto empalideceu, notando a minha barriga. Eu estava com mais de seis meses de gravidez, e o volume ficara evidente. Ela levou à mão a boca, aterrorizada.

– Entrem. – Ordenou, dando passagem. Tive que obrigar meu corpo a caminhar para dentro da casa, porque eu simplesmente parecia ter paralisado naquele lugar. – Porque você não me contou isso antes? – Perguntou na sala, de um jeito tão duro que eu quase chorei só com a pergunta. Levei minha mão a minha barriga, como se protegendo a minha criança. – Quem é o pai? – Fez outra pergunta. O Lucas deu um passo à frente, mas ela não o encarou. – Não me diga que é filho daquele Daniel? Daquele jornalistazinho abusado! – Seu rosto estava ficando vermelho.

– Não. – O Lucas falou. Eu não conseguia nem abrir a boca para dizer uma palavra sequer. Minha garganta estava seca, eu estava enjoada e minhas mãos suavam. – Silvia, por favor, você poderia trazer um copo de água para a Susan? – Ele pediu. Ela o fitou por uns instantes, deu as costas e saiu resmungando qualquer coisa. – E você precisa relaxar. – Ele falava como se lesse em um livro de auto-ajuda. Respirei fundo. Eu estava ficando louca, queria sair correndo dali. Queria levar o meu bebê para bem longe daquela cobra. Minha mãe voltou e entregou um copo com suco para mim. Tomei um gole de vagar.

– Agora me responda menina, quem é o pai dessa criança? Cadê ele? Ele te abandou? Eu sabia, eu sabia que isso ia acontecer! Você nunca teve mão boa para homem! – Ela levou as mãos aos cabelos. – E agora? Você vai criar essa criança sem pai?

Caminhei até o sofá e me sentei. Estava ficando atordoada. O Lucas e ela me seguram, mas a Silvia não se sentou.

– Você está muda? – Questionou furiosa. Olhei para o chão, sem forças para encará-la. Foi então que o Lucas tomou as rédeas da situação. Pela primeira vez na minha vida, minha mãe o ouviu em silêncio. Ele falava com tamanha maturidade e convicção, como eu jamais seria capaz.

– Viemos aqui dizer que nós dois iremos ter esse filho. Não importa o que você diga, se você quer ou não quer ser avó. Isso não muda os fatos. – Disse por fim, depois de um longo discurso contando sobre como tudo aconteceu. Eu escutei tudo em silêncio e a minha mãe estava sem reação. Seus olhos estavam arregalados e ela parecia querer desmaiar.

Comecei a chorar. Aquele silêncio era a minha sentença. Tudo que ela sempre me dera na minha infância fora: Silencio e indiferença. E mesmo ali, depois de uma revelação como aquela, ela continuava indiferente.

– Vão embora. – Cuspiu seu veneno. – Eu nunca mais quero vê-los na minha frente. Vocês são doentes. Não sei como vocês puderam achar que eu aceitaria algo... assim. – Respirou fundo, quase chorando. – Vocês têm dez segundos para sair da minha casa, se não eu nem sei do que sou capaz. – Mesmo sem encará-la, eu sabia que ela olhava para mim. – Você me decepcionou muito. – Murmurou, sua voz falhando na ultima palavra, e então saiu da sala, indo para outro cômodo da casa.

Eu chorei dentro do táxi, no aeroporto e dentro do avião, só parando quando cheguei em casa e corri para o quarto do meu filho. Naquela noite, o Lucas e eu dormimos ali mesmo, fingindo que o mundo não existia e só nós três importávamos.

.

.

(...)

No finalzinho de Setembro, quando eu já estava com sete meses e meio de gravidez, aproveitamos o Sol e fomos para uma cachoeira. E enquanto eu olhava o Lucas nadar naquela água transparente sentada debaixo da sombra de uma árvore, eu percebi como eu tinha sorte. Havia dezenas de meninas ali mesmo, naquela cachoeira, que dariam a vida para conquistas um homem como ele, mas ele sempre as rejeitavam, ou melhor, ele nem notava a presença delas, porque estava sempre muito ocupado olhando para mim. Eu não entendia o que tanto ele via de especial em mim, mas ficava feliz em saber que ele só tinha olhos para mim. Pelo menos assim eu não precisava ter ciúmes ou ficar com medo de ser traída. O Lucas era jovem, cheio de vida, lindo como um anjo, com um corpo atlético, e mesmo assim, ele gostava de mim. Namorá-lo não era como namorar um homem da minha idade. Ele estava sempre disposto, nunca reclamava de nada, era sonhador e possuía uma inocência para a vida que me fascinava. Aos olhos dele, o mundo era perfeito. Ele transbordava juventude, vida, e eu... Eu era contagiada por toda essa vontade de viver. Ele era respeitador, paciente, sensível... Como uma criança. Mas era forte, genial e corajoso como um homem de muito mais idade. O Lucas era único e, a melhor parte, era só meu. Ele me amava e me queria, como eu também o amava e o queria. Nosso amor era como a água daquela cachoeira, limpo, transparente e incontrolável. E tentar sufocar o nosso amor é igual tentar agarrar a água do rio com as mãos, “impossível”. Você pode até nos separar, mas nem por isso o nosso amor diminuirá. Porque ele é eterno e abençoado por Deus. O nosso amor é igual a correnteza de uma cachoeira, onde ninguém jamais conseguirá nadar contra.

Ele me encarou, esticou os braços no alto e gritou:

– Vem! A água está ótima! – Sorriu.

– Só se você prometer que não vai deixar eu me afogar. – Brinquei, me levantando. – E que não vai se afastar de mim.

– Nunca. Nunca me afastarei de você, eu prometo.

E naquele momento, eu tive a convicção de que aquilo era verdade.

.

.

(...)

12/08/2010. Dia da Nossa Senhora Aparecida. Quarta-feira. Dez horas da noite.

Eu estava respondendo um e-mail de uma fã, quando escuto o meu telefone tocar. Levantei da cadeira e caminhei até o meu quarto, peguei o aparelho de cima da cama e atendi.

– Alô? – Me sentei na cama.

– Como está a minha grávida preferida? – Ele brincou.

– Eu estou com um pouco de indigestão e estou carente. Onde é que você se meteu? Você disse que não ia demorar... – Resmunguei, fazendo beicinho. Escutei sua risada.

– Desculpe amor, mas eu estou no transito. Vou demorar mais um pouquinho. – Escutei um chiado.

– Você está dirigindo e falando no telefone? Sabia que você podia ser multado por isso?

– Do jeito que esse trânsito está, eu duvido muito.

– Lucas...

– O que?

– Não demora, eu não gosto de ficar sozinha nessa casa, ainda amais a noite. É deprimente. – Comecei a brincar com uma mexa do meu cabelo.

– Se eu pudesse juro que passaria por cima de todos os carros para chegar mais rápido, mas você sabe que eu não posso...

Sorri.

– Quando formos comprar um carro da próxima vez, eu irei comprar um trator de quatro metros para você. – Ele riu.

– Seria uma ótima idéia. – uma pausa. – O que você estava fazendo?

– Nada demais... Estava escrevendo um pouco para me distrai.

– Ah é?

– Sim.

– Eu me sinto tão orgulhoso por você ser escritora, sabia? Fico imaginando a carinha do nosso filho ou da nossa filha enquanto você lê o seu livro... Fico imaginando os olhinhos dele brilhando... Isso é tão especial e empolgante. Eu não vejo a hora dele nascer para poder pintar um quadro dele. Nosso bebê vai ser lindo.

– Vai ser sim, ele vai ser igual a você.

– Jura? Eu prefiro que ele seja igual a você... Espero que ele tenha os seus olhos, eu amo os seus olhos. – Sorri.

– E eu amo os seus olhos. – Meu coração acelerou. – Eu amo você todinho. – Ouvi sua risada.

– Se eu te falar um segredo, você promete que vai esperar eu chegar para ver?

Franzi o cenho, curiosa.

– Prometo.

– Eu tenho um presente para você... – Sussurrou, parecendo envergonhado.

– Onde está? – Levei minha mão à minha barriga, sentindo uma pequena pontada. – Ai... – Gemi.

– O que foi? – Perguntou preocupado.

– Nada não, acho que tem alguém querendo falar com o papai...

– Ele está chutando? – Imaginei seus olhos brilhando neste momento. Ele sempre fazia isso quando isto acontecia.

– Acho que sim. Ele está muito agitado hoje... – Não dei muita importância ao assunto. – Mas o que você estava falando mesmo? Você disse que tinha um presen-...

– Se for menina eu quero que o nome dela seja Yasmin. – Disse de repente.

– O que?

– Se for menina, eu quero que o nome dela seja Yasmin.

– Yasmin? – Avaliei o nome. – Mas porque Yasmin?

– Não sei... Só me veio à mente agora. Se ela for uma menina, eu quero que ela se chame Yasmin. O que você acha?

– Eu... Eu não sei. É bonito, mas eu não sei... Precisamos pensar melhor.

– Tudo bem. – Ele riu. – Eu te amo sabia?

– Eu também te-... – Arfei.

– Susan? – Escutei ele dizer.

– AHHH!!- Gritei em desespero.

– SUSAN?

Senti uma dor insuportável na barriga e então algo molhou minhas pernas. Fiquei desesperada, me contorcendo na cama, começando a chorar.

– AHHH – Gritei novamente.

– SUSAN O QUE ESTÁ ACONTECENDO?

Levei minha mão até a minha intimidade, e quando voltei a olhá-la, fiquei horrorizada. “Sangue”, pensei comigo mesma fitando a mão tremula. Meus olhos indo parar nas órbitas, juntamente com a minha razão.

– L-Lucas e-eu estou san-sangrando... – Gaguejava. – L-Lucas...

Houve um momento de silêncio.

– Susan, me escute com atenção, está escutando?

– Si-sim... – Solucei.

– Você precisa se levantar, pegar a bolsa azul que está na sala e sair de casa, depois você precisa ir até a casa do visinho e pedir para ele te levar até o hospital, está entendo? Você não pode dirigir. Por favor, eu vou ligar para ele e avisá-lo, está entendo? – Me levantei, saindo do quarto.

– Lucas... – Chorei seu nome.

– Por favor querida, faça o que eu estou dizendo. – Ele pareceu quase tão desesperado quanto eu. – Tudo vai ficar bem, não se preocupe.

– O-o no-nosso b-bebê... – Eu mal sentia minhas pernas.

– Tudo vai ficar bem... Eu juro que tudo vai ficar bem. – Eu sabia que ele estava chorando. – Eu te amo, está entendo? Por favor, faça o que eu te disse, eu prometo que quando você chegar ao hospital eu já estarei lá te esperando, por favor querida, faça o que eu estou te pedindo...

– L-Lucas...

– Tudo vai ficar bem. Eu preciso desligar, eu preciso avisar o visinho...

– NÃO!

– Querida...

– Por favor, não me deixa sozinha... – Cambaleei pelo corredor.

– Eu nunca deixarei, eu juro. Mas eu preciso dar o endereço do hospital para ele... Mantenha a calma.

– L-lucas...

– E-eu te amo. – E desligou.

Senti uma dor forte nas pernas e então cai no corredor, perdendo a consciência. Quando acordei, estava dentro de um carro, deitada no bando de trás.

– L-lucas... – Chamei o nome quase sem forçar.

– Está tudo bem senhora Cllaus, eu já estou te levando para o hospital. Não se preocupe, ele também está indo para lá. – Disse o homem que dirigia o carro.

– Meu... bebê... – Choraminguei, vendo minha roupa suja de sangue. – Eu estou perdendo o m-meu bebê...

– Não se preocupe, logo chegaremos, não vai demorar. Só fique acordada. Só fique acordada. – Eu mal conseguia levantar minha cabeça para ver o rosto do homem que dirigia o carro.

– Lucas... – Chamei. – O meu bebê... – O mundo parecia pesado e distante demais. – Eu estou... – Arfei. – Meu bebê... – Comecei a chorar. – Por favor, salva o meu bebê...

– Não se preocupe senhorita Cllaus. – Foi a última coisa que escutei.

Quando acordei novamente, estava em cima de algo dura, sendo arrastada para algum lugar. Eu via pessoas me olhando, enquanto me puxavam. Eles pareciam anjos... Todos usavam branco. Eu estava morta?

– L-lucas... – Chamei.

– Senhora, mantenha-se a calma. O que você está tendo é normal. – As palavras dele não faziam sentido. Quem era ele?

– Onde estou? – Sussurrei baixinho.

– A senhora está no hospital. Por favor, mantenha-se acordada, você não pode desmaiar novamente. - Eles me levaram para dentro de uma sala. De repente varias outras pessoas me cercaram, todas usavam luvas, tocas e mascaras. Eles eram médicos? – Pelas circunstâncias, não temos tempo para fazer uma cesariana, seremos obrigados a fazer um parto normal, pelo bem do seu filho.

“Meu... Meu... filho?”

– Meu bebê... – Choraminguei.

– Por favor, se mantenha acordada.

– Lucas? – Olhei para os lados. – Onde ele está? Lucas? – Comecei a me debater - Ele disse que estaria aqui. ONDE ELE ESTÁ?

– Por favor, senhora, fique calma.

– Salvem o meu bebê... – Olhei desesperada para o médico. – Pelo amor de Deus, salvem o meu bebê...

– Vamos salvar, mas precisamos que a senhora seja forte. Sei que é difícil, mas a senhora não pode dormir, está entendendo? Se você dormir o seu filho vai morrer.

– Não! ELE NÃO PODE!

– A senhora precisa...

De repente eu não consegui escutar mais nada. Tudo era apenas dor. Foram as piores horas da minha vida. Mas tudo foi recompensado quando finalmente escutei o choro de uma criança.

– É uma menina saudável. – Foi só o que escutei antes de me entregar a escuridão.

(...)

Seus sussurros não me pertencem mais.

Sinto o cálice do nosso amor transbordar sangue.

Um sangue frio e denso, de gente inocente.

E o peso do seu silêncio me impulsiona ao chão.

Sinto o abismo se abrir.

E a rachadura quase me alcançar.

Estou morta. Mal ouço o meu coração bater.

Tudo é raiva. Medo. Tudo é frio.

Meu sangue está congelando.

Virando pedra.

Assim como o meu coração e a minha razão.

Olho para os lados e só vejo a Tristeza sorrir para mim.

Tudo dá medo.

Eu sou uma criança e preciso de ajuda.

Não posso continuar vivendo assim.

Isso é loucura.

Eu não agüento viver sem você.

Socorro. Alguém, por favor, me ajude.

Eu não posso sozinha.

Minha vida não faz sentido.

Sou uma criança assustada, que não sabe como agir.

Eu só quero acordar.

Quero que tudo volte ao normal.

Isso não é viver; isso é ter um pesadelo. É VIVER um PESADELO.

Volte para mim.

Eu preciso de você.

(...)

Eu pensei que eu tinha morrido, pensei que aquele era o fim, mas Deus me deu uma segunda chance.

Quando abri os olhos eles arderam por causa da claridade, mas quando eles finalmente se adaptaram, pude ver onde eu estava. Vislumbrei o quarto do hospital, como se encarasse o próprio paraíso. Eu estava presa por vários fios, ligados a uma máquina, vestindo uma roupa tradicional de hospitais. Meu corpo estava dormente e eu tinha que fazer muita força para continuar acordada, como se além dos fios que me ligavam as máquinas do hospital, também existisse outros que me puxavam para a escuridão da inconsciência. Mas eu não iria dormir, não sem antes obter algumas respostas. Depois do que pareceu uma eternidade para mim, alguém adentrou o quarto. Meu coração acelerou.

– Lucas? – Perguntei em vão.

– Desculpe senhorita, meu nome é Samuel e não Lucas. – O médico sorriu, caminhando até a minha maca. Fiquei calada, apenas o observando. – A senhora teve uma noite difícil, não foi mesmo? Eu não sei se você se recorda, mas eu fui o médico responsável pelo seu parto.

– Eu jamais esquecerei do seu rosto. – Disse com tom cansativo, pois cada palavra necessitava de muita força de vontade para sair audível.

– A senhora está se sentindo sonolenta? – Questionou. Fiz que sim com a cabeça. – Isso é normal, logo irá passar. Ontem tivemos que dar muitos remédios para a senhora não sentir dor, são eles também que te deixam com a sensação de dormência.

– Meu bebê... – Murmurei, já quase chorando.

– Ela está ótima, não se preocupe. Ela é linda e tão saudável quanto a mãe. – Tentei sorrir, mas algo estava me incomodando – E se ela tiver herdado pelo menos metade da sua coragem e determinação para a vida, tenho certeza que a estadia dela aqui no hospital será rápida. Seu bebê nasceu com um pouco menos de dois quilos. Ela é muito pequena ainda, mas está ganhando peso com muita facilidade. Neste momento ela está no berçário com as outras crianças.

– Quando eu poderei vê-la?

– Quando os efeitos dos remédios passarem. Provavelmente no final da tarde. – Tentei me sentar. – Não, não senhora! Fique deitada. Não é bom a senhora ficar se mexendo... Não ainda. Você compreende? O seu parto foi muito difícil, a senhora precisa de repouso. A sua filha nasceu prematura, com oito meses... O parto cobrou muito de você. Por favor, fique em repouso.

– Eu preciso...

– Precisa do que?

– Ver o Lucas. – Ele arregalou os olhos, mas tentou disfarçar. – Onde ele está?

Ele caminhou para longe.

– Ele está aqui no hospital.

– Eu quero vê-lo...

– Você vai ver, mas agora a senhora precisa descansar. – Neguei com a cabeça. – A senhora já passou tempo demais acorda. – Ele caminhou ao lado da minha maca, onde havia um saco com soro. Levou a mão ao bolso do jaleco, e retirou uma agulha. – Nos veremos mais tarde senhorita. – E espetou a agulha no soro.

– Não! – Tentei me debater, mas ele segurou as minhas mãos. – Eu preciso ver o...

– Durma senhorita. – O encarei assustada. Ele sorriu. – Tudo vai ficar bem. – Foi a última coisa que escutei.

“Todos dizem isso” pensei antes de dormir.

(...)

Quando eu voltei a acordar, estava me sentindo bem melhor. Meu corpo não estava mais dormente e nem dolorido, mas ainda havia fios conectados nos meus braços. Tentei me sentar, mas quase cai da maca, então voltei a me deitar. Eu odiava aquele lugar, odiava aquela sala, aquele silêncio. Eu queria ver minha filha, queria ver o meu Lucas. Porque ninguém me responde as minhas perguntas? Será que o meu estado é tão ruim que eles nem tem coragem de me dizer? Será que eu vou... morrer?

Senti um frio me subir a espinha. Eu não queria nem pensar sobre isso.

Alguns minutos depois, uma enfermeira apareceu.

– Boa tarde, querida mamãe. – Ela sorriu, se aproximando. – Como é que senhorita está se sentindo? Está preparada para mais uma noite como a de ontem? – Acho que empalideci, porque ela logo se concertou. – Foi só uma brincadeira, me desculpe. Mas é que eu convivo tanto com isso, que acabei me acostumando. Mas foi uma brincadeira de mau gosto.

– Não tem... problema.

Ela sorriu.

– Bom, como a senhorita dormiu o dia inteiro, imagino que esteja com vontade de ir ao banheiro, não é?

– Eu quero ver a minha filha.

– Eu sei. Mas antes a senhora precisa esvaziar essa bexiga e tomar um banho quente, para relaxar. Eu vou te ajudar.

– Eu prefiro ver a minha filha primeiro. – Disse aflita.

Ela suspirou.

– A sua bebê está bem, ela está sendo cuidada por profissionais, agora está na hora de você se preocupar um pouco com sigo mesma. – Neguei com a cabeça. – Eu compreendo a sua ansiedade, mas a senhora quer mesmo que a primeira impressão que a sua filha tenha de você seja de uma mulher com cheiro ruim e suja de sangue? – Ela sorriu, percebendo a minha desistência. – Tudo bem, eu vou desconectar esses fios e depois te levarei até o banheiro.

Quando o banho acabou, vesti uma outra bata hospitalar e me sentei em cima de uma cadeira de rodas, pois minhas pernas não agüentavam o peso do meu próprio corpo. Era estranho me ver sem uma grande barriga oval. Parecia que eu tinha perdido uma grande parte da minha alma. Estava me sentindo incompleta. A enfermeira me guiou pelo corredor, até pararmos em frente a uma sala de vidro. Encarei os bebes.

– A sua é a terceira da primeira fileira. Aquela miudinha que está mais comportada do que todos os outros. Está vendo?

Meu coração acelerou, e comecei a chorar.

– Ela é perfeita... – Fiquei olhando para aquela doce criança por vários minutos, até que conclui que olhar não era suficiente. – Eu quero tocá-la. – Pedi, eu seria capaz até de implorar se fosse necessário.

– Eu sei que quer, mas eu não estou autorizada-...

– Ela é minha filha!

– Eu sei querida. Mas ela ainda está muito fraquinha, não pode sair do berçário por enquanto.

– Mas eu sou a mãe dela... – Choraminguei, encostando minhas mãos no vidro da sala.

– Mas veja, ela é saudável, você só precisa ter paciência... Logo você terá o seu bebê só para você.

Funguei.

– Eu posso continuar aqui por mais alguns minutos?

Ela me encarou com piedade.

– Acho melhor não. A senhora precisa ficar de repouso.

Enquanto ela me empurrava de volta para a sala, eu não conseguia tirar a imagem daquela criança da minha mente... Ela era tão linda... Tão maravilhosa...

A enfermeira me ajudou a deitar na cama.

– Eu preciso de uma informação. – Comecei a falar. – Eu preciso saber onde está um rapaz chamado Lucas. O médico disse que ele estava aqui no hospital, mas até agora eu não o vi. Eu preciso saber onde ele está. Ele é o pai da minha filha, eu preciso saber...

– Não se preocupe querida. – Seus olhos não me encaram. – Eu já volto. – E saiu do quarto.

Minutos depois, um homem engravatado entrou na sala. Ele não parecia médico, estava mais para um advogado ou um...

– Eu sou policial. – Ele se apresentou. – Detetive Afonso Pereira.

Meu coração acelerou.

– Detetive? – Questionei assombrada.

O que estava acontecendo?

– Senhora, eu sei que esse é o pior momento para receber uma notícia como essa e talvez eu não seja a pessoa mais adequada para te dar essa notícia, mas...

– Poderia ser mais claro? – Perguntei impaciente.

– Houve um assalto ao banco central ontem à noite. Alguns dos meliantes conseguiram fugir, mas felizmente prendemos três. – Ele respirou fundo. – O problema é que na fuga, os assaltantes trocaram tiros com a policia e alguns destes tiros acertaram quem passava na avenida naquele momento... – Meus olhos se encheram de lágrimas – O jovem Lucas Rodrigues foi uma destas pessoas baleadas pelo tiroteio.

E naquele momento, eu soube que a minha vida nunca mais seria a mesma.

.

Querida Tristeza. Como vai você? Estava sumida, senti sua falta. Mas é reconfortante saber que você não se esqueceu de mim...



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Notas finais do capítulo

Nossa, estou até com medo da reação de quem ler esse capítulo... (rs)



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