Prólogo

Só consigo correr. Corro, corro, corro. Nada adiantava. Parecia que quanto mais eu corria mais voltas eu dava, e claro, voltava para o mesmo lugar. Medo. Impotência. Socorro. O sangue está em tudo. Minhas mãos, braços, roupas e na espada. Sinto o cheiro metálico tão fortemente que sei que aquele líquido avermelhado está espalhado pelo meu rosto. Desespero.

Enxerguei-a de longe. Estava de costas para mim. O longo cabelo rosa levitando com o vento, o suave aroma de rosas que emanava de seu corpo. Esperaria ansioso para ela se virar e esboçasse novamente aquele sorriso que iluminava a escuridão que permanecia em mim. Ela não se virou. Me aproximei, tentei. Não me mexo. Minhas pernas não se mexem como deveriam.

Traidor.

Assassino.

Eu te odeio.

As palavras soaram fortes e me atacaram dolorosamente. Então ela se virou. Não havia sorriso, não havia felicidade. Seus olhos verdes eram opacos, frios. Eram parecidos com os meus. Seus lábios estavam fechados. Quando ela me fitou, senti o ódio emanando de todos os poros de seu corpo, ela sorriu. Um sorriso que me enojou.

Eu te odeio.

Novamente as palavras me atacaram e notei que eram proferidas por ela. Fechei os olhos tentando manter a calma, senti mais uma vez o cheiro metálico e abri-os num solavanco notando o corpo dela ser envolvido por longas marcas de ferimentos e sangue. A kusanagi jazia imóvel em minhas mãos pingando grossas gotas do líquido rubro, observei o corpo feminino atônito.

Um grande abismo se abriu atrás dela e em um instante ela começou a cair. Estiquei meus braços para tentar segurá-la, estava longe, era inútil. Gritei. Chamei-a. O abismo continuou abrindo e conseguiu me engolir. Caí. Continuei caindo.

Assassino.

Era mais um sonho. Eu sabia disso, sabia que se abrisse os olhos todo aquele tormento deixaria de existir.

Cai dolorosamente, tudo dói. Ela estava do meu lado, imóvel, ensangüentada. Os olhos abertos sem luz, sem brilho. Estava morta. Sakura.

Abri os olhos finalmente. O suor escorria pelo meu rosto. A respiração acelerada. Medo. Era apenas mais um sonho, um pesadelo que me assombrava.

Os demônios do passado continuavam a me perseguir. Eu tentava e tentava abandoná-los, esquecê-los, mas era completamente inútil. Aquela voz irritante conseguia voltar e me atormentar, insistindo para que eu voltasse a ser aquela pessoa que se perdeu na escuridão.

Eu vinha conseguindo ignorá-la, mas temo o dia em que a voz incessante consiga me dominar novamente e não consigam me salvar.