Marco Zero escrita por Datenshi


Capítulo 9
Passagem 8: Mudança de Planos




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Passagem 8: Mudança de Planos

                - Você escutou esses gritos?
Alcest olhou para trás, fazendo o barulho típico de palha sendo pisada quando as vértebras (se é que tinha algum esqueleto) do pescoço se mexiam.
- Não ouvi nenhum grito... – Melissa respondeu, observando com fascinação os transeuntes em roupas vitorianas.
- É melhor você se acostumar a ver pessoas vestidas desse jeito em St. Poltien. – Alcest puxava Melissa pelo blusão vermelho. - Não podemos demorar muito... apesar da minha pouca confiança sobre esta cidade...
O espantalho puxou a garota consigo, caminhando por mais uns quinze minutos.  Observaram senhores de idade jogando xadrez em mesas quadriculadas ao longo da avenida, senhoras comprando vegetais em pequenos mercados e alguns meninos que brincavam com ábacos, alguns deles desenhando prédios com o auxílio de esquadros e réguas. Finalmente chegaram nas portas do grande prédio roxo no centro de St. Poltien.
- Bom dia, meus caros! – Alcest saudou os soldados que guardavam a porta. – Eu venho com notícias de Burggin. Fui claro, hã?
Um dos guardas sacudiu a cabeça e mirou o espantalho bem nos olhos:
- Quer entrar e falar com o nosso Governador Dargten?
- Sim, soldado. Mas é lógico que eu falarei com o vosso Governador, somente se me for possível...
O outro guarda abriu um sorriso e cutucou o seu colega:
- Que espantalho mais engraçado, não acha?
- Deve saber dançar e cantar como os outros espantalhos, não é mesmo?
- Claro que sim! Espantalhos são os nossos ciganos! Pena que alguns sejam tão delinqüentes...
- Os senhores poderiam nos deixar entrar? Temos pressa para falar com o vosso Governador! Vamos deixar a boa música para outro dia...
- Está certo, espantalho. Vamos deixá-lo entrar no palacete, já que você tem notícias de Burggin.
As portas abriram.
Desde que fora retalhado e costurado com o jeans da mochila de Melissa, Alcest apresentava diferenças no seu comportamento. Estava com um temperamento inconstante, além de ter perdido o sotaque francês. Se o espantalho era um dos poucos, ou mesmo o único, a possuir humanidade, uma mudança repentina como esta poderia trazer sérias complicações...
- Devemos falar com o Governador! – Alcest acenava com o braço de palha seca para a garota. – Vamos logo, Melissa!
- Uh... desculpa! Eu estava distraída...
Pac-pac-pac-paaak-pak-paac
- EU QUERO JUSTIÇA!
Viollet batia uma caneca de alumínio contra as grades da cela onde estava junto de Larsh, que não suportava mais os gritos da garota.
- Viollet, por favor, vê se pára com esse motim...
- EU SEI QUE ESTÃO ME OUVINDO! TIREM-ME DAQUI! EU NÃO SOU CULPADA POR NADA!
Larsh se levantou:
- DÁ PRA PARAR?!
Viollet arregalou os olhos, parando instantaneamente de fazer barulho com a caneca de alumínio. Larsh sentou novamente, suspirando. A garota puxou para baixo o chapéu na sua cabeça, encolhendo-se no chão. O garoto ainda pensou em perguntar o que ela tanto escondia em baixo daquele chapéu violeta de ponta, porém, analisando a situação atual, uma pergunta como esta não seria tão favorável para alguém que estava com temperamento explosivo.
- O que nós iremos fazer para que a JUBILO saiba que temos uma Enviada do nosso lado? – Larsh quebrou o silêncio.
- Podemos ficar por aqui e esperar o Alcest e a Melissa sentirem a nossa falta...
- Talvez...
Uma figura se posicionou diante das grades da cela.
- Não é uma boa idéia... Seria ultrajante permanecer neste local imundo.
*          *          *
- Ho, ho! Fazia um bom tempo que eu não via um espantalho dentro da minha cidade, garota...
Era uma sala circular onde no centro estava uma mesa redonda, repleta de comida e pratos em sua superfície, e uma cadeira de aço, onde estava sentado um homem de aparentando cinqüenta anos, cabelos cortados, barba bem feita e vestindo uma túnica azul-escuro.
- Acredite, senhor, também não me é comum ver espantalhos falantes o tempo inteiro. – disse Melissa, com uma ponta de sarcasmo.
- Senhor Dargten! Vamos deixar estas coisas de lado! – Alcest reclamou sutilmente, sem sequer aumentar o tom de voz. – Existem sujeitos no Governo que desejam dar um Golpe a qualquer momento. Seu governo em St. Poltien corre riscos! Você não prestou atenção no que eu expliquei durante todo este tempo?
- Ah, espantalho! – o Governante fez uma pausa para mastigar um par de torradas com geléia e beber do cálice de vinho. – De acordo com as informações que eu tenho, este Golpe é apenas um breve boato que circula sobre os membros de baixo escalão da Infocracia. Vocês dois não querem provar da geléia de figos?
- Não, obrigado... Senhor, viemos de Burggin para lhe avisar isso! Não é um simples boato! – Alcest insistia.
- Seu governo corre riscos! – Melissa completou.
O Governador Dargten passou mais geléia no último pedaço de torrada que lhe estava em mãos.
- Não me digam que querem que eu apóie aquela tal de JUBILO. – os dois jovens ficaram pasmados. – Eu irei sofrer riscos se apoiar esse movimento de libertação que tanto falam pelas outras cidades! Um correspondente de Primaria vem aqui hoje para tratar sobre novas alianças e trocas de informações. Dizem que é um jovem negociador, brilhante. Quero testar suas habilidades.
- A JUBILO é um movimento de boa índole. É o que falam por aí! – Melissa lembrou de Viollet, soltando seu último argumento para convencer o governante.
- Eu não acho grupos que ameaçam minha quantidade informativa sejam de boa índole... A propósito, não vou considerar seus pedidos, garota de sapatos estranhos e espantalho de olhos negros. Acredito que seja melhor a vossa retirada deste local. Irei tratar de negócios em menos de meia hora.
- É você! – Viollet não deixou de exclamar em voz alta.
Dèjau segurava um conjunto de chaves prateadas. Estando no corredor da pequena prisão, ele abriu um sorriso para os dois jovens.
- Eu não pude deixar de observar o incidente que ocorreu entre vocês e os colegas do Germain. – explicou-se. – É uma pena que as autoridades locais não tenham compreendido o que aconteceu... uma cena deveras estapafúrdia.
O jovem estudante abriu as trancas da cela, libertando os prisioneiros. Larsh e Dèjau trocaram um breve aperto de mãos.
- Suas coisas! – o jovem deu o rifle de Viollet.
- O que você fez com os guardas? – Viollet perguntou enquanto polia o cabo do rifle com uma flanela roxa.
- É a hora de folga deles, estão dormindo ou comendo algo. Se vocês forem cuidadosos, basta seguir até o portão leste da cidade, que é o menos movimentado, e fugir pelo campo.
- Eu fico bastante agradecido, mas por que você nos libertou com toda essa facilidade?
- Acho que eu me reconheci em você, Sievenen. Minha família também é composta de gente mal informada. Por falar nisso, seus pais andam muito aflitos desde o dia que você partiu desta cidade.
Larsh abaixou sua cabeça, deixando os longos cabelos oleosos cobrirem o rosto.
- Eu não me importo. – balbuciou.
E, virando-se para a garota, disse:
- Vamos logo. Precisamos procurar Melissa e o Alcest.
O guarda espetou o corpo do espantalho com uma lança.
- Vocês não gostam tanto de espantalhos?!
Melissa e Alcest desciam a escada do palacete roxo onde se localizava o governo da cidade.
- Claro que gostamos, mas dos espantalhos que cantam e dançam. Você é um espécime sem graça...
- Eu não vou me expor ao ridículo de ficar dançando e cantando por aqui! – esbravejou Alcest, virando-se para os dois guardas.
Um dos guardas apontou para Melissa:
- Ei, garota. Alerte ao seu amigo espantalho para tomar cuidado com quem grita. Nós somos autoridade por aqui. É melhor que vocês mudem esse comportamento se quiserem permanecer na nossa cidade.
- Acho melhor sair daqui, Alcest. – Melissa puxou o espantalho pelo braço. Eles continuaram o diálogo assim que se afastaram da morada do governante. – O que vamos fazer agora? Viollet e Larsh já deviam estar por aqui.
Dois braços puxaram a garota para dentro de um beco escuro. O espantalho fora junto, já que estava preso pelo braço de Melissa.
- Pensei que vocês não iriam nos ver!
Larsh e Viollet estavam escondidos na escuridão de um beco entre duas casas na avenida principal. Larsh tirou uma mochila das costas:
- Conseguimos comprar comida e alguns suprimentos para viajar. – disse.
- O que aconteceu?
- Tentaram tirar o meu chapéu e aconteceu um mal entendido que terminou com a nossa prisão – Viollet respondeu, rangendo os dentes ao lembrar do garoto que a empurrou.
- Vamos ter que mudar o plano a partir de agora. – Larsh abriu a mochila e retirou um mapa da região. – Quadrinera fica a uns dois dias de caminhada daqui. Podemos fugir pelo portão leste e seguir por dentro da grama alta. O que acham?
- Fugir? Que história é essa?! – Alcest indagou, não se preocupando em manter a voz baixa.
- Fala mais baixo! Temos que nos esconder! – Viollet alertou. – Fugimos da prisão daqui com a ajuda daquele agora, Dèjau.
- Onde ele está?
- Voltou para a Escola Perfeccionista. Estavam em um descanso entre aulas que dura uma hora.
- Uma hora?! – Melissa lembrou do seu intervalo no meio da manhã de quinze minutos. – Eles devem se esforçar bastante.
- Viollet descobriu que o governante daqui está interessado nas idéias dos Infocratas de Primaria. – Larsh guardou o mapa na mochila. – Devemos sair de St. Poltien o mais rápido possível antes que a guarda de Primaria venha nos prender!
Enquanto o quarteto planejava os dias seguintes, o portão principal de St. Poltien foi aberto bem próximo dali. Os guardas reverenciaram as figuras que entravam pela cidade.
Era uma espécie de desfile, com homens cobertos dos pés à cabeça de trajes pretos e rostos escondidos atrás de objetos que lembravam máscaras de esgrima, carregando bastonetes vermelhos com tracejados cinzentos. Doze deles no total, caminhando em uma formação de quadrado, com três em cada “aresta”. Pareciam estar protegendo o que estava no centro: uma carruagem a vapor movida por máquinas de peças complexas, feitas de um metal de cor semelhante a da prata. Aquela procissão seguia em velocidade constante, na direção do prédio onde estava o governante de St. Poltien.
- O que é aquilo? – Melissa perguntou a Alcest.
- São de Primaria, com certeza! Deve ser o tal representante que o governador citou.
O desfile passou diante do beco, sem notar a presença dos quatro jovens, chegando até as portas do prédio roxo.
- Vamos sair logo daqui antes que nos descubram de vez! – Larsh puxou Melissa e Alcest pelo braço, antes de desaparecerem pelo beco sombrio.
Se eles permanecessem ali por mais alguns minutos, viriam quem desceria da carruagem. Um humano coberto por um manto vermelho, escondendo o rosto de todos os olhares.
*          *           *  
Na frente do leme de ferro estava um  jovem de corpo alto e esguio. Usava uma toca de cor verde-mar na cabeça que escondia todo o cabelo. Também usava um lenço preto amarrado no braço esquerdo, por cima da blusa marrom e do colete azul-petróleo.
- Belo trato! Conseguimos levar aqueles estranhos de Primaria até St. Poltien e ainda ganhamos boas informaçõezinhas com isso! Que merreca de serviço!
Um boneco de ventríloquo se aproximou. Estava vestido um colete salva-vidas laranja e uma calça jeans três-quartos,
- Capitão Janni! Capitão Janni! – berrou, chamando pelo jovem do leme.
- Onde está o nosso pagamento?
O boneco puxou um pacote do bolso interno do colete salva-vidas.
- Aqui está.
Janni recolheu o embrulho.
- Muito bem, Narcissu! – disse, agradecendo ao empregado. – Vejamos, vejamos... – ele abriu um papel envelhecido. – Nuvens! – exclamou. - Nuvens brancas!!! Achei o que estava procurando desde que minha bela Carin se foi!
- O que é, Capitão? – perguntou um outro boneco que se aproximava.
- Ah, Vitorillu! Aqui está uma pista do caminho de um Enviado! Somente esses seres de outros mundos podem moldar as informações que correm em Marco Zero e fazer com que voltem ao que eram ou criar coisas novas!
- E o que nós estamos esperando? Vamos tratar de falar com...
O jovem não deixou seu empregado falar:
- Marcielu, você ainda não mandou os outros pequenotes prepararem os caixotes para uma viagem segura? Só assim a minha doce Carin irá voar como a perfeição do som?
- Desculpe, Capitão!
- Não se esqueça de deixar a pólvora em local seco. Poderemos ter encrencas com aqueles granadianos voadores.
Rapidamente Janni acionou os mecanismos na superfície do leme de ferro. Marcielu olhou para trás. Viu dezenas de bonecos de ventríloquo semelhantes a ele trabalhando duro no convés de ferro: carregando caixas pesadas, operando máquinas e correndo de um lado para o outro. Estavam em um zepelim com o casco construído com ferro e um suporte de aço, segurando a lona branca repleta de manchas de tinta, jorros de vermelho, azul e amarelo, marcas de mãos e costuras. Cinco hélices impulsionavam o enorme veículo para frente e seis hélices menores eram encarregadas de virá-lo para os lados. Uma estátua de prata de uma linda mulher de braços cruzados estava posicionada na proa do zepelim.
- Por pouco menos de um quilômetro de St. Poltien, huh? – Janni leu o pequeno documento no pacote. - Eu não vou te deixar triste, minha doce Carin. Hoje vamos voar alto!
O zepelim de ferro cruzava o céu laranja em um vôo majestoso, passando por cima de florestas, montanhas e pequenas vilas. O que mais caracterizava o veículo era a estátua de prata que carregava na proa, onde estava uma plaqueta em que se lia:

Carin
- E nós encontraremos o tal Enviado para te reviver e você irá voltar para os meus braços...
O Capitão virou o leme para o leste com força, gritando para a tripulação:
- Para as redondezas de St. Poltien!!!

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