Marco Zero escrita por Datenshi


Capítulo 5
Passagem 4: Palhas e Trapos




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Passagem 4: Palhas e trapos

                - Onde estão os outros? – Viollet perguntou à garota.
            - Os meus amigos ficaram para trás! – Melissa respondeu atônita. - Nós fomos atacados por um bando de espantalhos delinqüentes, como esses aí!
            - Péssimo! Estes delinqüentes já andaram de novo por aqui...Eu tenho pena do próximo que encontrar.
            As duas garotas andaram por dentro da mata, procurando os amigos. Encontraram Larsh se levantando do chão.
            - Tudo bem com você, Larsh?
            - Sim, Melissa...aqueles doidos ainda vão se ver comigo...
            - E Alcest, onde está?
            - Ele ficou para trás, vamos!
            Andaram pela floresta, atentos a qualquer perigo. Mais um pouco e encontrariam palha espalhada pelo chão. Alcest estava mais que esquartejado, como se um enorme cão o estivesse estraçalhado com os próprios dentes.
            - O que aconteceu com ele!? – Melissa observou os membros afastados do corpo.
            - Vazzi o estraçalhou. – Larsh juntava as partes do amigo e as colocava em uma sacola que conseguiu sabe se lá onde. – Eu odeio aqueles espantalhos...
            - É da natureza da raça deles, mas o amigo de vocês pode ser reconstruído.
            - Quem é você? – agora que Larsh havia reparado a nova companhia.
            - Eu sou Viollet, caçadora de informações em serviço da JUBILO.
            - Hã?! – Melissa não entendia nada. Isso já era freqüente.
- O Movimento de Libertação de Marco Zero!? – Larsh pegou a cabeça de Alcest  e a guardou dentro de um saco plástico, junto com as pernas, os braços e o tronco.
- Sim, nós mesmos. – Viollet respondeu com um enorme sorriso, brandindo o rifle.
- Pensei que não existissem.... – falou o garoto com sua feição de desgosto costumeira.
- CLARO QUE NÃO EXISTIMOS OFICIALMENTE, SOMOS UMA SOCIEDADE  SECRETA, ESQUECEU!?!?!?
- Er...cê ta gritando, alguém pode-nos ouvir.
- Quem iria nos ouvir nesta floresta vazia? Pelo que sei, somente os espantalhos que estourei eram que viviam por aqui, assustando e atacando quem passa por aqui....
Melissa estarreceu:
- Acho que um deles fugiu.
Larsh recolheu os últimos pedaços de Alcest.
- Vazzi desgraçado...
- Gralhas e gralhas! Por que uma caçadora detestável tem que surgir justo na hora que eu estraçalhava aquele Alcest?
Vazzi corria pelo meio da floresta, esquivando-se de troncos e arbustos. Temia ser também estourado pela caçadora, como foi o destino de seus comparsas.
- Eu ainda irei estraçalhar aqueles broncos...
O espantalho estava distraído demais para desviar do obstáculo na sua frente. Esbarrara em algo bem mais alto do que ele, um sujeito enorme, sem cabelo algum na cabeça e de olhos tão pretos feito petróleo.
- Um espantalho... – ponderou calmo, com sua voz grave e rouca.
- Vá se danar seu...
Vazzi já preparava seus xingamentos quando percebeu quem estava na sua frente. Um terceiro braço se ergueu das costas do sujeito, mais longo do que os outros, esticando-se para puxar um pincel do bolso do sobretudo.
- Quando se é louco não existe temor à morte. – ele desenhou sobrancelhas negras expressando contentamento. - É isso que eu contemplo em vocês, delinqüentes...
- D-desculpe, vossa excelentíssima presença!
- Não há porquê para tamanha bajulação. Soube que Alcest está com alguém que “atravessou a barreira”.
- “Atravessou a barreira”? –  Vazzi matutou. - Eu o vi com uma garota e um gralha, que nós atacávamos, por aqui...
A mão desenhou sobrancelhas viradas para baixo.
- Não está tentando me enganar, ou esconder informações? Sabe muito bem que eu posso facilmente arranca-las de sua cabeça.
- Não estou escondendo nada, sir. Juro que vi o “sotaque francês” com uma garota e um garoto.
- A garota deve ter rompido a Linha Divisória. – o homem falou para si mesmo. O seu terceiro braço esfregou-se na testa, apagando as sobrancelhas, únicos traços de expressão do rosto. – De quantos espantalhos você precisa?
Vazzi arregalou os olhos rodeados por olheiras completamente negras.
- Uma tropa de cinqüenta. Por que?
- Tenho uma tarefa importante para você.


O trio, formado pela garota, Viollet e Larsh, saía do ambiente fechado da floresta próxima a Burggin. Diferente da mata fechada pela qual passaram, a paisagem onde se encontravam era um vasto gramado onde cata-ventos vermelhos se erguiam espalhados uns dos outros, dando a impressão de que alguém havia planejado suas posições para deixar o local mais bonito do que já era.
Voltou a aparecer o céu alaranjado, agora com riscas vermelhas e pinceladas azuis, mas ainda estava sem nuvem alguma. A luz do sol inundou a visão de Melissa.
- Onde estamos? – ela contemplava o vento passando pelo gramado vermelho-claro e balançando as hélices dos cata-ventos.
- Redondezas de St. Poltien. –Larsh respondeu quase que instantaneamente. –Passei por aqui hoje de manhã cedo pra entregar uma encomenda na casa de um dos compradores.
- Acho que na cidade existe alguém que possa costurar o amigo de vocês... – disse Viollet.
- Devem prestar este serviço por lá. St. Poltien é conhecida como “A Cidade-Manutenção”! Assim o Alcest não vai precisar que eu o carregue em uma sacola.
Larsh e Viollet sorriram.
- Eu acompanho vocês até lá.
- Claro, vai dar tudo certo agora...Afinal, Viollet, eu nunca vi nenhum caçador de informações andando pela região. O que você veio fazer aqui?
- É apenas serviço. – respondeu sorrindo.
- Hum... – o garoto colocou a mão no queixo e ergueu a sobrancelha direita.
Melissa continuou a apreciar o céu, sentindo que aquela imensidão alaranjada a sugava pouco a pouco. O vento ruía mais alto em seus ouvidos. Era como se afundassem  seus tímpanos e pressionassem seus olhos para dentro, dando-lhe a impressão de que estava caindo sem sair do lugar.
- Não é, Melissa?...Melissa?...Melissa!!!
Ela caiu no chão, inerte.


- Onde eu estou?
Melissa se levantou. Estava em um beco escuro. Reconhecia aquele ambiente de algum lugar. Talvez já estivesse passado por ali em algum dia de sua vida.
Um som familiar preencheu o ar.
- É a sineta do colégio! – andou para frente, seguindo o som contínuo. – Será que eu estou perto...ou...estou no meu mundo?
Ela havia percebido que estava enfiada em uma capa de chuva cor índigo. Jogou o capuz para trás e observou a rua por alguns instantes. Viu um grupo de garotas vestidas com as fardas colegiais, conversando e rindo alto o bastante para serem percebidas por até setenta metros de distância, porém, as paredes sujas do beco impediam a Melissa de ver tudo o que estava lá fora.
- São as “exibidas”...É, realmente estou no meu mundo.
Ela decidiu sair do beco. Caminhou para a calçada mais à frente. Era a avenida pela qual ela sempre passava antes de ir para o colégio.
O céu se tornava mais cinzento a cada instante, fechando-se para a longa chuva que estava por vir. Melissa observou uma garota atravessando a rua. Era uma garota de fisionomia curiosa, apática, carregando uma mochila volumosa, na certa com muitos livros. De repente, um ônibus entrou na avenida em alta velocidade.
- Aquela garota vai ser atropelada! – gritou.
A garota olhou para o veículo vindo em sua direção, que rapidamente acionou os freios, impedindo que uma fatalidade acontecesse. A garota continuou parada, na frente do ônibus. Passaram-se poucos segundos e ela criou coragem e continuou andando até chegar ao colégio.
- Aquela...era...eu? – Melissa estava abismada, com seus olhos cinzentos arregalados. – O que está acontecendo comigo?
A outra Melissa caminhou pela calçada até entrar no colégio. A outra jovem, vestida na capa de chuva, continuou estacada na avenida, tentando compreender a situação.



- Melissa, acorda!
- Que?!
Os olhos da garota se abriram, vendo Larsh e Viollet na sua frente. Estavam em uma espécie de armazém esquecido, localizado ainda na vasta estepe de cata-ventos.
- O que aconteceu comigo? – indagou.
- Você desmaiou de repente... – Viollet respondeu, abaixando as abas do chapéu roxo. – Como não havia ninguém pelas redondezas, te trouxemos até este paiol abandonado.
- Nem sei como agradecer...
- Está sentindo-se bem? – Larsh perguntou.
- Claro...agora está tudo melhor. Tive apenas algum sonho estranho...
- Faz tempo que não tenho sonhos... – o garoto se lamentou passando a mão pelos cabelos negros e oleosos.
- Sonhar é bom...
Larsh estendeu uma sacola para Melissa:
- Poderia guardar o Alcest na sua mochila?
- Não iria mexer com os sentimentos dele? – perguntou Viollet.
O garoto a mirou com um olhar repreensivo.
- Não está brincando, está?
- Desculpe... – sorriu sem graça.
- Tudo bem, eu guardo! – Melissa abriu sua mochila e colocou dentro a sacola com as partes do espantalho.
Repentinamente todos congelaram. Acima, no teto quebrado, sentiram um vulto cruzar o telhado.
- O que foi isso? – Larsh se levantou do chão.
- Vamos descobrir! – Viollet carregou a munição no rifle prateado.
O trio ouviu um barulho muito esquisito no teto do paiol. Lembrava o arrastar de alguma coisa...
- Ah não!
Caíram seis espantalhos do teto, todos com feições sádicas.
- Nós os achamos!!! – falaram em coro. – Será que podemos abri-los? –Vamos, quero ver eles escaparem! – Haha! Hoje minhas palhas vão sujar sangue!
- Morram! – Viollet descarregou o rifle em todos, estourando os corpos de palha dos delinqüentes.
- Ufa! – Melissa e Larsh estavam apavorados.  – De onde surgiram esses loucos? – perguntou o rapaz. – Você é boa de gatilho, hein... – ela disse.
As portas do paiol se escancararam. Uma grande tropa de espantalhos errantes adentrou no local, todos liderados por um espantalho ruivo de olheiras negras.
- Olá, pessoas! – cumprimentou.
- Vazzi, seu desgraçado!
- Alto lá, senhor Larsh Sievenen! Viemos fazer um trato.
- O que querem?
A tropa estava cochichando entre si, com alguns saltando para lá e para cá e falando besteiras nos ouvidos dos outros, que sorriam ou esfregavam as mãos ansiosamente.
- Soubemos que a garota ultrapassou a Linha Divisória. Isso é verdade?
- Quem a encontrou foi Alcest, mas isso não é da sua importância.
Melissa notou que Viollet a olhou espantada.
- Como ousa falar desse jeito comigo, Sievenen? Não irei quebrar a bicicleta desta vez, mas a sua cara...
Viollet apontou o rifle para os delinqüentes e estourou mais cinco deles, dizendo:
- Olhe aqui, Vazzi. Não admitiremos que fique nos insultando porque está com essas companhias! Eu sei que você tem medo de me enfrentar sozinho! Sou capaz de estourar todos esses seus amiguinhos e deixar sobrar munição pra estourar essa sua cabeça vermelha que você tem tanta vergonha!
O espantalho ruivo apertou os olhos, com raiva:
- Caçadores de informação...
Melissa deu um passo a frente:
- Não precisam se arriscar por mim. Se eles querem saber, fui eu que...
- Avancem! – Vazzi ordenou para a tropa. – Matem esses gralhas!
A porta do paiol se abriu novamente. Um enorme cetro em forma de serpente foi arremessado, fincando bem no meio do armazém, a “linha invisível” que separava os dois grupos.
- Pare! – ordenou uma voz grave e rouca.
Todos olharam para a porta de madeira. Era um homem, com cerca de dois metros de altura, vestido em um sobretudo negro que descia até o chão, tocando as botas lustrosas. Os botões da roupa eram prateados, alinhados em uma única fila e reluzindo no ambiente escuro da mata. Uma enorme listra horizontal vermelha cortava os ombros da roupa, contrastando com sua opacidade negra. Não se via algum fio de cabelo em sua cabeça e não possuía sobrancelhas no rosto de pele alva e olhos tão negros quanto suas vestes.
Viollet se precipitou.
- Não acredito...
- Sir Gunter Rheiz, o Coletor, a serviço do Governo Echaellon.
Todos os espantalhos o reverenciaram.

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