Marco Zero escrita por Datenshi


Capítulo 2
Passagem Um: O moinho e o Louco




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Passagem Um: O moinho e o louco
           
- Onde está tudo? Cadê a rua? Aonde eu vim parar? O que é isso!?
A garota acordou. (...)Lógico! Ela possuía um nome. Chamava-se Melissa.
Pois bem, continuando...
Melissa então abriu os olhos. Estava caída em um imenso gramado verde-lima. Não havia árvores, nem colinas. Era apenas um enorme gramado, porém com algo bem no centro: um velho moinho abandonado que pareceu restar de um incêndio. As pás de madeira seca giravam com a ventania, fazendo sombra para a recém-chegada.
Ela reparou que suas roupas haviam mudado. Sua mochila havia sumido. Vestia uma calça de cor esverdeada, repleta de bolsos em toda sua superfície, e uma blusa vermelha de mangas longas com um zíper subindo pelo pulso esquerdo até chegar ao pescoço. Era exatamente a roupa que uma garotinha vestia no último desenho que havia feito em seu caderno.
- Um instante atrás eu pensei que estivesse...
- Morta, non!? - uma voz rouca falou.
Estava no alto do moinho um garoto com várias fitas azuis, verdes, pretas e marrons, que lhe cobriam as mãos, saindo do final das mangas longas da camisa de estampa em forma de um quebra-cabeça mostrando a imagem de um corvo de asas abertas. Sua pele era parda e seu cabelo castanho era esvoaçado e arrepiado, sempre com fios curvados para o alto que pareciam estar vivos e lotados de energia. Melissa quase se perdeu na profundidade negra dos olhos do garoto, onde a escuridão ocupava todo globo ocular, oscilando conforme a sua respiração variava. Realmente era uma figura amedrontadora por ser tão bizarra.
- Você pensou que tivesse morrido, non? - ele gritou lá do alto.
- Er... foi.
Os dois se encararam por um bom tempo.
- Mas vem cá, onde eu estou? – Melissa perguntou, franzindo o cenho.
O garoto medonho caiu lá do alto, se esborrachando na grama. Depois da queda ele se levantou como se nada tivesse acontecido:
- Pra falar a verdade, senhorita, você é a primeira pessoa que aparece por aqui sem saber onde está... - respondeu ele cuspindo capim. Melissa assustou-se.
O garoto continuou, erguendo a sobrancelha esquerda:
- Todos que vem por aqui sabem onde estão e o motivo de estarem aqui! Por que então você não vai saber o que veio fazer aqui?
- Eu não sei te dizer! Eu só vim parar aqui e pronto! Não sei como aconteceu. Estava andando para a escola, carregando meus livros e com o meu relógio no pulso, quando...
- Você falou “relógio”? Perdão senhorita, mas você falou “RELÓGIO”?
Ela olhou desconfiada:
- Sim, creio eu.
O garoto abriu um largo sorriso:
- Eu odeio relógios! Relógios nos mandam o que fazer, quando fazer e como fazer! Juro que se avistasse um relógio por aqui iria quebrá-lo até ver suas engrenagens saltarem de suas entranhas mecânicas! Objeto demoníaco!
- Que horas são? - Melissa perguntou com uma ponta de sarcasmo.
- Há-há-há...
A garota sorriu. Devia ter parado em algum interior fim de mundo ou algo parecido. Aquele sujeito na sua frente deveria ser apenas um caipira maluco.
Um barulho extremamente conhecido soou. Melissa perdeu a pose.
- Espera só um instante! É o meu telemóvel! - ele puxou do bolso um pequeno e moderno aparelhinho daqueles que as vitrines dos shoppings vendiam por uma fortuna. -Sim! Já está a caminho? Perfeito!!! Quando eu devo passar por aí? Hoje mesmo! Está bem, bem mesmo... Até depois!
Desligou o aparelho e o guardou no bolso da calça jeans preta.
- Você tem um celular? Pega celular aqui?
- Claro! Por acaso você não está vendo as torres de transmissão?
Melissa olhou em volta. Apenas gramado verde e céu azul com nuvens brancas.
- Lá no final... – falou, se aproximando da garota e esticando o braço para apontar um ponto distante na frente.
Melissa apertou os olhos cinzentos. Viu uma torre de transmissão quase na dobra da linha do horizonte.
- Aquilo... Aquilo é uma torre de transmissão!
- Não diga!!! – retrucou, sarcástico. – Nossa! Você é muito desinformada pra alguém que passe por aqui, sabia?!
Ela virou-se para o garoto bizarro, já impaciente:
- AONDE DIABOS EU VIM PARAR!?
- No Marco Zero.
- Marco Zero?
- Isso deve ser brincadeira! – disse, batendo na testa e suspirando. - Você pergunta demais!!!
- Eu tenho direito pra perguntar!
Ele retirou um saco de papel dos bolsos.
- Toma aí. - jogou o objeto para a garota. - São passas secas e ameixas, pode comer o quanto quiser. Melhor você ficar de boca fechada pra escutar o que eu falo sem pausas repentinas. Certo?
Ameixas. Adorava ameixas! Fazia um bom tempo que não comia ameixas e passas secas. Havia algo de bom naquele lugar, mesmo que não soubesse o que realmente era aquilo tudo. Sentia isso na brisa suave e no sol fraquinho, como se fosse sempre sete horas da manhã. O estranho começou:
- Você não era pra ter vindo para cá. Porém, eu ainda non sei bem o motivo disto. Aqui é o Marco Zero, é onde todas as coisas começam, o início de tudo o que é vida, de todos os sentimentos, de todas as experiências e de todas as lembranças.
Melissa prestava bastante atenção nas palavras do garoto estranho. No início, havia sentido medo dele. Agora já estava se acostumando.
- Eu sou Alcest, moro aqui faz um tempo. Desde que me expulsaram da cidade onde eu morava, fico vadiando pelo moinho, escrevendo histórias e procurando coisas interessantes pelos escombros do incêndio, até que um dia em acabei presenciando a entrada de gente muito estranha por aqui. ELES...
- “Eles”? - indagou.
- Sim! Eles estavam cobertos por roupas que escondiam todo o corpo e usavam máscaras realmente muito estranhas. Eles seguiram para a cidade, mas eu non podia entrar lá por causa do decreto, então me escondi deles por aqui. Foi a partir desse dia que eu me interessei pelos que chegavam nesta região.
            - E a cidade?
            - Eu non sei dela... Mas é um erro você ter vindo parar aqui.
- Erro?
            - Por parte sim, por parte non. Já vi gente chegar aqui e achar que estava morta ou que apenas sonhava. Nunca soube ao certo do que se trata este local. Pode ser uma falha dimensional, um ponto de encontro de variáveis existenciais ou só um lugar enfiado no meio do nada.
            - Eu achei que tinha morrido...
            - Deve ter abandonado o mundo em que vivia, ter sido expulsa de lá como eu fui da minha cidade... Da minha cidade de luz...
            A garota e o “estranho” continuaram caminhando por alguns minutos, até que Melissa se sensibilizou e decidiu quebrar o silêncio:
- Tem mais ameixas?
            Alcest olhou espantado para a garota:
            - Já comeu tudo?
            - Tinha algum problema? Você queria?
            - Non...Non... Eu precisava comprar mais. Agora eu irei pegar uma encomenda em uma loja próxima daqui. Você quer ir comigo?
            - Vamos! Quero saber onde estou...
            Ele notou os sapatos dela:
            - Sapato engraçado esse aí...
            O all-star não havia sumido. Seria a única lembrança do mundo antigo.

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