Marco Zero escrita por Datenshi


Capítulo 12
Passagem 11: Uma Presença Inusitada




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Passagem 11: Uma Presença Inusitada
 
                O nevoeiro havia sumido. Algumas gotas d’água caíam do telhado do Intermezzo. A chuva tinha passado, mas o céu daquela região de Marco Zero continuava cinzento, tão cinza quanto os olhos fascinados de Melissa. Ela observava, perplexa, o imenso zepelim de ferro que estava pousado em cima da planície de grama vermelha. O veículo devia ter uma lona três vezes maior que o tamanho do Intermezzo.
            - Nem dá para acreditar que isso veio voando até aqui... – Melissa disse a Larsh, que retribuiu com um breve sorriso.
            - Ele chegou no fim da chuva. – Alcest também admirava aquele modelo raro de aerobarco. – É difícil ver um desses pousar por aqui...
            Uma portinhola do casco do zepelim abriu.
            - Que porcaria!!! Duas horas de busca não deram resultado! – Janni saiu do seu zepelim, acompanhado dos seus subordinados Vitorillu e Narcissu. – Aquele Enzo deve saber de alguma informação sobre o Enviado...
            - Ele sabe de tanta coisa assim, Capitão?
            - Nem tanto, Vitorillu... Existem pessoas que sabem bem mais.
            - E por que você não vai procurar as pessoas que sabem mais? – indagou Narcissu enquanto caminhava ao lado do seu capitão.
            - Porque os sujeitos que possuem mais informações sempre são difíceis de encontrar... Agora, sem moleza, vamos andando rápido que eu quero encontrar esse Enviado...
            O trio parou de caminhar quando ficou de frente para Melissa, Alcest, Larsh e Viollet.
            - Hei... Vocês são novos por aqui? – Janni retirou a toca verde-mar da cabeça. Seus cabelos ondulados caíram na altura do queixo. Melissa estranhou o tom castanho-esverdeado das madeixas.
            - Er... Estamos de passagem... – Alcest falou.
            - ...para Quadrinera. – completou Viollet.
            - Quadrinera!!! – o capitão sorriu. – Que coincidência! Nós vamos passar por lá para abastecer o meu zepelim... O combustível de lá é de ótima qualidade!
            - Mas, capitão, nós não estamos procurando o Enviado?
            - Verdade, Narcissu... Obrigado por lembrar...
            Melissa espantou-se. Larsh, Alcest e Viollet indagaram em coro:
            - Enviado!?
            - Exatamente. Tive a notícia de que um Enviado está pelas proximidades. Por acaso vocês saberiam de alguma notícia da localização dele? Estamos procurando há mais de duas horas!
            Larsh olhou para Viollet, que olhou para Alcest. Estavam em dúvida se revelariam os segredos de Melissa. A garota certificou-se de que a manga da sua camisa vermelha estava cobrindo o relógio e, por baixo deste, a estranha marca de ponteiros e esferas.
            - Tudo bem... Eu vou procurar alguma informação com o Enzo. – Janni torceu descontentemente o rosto. – Vamos logo, Vitorillu e Narcissu, eu tenho vocês como ajudantes e não como “admiradores da paisagem surreal de Marco Zero”...
            - Estamos acompanhando você, Capitão!
            - Eu digo o mesmo, Capitão.
            - Ora! Parem de falar tanto!
            O capitão do zepelim e seus dois ajudantes voltaram a caminhar pela grama, entrando pela porta do Intermezzo.
            - Enzo, precisamos de uma pequena ajuda sua... – foi a última coisa que se pôde ouvir antes de Vitorillu bater a porta.
            Vendo que a situação estava propícia para uma breve reunião, Viollet reuniu os seus três amigos para mais perto de si:
            - ELE ESTÁ PROCURANDO O ENVIADO!!!
            - Como se não bastasse o Governo, ainda temos esse rapaz com dois bonecos de ventríloquo procurando a Melissa. Eu já esperava algo assim... – parecia que Larsh voltara para a sua aparência entediante de sempre.
            - Droga! Eu sou o problema por aqui...
            - Calma, Melissa. O problema é este bando de loucos sedentos por informação... – o espantalho tentou consolá-la.
            - Não, Melissa, você não é o problema aqui. Pelo contrário: é a nossa salvação. – Viollet lembrou os propósitos da JUBILO. – Temos que te levar imediatamente para Quadrinera! Talvez esse sujeito seja um espião do Governo...
            - O Governo tem espiões?
            - Claro! As pessoas só não se dão conta porque eles são espiões, oras!
            - Viollet, de vez em quando eu acho que você é um tanto paranóica... – Larsh enfiou as mãos nos bolsos.
            - Então esquece os espiões!!!
            - Está bem...
            - O que vocês acham que ele poderia ser? – Alcest constantemente olhava para a porta do Intermezzo.
            - Um homem mau! – Viollet sugeriu.
            - Ele não pode ser um homem mau... – Melissa falou. – Ele nem parecia ser  maléfico.
            - Ah é? Você viu o jeito que ele tratava os ajudantes dele!? Provavelmente ele bate nos coitadinhos com um chicote!
            - Isso poderia ser verdade... não? – Alcest levou a mão para o queixo.
            - Não podemos ser tão superficiais! – Larsh falava em seu tom entediado. Provavelmente ele só sentia-se bem dentro do Intermezzo. – Temos que analisar a nossa situação.
            Viollet estendeu as mãos, contando cada situação nos dedos:
            - É isso que nós temos: uma Enviada no nosso lado que deve ser levada para Quadrinera, um homem mau que trata mal a sua pobre tripulação, um garoto entediado de Saint Poltien e um espantalho que não vai com a cara da charmosa, linda, simpática, honesta e talentosa Caçadora de Informações que usa um chapéu roxo, um vestido, roxo também, e...
            - Desde quando eu não simpatizo com você? – os olhos de Alcest oscilaram.
            - Eu não conhecia esse seu lado, Viollet... – Melissa franziu a testa.
            - Vocês cortaram a parte que eu havia ensaiado... Resumidamente: temos de conseguir um jeito rápido de ir para Quadrinera.
            - O jeito mais rápido e único acessível é o zepelim do “homem mau” de Viollet...
            A porta do Intermezzo abriu.
            - Sua cobra enfadonha! – Janni berrava para Enzo. – Não me venha dizer que estas informações custam esse dinheiro todo!!!
            - Nunca viu uma cobra cobrar tanto, Capitão?
            - Péssimo trocadilho, Vitorillu!!! Vamos andando...
            Janni e seus dois ajudantes cruzaram novamente com Melissa e seus amigos.
            - Ei, o senhor “capitão do zepelim”! – chamou Melissa.
            - Podem me chamar de Janni! Conseguiram alguma informação sobre o Enviado?!
            O rapaz se aproximou do pequeno grupo.
            - Você poderia dar uma carona para nós? Só até Quadrinera...
            Os olhos de todos ali brilharam, menos os de Viollet.
            - Bonito rifle, moça. – Janni reparou a arma da garota, que logo ficou com os olhos brilhando também. O rapaz olhou para o alto e suspirou, como se ficasse conformado em perder aquela “batalha”.  Ainda haveria outro dia... – Tudo bem, eu levo vocês até lá. – disse, enfiando a toca de volta na cabeça. – Ao menos a tripulação vai ir um pouco animada.
            - Obrigada!!! – Melissa agradeceu.
- Você é um homem bom! Reparou no meu rifle! – Viollet abriu um sorriso.
            Larsh aproximou-se da garota e cochichou, com um certo sorriso sarcástico:
            - Ele não era um “homem mau”?
           
* * *
            Todos aqueles homens em mantos escuros estavam sentados em poltronas confortabilíssimas ao longo de uma longa mesa de mármore azul em uma forma semi-esférica. Estavam mergulhados em uma grande sala escura, apenas com poucos raios de luz sendo emitidos pelas luminárias que possuíam a forma de tentáculos, estando suspensas no teto. 
Contar quantos eram os homens não iria requerer tanto trabalho. A julgar pelo número de pequenas lanternas, posicionadas ao lado de cada um, seriam vinte, ou mais. A maioria era composta de homens de meia-idade, com poucos adultos jovens e velhos. Escreviam em blocos de papel vermelho com canetas-tinteiro e conversavam uns com os outros sobre um tema em comum: a decadência do Governo Echaellon.
- Os nossos fluxos informativos estão cada vez mais escassos. Como poderemos manter o controle nesta situação? - Não apóio a idéia de que devemos dividir as nossas riquezas culturais com o resto do povo! Não acha estúpido, ver os nossos conhecimentos nas mentes daqueles energúmenos? – Os movimentos radicais estão crescendo cada vez mais. Se não tomarmos uma atitude severa quanto a isto, certamente nossas bases se tornarão mais enfraquecidas do que já estão...
Eis que um homem em um sobretudo negro abotoado até a altura do nariz apareceu.
- Gunter Rheiz, o Coletor!!! – saudou o velho homem que estava no centro da mesa.
- Ao vosso serviço, excelentíssima autoridade Malquiad. – Gunter ajoelhou-se para saudar os principais membros do Governo. Conseguiu esconder perfeitamente o seu desprezo por cada um deles.
- Estás atrasado...
- Tive um pequeno contratempo na vinda para Primaria, meus caros companheiros.
- Isso não importa agora, Coletor. Sente-se conosco e aprecie a nossa reunião.
- Estavam esperando por mim este tempo todo?
- Claro, Gunter. És ativo em nossas decisões, não é verdade?
- Sim, senhor.  – respondeu, desabotoando parte do sobretudo negro.
- Agora que todo o Conselho do Governo está aqui presente, vamos reiniciar a nossa discussão anterior...
Uma voz de timbre grave e sombrio interrompeu Malquiad:
- Provavelmente todos vocês estariam interessados em algum tipo “especial” de Informação... – um estranho homem saiu das trevas da sala. Imediatamente a sala foi dominada pelo tic-tac de relógios. - ...Eu percebo isto em suas mentes gananciosas...
Ele usava um óculos de lentes azuis refletoras, o que impedia qualquer contato direto. Vestia um terno azul-escuro, lembrando o de um defunto. Carregava nas mãos uma maleta de couro marrom, repleta de papéis e contratos. Calçava sapatos pretos lustrosos, da mesma cor dos seus cabelos em um penteado convencionalmente penteado para trás.
- Ora ora... Que prazer revê-los! – disse. O tic-tac desenfreado parecia vir dos braços do homem. – Eu não lembrava de terem ficado tão velhos após este pouco tempo que nos separou.
 - Como conseguiu entrar aqui!? – Gunter levantou rapidamente de sua poltrona, batendo com as palmas das mãos na superfície da mesa.
- Mas o que é isso, Coletor? – o homem sorriu sutilmente. – Onde estão os seus modos com um simplório vendedor de informações?
- Dievaut não tem horário para aparecer, todos nós sabemos. – Malquiad fez o mesmo que Gunter. Os homens das mesas pareciam estar agoniados, porém não eles escondiam a sua cobiça por informação.
- Não é por besteiras que me chamam como  “o homem do tic-tac”! Só para me certificar... – Dievaut afastou as mangas do paletó. Carregava cinco relógios no braço esquerdo. Deu corda em cada um e depois observou os quatro relógios do braço direito. Acionou algumas válvulas de cada, deixando-os pontualmente iguais ao relógio dourado que retirara do bolso interno do terno. – Eu sou o próprio tempo, senhores!!! – ele soltou uma gargalhada grave, que preencheu a sala inteira junto com o barulho dos seus relógios.
- Você não deveria estar aqui! – Gunter perturbava-se com a presença ilustre daquele homem tão esquisito.
- E por que não, Coletor? Eu prometo não acabar com o seu trabalho de coletar e adquirir informações por Marco Zero. Você mesmo limita seus sucessos. As suas Informações, tão preciosas, não valem muita coisa diante do que eu carrego.
A maleta de Dievaut se abriu. Vários papéis e canetas saíram voando até as mãos de cada homem. O homem de terno azul abriu um enorme sorriso, mostrando quase todos os dentes que possuía na boca, e mexeu no óculos de lentes azuis antes de anunciar em voz alta e irônica:
- Informações de grande porte, grandes revelações, verdades ocultas, confissões guardadas, segredos partilhados, mentiras anuladas: aceitamos pagamentos adiantados ou até mesmo a sua alma.
- Não sejamos tolos!!! – Gunter avançou contra um contrato que voou para a mesa e o amassou. – Não vêem que este louco quer corromper suas mentes?
- É feio falar mal dos negócios de um vendedor, senhor Coletor... – com um simples gesto, Dievaut fez com que todos os contratos voltassem ao lugar de origem.  - Principalmente quando se está devendo pagamento para a banca...
- Nem ouse cobrar, maldito vendedor!
O terceiro braço de Gunter saiu nas suas costas, pegando o cetro que ele guardava nas costas e jogando-o contra Dievaut. No mesmo instante, o homem ergueu o braço direito. O cetro, que girava rapidamente cortando o ar, teve o seu movimento retido por uma lentidão mágica. Foi como se Dievaut tivesse retardado a velocidade do objeto simplesmente distorcendo o tempo e tornando-o mais lento.
- Pelo comportamento do senhor Gunter, eu vejo que não sou tão bem-vindo por aqui.
- Entrar deste modo no prédio do Governo Echaellon requer muito atrevimento... – Malquiad protestou, enquanto todos os outros estavam pasmados com tal manifestação de poder.
- Ora, senhores! Vocês vão querer incriminar o próprio Tempo? Vejo que realmente não sou bem-vindo aqui. – o homem deu meia-volta e saiu andando. – Com certeza, em todo lugar, haverá alguém interessado nas Informações que eu vendo. Isso há de ter!
Dievaut sumiu, resumindo-se a uma nuvem disforme de fumaça.
- Depois deste imprevisto, voltemos a discutir saídas emergenciais para a crise no Governo... – Malquiad sentou-se junto aos outros.
O cetro caído no centro da sala foi recolhido por Gunter.
- Vendedor aziago...

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