Shindu Sindorei - as Crianças do Sangue escrita por BRMorgan


Capítulo 56
Capítulo 56 - Interlúdio - Espiadas


Notas iniciais do capítulo

Mudança de ares!!Mudança de coisas!!Um furo enorme no capitulo, porquê?!Porque eu acabei perdendo uma boa parte do que havia escrito entre Undercity e Ratchet em um lapso computadorístico.
Maldito Word e o salvamento em 10 minutos >_____
Como explicar: Não adiantou a Sorena espernear, a galera arrastou ela para Ratchet com direito a estágio no Cartel Steamwheeler.Para efeitos de entendimento, Immie e Ox tão na lua-de-mel bagunçada, Sorena no mau humor de sempre e Kali foi de bico na viagem lol
Boa leitura e criticas, sugestões, reclamações, esperneações e pulinhos em uma perna só, favor enviar review aki viu?



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Espiadas.

Sim, às vezes eu faço isso quando ela não está olhando. Ou me questionando. Ou brigando comigo por eu ser uma idiota.

Eu sou. Eu sei bem disso. Não é tão mal assim como todos pensam.

Eu gosto quando ela está usando roupas mais folgadas, daquelas que pessoas normais usam porque precisam e não uniformes de milícias que me fazem lembrar o quanto ela é parecida com certa pessoa. E é nessa hora em que o pensamento voa dela para *ela* eu me sinto um cadáver ambulante por dentro. Aí eu enfio as caras no trabalho e tento não usar tanta magia para consertar esse maldito motor. Mas sempre me dá vontade de usar magia. Immie já me avisou, Oxkhar já me bateu - e ainda acho que o estalo que tenho na mandíbula veio daquele apagão completo lá naquele dia em Undercity - meu falecido pai está falando no meu ouvido agora.

Eu sou uma idiota mesmo.

Meu nariz sangra muito quando eu tenciono demais, quando a vontade de drenar qualquer coisa se torna insuportável, eu tento ativar as escamas de dragão. Às vezes dá certo, às vezes não. E quando não dá, eu tenho que ir lá fora e fazer alguma coisa para superar a vontade. E isso sempre traz uma conseqüência, sempre leva uma dessas coisas a me atormentar no meio da noite, enquanto fico de olho aberto tentando não pensar, tentando não espiar. Espiar você sabe quem.

E ela dorme tão tranquilamente agora! Como naquela noite lá no Windrunner Spire em que ficamos juntas no segundo andar, enquanto o futuro marido dela vigiava a casa com meu velhaco avô. Desde aquela noite eu não consigo dormir direito, e não é insônia como a Immie costuma ter, é de sonhar muito e ter pesadelos com ela. Espere aí, será que são pesadelos mesmo ou só estou confundindo novamente a realidade com as coisas absurdas que passam pela minha cabeça? Eu queria que fosse mais simples. Que eu pudesse simplesmente dizer logo o que sinto e receber a resposta que tanto quero ouvir, mas eu sei que não funciona assim. Não funciona porque eu já tentei demais com outra pessoa. E essa certa pessoa não foi nada gentil.

Eu quero dormir, mas eu preciso espiá-la. É como uma compulsão boba de criança que vê um vagalume voando pelo quarto e quer de qualquer jeito pegá-lo na mão para ver mais de perto. Mas todo mundo sabe que quando você sufoca vagalumes em suas mãos para ver de perto, eles acabam morrendo. Eu não quero que ela morra em minhas mãos. E por tudo que me é sagrado, eu não quero que ela morra jamais.

Eu sei. Eu sou idiota assim mesmo. A Immie já disse, o Oxkhar sempre disse, ela me dá certeza o tempo todo, certa pessoa fez isso comigo.

 - Procure-me em Tirisfal Glades... - eu escuto alguém no meu ouvido, mas me recuso a desviar meus olhos. Agora eu estou paralisada tentando não cair no choro de tão pavoroso que é ouvir essa maldita voz novamente no meu ouvido. A voz não é dele, pode apostar nisso. É dela. E eu nunca sei o que procurar nessa maldita terra. Eu já tentei achar alguma coisa lá em Goldshire e só vi morte. E gente morta. E assassinato. E fui eu que matei pelo jeito. E não senti remorso na hora, eu me senti a criatura mais poderosa do mundo inteiro. Foi uma sensação boa. Como tomar água quando se está com muita sede, ou comer bastante na ceia e dormir depois. O corpo da arqueira ficou lá, quem me arrastou de lá deve ter resgatado depois - ou até mesmo as outras arqueiras de Karin, eu nunca soube o que aconteceu - e deve ter visto o que aconteceu. Mas ninguém falou coisa alguma quando eu acordei. Ninguém me acusou de nada. E nem sei se fui eu mesmo.

Às vezes eu acho que não me pertenço mais. É como se eu só ficasse aqui em meu corpo emprestado esperando o próximo apagão, o próximo trauma, a próxima dor. Ultimamente meu coração tem doído demais e eu sinto vontade de chorar até quando estou feliz. Então eu a espio e vejo se ela está feliz aqui. Se ela se sente bem e segura e se as roupas que ela usa são mais folgadas que aquela prisão que os Farstriders chamam de uniforme de arqueiros-Vigia. Espiá-la ameniza um pouco a dor, dá ânimo pra continuar o trabalho, dá vontade de não fazer mais nada para ser quem eu sou, mas nunca é o bastante. Nunca vai ser o bastante. Por isso eu a espio.

O mundo de possibilidades pode passar por meus olhos umas quinhentas vezes durante o dia, as palavras certas a falar, as ações que eu poderia tomar, as promessas que eu com certeza iria cumprir em um piscar de olhos. Nada disso é o bastante. Então eu me enfio no trabalho e continuo a achar que esse motor de Geringonça Voadora não vai com a minha cara. E eu prefiro me irritar com coisas inanimadas a me irritar com ela.

Apesar de ela me achar uma completa idiota. Apesar de ela usar roupas normais que qualquer pessoa usaria para se sentir livre das obrigações que ela tem (E ela sabe muito bem disso!). Apesar de eu saber que a Immie sabe o que eu estou me tornando. E ela já me avisou disso também.

 - Myrtae, me procure na caverna de cristal... - a voz já está me enchendo. Eu tomo coragem de me virar na cama, só um pouquinho, pra ver se a coisa pára de falar (mas eu sei que ela não vai parar. E eu não vou dormir direito, de novo.).

Silêncio.

Estranho. "Eles" nunca param de falar. Talvez eu tenha deixado de ser feiticeira. Talvez eu tenha conseguido afastá-los. Talvez não precise mais ir atrás dessa porcaria de caverna de cristal. Talvez eu acorde amanhã e ela me diga que me quer por perto e que quer ficar para sempre do meu lado aqui em Ratchet.

 - Myrtae, ele vai me mat...!! - e eu acabo a acordando com outro grito no meio da madrugada. Odeio quando essa coisa me assusta.

 - Sorena, você está bem...? - ela pergunta sonolenta. Eu sinto vontade de furar meu crânio com a chave de fenda e morrer de uma vez. Mas eu sei que se eu fizer isso, a coisa que eu vou virar vai incomodar outro feiticeiro por aí. Talvez o meu avô, coitado. Ele não precisa mais de fantasmas atrás dele. - Sorena...? - ela se coloca sentada na beirada da cama e menciona levantar. Eu levanto rapidamente e pego meu kit de mecânica.

 - Tive uma idéia. Vou pra oficina. - eu sempre falo isso quando não tenho como exprimir coisa alguma do que estou sentindo nesse momento. Eu não vou pra oficina. Eu não vou a lugar nenhum. A voz ainda está me perseguindo desde que resolvi levantar da cama.

 - Por que não quer me encontrar...? Encontre-me na caverna de cristal... - ela repete incessantemente e já está dando nos nervos. Olho para a estradinha que segue pelo vilarejo, todos dormem, eu não. Todos estão felizes e realizados, eu não. Dá vontade de gritar bem alto. Ainda mais quando a voz vai do tom macio que sempre foi para o tom cavernoso que certo alguém agora possui. Eu odeio ouvir a voz dela desse jeito.

Um gato preto de pernas arqueadas fuça o lixo na entrada da Taverna. Eu sento no chão. Ele esquece que quer comida e pede carinho. Eu dou. E a voz pára de falar imediatamente. É a primeira vez desde que era criança que consigo ouvir mesmo a mim mesma. E o que a Sorena fala é que esse corpo emprestado precisa de mais parafusos de Khorium pras juntas não fazerem tanto barulho e destrincharem no primeiro vôo.

Eu suspiro em alívio.

Acho que posso dizer que sempre estive aqui, mas às vezes eu acho que não. O gatinho lambe meus dedos e eu lembro que ele precisa de comida. Recolho alguma coisa na lixeira e acho uma bela espinha de peixe com alguma carne pregada para ele morder. Não sei se ele me agradece. Ainda acho que estou na profissão errada. Eu gostaria de escutar o que os animais dizem, não o que os mortos dizem. Afinal de contas, quem quer ouvir o próprio pai e a tia gritando no seu ouvido no meio da madrugada durante os malditos quatro anos errantes de sua vida?



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Notas finais do capítulo

É provavel que eu vá fazer mudanças nesse capitulo, então deixarei ele curtinho para não atrapalhar a leitura posterior...



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