Shindu Sindorei - as Crianças do Sangue escrita por BRMorgan


Capítulo 35
Capítulo 35 - Interlúdio da Garotinha de Valgarde




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Howling Fjord – Forte Valgarde , uma semana antes de Batalha por Undercity.


                A expulsão foi acertada para aquele dia. Não se importavam se a jovenzinha teria que vagar pelas planícies de Blood Moore sozinha, o líder da Fortificação, Magistrado Randavarr, preferiu lavar suas mãos quanto às escolhas para a Justiça. As regras eram simples e inquestionáveis, uso de magia destrutiva e profana é condenada com morte. Um membro do clã de Viz-Jaq’taar que não cumpre o seu dever deve ser punido severamente. Filha que ameaça a vida da mãe deve ser morta.

                Mesmo que a mãe fosse a praga que assolava o acampamento por quase uma década seguida de terror. Mesmo que a magia que supostamente lançada não foi para assassinar a mãe e sim o espírito maléfico que havia invadido e consumido Blood Raven, a antiga Conselheira do Clã Viz-Jaq’taar. Mesmo que Blood Raven não estava mais ali para tirá-la daquele apuros, Lady Annie implorava para que a alma da Conselheira descansasse em paz perto das criptas ao leste dos Pantânos. Ninguém merecia ser perseguida por fantasmas mesmo depois de ter feito a coisa certa.

                As regras também ditavam que antes da morte, o acusado de bruxaria deveria pedir perdão pelos seus erros e ser castigado cinqüenta vezes na ponta do chicote triplo do Juiz. Para ela, não havia erro algum. Livrara o mundo de um demônio. Possuindo o corpo e habilidades de sua mestra em artes da furtividade, mas primeiramente um demônio enviado pelo terror daquele mundo antigo cheio de injustiças: O Flagelo. O que os sábios chamavam de Exército de Mil Caveiras - e que os clãs desde muito tempo atrás achavam que era só uma manifestação dos espíritos atormentados dos mortos - agora era a ameaça real. Dezenas de aventureiros tentaram e poucos saíram vivos para contar o horror que era ao entrarem em batalha contra as forças do Rei Lich.

                O estalo do chicote prateado era pouco se contasse a dor que sentira ao ver o cadáver dilacerado de sua mestra a sua frente, ainda andando e praguejando contra os ventos, mandando hordas de mortos-vivos para matá-los, a dor era pouca ao lembrar dos momentos de dúvida e nojo por ir contra sua própria natureza. A dor era até um pouco menor quando lembrava que tudo edificado em sua vida naquele acampamento fora simplesmente jogado fora quando o espírito de sua mestra pediu perdão pelos seus pecados e revelara de onde ela saíra. Lady Annie era uma filha bastarda de alguém muito importante. Ela era uma meio-elfa de nascença e nunca faria parte de nenhuma raça até o final de sua miserável vida.

 - Ela é uma exímia caçadora, mas devo alertar sobre os poderes sobrenaturais... Nunca em minhas excursões vi tamanho poder... – comentou o  estrangeiro que chegara a Fortificação a algumas semanas.

 - Poder que desafia nossas leis! - e outro estalo que atingiu suas costas, ferindo as costas nuas, espirrando sangue no chão de pedra no centro do vilarejo e tudo que aquele lugar significava para ela. - Poder que corrompe a alma e vem do Terrível! Do Amaldiçoado! Daquele que atormenta nosso sono e impede nossas almas de encontrar o caminho de Valhalla! – O Juiz anunciava com outro estalo mais forte. O Magistrado não tinha mais piedade pela traidora. Ou pelo menos era isso que ele queria demonstrar para todos ali. Kali o achava a pior pessoa do mundo. Mais que o Rei Lich, o mais hipócrita. Ele era como ela! Um meio-elfo bastardo sem lugar no mundo, um Zé-ninguém, um qualquer como ela.

 - Só estou opinando sobre desperdiçar um talento tão nato para a ladinagem... - o último estalo ecoou e muitos que assistiam a execução se assustaram com a violência do golpe. A garota ajoelhada no meio da praça de cimento caiu de rosto no chão, sufocando um gemido intenso de dor, rosto cheio de suor por não querer chorar na frente de quem ela sempre pensou que eram seus amigos, seus vizinhos, seus compatriotas. Tinha os punhos cerrados e corpo dolorido.

 - Ladinagem?! – virou-se o Juiz limpando os arreios do chicote triplo. – Esse vermezinho é uma ladina? – o rosto de muitos se contorceu em asco. Muitos cuspiram no chão em que a sustentava.

 - Nossas leis são claras, Estrangeiro. Ladinos são punidos com a prisão e humilhação pública, já ladinos que matam a própria mestra devem morrer. – sentenciou o Magistrado Randavarr. Muitos gritaram em comoção ao discurso. As palavras vinham longe para seus ouvidos, estava tão cansada e vulnerável! O rosto roçava estrume de cavalo que passara por ali momentos antes a arrastando aos tropeços, presa pelas mãos e pés. Cavalos daqueles Cavaleiros detestáveis da Ordem da Luz.

 - Quantas chibatadas ainda faltam? - ouviu alguém dizer.

 - Mais 43, acho eu... Mas essa última valeu por 10... - e um risinho sarcástico veio do mercador inescrupuloso que havia conseguido um lugar privilegiado na multidão sabe-se lá por que. Nunca entendera bem a motivação para a corrupção, a vilania e a morte. Queria viver e sobreviver dali e fugir para algum lugar que assegurasse sua sanidade. O Estrangeiro Draenei, Maraad consultou a sua bússola mágica.

 - É hora de ir... Decida logo menina o que quer. E seja lá o que escolher trará conseqüências para o futuro dessa nação... – a multidão parou de ralhar já que a voz etérea do draenei ecoava na praça. - Se essa criança morrer agora, ela voltará impiedosa contra seu acampamento... E contra sua ordem. – dizendo isso especialmente para o clérigo responsável pela Igreja da Fortificação.

 - Ela não se atreveria! – questionou Magistrado Randavaar desconfiado. A garota não se movia, provavelmente estava desmaiada, mas Lady Annie sabia disfarçar bem. Maraad caminhou para fora da praça e tomava seu rumo para os portões do vilarejo. A multidão voltou a atenção para a garota bafejando ofegante no chão, as lágrimas que estavam ali, mas se recusavam a cair. A lei do clã Viz-Jaq’taar cumprida com ferocidade: Não chorar mesmo durante os períodos difíceis. Não demonstrar fraqueza ao seu superior.

 - Que se ferre... com esses babacas... - sussurrou ela para o chão, limpando o esterco do lado do rosto e cuspindo no chão, a dor era pouca quando se estava perdida em algum lugar de sua memória, tentando recusar a idéia de que logo estaria expulsa do lugar que fora criada. Que a humilhação se estenderia de outras maneiras, que tudo que fizera fora para proteger seu povo, mas seu povo não a aceitava desde criança. Meio-elfa. Isso que era. Uma bastarda sem pai. “Nasceu de um ovo essa criaturinha!” debochavam continuamente desde que era criança, “Nasceu de chocadeira”, “Brotou do chão!”. Juntou as forças que tinha e se levantou.

 - Fique aonde está miserável! – o Juiz gritou raivoso, o chicote baixou em sua cabeça e ela o recebeu sem desviar. O estalo fez um pedaço de pele rasgar perto da bochecha esquerda, ferir o olho e trazer seus longos cabelos acobreados para o rosto, escondendo o ferimento.

 - Faltam mais 42 chibatadas, juiz Bernadus... - disse a garota sombriamente, uma lágrima caiu teimosa e se juntou ao filete de sangue, ela tentou limpar, mas seus braços não obedeciam mais.

 - Trate de se ajoelhar, sua perdida!! – o estalo foi em seu joelho, mas a sombra de Lady Annie fugiu do chão. Por um segundo a multidão exclamou de horror pelo desaparecimento da meio-elfa. Logo ela reapareceu no mesmo lugar, ainda caída no chão.

 - Faltam 42 chibatadas, juiz Bernadus... - repetia ela com certa convicção na voz e suor escorrendo pela sua têmpora sem marca de violência da outra chicotada. Maraad virou-se durante o grito de horror da multidão e deu um sorrisinho para o céu escuro da Fortificação Valgarde.

 - Estás nos vigiando, oh Leviatã? – a cena anterior se repetia repetidamente, os habitantes da fortificação se afastavam, saíam em pânico de perto da praça, Magistrado Randavaar perdido entre tantos, o Juiz Bernadus tremia a mão que segurava o chicote. A garota meio-elfa frágil sumia e aparecia em distorções instantâneas de tempo.

 - Mas que diabos está acontecendo aqui?! – a patrulha da Ordem da Luz aprontava as armas e cercava a praça.

 - Que se ferre... com esses babacas... – repetiu a garota sumindo do lugar e parando atrás de Bernadus, puxando o chicote prateado do Juiz e o enrolando em volta de seu pescoço. - Que se ferre... com esses babacas... – repetia sem parar e forçando uma única vez para trás, fazendo o corpo do Juiz deslizar de seus braços magrelos e cair de cara em cima do esterco em que ela estava. Ela viu a bagunça no centro do vilarejo e avançando com uma adaga curvada contra um dos Cavaleiros da Ordem da Luz, ela gritou. - Que se ferre com esses babacas!! Não desperdicem o meu precioso tempo!! – e sumiu na frente de todos que estavam ali para nunca mais aparecer em Northrend.




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