Nameless escrita por Guardian


Capítulo 22
Relatividade em todo lugar


Notas iniciais do capítulo

Eeeeeeeee... EU VOLTEI o/
Eu sei, eu sei, depois de uma eternidade. Desculpem, mas agora finalmente eu estou começando uma nova fase na minha vida (USP, aqui estou *-----*) e apesar dessa demora monstra, estou feliz demais e desejo a todo aquele (se ainda tiver alguém) que continuar com esses dois M's lindos, um abraço super apertado e muitos rodopios



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Era estranho.

Não conseguia pensar em melhor palavra para descrever o que aquela situação tão inusitada e extraordinária que se montava ao seu redor lhe parecia. Como poderia dizer...

Incrédulo.

Deslocado.

Feliz.

Livre.

Uma verdadeira batalha pela liderança se efetivava em seu interior, e aquilo de não conseguir distinguir qual era a que tinha maior força era de certo modo... Embriagante.

Havia muito, muito tempo mesmo desde que tivera tal oportunidade, e agora ele deixava-se inundar por tudo em rajadas, como alguém que embaixo de uma tempestade há muito esperada abre os braços e fecha os olhos, decidido a aproveitar cada mínima sensação que a água e o vento são capazes de proporcionar, até o cair da última gota e o soprar da última brisa. Era assim que Mail – por hora Matt – se sentia. Experimentava a mais forte e fresca tempestade da qual era capaz de se lembrar.

Ninguém que não tenha algum dia experimentado a verdadeira clausura poderia compreender totalmente.

A fuga com Einarr havia sido a última vez que estivera efetivamente fora, e as lembranças que isso despertava não eram das melhores que guardava. Depois disso, todas as vezes que O’Hare o mandava sair ou permitia – com a pouca confiança que tinha no garoto – voltas de poucas horas, ele era vigiado. Em nenhum momento deixava de estar preso às amarras invisíveis que compunham sua rotina.

As pessoas são capazes de se acostumar com qualquer tipo de situação com o passar do tempo, e apesar de ser um tanto incerto se isso é algo bom ou ruim, não deixa de ser inevitável. E Mail havia se acostumado, de verdade. Tinha tomado como certo se ver sempre entre barreiras, visíveis ou não, e por isso não se incomodou, como o faria anos antes, em ter que ficar restrito ao interior daquele apartamento o tempo todo que se passou.

Mas... Agora que experimentava uma vez mais esse turbilhão de sensações que julgava nunca mais poder presenciar, não queria mais esquecer como era isso, não agora que não era mais o Mail Jeevas fantoche fechado para tudo e para todos. Seria impossível esquecer.

Com um toque de nostalgia lembrou-se do que sentiu na noite de sua primeira tentativa de fuga efetiva, de como ficou feliz naquele tempo correndo a toda velocidade pelos caminhos do bosque. Tinha trancado aquilo dentro de si pelos anos seguintes, e agora o mesmo sentimento de felicidade aflorava como se fosse a continuação da conquista daquela noite. Ou o desfecho.

Por isso, apesar de realmente tentar conter suas expressões e gestos ao andar pelas ruas da movimentada Dublin, para o loiro ao seu lado era óbvia demais a alegria que estava sentindo. E Mello não pôde evitar de sorrir um sorriso rápido com a visão.

Em seu disfarce, Mail agora era Matt. E diferente do ruivo de olhos verdes que continuava sendo procurado por todo o país pelos contatos de Klaus, o moreno de olhos castanhos ao seu lado podia andar livre e despreocupadamente por onde quisesse. Talvez seja esse o motivo do loiro ter preferido fazer aquele “passeio” sem sua moto, para deixar que Matt aproveitasse cada instante o quanto desejasse. Sim, porque era muito bom ver um sorriso verdadeiro naquele rosto.

~*~

– Mello! Hey, Mello... Espera aí!

Aquela voz os perseguia pelo campus da Universidade de Dublin há consideráveis minutos sem despertar qualquer outra reação além do andar acelerado da dupla, até que Mello finalmente se cansou.

Ir à universidade naquele dia não fazia parte dos seus planos iniciais, mas acabou sendo obrigado pela lembrança de uma irritante questão envolvendo a administração docente que vinha adiando há tempos, e que se não resolvesse ainda nesse dia se tornaria ainda mais irritante.

Mello parou de andar, e Matt o imitou. O loiro controlou sua expressão para uma máscara indiferente, enquanto o recém-chegado dobrava o corpo tentando recuperar o fôlego. Apenas imaginava o que deveria ser tão importante para aquele barulho todo.

Não levou muito tempo para o rapaz erguer de volta o corpo, respirando mais normalmente, e se dirigir enfim ao loiro após afastar os cabelos castanhos levemente úmidos dos olhos.

– Achei que não fosse vir hoje. Tenho um recado pra você - começou, mas ao reparar pela primeira vez que a pessoa ao lado de fato estava esperando pelo loiro para voltar a caminhar, parou. Olhou surpreso para Matt, alternando o olhar sem reservas entre o - aparente - moreno e o loiro, como se fosse difícil demais assimiliar aquela imagem. Não se lembrava de nenhuma ocasião desde que havia entrado naquele curso e reparado em Mello, onde o loiro permitisse que alguém o acompanhasse a algum lugar - Seu amigo? - não conseguiu evitar a pergunta, muito menos a nota de admiração embutida nela.

E com isso Mello desistiu de qualquer maldita máscara, deixando que sua costumeira expressão de impaciência finalmente desse as caras. Matt cobriu discretamente os lábios para que nenhum dos dois o visse sorrindo.

– Achei que tivesse um recado para mim.

O outro desviou então a atenção do moreno, aparentemente sem se incomodar com a mudança de expressão de Mello.

– Ah, sim. A senhora Bettany estava te procurando. É pra você ir até a sala dela até o fim do dia.

– Maravilha - o loiro resmungou, já dando as costas para o rapaz e saindo andando sem qualquer despedida ou agradecimento. De qualquer forma, apenas o esperado.

Matt o seguiu com o mesmo sorriso escondido, mas não sem antes lançar um último olhar ao rapaz que ficara sem saber o nome, e algo na expressão dele lhe dizia que aquela viraria a fofoca do dia no campus. O indomável Mello está se tornando sociável!

Desde que chegaram, Matt permanecia em absoluto e impressionado silêncio, olhando tudo ao seu redor como se esperasse conseguir devorar e gravar na memória tudo que lhe fosse mostrado. Estava parecido demais com uma criança em um lugar novo e fascinante para Mello conseguir manter seu aborrecimento por mais do que alguns segundos. Logo estava fazendo comentários sobre o lugar - construção, cursos, pessoas irritantes - como nunca imaginou um dia fazer, e arrancando um brilho de entusiasmo ainda maior do outro.

~*~

Estavam andando por um corredor deserto dentro de uma das maiores alas da universidade, quando algo chamou a atenção do “moreno”.

– O que está fazendo? – Mello perguntou ao ver Matt de repente parar de andar. Ao não receber nenhuma resposta, refez os passos até o outro, buscando o que havia lhe roubado a atenção, e se deparando com a porta entreaberta de uma sala de aula, por onde escapavam os sons do que parecia ser, provavelmente, o curso de Retórica e Lógica. Mello nunca tinha tido muito interesse em assistir uma dessas aulas.

Uma ideia cruzou a mente do loiro, e de alguma forma, ela não lhe pareceu nem um pouco má. Apenas para confirmar, olhou uma segunda vez para o rosto do ruivo. Viu ali curiosidade e interesse o suficiente para garantir a si mesmo que valia a pena, então segurou o braço de Matt e começou a conduzi-lo naquela exata direção.

– O que está fazendo? – Matt tentou se manter firme no lugar com a surpresa, ecoando sem perceber a mesmíssima pergunta que ele próprio não escutara e não respondera há apenas poucos segundos.

– Vem logo – Mello disse baixo, ganhando a disputa, e quando o ruivo deu-se conta estavam ambos no interior daquela sala, como se fossem apenas alunos retardatários que tentam entrar na aula o mais discretamente possível torcendo para ninguém perceber. E de fato, ninguém ali sequer reparou nos recém-chegados; sentaram na última fileira semi-vazia como se estivessem ali desde o início.

E observando de soslaio o rosto de Matt, Mello não podia deixar de fazer a mais óbvia comparação. Aquele era o mesmo que meses antes parecia abrigado em uma grande bolha de indiferença. Essa pessoa que agora ouvia o discurso do pedagogo com visível interesse era a mesma que já ostentara o olhar de alguém que não liga para a morte nem para o que levaria a ela. Aquele ao seu lado estava disfarçado, mas havia uma mudança muito maior e mais significativa do que peruca, lentes e roupas novas; uma mudança que no presente ninguém além dele, Mello, seria capaz de notar. Apenas Mello.

E esse mesmo Mello era também aquele que ignorava completamente a extensão da mudança que se operou, e ainda operava, nele próprio.

~*~

– Por isso, não importa o que a induz, a “liberdade” sempre está intrinsicamente ligada ao “desejar” – o professor deu continuação ao seu pensamento, andando lentamente de um lado para o outro no extenso tablado de madeira e passando rapidamente por alguns dos vários rostos que o encaravam, esperando por alguma reação. Sempre havia alguma.

E como esperava, ela veio.

– Mas não existe nada mais relativo do que o conceito de liberdade. Não dá para generalizar desse jeito só porque parece mais conveniente.

Antes que desse por si, Matt já tinha falado. Em alto e bom tom. E arrependeu-se quase de imediato, principalmente quando o olhar do professor encontrou o dono da voz, assim como os de praticamente todos os alunos – acordados – da sala. Até mesmo Mello o encarou com certa surpresa estampada.

Estava tão absorto nas palavras do homem que acabou se deixando levar completamente pela discussão do tema. “A Liberdade Através dos Tempos”. Hm, chegava a ser irônico que justo ele, Matt, acabasse participando de um tema desses, ainda mais naquele dia.

O professor não era exatamente intimidador – e nem poderia ser com aquele físico magro e alto demais de alguém que evita a qualquer custo atividades esportivas, e com os cabelos tão bem arrumados que pareciam colados no lugar –, mas ter o olhar dele e de pelo menos outras duas dezenas de pessoas voltados para si certamente era, e por isso Matt sentiu vontade imensa de abaixar a cabeça e fugir deles. E o faria, se não fosse a voz grave do mestre.

– “Conveniente”? – repetiu o termo usado como se o analisasse – Poderia ser um comentário válido, admito. Isso, claro, se não fosse tão absurdamente desgastado pelo que as pessoas julgam como “palavras bonitas”.

– Se as pessoas usam tanto assim, tem que ter uma base de verdade – Matt não resistiu rebater.

– Muito bem – o homem assentiu uma vez antes de cruzar os braços e encostar o torso na lousa ainda intacta – E como, exatamente, você defenderia a relatividade da liberdade?

– O senhor não acredita que é relativo?

– Eu acredito que tudo nesse mundo é relativo. É a grande lição que todos trazem da Física - algumas risadas foram provocadas - Mas acredito também que para se dizer isso, mais do que uma frase pronta carimbada no cérebro, é preciso ter ideias próprias, argumentos que a justifiquem. Então?

– É só pensar no quem, no onde e no quando– Matt disse de forma simples, quase dando de ombros.

– Desculpe, estamos falando de liberdade ou de determinismo?

Mais alunos riram, e mesmo Matt deu uma risada breve antes de responder.

– Seria no mínimo estranho relacionar os dois já que a ausência da liberdade seja talvez a maior característica do determinismo.

Foi a vez do professor abrir um discreto sorriso, de satisfação.

– Está bem. O que quis dizer com o quem, o onde e o quando então? – incentivou.

– A liberdade é diferente para cada um...

– Outra frase desbotada.

–... porque o quando e o onde são aqueles que formam o quem – Matt prosseguiu como se não tivesse ouvido nada – São infinitas possibilidades que resultam em infinitas combinações.

“O homem é um produto” – o professor abriu um sorriso maior, um pouco mais divertido dessa vez – Como eu disse: determinista.

Matt também sorriu da mesma forma. De fato, parecia estar se divertindo com aquilo. Muito. Sequer ligava mais para toda a atenção que lhe destinavam; ainda que permanecesse curiosamente consciente da particular atenção do loiro ao seu lado sobre si. De qualquer forma, começava a encarar aquilo tudo como um estimulante.

– O que um escravo entende por liberdade? Ser dono do próprio trabalho e, quem sabe, um dia ter os seus próprios escravos. E no que o movimento do Norte se baseia? Em ver-se completamente desligado dos ingleses. Não é uma questão de relacionar a liberdade com o que se deseja, ainda que algumas vezes coincida. Na maioria, ela está simplesmente ligada ao que não se tem.

– Talvez. Mas o ser humano não sempre deseja o que não tem?

– Deseja o que não pode ter – Matt corrigiu – Se a liberdade está inexoravelmente ligada ao que não se pode conseguir, então ninguém jamais seria capaz de alcança-la.

Aquilo provocou um silêncio de alguns longos segundos no homem, que buscava rapidamente por uma resposta que não os acabasse jogando em uma das mais antigas e extensas questões da Filosofia. O restante da sala, por sua vez, também permanecia em admirado silêncio, onde nenhum deles possuía a coragem – ou argumentos – para arriscar uma participação naquele ponto do debate. E Mello... Bom, Mello acompanhava todo aquele desenrolar com um leve sorriso seguramente escondido sob sua mão; observava Matt com um olhar híbrido de admiração e divertimento que certamente ninguém naquela universidade já o havia visto ostentar, quanto mais dirigir a alguém. Tinha algumas ideias quanto a esse assunto também, mas preferia muito mais o papel de espectador no momento. Valia mais a pena.

Por fim, o pedagogo voltou a tomar a palavra.

Lugar e momento, não é? E isso vale sempre? - ergueu uma sobrancelha, pensativo.

– Sim.

– Tem certeza? – aceno afirmativo – Muito bem. Um adolescente recém-chegado à maioridade?

– Aniversário e qualquer lugar longe dos pais.

– Um estudante?

Quase todos os que assistiam soltaram sons discretos de divertimento agora.

– Formatura e emprego novo.

– Um emprego novo implica na busca por uma nova liberdade, e não ela própria.

– O senhor perguntou pela liberdade do estudante. A partir daí já é a liberdade do trabalhador - Matt rebateu com um sorriso falsamente ingênuo.

Mais risadas.

Satisfeito, o professor procurou por um novo exemplo, e o primeiro que lhe veio à mente foi...

– Um homem endividado?

A hesitação foi inconsciente, assim como o rápido contrair do punho. E Mello percebeu ambos.

– Quitação da dívida e, muitas vezes, um bar.

A discussão teria continuado assim por mais um longo tempo, se o alarme avisando o encerramento do período não tivesse soado naquele instante e impedido o senhor de estender a lista e ver até onde o rapaz conseguia manter sua teoria.

– Você! – o professor se fez ouvir acima da movimentação dos alunos, antes que os próprios Matt e Mello pudessem se levantar e sair, e fez um claro gesto para o rapaz esperar – Será que pode ficar um pouco mais? Gostaria de falar-lhe.

O ruivo encontrou seu olhar com o de Mello quase imperceptivelmente, e o loiro deu de ombros antes de erguer-se e seguir o fluxo, deixando Matt ali sozinho esperando. Quando a maioria já havia saído e liberado o longo corredor entre as fileiras, ele foi até o professor em passos comedidos, quase hesitantes para quem prestasse atenção.

O homem o olhava diretamente nos olhos, e por um único segundo Matt temeu que ele encontrasse algo estranho ali, que achasse que a cor não era natural ou algo assim.

– Não me lembro de você na minha aula antes. Qual seu nome?

– Matt.

– Matt? – repetiu em tom de espera, indicando que esperava pela continuação da resposta.

– Sou livre para me apresentar somente pelo primeiro nome – o atual moreno brincou, arrancando um riso breve do homem.

– Está bem, está bem. Você possui ideias interessantes, espero que participe de outros tópicos no futuro.

O sorriso do ruivo se alargou, mas se aquele à sua frente olhasse mais atentamente, perceberia que a autenticidade daquele gesto era mínima.

– Com certeza, senhor.

~*~

Matt encontrou Mello assim que saiu da sala de aula, encostado na parede e com uma pequena embalagem laminada brincando entre seus dedos. Quando os fios negros que escondiam a verdadeira cor do ruivo surgiram da estreita passagem, o loiro lhe jogou o bombom. Pelo bolinho de papel amassado em sua outra mão, ele mesmo já havia comido no mínimo dois.

Os dois andaram em silêncio pelos corredores por pouquíssimo tempo antes que Matt jogasse fora a embalagem agora também vazia e soltasse uma risada baixa de pura satisfação. Mello nunca o vira rir de forma tão verdadeira, tão espontânea, antes.

– Acho que nem preciso perguntar se você está aproveitando – o loiro comentou, e não conseguiu evitar que o riso deixasse seus lábios também. Era contagiante, isso sim, toda aquela alegria óbvia tão rara que emanava do outro. Contagiante e inebriante.

– Isso tudo é demais! – Matt exclamou jogando os braços no ar – Não sei como você pode reclamar.

– Uma rotina é bem diferente de uma simples visita, sabe.

– Uma rotina parece melhor ainda – Mello reparou que desta vez as palavras não eram dirigidas a ele. Pareceu mais um pensar alto, ou quem sabe, uma espécie de lamentação.

O silêncio retornou, e só quando alcançaram o ar livre e se afastaram o suficiente de um grupo de garotas barulhentas falando sobre alguma festa que teria naquela noite, foi que Mello voltou a falar.

– Alguém te dava aulas?

– Huh? – Matt resmungou distraído, a atenção voltada para o perímetro de árvores que marcava caminhos e limites.

– Aulas – Mello repetiu sem se irritar particularmente por o ter que fazer – Não te deixavam sair, não é? Alguém te ensinava na casa? Você falou muito bem agora há pouco para ser só coisa do momento.

A claridade que banhava o gramado queimado pelo frio os atingia frontalmente agora, mas o franzir de olhos que Mello foi obrigado a fazer por conta disso não o impediu de perceber o rápido instante onde a expressão amena e alegre de Matt vacilou.

Até aquele dia nenhum dos dois havia feito qualquer pergunta específica sobre o passado um do outro; o máximo que Mello perguntara foi naquele primeiro dia, sobre o por quê do ruivo estar naquela casa, e a única coisa que Matt indagou sobre ele foi quem era o homem moreno que fora ao apartamento do loiro falar sobre “negócios”. Eles evitavam os questionamentos justamente porque senão abririam as chances de terem que dar algumas respostas em troca mais tarde.

Mello não sabia por que estava disposto a romper esse acordo mútuo e subentendido agora. Estava apenas... Interessado. Interessado a ponto de valer o risco ter de contar algo sobre si também, se preciso.

O ruivo pensou um pouco sobre o que poderia responder, e por fim um suspiro quase inaudível o deixou. Colocando as mãos nos bolsos da jaqueta emprestada e desacelerando um pouco o passo, achou mais seguro fugir do contato visual, deixando-o voltar para as grandes e antigas árvores.

– Ninguém lá perderia tempo com algo assim – foi o que Matt disse em voz neutra, e por algum motivo o que Mello escutou implícito ali foi “Ninguém lá perderia tempo comigo” – Eu não tinha muito o que fazer no “tempo livre”, e quando não conseguia arranjar nenhum videogame e o tédio batia, eu procurava algum livro para me distrair. Nunca me proibiram de ler, pelo menos.

O loiro acabou pensando, quase automaticamente, em todas vezes que pegara o ruivo com um dos seus livros nas mãos, e na forma como podia muito bem aproveitar a ajuda dele para estudar pras provas, como às vezes entravam em discussões sobre leis e códigos quase sem perceber. Então aquilo tudo era tédio?

– Hm... Não achei que fosse autodidata – comentou como se não estivesse realmente surpreso. E de certa forma, não estava mesmo.

Matt deu de ombros.

– Nunca foi minha intenção.

Certas ideias brincavam na mente do loiro, e após vários minutos as considerando, pela segunda vez rompeu o silêncio, desta vez com a voz consideravelmente mais baixa.

– Bastaria alguns documentos falsos para você poder vir para cá, sabia?

Matt parou de andar de imediato. Não tinha como ter ouvido certo, tinha? Quer dizer, como poderia... Ficou ali parado olhando para o loiro, que apenas agora virava completamente para ele, repetindo várias e várias vezes mentalmente aquelas palavras, buscando onde que a brincadeira começava. Porque... Era o que tinha que ser, não era? Uma brincadeira.

– É uma piada um pouco cruel, não acha? Até mesmo para você – disse também baixo, sua voz e expressão parecendo indecisas se transpareciam decepção ou acusação.

Mello surpreendeu-se com aquelas palavras, mesmo sem o demonstrar. Voltou os poucos passos que havia avançado além do ruivo e parou bem na frente deste, sem nada em seu rosto que realmente indicasse algo próximo do humor. Tinham alcançado um ponto isolado dos arredores dos prédios menores, onde raramente alguém que não estivesse procurando por um atalho cheio de galhos passava, então não havia ninguém ali para se surpreender com o sempre tão arisco loiro prodígio se aproximando a menos de um braço de alguém.

– Não é piada – disse simplesmente, e quase podia ver o ceticismo no rosto do outro, tentando se esconder sob a face que pretendia ser séria e impassível.

– Pois parece uma.

– E por que isso?

O ruivo bufou e rolou os olhos, afastando-se um passo do outro.

– Por favor, Mello!

– O quê? – o loiro cobriu o passo afastado – Eu disse que não estou brincando.

– Ah, claro que não está. Meu julgamento é que deve estar sendo afetado pelo ar fresco! – disse com toda a ironia que conseguiu reunir, o que momento não era muita. Não podia acreditar em algo assim para depois simplesmente se ver obrigado a repetir repetidas vezes a si mesmo o quanto tinha sido idiota por fazê-lo. Apenas... Não podia.

O loiro via várias coisas escondidas naqueles olhos castanhos, tentando sumir junto com o verde verdadeiro, e o que enxergava ali era... Doloroso.

Mello olhou ao redor antes de inclinar o rosto sobre o do ruivo, deixando-os muito próximos um do outro. Segurou com força um de seus braços para impedir qualquer tentativa de afastamento. Os olhos azuis brilhavam de uma forma que Matt nunca havia visto antes.

Matt – disse em voz tão baixa que nem alguém a dois passos de distância seria capaz de ouvir, apenas aquele à sua frente – Esse vai ser seu nome aqui fora. Pode escolher o sobrenome se quiser – o ruivo fez menção de interrompê-lo, mas Mello não deixou – Vou dizer apenas uma vez e não espere que eu repita: eu confio em você. Sei que não vai fugir, e se tentasse provaria ser muito mais idiota e estúpido do que já cheguei a pensar. Não tem porque nem para onde fugir, e vai usar esse disfarce o tempo todo se não quiser ser pego pelo pessoal do Klaus e me trazer uma tonelada de problemas. Estou falando sério, e não gosto que duvidem da minha palavra. Entendeu?

Mello ficou encarando o rosto do outro, sem realmente esperar uma resposta, apenas olhando-o, analisando suas reações. O ruivo empalideceu de maneira preocupante com aquelas palavras, e a peruca negra emoldurando-lhe as feições deixava isso ainda mais evidente. Traços do verde original podiam ser vistos nos olhos arregalados caso se prestasse muita atenção. Mello pôde sentir um leve tremor no braço que segurava, o que apenas o fez apertá-lo com mais força, esperando que assim conseguisse despertar o outro daquele estado de uma vez. Não esperava que o choque fosse ser tanto, e pela primeira vez, ele desejou realmente saber de tudo; o que o desgraçado daquele agiota tinha feito em todos aqueles anos para marcar tanto o espírito de Mail, o que qualquer outro poderia ter feito para contribuir. E esse desejo, tais pensamentos inéditos, assustaram o loiro.

Esse não era ele, não o Mello que ele levou tanto tempo construindo, não a pessoa que ele achava que deveria ser para nunca mais ser atingido como fora quando aquele grupo, aquele maldito grupo, invadiu sua casa. Não era ele, não era quem pretendia ser, então por que não se importava? Por que no momento isso parecia tão sem importância? Isso foi o que mais o assustou.

Mas sua face permaneceu do mesmo jeito, sem qualquer alteração que evidenciasse coisa alguma que ocorresse em seu interior.

– Mello... – Matt finalmente disse algo, e sua voz saiu rouca e fraca. O loiro realmente chegou a pensar que ele iria desfalecer ou algo parecido, e instintivamente agarrou seu outro braço também – Mello, isso... – seu peito subia e descia com uma frequência estranha, como se fosse difícil puxar o ar necessário para enchê-lo.

– Ei, você não vai cair, vai? – a pergunta saiu antes o loiro pudesse impedir, sem querer soando com parte da preocupação que a súbita aparência do ruivo estava lhe causando. Aquilo podia ser mesmo só choque? Não estava gostando daquela palidez toda.

Matt o ignorou, e apesar de ter respirado fundo uma vez, sua voz não saiu menos fraca do que antes.

– Eu poderia... Poderia realmente... Sair? Vir aqui? A qualquer lugar? Eu?

A verdade era que aquela era uma emoção grande demais para o ruivo conseguir administrar de imediato. Não tinha como evitar, era mais do que ele poderia se atrever a esperar desde muito e muito tempo. E de certa forma Mello compreendeu isso.

– O que acha que estou falando aqui esse tempo todo?

~*~

– Mello, eu posso fazer uma pergunta?

O loiro hesitou por um momento. Bom, foi ele quem criou essa brecha, não foi?

– Uma só.

– Qual o seu nome?


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Notas finais do capítulo

O que acharam? Alguém aí ainda? :3 Eu me empolguei um pouquinho com esse cap, principalmente com o Matt na aula ~ (cap grandinho pra compensar pelo menos um pouco a demora)

Ah, e só pra lembrar: novamente, postagens quinzenais.



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