O Sequestro escrita por Lívia Black


Capítulo 20
Capítulo 19 -Isto Ficou Pior a Noite.


Notas iniciais do capítulo

Olá, girls *-* Queria muito agradecer a vocês por terem lido OS, deixado reviews lindos e esperado tanto tempo por esse cap ! (duas semanas) Mas está grandito, como sempre (: não consegui diminuir haha, e já que vou demorar, nada mais justo do que deixa-lo grande. Algo me diz que vocês vão gostar...mas bem, talvez não mt do final...enfim, tenho que calar a boca. Só peço que não me abandonem nesses tempos difíceis, em que física e matemática me atormentam e semanas de provas sem sono me perseguem. Porque eu não vou abandonar ssabagaça aqui *-*
Beijitos flores
E um obrigada especial à beta, e a Princesa Grega e a Bárbara Oak pelas recomendações :)



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Capítulo 19 - Isto Ficou Pior a Noite 

- Beijar, Atena. Eu posso beijar melhor do que qualquer um. E você sabe disso, não é minha querida deusa...?

Dessa vez, ele tinha certeza de ela ia se esquivar, ou talvez obrigar a mão a dançar sobre seu rosto. Ou os dois juntos. Mas não se importaria se isso acompanhasse um rubor em suas bochechas, dos dois lados. Seria satisfatório, até.

Mas Atena não fez isso. Simplesmente não fez isso. Ela só o empurrou, com a mão esquerda, e ele não resistiu à queda, caindo, ainda que de forma despojada e com um sorriso enorme no rosto, alguns centímetros a seu lado. A loira também sorria, não de forma tão prepotente como a de Poseidon, porém apenas o suficiente para deixá-lo chocado.

-Partindo do princípio de que eu nunca beijaria Zeus, uma vez que eu tenho um juramento solene, ele é meu pai e isso seria um incesto desprezível, eu nunca terei o prazer de comprovar que você está errado, literalmente. Mas jamais diria que você beija melhor do que ele. Meu pai com certeza faz melhor do que essa mixaria que você chama de beijo.

Poseidon não achou que ela fosse capaz de inverter os ramos do jogo, só com algumas palavras estúpidas, mas aparentemente a subestimara. Agora era ele que borbulhava de raiva. Não suportava que ela o humilhasse e pisasse em seu ego, com total satisfação, como estava fazendo agora. Ela não tinha o direito.

-Largue esse voto e tire esse vestido que você vai saber quem faz mixarias, Atena.

Comentários como aquele sempre conseguiam fazer a deusa corar como a donzela que era. Mas isso não a impedia de manter sua pose de vencedora, nem de continuar sorrindo :- Tem razão, Poseidon, é aí que vou saber mesmo. Felizmente, não vou obrigar você a exibir seus podres de forma tão visível...

Se tivesse algum copo de bebida, Atena engoliria naquele instante, para deixar o efeito de sua frase um pouco mais dramático. Contentou-se em comprimir os olhos para observá-lo grunhir, enquanto mordia internamente a bochecha para não rir da evidente frustração dele.

 Poseidon quase não acreditou que tivesse ousadia suficiente para dizer, e para segurar um riso em seguida. Grunhiu, e quase perdeu o fôlego de tanta raiva. Ele jamais poderia ter esperado uma resposta assim dela.

-Vá se ferrar, Atena.

-Oh. Esse é seu melhor argumento contra mim, Poseidon? Não sei por que não fico surpresa, tsc, tsc...

Ele avançou, de forma ameaçadora, e por um instante ela quase caiu na tentação de se esquivar. As palavras de Alana não paravam de martelar em sua cabeça, mas ainda tinha uma discussão para vencer. O hálito dele roçava em seu pescoço, como uma doce brisa quente. Atena queria que lhe desse repulsa, e até esboçou a exata expressão que cultivaria se fosse isso o que sentia. Infelizmente, não era.

-Nós dois sabemos que se o meu beijo fosse ruim, você não teria correspondido, então pare de bancar a falsa, Atena...

-Eu não estou sendo falsa.- Ela se apressou em revidar, ignorando os pelos que se eriçaram quando seu nome foi murmurado daquela maneira. - Eu não achei seu beijo bom.

Atena gostou muito da forma como a sentença saiu, bem confiante, soando até verdadeira. Quer dizer, ERA verdadeira.

-Tem certeza de que não quer experimentar outro, então?

Se as palavras não fossem tão absurdas, teria até pensado que se referiam a algo sério, apenas pela forma cativante que ele as enunciava.  Mas logo franziu o rosto de nojo ao compreender.

-Certeza absoluta. Falando nisso, Poseidon, por que você tem que sempre mandar uma indireta dessas para mim? Desse jeito, até parece que...- De repente, Atena percebeu o quanto ela não era alguém que jogava na cara das pessoas aquele tipo de sugestão, e como o ar parecia pesar uma tonelada de constrangimento. -...que você...

-Que eu o quê, Atena?! – Apressou-a, visivelmente impaciente.

-Eu não sei. –É claro que ela sabia. Só não tinha estômago suficiente pra dizê-lo. – Que você...Talvez...Quem sabe...- Poseidon soltou o ar como se tivesse prestes a agarrá-la pelos braços e sacudi-la até ela falar. - Que você gosta de mim. –Falou, de uma vez por todas.

O nó de sua garganta saltou e aliviou-a, mas em compensação deixou o ar mais pesado ainda. As pontas dos dedos de Atena tremiam, mesmo que ela mal percebesse isso.

O riso de Poseidon foi mais alegre e sarcástico do que jamais havia sido. Ele dobrou-se no colchão, enquanto ela cerrava os dentes. Foi um surto tão prolongado, que a partir de um instante a deusa pensou que até as paredes estavam rindo dela.

-Cale a boca, seu estúpido! –Ela jurou que não iria dizer nada, para não parecer ofendida, mas não pode se conter.

Poseidon pareceu se lembrar de que ela estava lá, no meio de toda a sua diversão, e interrompeu o riso, embora em seus lábios um sorriso buliçoso ainda serpenteasse. Inclinou-se para mais perto dela. 

-Primeiro, eu não estava sequer falando, como posso calar a boca? Segundo, de que lugar da sua tão bem-estruturada mente você consegue tirar tanta asneira? – Ele balançou a cabeça de um lado para o outro, irritantemente, como que em desaprovação. – Fica inventando bobagens para ver se seu ego infla, fica?

O sorriso dele simplesmente estava insuportável demais para que ela cultivasse o reconforto do silêncio.

-Eu não inventei nada! -Rugiu Atena, furiosa. De repente, esqueceu-se de tudo, de todo o medo que tinha, e seu orgulho tomou-lhe facilmente a voz. - Foi sua própria amiguinha Alana quem me contou isso!

Só foi perceber a besteira que havia feito quando seus dedos esquerdos que quase haviam rasgado o edredom desafrouxaram, quando o sorriso de Poseidon foi murchando gradualmente. Foi um alívio vê-lo com sua cara típica, sem o sorriso que o fazia parecer triplamente irritante, mas a análise do que o fizera ficar assim trouxe à loira sérias aflições. Aquele era um assunto que ela definitivamente não gostaria e não iria de discutir com ele, para não ouvir suas desfeitas, além de não poder trair a náiade, como se fosse uma fofoqueira qualquer.

-Alana contou o quê?!

Era tarde demais.

-Não. Não foi isso que pareceu. – Mas nunca tão tarde para não tentar consertar. – Alana me contou que era mais fácil você gostar de mim do que de Zeus.

-Para de mentir. Você olha para os pés quando mente. – Atena percebeu que realmente tinha desviados os orbes cinza para os pés, mas só depois que ele havia citado. Havia sido tão involuntário! - O que foi que essa náiade psicótica falou pra você, mulher?!

Atena pensava em algo para argumentar, agora deixando de olhar para os pés e fitando-o, para que ele não pensasse que ela mentia. Mesmo não crendo que ele sabia que ela olhava para os pés quando mentia, já que nem ela se dera conta disso.

-Em primeiro lugar, eu tenho várias qualidades que me distinguem de um simplório ser humano do sexo feminino. Sou uma deusa. Em segundo lugar, Alana não é psicótica. Nem um pouco. E em terceiro lugar...

-Que seja, Atena. O que pelos OCEANOS ela disse?!

A loira se assustou um pouco com a irritação dele, encolhendo os ombros num instinto.

-Nada. Nada que seja da sua conta, pelo menos.

Poseidon rolou os olhos. Seria bem mais fácil perguntar à Lans suas exatas palavras para Atena do que arrancar aquilo da deusa. Ela era bem teimosa, quando queria.

-Tá bom...Mas seja lá o que for, não caia nas tramoias da Lans. – Preveniu-a, erguendo as sobrancelhas como em repreensão. - Ela vem saltitando como um coelhinho feliz multicolorido desde que viu a gente se beijando.

-Eu sei. – Mentiu Atena. Sem olhar para os pés, óbvio. Jamais cometeria esse erro novamente. Mas não era também uma mentira por completo. Ela sabia que Alana saltitava feito um coelho feliz multicolorido e feito de pudim, mas não tinha imaginado que suas palavras tão assustadoras pudessem ser apenas uma “tramoia” como Poseidon estava sugerindo. Mas por que a pobre náiade inventaria tudo aquilo? Para vê-los juntos e convivendo em harmonia? Atena imaginava que, além da harmonia ser algo inatingível, era um motivo muito insuficiente para uma mentira tão devastadora.

-Alana acha que um beijo tem o mesmo significado de amor eterno. Há.

Atena se sentiu desconfortável. Normalmente, o nome de Alana poderia ser substituído pelo seu naquela sentença. Mas não quando se tratava de Poseidon. Como seele pudesse realmente acreditar em amor eterno.

-Que seja. Mas não vamos falar nisso, ok? Achei que já tínhamos feito um acordo sobre esquecer o...-Ela sempre sentia dificuldade de olhar para ele e pronunciar. –Por falta de palavra melhor, beijo.

O deus ergueu uma sobrancelha, feliz, como se não acreditasse que, de uma hora para outra, aquele assunto estava incomodando Atena como ele gostaria que incomodasse.

-Ei, eu não fiz acordo nenhum sobre isso. Eu não vou esquecer o beijo. –Ele irritou tanto Atena naquele instante, que se tivesse o poder, o reduziria a fagulhas com seu olhar. Por que ele sempre queria dificultar as coisas com seu maldito jeito arrogante? -Nunca vou ousar deixar de lembrar que minha maior inimiga me beijou e quebrou o seu precioso voto comi...

-Não quebrei! –Exclamou Atena, interrompendo com frustração. Ficou olhando fixamente o patético rosto dele, ainda na esperança de que pudesse explodir.- O voto dizia a respeito de ser donze...

-E de não se envolver com homens.

Atena falaria que ele não tinha criatividade, por tê-la interrompido também, mas os argumentos fizeram todo seu calor interior gelar.

-Mas você não é um homem. É um deus. –Ela sabia que era uma péssima forma de revidar, mas não havia outro meio para sair impune e ingênua daquilo. - E tecnicamente, eu não me envolvi com você. –Poseidon não sabia dizer o que a fazia olhar para os pés, se era a mentira, ou a vergonha por mentir. Ela já estava envolvida com ele, isso era inegável, até mesmo para criatura mais negadora do universo. -Argh, a ideia em si me dá repulsa.

-Mas você tem de se acostumar a ela! –Revidou de imediato, mesmo que, interiormente, sua vontade fosse de indagar, porque ele não sentia nem um vestígio de repulsa, já que ela o sentia.  

-Por quê?! Isso não vai se repetir, Poseidon. –Foi só nesse momento que Atena notou que estava com uma vontade ridícula de gritar, esmurrar e chorar. Só que, obviamente não na frente dele. – Nunca. Está me ouvindo bem? Nunca. Nem em sonhos. Pesadelos, quero dizer. Agora, se me dá licença, tenho que ir ler. –Era mentira, já que ela só precisava ficar sozinha. Mas, depois de considerar a ideia, ler parecia ser uma coisa tão magnífica de se fazer. Saiu, exultante, daquela cama, pondo-se de pé com uma disposição que não encontrava há dias. -Não suporto mais, a abstinência de livros está me fazendo desvairar a ponto de mal-usufruir meu tempo com altercações inúteis e infindáveis com um anencefálico ser marinho escamoso filaucioso e devasso.

Poseidon ignorou o quanto ela parecia feliz pela possibilidade de se ver livre dele, e embora xingamentos que compensassem aqueles estivessem rodeando sua língua, pôde se conter, para dizer algo que seria infinitas vezes melhor:

-Você não vai.

-O quê?! –O tom dele era autoritário, como se não admitisse discussões. Atena comprimiu os olhos, alisou o vestido e colocou a mão na cintura. - Acha que ainda sou sua empregada-escrava para mandar em mim de novo, Poseidon? Eu posso ter sido sequestrada, mas vou fazer o que eu quero. Sou uma deusa, ainda.

-Sim, você é. –Ela ficou surpresa por ele concordar, mesmo sabendo que algo podre viria logo após. - Uma deusa que fez comigo um trato de que não seria entediante, e que esqueceria meus planos malignos, se minha boquinha ficasse bem fechada. Dá última vez que conferi, ela estava. Você não quer que se abra, não é Atena?

Os dedos dele se encontraram, e ele levou aos lábios, simulando um zíper, prestes a ser aberto. Atena sentiu vontade de quebrar os dentes dele por aquilo. Sentiu as veias saltarem.

Odiava aquele trato. Odiava tudo aquilo. E principalmente, odiava a ele.

-Ler não é entediante, Poseidon. É magnífico.

Ele deu de ombros.

-É legalzinho. Quando não se tem coisas melhores pra fazer. E nós, com certeza temos...

A vontade de chorar aumentou consideravelmente para ela.

-Eu poderia ler em voz alta se...

-Agora não, Atena. –Ele disse, encerrando de vez o assunto. -Quem sabe mais tarde? Eu tô com fome. MUITA fome. Podemos comer alguma coisa?

-E por que você depende de mim para isso?! –Atena não queria soar tão agressiva, mas as restrições que Poseidon lhe fazia estavam lhe dando nos nervos. 

-Sei lá. É que eu estou acostumado com companhia na hora de comer. – E tenho alguns planinhos para você.

-Sério mesmo?!...-Quando viu que Poseidon não entendia aonde ela queria chegar, tossiu. –Eu quero dizer, você não tem esposa.

Poseidon entreabriu os lábios. Ficou chocado ao entender o que provavelmente estava se passando na mente de Atena. Ela era bem mais egocêntrica do que parecia.

-Tecnicamente, tenho sim. Nunca pedi o divórcio. Ela só desapareceu.

-Foi sequestrada, você quer dizer.

Ela batia o sapato no chão, produzindo um ruído bastante irritante, que dava ênfase na conversa.

-Não se preocupe, Atena. Não estou querendo que você tome o posto que foi de Anfitrite. Você está longe de ser boa o suficiente.

Atena não sabia se se ofendia por ele ter dito aquilo, como uma óbvia desfeita as suas qualidades. Se se ofendesse, era bem provável que ele percebesse que era exatamente sobre aquilo que ela estava ponderando, e não poderia dar aquela satisfação a ele. Ficava num maldito impasse.

-Você é que está a um sistema solar de ser bom o suficiente para mim. –Assim estava melhor. Xingava-o, sem deixar evidências de sua frustração.

Poseidon rolou os olhos.

-Discussão infinita. Enfim. Estava pensando de vermos um filme então. Dá pra comer pipoca. –Ele passou a língua pelos lábios.

Por mais surpreendente que fosse, a ideia não soou tão ruim para Atena. Já fazia algum tempo que não via algum filme instrutivo, que a fizesse refletir e debater mentalmente sobre as questões mais indecifráveis. Seria bom fazê-lo. Mesmo assim, hesitou a dizer sim para Poseidon. Limitou-se a morder um lábio.

-Você já está ficando entediante, Atena.

Ela bufou.

-Tudo bem. Eu topo. –Cedeu. Mas não por completo, é claro. –Entretanto, depende de qual filme formos ver.

Ele sorriu como  se houvesse ganhado um troféu ou alguma coisa maravilhosamente ótima: -Eu estava pensando...

-Em nada que seja lascivo ou violento demais.  –Terminou Atena, antes que ele pudesse sugerir alguma coisa como “Pornô 24 horas” ou “Jogos Mortais”. Argh.

-Eu não ia sugerir isso! –Parecia realmente difícil de acreditar, uma vez que Poseidon era...Bem, Poseidon era Poseidon. - Não preciso de filmes pornôs. Posso tê-los ao vivo. São bem mais interessantes.    

Atena esboçou uma careta de quem cheirou meias, chupou limão azedo e depois comeu banana verde com molho de chorume. Em outra ocasião Poseidon poderia ter rido até se contorcer, mas não queria que ela se irritasse e fosse embora, cheia de si.

-Quando eu acho que não pode ficar pior, você vem e me surpreende mais uma vez.

-Só estava sendo sincero, oras. –O deus balançou a cabeça. – E achei que você gostasse de violência, Atena. Te nomearam deusa da guerra, não foi isso?

-Eu não gosto de violência, Poseidon. Caso você nunca tenha notado, sou a deusa das estratégias de guerra. Não sou hipócrita, porém, para dizer que não admito o uso de violência. Principalmente com os meus inimigos. Mas não sou a favor de ficar atacando e provocando mutilações sem nenhum motivo. Ela cruzou os braços, inclinando sua voz para um tom repreensivo. - Isso é injustiça. E muito mais a cara de Ares.

-Ok, ok, senhora justa. –Ele ergueu as mãos para o alto. -O que você queria ver então?

-Hmmm, não sei. –Atena coçou o queixo. Poseidon provavelmente diria não para qualquer uma de suas propostas, mas sempre valia a pena arriscar. - Talvez um documentário sobre alguma coisa útil e educativa.

-Háhá. Nem frito. Acabo de ter uma ótima ideia.

O jeito que os olhos dele brilharam, não parecia indicar que fora realmente uma ótima ideia. Atena tinha um pouco de medo daqueles surtos de felicidade alheia.

-E o que é uma ótima ideia pra você, Poseidon?

-Hm... –Ele sorriu bem abertamente, em total contraste com a frieza da loira. -Você já vai descobrir.

x-x

Atena nunca poderia imaginar que Poseidon poderia ter realmente uma ótima ideia. Apesar de não ser exatamente o que Atena chamaria de filme instrutivo ou produtor de ideias reflexivas, ela não podia negar que era...curioso, e na maior parte do tempo... engraçado.

Estavam assistindo a um filme sobre eles mesmos.

Com direito a cenários épicos da Grécia Antiga, concepções de Monstros, semideuses e tudo mais. Há.

Atena adorava isso.

A forma como os mortais, que gostavam deles ou acreditavam neles, ou simplesmente os viam como mitos, cristalizavam-nos eternamente naquele tipo de cenário: ou na Grécia Antiga ou no Império Romano.

Eles não conseguiam assimilar que, conforme os séculos iam se transcorrendo, e as potências iam se alterando, os deuses também transitavam e se adaptavam.

Ela, por exemplo, já assumira diversas versões de si mesma. E embora mantivesse seu aspecto físico grego, aquele que usava quando foi concebida, já não era mais aquelaAtena. Que usava túnicas nada requintadas e passava dias e dias trancada elaborando estratégias para guerras e auxiliando semideuses. É claro que ainda fazia isso, mas os tempos atuais eram bem mais fáceis de lidar, com o Acampamento Meio-Sangue e tudo mais.

 Às vezes até sentia uma nostalgia daquela sua outra vida. Ela e Poseidon já cultivavam centelhas de ódio, desde Atenas. Centelhas, que eram talvez bem mais desastrosas que as atuais. Embora o ódio nunca fosse cessar-se, naqueles tempos tudo parecia tão mais... arriscado.

Ela teve de encarar tantas afrontas da parte dele. Medusa, talvez, pesasse um pouco mais que as outras. Ela o odiaria eternamente por conta daquilo. Mas com certeza não pesava mais do que essa prisão d’O Sequestro que estava vivendo.

 Tudo bem, não parecia muito uma prisão, com grades ou coisas do tipo, mas mesmo assim... Não sabia quanto tempo mais conseguiria aguentar a irritante companhia dele. Não estava tão ruim nos últimos minutos, mas depois que o filme acabasse ele iria voltar ao normal, provocando-a, fazendo-a enlouquecer.

Atena perguntou-se se seu sumiço não se espalharia, acarretando uma comoção de semideuses numa missão para resgatá-la. Iriam falhar, considerando onde estava. Até mesmo sua Annabeth falharia nos domínios dele.  

Foi interrompida de seus devaneios por uma gargalhada do dito cujo. Fixou-o com seus olhos cinza, de forma bem amarga: Ali estava reunida a causa de todos os seus problemas.


-Ah, estava reparando, Atena. Sua representação como deusa é bem mais interessante que a original. A atriz seria uma versão bem melhor de você. Mais legal, mais divertida... Mais bonita...

Era mentira. Poseidon não achara, de verdade, que a atriz era mais bonita do que Atena. Era evidentemente bela, porém mais velha que a original, ao seu lado, e em alguns anos as belezas de seu corpo, coberto por aquela túnica cafona e aquela coroa de louros, iriam desaparecer, tão rápido quanto haviam chegado. Além disso, os olhos não tinham metade do brilho que tinham os da deusa. O brilho cinzento dos olhos de Atena era bonito, mesmo quando se transformava em fagulhas de raiva ou coisa pior. E, por fim, Atena era uma deusa. Isso, querendo ou não, fazia toda a diferença.

Mas não podia deixar de comentar, para irritá-la. Atena estava demasiado quieta.

-Eu não sou Afrodite para ficar ligando para coisas fúteis como beleza. O que importa, para mim, é a Inteligência.

Ela sempre dava um jeito de não se sentir rebaixada. Era como se houvessem muralhas de doze metros de comprimento e seis de espessura, protegendo-a de qualquer coisa que viesse a ataca-la.

Poseidon mastigou um pouco mais suas pipocas com molho de néctar e sorriu.

-A Atena do filme é morena.

-E o que é que tem isso?!

-Não te fizeram loira, porque, aparentemente, lourice significa burrice.

Dessa vez, ela realmente pareceu incomodada. Como se já não estivesse suficientemente encolhida na cama em que estavam deitados, por conta do escuro do quarto (ela talvez achasse que ele pularia em cima dela, ou coisa pior), Atena se comprimiu, deslizando até ficar deitada na parte mais extrema da cama.  

-Esse preconceito é primitivo e nojento, Poseidon.

-Eu estava apenas fazendo uma observação.

Atena soltou um “Hunf”, negando displicentemente com a cabeça quando ele lhe ofereceu aquela tigela enorme de pipoca.

-Pare de fazer observações sobre mim. Observe a si mesmo no filme. Sua barba deve ter, pelo menos, meio metro de comprimento e você parece sempre estar ranzinza e frustrado com alguma coisa.

-Né!!!! Uma desfeita. Acho que os mortais pensam que não existem lâminas no Olimpo. E que os irmãos de Zeus são iguaizinhos a ele. Tsc.

-Meu pai não é as....- Atena teve de se interromper para bocejar. Agora que havia deitado naquela cama, tão macia, quente e confortável, com as luzes apagadas, estava começando a perceber o quanto estava cansada. Aquele fora um dia duro. Ela havia acordado bem cedo para ser a maldita empregada de Poseidon e além de tudo tivera que enfrentar estresses que não precisara lidar durante uma metade de vida. –...Assim. –E bocejou mais uma vez.

Seus olhos quase não conseguiam mais permanecer abertos. Ela, com certeza, cairia no sono em 3...2...1...

-Zeus?! Ora, é claro que ele é. Pior, até. A representação dele nesse filme está muito light. Não está berrando e soltando relâmpagos e trovões a cada meia sílaba que ele possa considerar como uma afronta, nem bancando o chefão como se todos os deuses fossem obrigados a lixar as unhas de seus pés e fazer reverências, e principalmente não está te mimando como se você fosse uma criancinha de três anos que nem saiu das fraldas e....-Foi nesse momento que Poseidon notou que Atena não estava revidando, e que ele estava, na verdade, debatendo suas frustrações sozinho. –Atena...?

Apenas o silêncio cumprimentou-o naquele chamado. E algumas respirações desgovernadas. Quando baixou os olhos, viu que a loira estava de olhos fechados, e parecia estar em um patamar de consciência quilômetros longe dali. Fora tão rápido!

-Atena? – Arriscou mais uma vez, porém não funcionou. Ela devia estar realmente cansada para adormecer assim, sem mais nem menos, ao seu lado.

Se não houvesse a tragédia de ter ficado tagarelando sozinho, Poseidon gargalharia daquilo. Precisava estar presente da manhã seguinte, no momento em que ela acordasse e concluísse que havia dormido naquela cama, junto com ele. Algo que ela recusara terminantemente fazer durante aqueles dias.

No mínimo, ela iria querer fazer uma visitinha ao Tártaro.

Engraçado.

 Poseidon acendeu o abajur e pegou o controle remoto para desligar a tv. De repente, o filme não estava mais interessante. Não com ela dormindo profundamente ao seu lado.

Ficou olhando para o teto, em dúvida do que fazer agora que estava sem companhia. Suas costas estavam apoiadas no travesseiro, e isso era relaxante, mas não tinha nem um pingo de sono. Em outra ocasião teria ficado exultante pela inimiga ter dormido tão cedo, deixando-o livre para fazer o que queria, sem se preocupar com a possibilidade de ela estar elaborando planos de fuga. Mas, agora, ele estava entediado.

 Sabia aonde deveria ir depois que Atena dormisse, mas era como se seus ânimos houvessem sido sugados. O que era, definitivamente, estranho, pois ele sempre tinha ânimo para aquilo.

Inevitavelmente, desceu seus olhos para onde ela estava, e eles foram pregados ali. Incrível a capacidade dela de apagar, de uma vez só, quase como se tivesse apertado um botão de seu corpo em que estava escrito “modo off”.

E era curioso... Observá-la dormir. Uma cena pitoresca, que ele nunca imaginou que pudesse algum dia, acontecer.

Com as pálpebras cerradas, as madeixas loiras cobrindo as bochechas, e a respiração saindo leve e confortável pelos lábios rosados, Atena quase conseguia parecer um pequeno e delicado anjo, que precisava de proteção.

 Por algum motivo inútil, Poseidon desceu as mãos até os pés da cama e puxou, com cuidado, um cobertor branco e felpudo, cobrindo-a, delicadamente, com cuidado para não despertá-la. Aquilo era a nuvem dela. Agora só lhe faltavam as asas e...

NÃO.

Que ideia era aquela??!!

Ela era Atena.

A intragável e orgulhosa Palas Atena. Faltavam milhares de qualidades a serem adicionadas em sua personalidade para que ela pudesse ser um anjo.

Não entendia o que estava acontecendo, esses pensamentos vagos e estúpidos que surgiam de vez em quando em sua mente, em momentos como aquele. Era apenas Atena, e tinha que se lembrar dela como realmente era, alguém que lhe odiava, que lhe humilhava, e que precisava de algo que a fizesse calar aquela tão discutiva boca.

A ideia inicial era apenas um plano estúpido, que iria aperfeiçoando até deixar aos poucos, grandioso. E agora, com um pouco de ajuda e sorte, este grandioso já estava mais do que perfeito. Só não podia contar com sua fraqueza ou desistência, porque ela não merecia tais perdões. Sabia que não merecia.

Então por que estava se sentindo tão culpado?

 Ele agia por impulso, mas com confiança, e sem olhar para trás. Sem remorso, sem dor. O que era aquele peso na consciência que sentia ao observá-la dormindo tranquilamente? Deveria estar feliz porque essa tranquilidade iria se transformar em cinzas na boca dela. Alegre por nunca mais ter que encarar seu sorriso prepotente, quando o vencia em uma discussão.

Foi o que sempre quis, não foi? Desde que perdeu Atenas. Ela já tinha uma coleção infindável de humilhações que o obrigara passar. Ele era um dos Três Grandes, mas para ela isso não fazia diferença, ela sempre seria superior.

 Aquela raiva estava comprimida há muitos e muitos milênios.  E ele vivera cada dia para ter uma única ideia, uma única oportunidade de dar um troco a sua altura.

Deveria estar se sentindo glorioso.

Talvez aquilo fosse por estar sozinho, naquela redoma, apenas na companhia dela. Sabia o que poderia deixa-lo um pouco mais feliz, menos culpado por seus planos. O que poderia deixa-lo parecer um pouco mais com ele mesmo. Desde quando deixava seus ânimos se esgotarem?

Tinha que voltar para ela, de verdade. Não só com olhares.

Já havia perdido tempo demais com ideias de piedade para quem nunca tivera piedade para com ele. Atena. Ela merecia.

Ele era Poseidon.

E aquela era a vingança que seus inimigos deveriam ter.


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Notas finais do capítulo

Confusos?...
Reviews?