Antes das Seis escrita por Moony


Capítulo 2
Estranhamente estranhos




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Capítulo 2 – Estranhamente estranhos

 

Não vi mais Remus pelo resto do domingo e a segunda amanheceu triste pra mim. Quando abri as cortinas da minha cama vi que Remus já tinha saído da dele e no café nem sequer olhou na minha direção. Não parecia estar com estar com raiva; acho que era apenas vergonha pelo chilique que, aliás, fui eu que provoquei. Toda vez que nossos olhares se encontravam eu me mantinha, esperando uma reação ou uma palavra dele, que baixava os olhos, corando.

Eu sabia que só havia um lugar onde poderia encontrá-lo sem chance de fuga: a biblioteca. Rumei pra lá decidido no tempo livre que tínhamos depois do almoço e, como eu esperava, achei Remus entre as últimas estantes, sentado em uma mesa atulhada de livros abertos.

“Oi.” - eu disse.

Ele levantou os olhos do que estava lendo e me encarou. Por um momento tive a impressão que pensava em como sair dali, mas pelo visto percebeu que não tinha jeito. Murmurou um 'oi' em resposta e voltou a mergulhar nos livros. Me sentei ao lado e puxei alguns pra mim.

“Defesa Contra as Artes das Trevas...” - murmurei, lendo o título de um livro particularmente pesado. - “Reconhecimento de Criaturas Mortais e Como Destruí-las... Vai ser auror quando crescer, Moony?”

“Não, Sirius, me dá isso aqui.” - e puxou o livro da minha mão, rindo.

Fiquei quieto, apenas o observando estudar (se bem que algo me dizia que Remus não estava prestando atenção em nada do que lia), sem saber o que dizer. Talvez fosse até melhor não dizer nada.

“Ah, olha só o que eles estão fazendo agora!” - Remus falou de repente, parecendo muito irritado com alguma coisa que via pela janela ao seu lado.

Me inclinei sobre ele e vi também; nos jardins um grupo de alunos parecia estar importunando um garotinho que tentava escapar do círculo que o rodeava, desesperado.

“Eu vou lá...” - Remus disse, se levantando; eu o segurei.

“Não, espera. Já tem alguém indo.”

Da janela vimos Flitwick ajudar o garotinho e repreender os alunos maiores que o perturbavam.

“São sonserinos... E bem conhecidos nossos.”

Olhei mais atentamente para a cena. O grupo era composto por ninguém menos que Bellatrix, Narcisa, os Lestrange, Mulciber, Avery, mais uns outros que eu não conhecia e...

“Aquele lá não é o seu irmão?” - Remus apontou para Regulus. Senti um assomo de desgosto travar minha garganta e só respondi depois de um tempo.

“É. É ele sim.”

“Desculpe, eu não sabia que...”

“Que o quê?” - interrompi, sentindo que o que ele ia dizer não seria nada agradável.

“Que você se importa, porque... Pelo seu tom você parece triste pelo Regulus estar andando com eles.”

“Eu não me importo! Não me importo com ele, nem com Bellatrix, nem com Narcisa, nem com nenhum deles, entendeu? Eles não são nada e... E eles podem acabar com a vida deles do jeito que quiserem. Eu não me importo, não me importo mais...”

Parei de falar e enterrei a cabeça nas mãos. Eu só queria que eles sumissem, queria não ter que saber eram minha família. Queria ao menos ter uma família decente.

Remus pôs a mão no meu ombro e eu levantei a cabeça; ele não estava com raiva pelo jeito como eu falei, parecia entender.

“Apenas esqueça.” - ele sussurrou, olhando diretamente nos meus olhos. Concordei com a cabeça e fiquei olhando pra outro lado, mas a mão continuava no meu ombro e depois de um tempo passou pro meu braço. - “É como você disse, eles não são nada.” - ele continuou, aparentemente procurando o que seria melhor pra me dizer.

Remus se calou e sua mão segurou a minha. Me virei pra ele de novo.

“Você não precisa deles. Você... tem a mim. E ao James e Peter.”

Consegui produzir um sorriso e ele correspondeu, pra logo depois sair da mesa carregando uns livros e dizendo alguma coisa sobre ter que falar com a Madame Pince.

Tentando não pensar no temperamento instável de Remus me pus a olhar pra minha mão. Eu ainda podia sentir a dele ali. Sorrindo inconscientemente, fiquei ali parado olhando abobalhadamente para ela. Por um breve instante temi estar parecendo o James.

“O amor deixa as pessoas estranhas, rapaz...” - sussurrou sabiamente um livro entitulado Conhecendo você mesmo que estava em cima da mesa.

--

Saí da biblioteca pouco tempo depois e fui para o salão comunal. De lá subi vagarosamente para o dormitório, sem a menor vontade de ir para aula que começaria em vinte minutos. Pra minha surpresa, Remus também estava lá, guardando os livros que pegara na biblioteca.

“Nós temos que descer logo. Vim só deixar os livros.” - ele comentou distraído, enquanto eu me jogava na minha cama.

“Eu sei... O que é isso?” - perguntei, apontando pra um embrulho na cama dele.

Remus sentou na cama e pegou o embrulho. Deu uma olhada, virou pra um lado, pro outro, e então abriu. Um sorriso se formou no seu rosto quando viu o que era, enquanto eu ainda esticava o pescoço de curiosidade.

“São bombons. De chocolate.” - ele respondeu, rindo e lendo um bilhete que tinha vindo junto com os tais chocolates.

“Chocolates? E eu posso saber quem se achou no direito de te mandar chocolate e ainda junto com um bilhete?” - perguntei, revoltado.

“Pra quê essa revolta, Pad?”

“Não mude de assunto. Quem foi?

“Foi o James, seu chato.” - Remus disse, ainda rindo, me jogando o bilhete.

Caro Moony,

mando-lhe uma seleta coleção dos melhores chocolates roubados da Dedosdemel para que você não se esqueça de me ajudar com a Lily.

Atenciosamente,

Prongs.

“Ah, tá...” - falei, ligeiramente envergonhado, devolvendo o bilhete a Remus, que já atacava os bombons.

“Ok... O fato é que ele não vai parar de me encher até eu falar com a Lily.”

Ele ia falando enquanto colocava alguns chocolates na mochila e outros nos bolsos e não deixou de reparar na minha cara de 'me dá um'.

“Não dou, não.” - ele respondeu ao meu pedido mudo. - “Você não merece.”

E saiu, ainda sorrindo. Desci também, soltando um pesado suspiro e aproveitando o longo caminho até as masmorras de Poções pra passar mais tempo sozinho com Remus. Passamos o tempo todo até lá conversando besteiras, e quando chegamos James já estava na sala.

“Recebeu meu presentinho, Moony?” - perguntou Prongs, com uma falsa inocência incrível.

“Recebi... Eu ainda não entendo como você quer que eu fale com ela, James...”

“Remus, se eu soubesse como falar com ela você acha que eu pediria ajuda?”

“Ah, tá bom, tá bom... Quando der eu vou.”

“Porque não agora? Ela tá sozinha ali. Nenhuma das amigas passou em Poções.”

James olhava absorto pra Lily, que ajeitava seu caldeirão há poucas mesas de distância. Remus suspirou, vencido pelo cansaço, e foi até ela. Por dentro eu odiava James por ter feito Remus sair da nossa mesa, mas o coitado tinha uma cara tão esperançosa que me deu pena.

“Eu... Posso me sentar aqui?” - ouvimos Remus perguntar.

“Claro, mas... Porque você não está com eles?” - Lily perguntou, enquanto Remus se sentava e colocava seu caldeirão na mesa.

“Ah, eu... Tenho discutido muito com o Sirius.”

Ao meu lado James tentava reprimir o riso.

“Certo... Não sei porque você anda com eles, Lupin. São tão... Sei lá, infantis. E absolutamente arrogantes.”

James murchou.

“São meus amigos, Lily. Conheço os defeitos deles, mas me orgulho pelas qualidades. E não são poucas.”

James melhorou um pouquinho de ânimo e eu fiquei pensando se Remus achava isso mesmo...

“Tudo bem. Eu não duvido que eles tenham realmente muitas qualidades, mas bem que poderiam usá-las melhor.”

Naquele momento Severus Snape e mais alguns alunos da Sonserina entraram na sala e atrás deles vinha o professor. Slughorn começou a falar e a maioria das conversas cessaram.

Snape rumou direto para uma mesa no fundo da sala, ficando nas sombras, isolado. Minha mão estava coçando para azará-lo por baixo da mesa, mas James percebeu o que eu ia fazer e segurou meu braço.

“Não! Agora não!” - sussurrou, apontando Lily e Remus com a cabeça.

“Essa garota tá te estragando.” - resmunguei, guardando a varinha.

Começamos a fazer a poção do dia, assim como todos os outros. As conversas, dessa vez mais baixas, voltaram a tomar a sala.

“A sua já está assim? Eu simplesmente nunca consigo...” - Remus dizia, olhando admirado para a poção de Lily, que disfarçava um sorrisinho de satisfação pelo elogio.

“É só se concentrar e...” - e continuaram a tagarelar sobre poções.

“Fale sobre mim, Remus, sobre mim...” - James murmurava ao meu lado, sofrendo.

“Calma...” - sussurrei, distraído. Por entre a fumaça dos caldeirões eu conseguia distinguir Snape, que estava olhando diretamente para Lily e Remus, com uma expressão indecifrável.

“Mas você é realmente bom em Defesa Contra as Artes das Trevas.” - Lily dizia a Remus.

“Hmm, é... Não sou ruim. Mas James e Sirius são melhores que eu.”

James suspirou um 'finalmente'. Mais um pouco e eu lhe daria um soco.

“Ah, não me venha com essa. Eles podem ser bons, mas você é melhor.”

“Você não acha que ela tá elogiando demais ele?” - James perguntou, desconfiado. Me limitei a rir.

“Eu faço o que posso... Mas, sabe, seria bom se vocês não vivessem em pé de guerra. Nós somos da mesma casa, do mesmo ano, não devíamos ser tão desunidos por bobagens.”

“Pelo que eu saiba você mesmo vive em pé de guerra com o Black, Remus.”

“Ah, bem... Ele... Ele é um caso a parte. Eu não brigo por não gostar dele. Muito pelo contrário, só quero que ele melhore.”

Remus lançou um olhar rápido a mim quando disse isso. Bem, então se ele não briga comigo por não gostar de mim, conclui-se que ele gosta realmente de mim...

“E você, até pouco tempo atrás, ainda andava com Snape.”

O tom de Remus era de um inconfundível 'falou-dos-meus-amigos-agora-agüenta'. James, porém, não gostou nem um pouco disso.

“Lá vai ele desviar do assunto de novo...” - resmungou, errando um passo da poção e fazendo ela ficar roxa em vez de azul.

“Ele é um cara legal. Nós só... temos nossas diferenças.” - Lily disse, com a fumaça do caldeirão servindo pra esconder o rubor do seu rosto. Notei que ela soltava um olhar triste a Snape.

“Como é que você quer sair com uma garota que acha que o Ranhoso é um cara legal?” - reclamei a James, que fez 'Shhh!'.

“Eu também não tenho nada contra ele...”

“Mas também não faz nada pra impedir que os seus amiguinhos ali fiquem perturbando ele.”

“...só estava lhe mostrando que você fica falando que não sabe como eu ando com James e Sirius, quando você mesma até tão pouco tempo também tinha companhias estranhas.” - Remus continuou, como se não tivesse sido interrompido.

“Porque eles não vão direto ao ponto? Tudo isso porque o Remus se inflama quando falam de você!” - James reclamou, como se a culpa fosse minha que Remus e Lily estivessem agora em silêncio.

“Porque o Remus o quê?”

“Lily falou que vocês vivem brigando, não foi? Aí ele saiu defendendo a gente e olha só no que deu!”

“Ora, mas ele estava defendendo a gente, não apenas eu...”

“Ah, qual é, Pad... Você nunca soube porque o Max pegou aquela detenção misteriosa?”

“Max, da Corvinal? A detenção de que ele voltou com os braços arranhados?”

“Esse mesmo. Remus pegou ele falando algo sobre você não ser digno de confiança e que deveria ir pra Sonserina, e aí nosso jovem lobinho não gostou do que ouviu e achou que mandá-lo caçar tronquilhos com o Hagrid seria muito bom para a educação dele. Isso sem falar em outras ocasiões, claro.”

“Que ocasiões?”

“Ah, fatos isolados... Ele sempre te defende quando falam mal de você.”

O sinal tocou. Nossas poções estavam uma porcaria, James enfurecido com Remus foi logo reclamar com ele antes que o coitado chegasse à porta, Lily soltou mais um olhar triste a Snape, e eu... Bem, eu estava nas nuvens.

Então Remus sempre me defendia, é? Bem, a vozinha irritantemente realista que morava na minha cabeça me dizia que era o que qualquer um de nós faria um pelo outro. E, de fato, era verdade. Perdendo boa parte das minhas esperanças, voltei a caminhar para a sala comunal, enquanto ia ouvindo James e Remus discutindo pelo caminho.

“Você queria o quê, hein? Que eu despejasse logo tudo de uma vez em cima dela?”

“Mas podia ter falado mais de mim! Não custava nada!”

Num ato quase que involuntário, puxei Remus pela mão antes que ele abrisse a boca pra responder e saí o arrastando pelos corredores comigo.

“Eu posso saber o que foi isso?” - ele me perguntou, sem fôlego, quando paramos. Percebi que meus pés tinham me levado pra estátua que dava acesso a Dedosdemel.

“Eu te salvo e você ainda reclama?” - resmunguei, tentando disfarçar meu atordoamento. Porque diabos eu tinha puxado ele mesmo?

“Ok, então... Vamos pra sala comunal, certo?” - Remus disse cautelosamente, parecendo duvidar da minha sanidade.

“Será que eu não posso passar sequer cinco minutos sozinho com você?”

Minha pergunta quase gritada saiu antes que eu tivesse tempo de pensar em qualquer coisa. Remus me olhava com uma expressão estranha, como se estivesse digerindo aos poucos o que tinha acabado de ouvir. O que ele perguntou em seguida confirmou minhas suspeitas.

“O que foi que você disse, Sirius?”

“Nada, eu não disse nada. Esquece. Vem.” - respondi apressado e peguei a mão dele de novo. Ela estava gelada.

“Porque você quer ficar sozinho comigo?” - Remus perguntou, insistente, sem soltar minha mão. Seu tom era quase igual ao que ele usava quando me sondava pra descobrir o que eu estava planejando aprontar de madrugada.

Abri a boca pra responder, mas fechei quando percebi que não ia sair palavra alguma dela. Eu não sabia o que dizer. Afinal de contas, porque eu queria ficar sozinho com Remus?

Ouvi passos se aproximando, mas não dei importância. Ainda estava tentando articular uma resposta decente. Remus me olhava, me encorajando a falar, mas eu não conseguia.

“...eu sei o que ela disse, mas... Ah, desculpe.”

Remus e eu nos viramos na mesma hora. Lily e uma amiga estavam passando pelo corredor e estancaram ao nos ver. Evans tinha no rosto a mesma expressão que James fazia e que eu não conseguia decifrar quando ele me via com Remus.

As garotas foram embora, parecendo que sentiam ter realmente atrapalhado alguma coisa importante. Pra falar a verdade, eu estava até feliz por elas terem me salvado de ter que responder a Remus.

Remus... Minha mente voltou mais uma vez a ele e só então notei porque as garotas tinham achado que atrapalharam alguma coisa. Estávamos de mãos dadas, extremamente próximos e aparentemente calados demais para o nosso normal. Até que não seria nada demais se toda a Hogwarts não nos visse discutindo como um casal de namorados todo santo dia.

Soltamos nossas mãos devagar, e nos afastamos um pouco. Remus parecia estar se dando conta de alguma coisa e minha cabeça também estava tendo uns estalos de lucidez. Acho que pela primeira vez nas nossas vidas estávamos pensando a mesma coisa e ao mesmo tempo. Mas as reações foram diferentes; Remus saiu correndo, assustado.

E eu... Bem, eu fiquei parado ali, com a mão estendida, tentando entender o que estava me acontecendo.


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Notas finais do capítulo

N.A.: Oi o/
Mais um capítulo ^^
Merchan de hoje: Todos Aqueles Ontens
Até...
o/*