Era Uma Vez, no Natal escrita por Valquíria Homero


Capítulo 2
O COELHO




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Breno não conseguia enxergar um palmo à frente do nariz, mas pelo eco que seus passos faziam, ele devia estar em um lugar bem amplo. Mantinha-se à esquerda, guiando-se por algo que ele supunha ser uma parede. E pelo tempo que estava andando, conclui que deveria ter outra em algum lugar do outro lado, formando um corredor terrivelmente longo. Eram apenas seus passos e sua respiração apreensiva, mas algumas vezes o silêncio era cortado por sons estranhos – grunhidos, uivos, correntes e, pelo menos por duas vezes, gritos horríveis de dor. Nesses momentos o garoto congelava, sentindo o coração disparar no peito, e sondava a escuridão em busca de alguma coisa. Seguiam-se alguns minutos de agonia até que ele juntasse coragem o suficiente para recomeçar a andar. Deviam ter se passado horas. Breno colou a cabeça na parede e respirou fundo, parcialmente consciente das gotas de suor que salpicavam sua testa. “Mas que diabos está acontecendo comigo?”.

Sua cabeça estava leve, como se muito distante dali – onde quer que “ali” fosse, ou como quer que tenha chegado lá. Não se lembrava. Por mais que forçasse a memória, tudo o que lhe vinha eram imagens difusas e sem significado. Mas não podia ficar parado por muito tempo, disso ele sabia. Era o que algo gritava na sua cabeça toda vez que fazia uma pausa para descansar: “mais rápido, é tarde!”. Ele engoliu seco e recomeçou a andar, arrastando os pés.

“Mais rápido! É tarde, é tarde, é tarde!”

Uma luz surgiu quando a parede que seguia fez uma curva. O garoto apressou o passo, a voz na sua cabeça ficando mais insistente. Quando deu por si, Breno estava correndo, em parte ansioso para ver, em parte com medo do que pudesse encontrar. Quando finalmente chegou à origem na luz – um lampião, seguido de uma série de archotes pendurados na parede – viu que não era um corredor, mas um tipo de túnel. Onda estava, o túnel se abria para um tipo de galeria com várias pilastras. A metade inferior era de tijolos vermelhos, quebrados em alguns pontos, e o resto das paredes era de alvenaria, pintada de branco (embora mal desse para notar por causa das manchas de mofo e das grandes partes onde a tinta tinha descascado). O teto era arredondado, alto. O fogo nos archotes parecia não ser suficiente para aquecer o lugar. Breno se sentia solitário ali.

De repente, alguém esbarrou nele. Vinda de lugar nenhum, uma garota loira, magra e suja corria como se fizesse isso há décadas, e ainda faltasse muito para chegar onde queria. – Ei, espere! – Breno gritou para ela. A menina apenas voltou a cabeça por um minuto, fitando longamente com seus olhos da cor do mar, e então continuou a correr, direto para a escuridão de onde ele viera. O garoto engoliu seco. Conhecia aqueles olhos. De alguma forma, ela a conhecia. Segundos antes de ela desaparecer nas sombras, vislumbrou algo pendurado no ombro dela. Uma aljava.

– Não... não pode ser.

Breno teria gritado de novo para Melody, e estava pensando seriamente em ir atrás dela, quando a voz na sua cabeça gritou de novo. Mas gritou tão alto, que chegou a pensar que tinha ouvido de verdade:

– É tarde, é tarde!

Um vulto branco passou por ele, e o garoto percebeu com sobressalto três coisas: primeiro, era um coelho branco com um terno de tweed e gravata borboleta. Segundo, a voz que ele vinha ouvindo na sua cabeça era dele – o que levava à terceira coisa. Droga, o coelho falava! E se não bastasse, falava tanto normalmente como telepaticamente. Breno não devia estar surpreso àquela altura do campeonato, mas isso não o impediu de soltar um palavrão quando aquela coisa felpuda começou a rodeá-lo e gritar com estranho sotaque britânico: “é tarde, é tarde, é tarde!”.

– Pelo amor de Deus – o garoto gritou quando conseguiu agarrá-lo – cale a boca!

O coelho tirou um relógio do bolso de dentro do terno e apontou para o mostrador, ainda fechado com a tampa. Seus olhos estavam esbugalhados, com um brilho desesperado que o assustou um pouco:

– É tarde! – explicou ele.

– Tarde para que, afinal?

– Para o fim do mundo, é tarde. É tarde, é tarde, é tarde!

Com essa resposta o coelho escapou das suas mãos e saltitou apressado pela galeria, sempre gritando para que ele se apressasse. Breno se deteve um momento, mas começou a correr atrás dele. Não achava que tinha muita opção afinal. Deixaram a galeria para trás e correram por túneis estranhos, às vezes lembrando castelos medievais, outras templos gregos e outros ainda feitos de árvores no meio de florestas selvagens. O coelho não parava, diferente dele. Suas pausas para respirar ficavam cada vez mais longas, assim como a distância entre os dois – e seu fôlego, mais curto. Uma idéia começava a se formar na sua cabeça do que poderia ser tudo aquilo. Uma idéia incrível, maravilhosa e assustadora demais para ele se atrever a acreditar, mas ainda assim, uma ideia.

Os dois estavam novamente entre paredes de concreto quando Breno perdeu o coelho de vista pela milésima vez. Se ele estivesse em melhor forma... Parou outra vez, um nó se formando na garganta. Não ia pensar nisso, não agora.

– Mais rápido! – alertou a voz do coelho adiante, não deixando de acrescentar – É tarde!

Breno engoliu seco e recomeçou a correr. Parou em menos de um minuto, ao encontrar a entrada de três túneis diferentes.

– Qual deles? – gritou.

É tarde – foi sua resposta – é tarde, é tarde!

O garoto soltou um longo suspiro, se armando de coragem, e segui pelo túnel da esquerda.


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