Kira escrita por atalanta


Capítulo 5
Capítulo 5




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Eu me levantei da mesa de pedra disposta a sair dali, mas Anath me impediu, ela disse que faltava um passo para terminar o ritual. Assim eu poderia ser considerada uma Serva de Bastet, com muito que aprender. Eu fui levada para uma porta do lado oposto pelo qual eu havia entrado, todos os vultos nos seguiam, agora eles tiravam os capuzes e revelavam rostos jovens de doze moças. Todas bonitas, sorriam para mim agora, parecia que aquele momento era para ser festejado. Eu fui guiada para uma sala adjacente onde havia uma piscina de água muito clara.

 

 

Anath despiu minhas roupas e pediu que eu entrasse na água, eu olhei para trás temendo que Derek estivesse conosco, mas eu não o vi. Eu andei lentamente para a piscina a cada passo eu afundava um pouco mais.

 

 

— Pare Kira. — Anath pediu. Eu me virei para olhá-la. Ela não entrou na piscina, ficou na ponta observando-me — Irmãs estamos aqui para oferecer a Bastet a jovem Kira, vinda da era onde não mais existimos, mas nosso modo de vida ainda é um mistério. Permita que ela adentre no círculo de suas filhas, permita que ela usufrua de todos os segredos. Respondam irmãs.  — ela levantou os braços. — Ela é filha?

 

 

— Sim. — as moças entoaram.

 

 

— Ela é mulher?

 

 

— Sim.

 

 

— Ela é mãe?

 

 

— Será.

 

 

— Ela é sagrada?

 

 

— Seu nome se perdeu no tempo, mas Kira é um ser sagrado enviado pelos deuses. — eu permanecia em silêncio, enquanto Anath mantinha seu diálogo com as mulheres.

 

 

— É bem-vinda Kira, ao grupo de servas de Bastet, eu a sacerdotisa a aprovo. E agora você está sujeita a aprovação de Bastet.

 

 

Num instante eu estava na frente de Anath, com a água batendo em meus joelhos, no outro eu estava debaixo d’água, me debatendo para respirar. Eu fui puxada numa fração de segundos e agora estava no fundo da piscina. Eu sabia que iria me afogar, mas não sentia dor em meus pulmões, não sentia o ar escapando e a água inundando meu corpo. Eu parei de me debater e esperei que a força que me puxava para baixo me afogasse. Não sei dizer se era uma alucinação, mas eu vi ma gata parada a minha frente, ela estava sentada e me olhava nos olhos.

 

 

— Kira. — A voz feminina vinha da gata. — É bom que tenha concordado em ajudar. Eu agradeço. Já estava decidido há muito tempo, você será uma serva minha, como muitas outras mulheres por gerações já foram. Conhece sua missão, será treinada e instruída nas artes por Anath. Espero que receba de coração seus ensinamentos, ela transmitirá de mim tudo o que você precisa saber. Seja bem vinda ao meu templo e me conceda a graça de ser sua mãe. Ide Akir, inicia a lenda da tua trajetória.

 

 

 

Eu respirei fortemente uma vez e emergi na piscina, ofegando, totalmente molhada e com frio, a água escorria do meu cabelo e descia pelo meu corpo. As mulheres irromperam num grito de triunfo e comemoração, Anath correu ao meu encontro e me abraçou, ela me envolveu numa toalha e me tirou da água.

 

 

 

— Ela te aceitou Kira, ela te aceitou. — Anath estava contente.

 

 

— Como você sabe?

 

 

— Você saiu da água, não saiu? Ela permitiu que vivesse. — Eu estava assustada há alguns minutos eu estava debaixo d’água vendo uma gata que poderia ter me afogado se assim desejasse. — Você é uma de nós agora.

 

 

— Ai, está doendo. — eu me curvei quando a primeira onda de dor me atingiu. Queimava como fogo.

 

 

— O que foi? — Anath perguntou.

 

 

— Tem algo queimando nas minhas costas. — Eu tirei a toalha e me virei para Anath a tempo para que ela visse a marca se formando. Ela tampou a boca com a mão em surpresa.

 

 

— É o olho de Hórus. — ela sussurrou.

 

 

— Não pode ser.

 

 

— Venha comigo. — ela me puxou até um espelho na parede a direita da piscina e me mostrou. Eu me virei e encarei meu reflexo aturdida, era como uma tatuagem nova, escura e nítida. Estava lá o olho de Hórus, um olho humano misturado com o olho do falcão.

 

 

— Como isso apareceu? — Anath balançou a cabeça negativamente.

 

 

— Não sei, mas acredito que seja para proteção.

 

 

Eu estava em casa novamente repassando em minha mente os acontecimentos do dia. Depois do ritual Sed, Derek e eu voltamos para casa, eu não falei nada durante o caminho. Perto do templo Sed me perguntou como havia sido e eu me limitei a dizer que foi tudo bem e ele não tocou mais no assunto.

 

 

Sed estava mexendo numa pilha de papiros que ele tirou da estante e tentava encontrar algo sem sucesso, todos os rolos estavam totalmente desorganizados.

 

 

— Eu desisto! — ele exclamou. Eu me levantei da cadeira para ver o que estava acontecendo.

 

 

— Parece um pouco difícil achar qualquer coisa aí.

 

 

— Eu preciso encontrar esse manuscrito, para o Derek antes que ele volte.

 

 

— Se você fosse um pouco mais organizado, talvez encontrasse.

 

 

— Talvez, mas se você calar a boca e me deixar em paz quem sabe eu encontro.

 

 

— Você acha que eu estou gostando de ficar aqui?

 

 

— Se você não gostou vá reclamar com Derek, foi ele que te trouxe e foi ele que me deixou aqui para tomar conta da princesinha.

 

 

— Tem razão. Já faz tempo que ele saiu, sabe onde ele foi?

 

 

— Não, ele anda cheio de segredos, parece que está me escondendo alguma coisa. Até você parece que sabe de algo.

 

 

— Eu? Por quê? Eu não sei de nada. — a não ser que ele esteja se referindo ao fato dele ser o príncipe do Egito.

 

 

— Esquece, você é uma completa estranha, não deve saber de nada.

 

 

— Olá crianças, voltei. — era Derek entrando ruidosamente na casa. — Sed, procure na prateleira do alto à direita. — Sed se virou para a estante e puxou um papiro empoeirado. Ele o abriu e ficou boquiaberto.

 

 

— Como você sabia?

 

 

Derek apenas deu de ombros e continuou a entrar na casa, deixando alguns rolos de papiro em branco sobre a mesa.

 

 

— Vocês ficaram bem?

 

 

— Muito bem, a maior parte do tempo nós ignoramos um ao outro. Não é, Sed? — ele não respondeu e voltou sua atenção aos papiros. — Viu só?

 

 

— Que bom que se comportaram. Eu trouxe uma coisa para você, Kira.

 

 

— Para mim? — ele me entregou um saco escuro provavelmente de pele. Era pesado, eu desfiz o embrulho e me deparei com uma linda jóia de lápis-lazúli, um colar com a grande pedra no centro e o cordão trabalhado em ouro.

 

 

— Sed, ajude-a a colocar. — Derek pediu. Eu lhe dei o colar e me virei afastando meus cabelos das costas. Ele o colocou em meu pescoço e repousou as mãos em meus ombros, caindo lentamente para os meus braços. Depois ele me virou rapidamente, meus cabelos balançaram no ar, para que ele pudesse observar o colar em meu pescoço, e depois me olhou nos olhos.

 

 

— Ficou bonito. — ele disse e saiu da sala. Deixando-me confusa sobre esse momento. Eu olhei para Derek esperando por respostas, mas ele não estava na sala, eu me perguntei quando foi que ele saiu e se havia visto a estranha cena com Sed.

 

 

Eu subi as escadas rapidamente para falar com Derek. Eu bati e esperei na porta por alguns instantes. Ele abriu a porta e sorriu.

 

 

— Ficou muito bom em você.

 

 

— Eu vim para agradecer, eu gostei muito. É uma pedra linda.

 

 

— Entre Kira. — ele disse deixando a porta aberta e voltando para o quarto.

 

 

— É um costume presentear as Servas de Bastet. — ele explicou — É algo que os pais fazem, mas como o seu não está aqui, eu assumi essa honra.

 

 

O quarto dele era tomado com muitos símbolos egípcios, era tudo muito exagerado, havia um busto dourado de alguém que eu não consegui identificar, abaixo da janela do quarto havia uma mesa cumprida de madeira talhada, havia também uma cadeira combinando com os mesmos desenhos esculpidos. Toda a mesa estava tomada por rolos de papiro e folhas maiores desse mesmo material com alguns desenhos, eu vi um mapa inacabado, sua cama ainda estava desfeita, a cabeceira da cama era de metal fundido com representações das estrelas do céu em dourado, havia uma cômoda como a minha, só que maior e com mais gavetas. Em cima da cama havia um livro aberto, eram muitas folhas com amarrações feitas para uni-las todas no centro e a capa era de couro vermelho.

 

— Não sabia que era tão importante para você.

 

 

— Você vive como se fosse da minha família agora é assim que será tratada.

 

 

— Uma coisa que eu ouvi no templo me deixou curiosa.

 

 

— Pode perguntar.

 

 

— Quem é Akir? Eu li esse nome na profecia e depois no templo eu fui chamada assim.

 

 

— Fico surpreso que não tenha percebido, Akir é um anagrama de…

 

 

— Kira. — eu completei. — Nem tudo tem que ser óbvio.

 

 

— Exatamente.

 

 

— Há mais uma coisa, uma espécie de tatuagem apareceu na minha pele.

 

 

— Ah sim, é bonita, não? Você gostou?

 

 

— Sim, mas…

 

 

— Não se preocupe com isso, é um amuleto de proteção. — ele disse abrindo a porta — Agora por que não pede ao Sed para te levar para passear?

 

 

— Eu duvido que ele aceite.

 

 

— Não custa tentar. — ele me empurrou gentilmente para a porta e a fechou detrás de mim.

 

 

Eu andei até a porta do quarto de Sed. Eu hesitei em bater, decidi que era melhor me arrumar um pouco primeiro, se ele concordasse não teria que esperar. Eu segui pelo corredor até o meu quarto, eu escolhi uma túnica branca e fui tomar banho, havia água quente na torneira e eu demorei um pouco no banho, foi um dia puxado, cheio de acontecimentos e eu me sentia cansada.

 

 

O sol ainda era visível no céu, então eu supus que não era muito tarde. Eu me vesti e penteei meu cabelo de acordo, duas mechas grandes presas na frente, nos ombros e o resto solto. Eu utilizei novamente o pincel para desenhar as curvas dos olhos. Eu terminei de me arrumar e fui até o espelho do quarto, a túnica fluida balançava com o vento, as sandálias de tiras estavam bem presas em meus tornozelos, a maquiagem destacava ainda mais meus olhos azuis.

 

 

Eu sai do meu quarto e andei até o quarto de Sed, a porta estava entreaberta, eu abri devagar, ele estava dormindo tranqüilamente. Eu entrei e andei até a cama, ele havia mudado de roupa, agora ele usava uma blusa de linho de mangas cumpridas, a roupa lhe descia até os joelhos e estava presa na cintura por um tira grossa de linho marrom.

 

 

Ele estava quieto, a respiração uniforme, era como uma pintura, a pele dourada, o cabelo esparso jogado acima dos ombros. O corpo forte e alto. Eu me inclinei para ele, erguendo a mão para acariciar seu rosto, eu o toquei levemente na bochecha, ele não se mexeu. Eu senti pele macia sob minhas mãos. Eu me sentei na cama, admirando-o. Eu me abaixei ainda mais para tocar-lhe os lábios cheios e vermelhos. Eu estava muito perto do seu rosto agora. Tocá-lo sempre me fazia sentir uma corrente elétrica pelo corpo, desde o primeiro dia que ele me carregou nos ombros e me trouxe para a casa de Derek. Eu me perguntei se ele sentia a mesma coisa.

 

 

Ele abriu os olhos lentamente, eu pude ver a surpresa na sua expressão por me encontrar ali, em seu quarto. Eu tentei recuar, mas ele estava me segurando, ele se recostou na cabeceira da cama.

 

 

— Desculpe, eu…

 

 

—Você quer alguma coisa? — ele perguntou tocando meu rosto, isso me fez sentir tão bem.

 

 

— Eu ia perguntar se você pode me levar para sair. Mas você estava dormindo e eu te acordei. — eu disse nervosamente. —  Eu vou voltar para o meu quarto.

 

 

Eu retirei sua mão da minha, me levantei rapidamente e corri para o meu quarto. Eu ainda ouvi ele me pedir para esperar, mas eu não podia voltar, não quando eu estava tão envergonhada pela minha atitude, eu quase o beijei, por que eu faria aquilo? Ele me odeia e eu não o suporto.

Eu me deitei na cama, abraçada contra o travesseiro, eu o apertava como se quisesse tirar o aperto que tomava meu coração.

 

 

— Boba! O que eu ia fazer, com certeza ele iria rir de mim. Dizer que nem se eu fosse a ultima mulher do mundo ele ficaria comigo. Ou talvez ele já goste de outra, talvez Iaret, aposto que ela já namora com ele. Eu não posso deixar que ele me faça perder o controle. É só agir como se nada tivesse acontecido.

 

 

Não há necessidade de me envolver com Sed, afinal três mil anos de história nos separam, eu pretendo ficar aqui pelo tempo necessário até cumprir minha promessa, depois disso nada mais me prende ao Egito. Eu posso voltar para casa. Voltar para a modernidade e esquecer que eu estive aqui, esquecer todas as pessoas. Por que na verdade todas elas não existem mais, são apenas restos de uma grande civilização, tudo engolido pelo passado e apenas o meu futuro interessava.

 

 

Pouco antes de adormecer eu ouvi passos no telhado, passos leves se movendo rapidamente bem acima do meu quarto, provavelmente era um gato ou um pássaro.

 


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