Cemetery Drive escrita por CDJ


Capítulo 5
Off the run




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 Não vou dizer que cansei.

 O que vou dizer, na verdade, é que tirei férias. Eu não estava exatamente preparado para levar outro fora e ouvir Angela dizer sobre o quanto não precisava de mim. Chega um momento em que isso cansa. Mas também não posso dizer que desisti, afinal seria uma hipocrisia. Só comprovaria a tese dela de que ninguém nunca iria ajudá-la.

 Portanto, esperei. Esperei mais do que apenas alguns dias. Deixei as semanas passarem. Visitei meu amigo Steve, que morava naquela rua, várias vezes apenas para passar de carro em frente a sua casa. Nunca mais caminhei por aquelas ruas, com medo de que ela ainda não estivesse pronta para me receber em sua vida. Foi quando percebi que tudo aconteceria se ela me deixasse ajudá-la e que nada disso aconteceria, não importando o quanto eu me esforçasse, se ela não estivesse pronta para lidar com isso. Era quase como um processo de reabilitação. Talvez ela tivesse que atingir o fundo do poço para reconhecer que precisava voltar à superfície. Então, esperei.

 Certa noite, quando eu estava indo em direção a casa de Steve, tentei passar um pouco mais devagar para ver se havia algo de novo na casa de Angela. Levei um susto e demorei a processar a informação de que havia um corpo deitado no jardim. Meu pé atingiu o freio em cheio e os pneus chiaram alto. Dei a marcha ré para identificar a estranha figura. 

- Eu estava meio que esperando você passar por aqui – disse uma voz que vinha do corpo.

 Saí do carro e bati a porta com força, caminhando com rapidez até a calçada.

 - Angela? O que você está fazendo deitada na grama? – perguntei.

 Ela ergueu somente a cabeça para me encarar.

 - Agora você está soando que nem a minha mãe – e voltou a fincar a cabeça na posição anterior.

 Tive que conter uma risada e me juntei a ela no jardim. O céu estava limpo e estrelado. As únicas nuvens presentes cobriam a lua em sua forma minguante. Parecia o cenário perfeito para qualquer ocasião. Virei o pescoço e resolvi encarar algo mais belo que as estrelas, bem ao meu lado.

 - Você quer sair daqui? – perguntei, em voz baixa.

 - É o que eu mais quero – ela respondeu, suspirando.

 Levantei e a ajudei a levantar. Enquanto seguíamos para o carro, pensei em onde poderia levá-la, mas concluí que enquanto estivéssemos longe de sua casa, tudo ficaria melhor.

 Dei a partida e nos distanciamos cada vez mais daquela rua, até estarmos bem longe daquele bairro e daquela parte da cidade. Sem destino específico, dirigir ficava mais fácil. Eu podia ver que quanto mais nos distanciávamos, Angela respirava mais aliviada.

 - Obrigada – ela sussurrou.

 Era, na verdade, a primeira vez que eu a escutava dizer isso. Portanto, meu progresso era visível. Sorri e olhei-a por alguns segundos.

 - Eu fico feliz em poder te ajudar.

 - Eu sei. E é por isso que não te dei ouvidos – ela suspirou e desviou o olhar, perdendo o foco – Eu não estou acostumada a esse tipo de coisa.

 - Bem, é melhor se acostumar. Eu não vou a lugar algum – sorri e encarei-a novamente, conseguindo pelo menos um pequeno sorriso do canto de seus lábios.

 Um sorriso genuíno. Esse era um progresso e tanto. Parecia que, finalmente, ela confiava em mim o suficiente para me deixar entrar de fininho em sua vida. Finalmente, eu teria a chance de tentar consertar algo dentro dela que estava quebrado. Seria difícil, mas não impossível. Finalmente, ela começa a compreender minhas intenções.

 - Como está Mae Rose? – perguntei, sorrindo.

 - Bem, eu acho.

 - Por que você acha? Você não sabe?

 - Ela estuda em uma escola católica particular. Só a vejo nos fins de semana – e abaixou a cabeça, tristonha.

 Não comentei nada. Tive o pressentimento de que ela tinha mais a falar, mas estava se preparando e juntando as palavras certas na cabeça. Ficar calada por tanto tempo tem esse efeito nas pessoas. Quando você não fala sobre o que te aflige, aquilo te corrói até o momento de você não saber mais como expelir as frases. Aceitei esse tempo e me calei.

 -É engraçado – ela começou, mas pausou. Olhei-a para que continuasse – Meus pais queriam me colocar nessa mesma escola algum tempo atrás, mas eu recusei porque ficaria longe dela. Agora, ela é que está presa lá.

 Angela suspirou e ergueu a cabeça, com os olhos cheios de lágrimas.

 - Ela é a única razão pela qual eu luto todos os dias para ficar viva – ela deu outra longa pausa – Você deve achar que meus cortes são coisas horrendas e que estou cometendo um pecado tentando tirar a vida que Deus me deu. Mas você não sabe. Essa a única arma que tenho contra esse monstro dentro de mim.

 - Monstro? – perguntei confuso.

 - Ele me consome cada vez mais. Está sempre mais sedento, mais faminto, mais destruidor. E o único jeito de fazê-lo parar é me cortando.

 - Isso é impossível – aumentei o tom de voz – Angela, não há monstro nenhum. Essa não é a única alternativa.

 Seus olhos, agora já inchados, me encararam. Suas bochechas estavam molhadas pelas lágrimas que caíam. Eu quis secar suas lágrimas e anestesiar sua dor, mas ela precisava entender que esses atos de automutilação não a levavam a nada. Angela abriu a boca para falar interrompendo-me de continuar com o sermão.

 - Como não existe monstro nenhum? Como essa não é a única alternativa? – a garota passou as mãos violentamente nas bochechas, secando as lágrimas – Eu nunca te pedi nada, Erik. Não pedi para você me salvar.

 Fiz menção de abrir a boca, mas seu olhar me calou. Ela ainda não havia acabado e, no fim das contas, eu devia isso a ela. Eu havia tentado todo esse tempo ficar com ela para ajudá-la e quando seus segredos e razões começavam a aparecer, eu não a deixava falar. Não era exatamente isso o que eu não devia fazer? Eu estava agindo errado.

 - A única coisa que eu te peço é que tente me entender. Você não me conhece. Não sabe. Não entende – ela respirou fundo e voltou a olhar para o pára-brisas – Agora me leve de volta para casa.

 Fiz o que ela mandou. Ficamos calados por minutos, porque eu havia me desviado muito do caminho de volta. Quando estacionei em frente a sua casa, todas as luzes estavam apagadas. Eu não sabia que horas eram, mas não devia ser tão tarde assim. Angela não pareceu se incomodar.

 - O que vai acontecer agora? – perguntei timidamente.

 - Agora? Nada – ela começou, seca – Mas quando você estiver pronto para aceitar, para me conhecer e tentar me entender, pode me procurar. Não ouse aparecer enquanto não estiver.

 Novamente, como um infeliz déja vu, ela saía do carro, batia a porta e entrava em sua casa sem me lançar um último olhar. Dessa vez, a situação era incrivelmente diferente. Eu a tinha e a deixei escapar. Havia lutado para conseguir esse momento e o desperdicei. Talvez ela estivesse certa. Talvez não fosse ela que precisava estar pronta para me receber. Talvez eu que ainda não estava pronto para compreendê-la. Se essa última fosse a razão, eu daria um jeito. Pelo menos nem tudo estava perdido.


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