Cemetery Drive escrita por CDJ


Capítulo 6
Stop dying




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 Na sexta feira da semana seguinte, Angela me ligou.

 Eu estava deitado no meu quarto, olhando pro teto. Não queria assistir TV ou ficar no computador. Estava um pouco cansado da falta da rotina e me sentia um pouco entorpecido. Nada me satisfazia e nada me deixava realmente triste. Era uma sensação estranha.

 O telefone tocou, mas eu não me mexi para atendê-lo. Alguns segundos depois, minha mãe batia na porta do meu quarto e gritava para que eu atendesse. Estiquei-me até o criado mudo e puxei o telefone do gancho, colocando-o no ouvido.

 - Alô – falei, preguiçoso.

 - É melhor você já estar pronto – disse a voz no outro lado da linha antes de desligar.

 Tirei o fone do ouvido e fiquei encarando-o confuso. Era a voz de Angela. Provavelmente, ela precisava de mim. Não sabia como havia conseguido meu número, mas era melhor não deixá-la esperando. Saí de casa correndo, colocando a jaqueta no caminho até o carro, e disparei pelo trânsito.

 Ao chegar em sua casa, ela não esperou que eu estacionasse direito o carro e já entrou, batendo a porta e gritando para que eu corresse dali. Não ousei abrir a boca para lhe dizer alguma coisa. Seu rosto e seus olhos estavam inchados e ela soluçava. Fiquei tão constrangido por não saber o que fazer, mas eu não sabia o motivo daquele choro. E se eu tentasse consolá-la com as palavras erradas? Então, fiquei calado. Ela me pediu para ficarmos isolados do mundo por um tempo e eu parei o carro no estacionamento do subsolo da Wal-Mart, que sempre era vazio. Angela se acalmou um pouco e eu virei para encará-la.

 - O que aconteceu? – perguntei, secando uma lágrima solitária que caía.

 - Meus pais me proibiram de ver Mae Rose esse final de semana.

 Franzi as sobrancelhas, confuso.

 - Por quê?

 - Eles dizem que não sou uma boa influência. São um bando de hipócritas – ela mordeu o lábio inferior antes de estourar e se descontrolar – Ela é mais minha do que deles! Cuido dela desde que era pequena, porque minha mãe se recusava a pegá-la no colo. Você pode acreditar numa coisa dessas?

 Não respondi. Provavelmente era uma pergunta retórica, porque ela não esperou minha resposta. Até abri a boca, mas ela começou a falar logo em seguida.

 - Quem eles pensam que são? Mae Rose é minha! Eles nunca foram pais de verdade. Nem pra mim e muito menos para ela.

 - Mas, Angela, você tem certeza que eles não estão fazendo o melhor para vocês duas? – perguntei, tentando ser sensato.

 - Tenho! Eles só fazem o que é melhor para eles depois que perderam o único filho que amavam de verdade.

 Franzi as sobrancelhas novamente e me inclinei, mais confuso que nunca.

 - O que?

 Ela não respondeu. Sentou-se dura no banco e não se mexeu. Percebeu que havia falado demais e revelado uma ferida dolorosa ainda não cicatrizada. Mas eu estava ali para ajudá-la. Não importava o quando doía encarar aquele machucado, ela teria que fazê-lo mais cedo ou mais tarde. Puxei seu queixo suavemente para que ela me olhasse.

 - Angela, o que você quer dizer com isso?

 Ela sacudiu a cabeça e se livrou de minha mão em seu queixo. Virou o rosto para o outro lado e fungou várias vezes. Quando parecia pronta para contar a verdade, virou-se novamente para mim.

 - Meu irmão, Alexander, morreu quando eu tinha treze anos. Ele era o filho perfeito. Morreu de overdose, mas ninguém comenta sobre isso. Minha mãe insiste em dizer aos amigos que ele tinha uma doença incurável e silenciosa e que, certo dia, enfartou. No enterro dele, enquanto Mae Rose chorava sozinha no carrinho de bebê, minha mãe não queria saber dela. Nós brigamos feio. Ela me disse que eu havia sido um erro, assim como Mae Rose. Quando ficou grávida de mim, só pensava em abortar. Mas diz que foi fraca demais para matar alguma de nós duas.

 “Eu desabei. Depois de me ver chorando, ela ainda teve a coragem de dizer que eu devia ter morrido no lugar de Alexander. Esse foi o começo dos piores dias que eu já tive. Resolvi seguir um caminho diferente, resolvi dar à minha mãe o prazer de dizer que eu era um erro. Eu me envolvi com drogas e só parei quando acordei num quarto de hospital aos quatorze anos, depois de sair de um coma induzido. Desde então, Mae Rose têm sido minha única razão de viver. Ela merecia isso. Minha mãe entrou em depressão depois da morte do meu irmão e Mae Rose passava o dia todo sob cuidados de babás. Não achei justo. Cuidei dela como minha filha e lhe dei todo o amor que eu devia ter recebido quando era pequena. Agora, meus pais acham melhor que eu não a veja mais. Eles sabem o quanto ela significa pra mim e só fazem isso para me torturar”.

 Fiquei calado por vários segundos. Eu não sabia o que lhe dizer, porque não sabia nem mesmo o que pensar sobre tudo aquilo. Parte de mim rezava para que ela estivesse exagerando e outra parte sentia um ódio imenso de seus pais. Eu tinha que dar um pouco de crédito a Angela, no fim das contas. Ela tinha razão em dizer que eu não a conhecia e ao pedir que não a julgasse. Acredito que se estivesse no lugar dela, não sei se seria tão forte assim. Provavelmente, já teria virado rebelde há um longo tempo e deixaria Mae Rose aos cuidados de qualquer um. Alguém que passa por uma situação dessas precisava de uma fuga de vez em quando. O triste era o tipo de fuga que Angela usava.

 Inclinei-me em sua direção e lhe dei um abraço. Ela me encarou assustada quando me aproximei e ficou recuada nos primeiros segundos, mas depois me aceitou e sucumbiu sob meus braços. Chorou novamente por longos minutos. Eu tinha consciência de que minha camiseta estava encharcada, mas também tinha consciência de que Angela necessitava disso. Só o fato de ter alguém pra te abraçar em um momento como esse já melhorava um pouco as coisas.

 Quando eu a soltei, sequei as poucas lágrimas restantes e coloquei uma mecha de seus cabelos atrás de sua orelha, para poder olhá-la melhor. Seus olhos encontraram os meus, expressando um alívio enorme, como se eu tivesse acabado de dar água a um sedento. Ela sorriu timidamente pelo canto dos lábios, um pouco envergonhada, e eu sorri de volta.

 - Obrigada – ela sussurrou, me abraçando novamente e aconchegando a cabeça entre a curvatura do meu pescoço.

 - Obrigado você, por me deixar saber de tudo isso – ela soltou uma linda risada curta e rouca – E obrigado por me deixar entrar nesse seu coraçãozinho de ferro.

 Beijei sua testa e continuei afagar seus cabelos. Algum tempo depois, ela se desprendeu de mim e assentiu, provando que estava bem melhor. Saí do estacionamento escuro e encaramos a luz do dia com um sorriso. Olhei-a mais uma vez, somente para memorizar aquele sorriso lindo que enchia seus lábios. Ela me olhou também e sorriu mais ainda.

 - Obrigada por não desistir de mim – disse, com uma voz doce e sincera.

 Em seus olhos, brilhava uma esperança até então apagada. Fiquei extremamente feliz por saber que eu havia acendido aquele brilho e que ele estava de volta ao lugar que realmente pertencia: seu coração.


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