Deixe o Amor Nascer. escrita por Kira Urashima


Capítulo 9
Acordo




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(Cap. 9) Acordo

“Eu preciso muito falar com você... E tem que ser logo.” Aquela frase tinha grudado na mente de Botan como cola e não deixava seu coração quieto por um segundo, embora estivesse se esforçando ao máximo para agir normalmente, como prometera a si mesma ao acordar.

Kurama queria conversar e tinha que ser logo. Com toda certeza, ele falaria sobre aquela madrugada, mas, o quê exatamente? Estava com medo, muito medo do que poderia ouvir, ainda mais por ter percebido a preocupação nos olhos dele.

–Será que ele vai dizer o que eu não quero ouvir? Aiii... – E o que ela não queria ouvir? Que não tinha significado nada, que tinha sido sem querer – E se ele me pedir para esquecer tudo? Não vou conseguir... – Estava apavorada, isso transparecia no seu olhar e Kurama sabia, ele podia ver os reflexos do turbilhão que sacudia a mente da guia. Isso provocava nele um intenso incômodo, pois tinha certeza que ela estava muito chateada.

Todos estavam na sala do apartamento, com exceção de Yusuke, que tinha montado guarda em frente à cama onde o rapaz loiro dormia, para interrogá-lo assim que acordasse. A bem da verdade é que o detetive, depois de segurar sua impaciência ao máximo, tinha ido de ímpeto ao quarto chacoalhar o rapaz pra que despertasse logo,contudo foi impedido pelas meninas.

–Tenha calma, Yusuke! Ele não tem como fugir no estado em que se encontra – Genkai alertou.

–Olha só quem me pede calma... há! – o detetive ainda guardava um rancorzinho pelo bate-boca que tivera com a mestra mais cedo. Fato comprovado que os dois não se davam bem pela manhã, ainda mais por acordarem ambos de mau-humor.

–Não começa, Yusuke... – Keiko olhou feio para ele que deu de ombros e voltou para o seu quarto.

Passada quase meia hora, depois que Kurama havia chegado, todos estavam no quarto presenciando Yusuke interrogar o garoto loiro. Se havia uma palavra para definir aquele momento, seria “triste”:

Era notável como o jovem estava alterado com as perguntas do detetive e só sabia falar que todos os homens mereciam morrer por serem extremamente cruéis e perversos.

–Vocês não fazem ideia de como a natureza humana é terrível! Ninguém merece viver, todos devem morrer! –e começou a chorar, balbuciando, entre palavras desconexas, que tinha pesadelos onde as pessoas que ele já tinha matado o assombravam. Kiyoshi Mitarai era seu nome e ele contou também sobre ter assistido uma fita chamada “Capítulo Negro”, aonde eram mostradas cenas monstruosas do comportamento humano.

–Você não sabe o que diz – o detetive respondeu –. Fala que todos os homens não prestam, mas foi um desses homens que o salvou, mesmo você tendo tentado acabar com ele! Seja lá o que você viu nessa tal fita, não é a verdade sobre os homens! – Yusuke dava uma dura no garoto– Kuwabara é um cara muito bom e ‘tá aí pra te mostrar o quanto você está errado! - Mitarai chorava compulsivamente.

–Chega, Yusuke – Kurama pediu, vendo como o garoto chorava –. Acho que ele já ouviu bastante. Vamos dar tempo pra ele digerir tudo que dissemos.

Botan se comoveu muito com as palavras ditas pelo garoto. Ele era alguém muito sofrido e que, com certeza, fora enganado para participar daquele plano perverso do túnel. Não aguentava ver uma pessoa chorar e, mesmo que o detetive pudesse achar ruim, ela resolveu confortá-lo:

–Chore, desabafe... – ela colocou as mãos em seu ombro – Mas não desista do ser humano! Acredite, tem muitas pessoas boas por aí, você só teve o azar de encontrar gente errada... – sorriu de forma a tentar encorajá-lo. Incrível como podiam existir pessoas que se aproveitavam das outras sem o menor remorso. Mitarai era só uma peça naquele quebra-cabeça maligno.

Aquele interrogatório criou um clima meio carregado, fazendo com que Shizuka e Keiko de dispersassem, assim como Yusuke, que tinha ido pra varanda, deixando Botan e Kurama no quarto. Os pensamentos dele traduziam a imagem da garota captada por seus olhos: uma mulher sensível às necessidades dos outros. Sensibilidade era uma das qualidades que ele achava imprescindível para uma mulher. Sensibilidade e força, um paradoxo que ele conseguia ver nitidamente em Botan. A conversa que teriam prometia não ser nenhum pouco fácil.

–Kurama, chega mais... – Yusuke chamou-o.

Ambos trocaram algumas palavras sobre a tal fita que Mitarai mencionara ter assistido e também sobre Kurama ter ido ao Renkai falar com o Sr. Koema. Quando o detetive soube do assunto tratado entre o amigo e o príncipe, ficou louco da vida:

–Seu baixinho miserável! Vem aqui dizer na nossa cara essa história! Vem logo! - o detetive ameaçava Koema com os punhos cerrados, depois de ouvir que o príncipe sabia quem era o mandante da obra do túnel. Botan e Kurama se aproximaram da maleta da guia, que continha a TV sobrenatural pra ver o que estava acontecendo.

–Fique calmo, Yusuke, eu estou indo para aí e vou explicar tudo, mas já te adianto que o mandante da obra do túnel já foi um detetive sobrenatural.

–COMO É QUE É? - Yusuke e Botan falaram em uma só voz. Que novidade era aquela? As coisas estavam ficando mais complicadas do que o esperado.

–Estou indo pra aí... – Koema se despediu e a conexão foi interrompida.

–Você sabia disso, Botan? Vai abrindo o bico, filha! – Yusuke pressionou a guia pra contar, mas ela não sabia de nada sobre esse ex-detetive sobrenatural.

–Eu não sei nada, é sério! Também estou surpresa!

–Que tipo de guia espiritual é você, hein? Não sabe sobre os arquivos do seu trabalho, não? Quanta desinformação, fala sério! – o detetive falou com desdém na voz.

Kurama não gostou do que ouviu:

–Fique calmo, Yusuke – falou estreitando o olhar –. Se tem alguém que nos deve satisfações, é Koema. Não desconte na Botan.

–Não acredito que ele fez isso... – a guia ficou completamente sem jeito e sem ação com essa atitude. Ele estava defendendo ela de Yusuke! Todo mundo sabia que eles, hora ou outra, tinham uma pequena briguinha, e Kurama nunca se pronunciou a respeito da forma como o detetive se dirigia a ela. Nunca, até aquele momento. Ainda bem que estava sentada, caso contrário teria caído, com toda certeza. 

–Xiii... Foi mal, não quis ofender sua “namoradinha” – o detetive deu um risinho malicioso que Kurama preferiu ignorar, afinal, a situação entre ele e Botan ainda não era das melhores e ele não sabia como ficaria depois. O comentário de Yusuke provocou um silêncio chato entre eles fazendo com que Kurama se arrependesse de ter falado aquilo.

Kuwabara, a essa altura, já estava acordado, tinha sido medicado e estava na cozinha, comendo alguma coisa. O detetive reclamava, andando de um lado pra outro da sala:

– Esse Koema é mesmo um grande folgado! Quando pretendia nos contar sobre isso? Pintor de rodapé de uma figa!

Botan permanecia sentada perto da mesinha de centro, em silêncio, mexendo com os dedos e esperando pela tal conversa. O nervosismo estava acentuando mais o seu desconforto. Parece que, desde a noite anterior, estava numa montanha russa, oscilando, sendo agitada de um lado pra o outro, sem poder gritar. E ainda tinha que escutar as provocações do detetive que estava totalmente hiperativo.

Depois de mais alguns resmungos, aos quais ninguém estava dando resposta, Yusuke resolveu ir até a cozinha, adiantar o assunto com Genkai e Kuwabara, deixando somente Keiko, Botan e Kurama na sala.

De repente:

Vamos pra varanda? – o rapaz de cabelos vermelhos propôs por telepatia, observando que aquele era o melhor momento pra conversarem.Tinham que aproveitar aquela brecha.

–Tudo bem... – ela respondeu corando e se atrapalhando um pouco pra levantar do chão, batendo o joelho na mesa de centro, fazendo uma careta de dor, o que acabou chamando a atenção de Keiko.

A garota morena observou que os dois estavam estranhamente tensos e quietos. Ao perceber a movimentação deles, teve certeza de que estava acontecendo alguma coisa, entretanto, resolveu ficar calada.

–Ah, esses dois... Aí tem!

Ambos foram para o quarto, cada um com seus pensamentos. Botan não podia conter a velocidade das batidas do seu coração e desejava intimamente que ela e Kurama pudessem ter um pouquinho de privacidade, embora a ideia de ficar a sós com ele, mesmo que por poucos minutos, estivesse deixando tudo dentro dela de pernas pra o ar.

Shizuka viu-os entrar no quarto e percebeu que eles precisavam ficar sozinhos, então tratou de contribuir pra aquele momento, saindo de cena:

–Mitarai, você não quer ir até a cozinha comer alguma coisa? - convidou com ares maternais.

–Tá... - respondeu o garoto, ainda meio confuso e pouco à vontade.

–Vem, eu te ajudo... - ela deu aquele meio abraço de apoio no garoto e foi saindo do quarto. Antes de fechar a porta, olhou pra Kurama.

–Pode deixar, ninguém vai incomodar... - disse baixinho - Boa sorte! - deu uma piscadinha e fechou a porta.

– É agora...– pensou, dando um suspiro fundo e entrando na varanda, onde Botan já estava com as mãos apoiadas no parapeito, olhando o movimento da rua. Kurama fechou o vidro, se pôs ao lado dela e deixou que o silêncio perdurasse por poucos segundos, enquanto o vento fresco batia em seus rostos.

Olhou de canto e reparou que ela estava apertando os dedos na sacada. Era evidente que ela estava nervosa. Ele também estava, embora soubesse disfarçar muito melhor.

–Eu confesso que não sei bem o que te dizer nesse momento... - falou de supetão, quebrando o silêncio que pairava, fazendo com que Botan ficasse de queixo caído com a frase que acabara de ouvir. Não sabia o que Kurama ia falar, mas nunca esperaria ouvi-lo pronunciar essas palavras. Ele sempre sabia de tudo, sempre! Nunca tinha-o visto vacilar, contudo, naquele instante, ele estava dizendo que "não sabia" o que dizer e isso mexeu ferozmente com ela, fazendo seu estômago gelar.

Botan tomou coragem para perguntar, num fiozinho de voz:

–O que você quer me dizer? - a pergunta saiu apertada, medrosa e sem coragem de olhar para o lado. Seu medo crescia de forma exponencial e sua boca estava seca.

Aquela questão acelerou os batimentos do jovem ruivo e ele lembrou-se das palavras da sua mãe: "não há mal que a verdade não cure, seja você mesmo”. Não se sentia à vontade para se expor, ainda mais num terreno desconhecido como aquele em que os dois estavam, porém, ele tinha tomado uma decisão: precisava falar tudo o que estava acontecendo e não voltaria atrás.

–Eu te admiro muito e gosto de saber que somos do mesmo grupo... - deu uma pausa e respirou fundo, olhando pra Botan, que ainda estava de lado, olhando pra baixo e meio ofegante - é muito bom compartilhar as coisas com você...

Botan sorriu de forma tímida e estava imensamente corada. As mãos juntas, pressionadas uma contra a outra, estralavam os dedos na tentativa de amenizar, pelo menos um pouco, o nervosismo que ela estava sentindo.

–Eu sinto o mesmo... Gosto muito de estar ao seu lado! - a guia falou e olhou-o rapidamente, encontrando os olhos verdes observando-a de forma serena. Eles sorriram e ela voltou a olhar pra frente, tentando aparentar um pouco de calma (como se ela pudesse fingir)

Kurama procurava escolher cuidadosamente as palavras a serem ditas, mas, principalmente, estava tentando ser o mais sincero possível dentro da compreensão que ele tinha dos fatos até aquele momento. Olhar pra Botan somente aumentava a vontade de tirar aquele mal-estar do peito e mudar toda a situação.

"Não há mal que a verdade não cure.” Ele resolveu continuar:

–Nós partilhamos dos mesmos valores, das mesmas lutas e isso é importante para mim - virou para ela e esperou que ela percebesse que ele queria olhá-la. Com um grande esforço, a guia virou-se, mas ainda mantendo a cabeça baixa.

–Eu me identifico com você, de uma forma grande... Ter sua amizade é – Kurama considerou por um momento o que ia dizer – especial... Você é especial pra mim e, por isso, nunca quis e nem quero te magoar de nenhuma forma - Botan percebeu que a voz dele ficou mais séria, o que fez ela reunir coragem para olhar pra ele.

“Especial”...Era a segunda vez que ouvia Kurama dizer isso a ela e, nessas duas oportunidades, a sensação era a mesma: fazia com que ela sentisse que tinha valor para ele, o que gerava uma pequena festa dentro do seu peito.

Silêncio.

–Sabe, Botan, por mais que eu me esforce para colocar uma pedra no meu passado, às vezes ele me incomoda um pouco... – Kurama falou baixo, quase como uma confissão. Ouvir sua própria voz dizendo aquilo não era nenhum pouco habitual, mas ia dando certeza de que estava fazendo a coisa certa, por isso, ele procurava não reter o que estava vindo na sua mente.

–Incomoda, como? - a coragem da guia se mostrou mais aparente. Perceber que o rapaz de olhos verdes estava se desarmando e mostrando um lado que ela não conhecia, fazia com que ela ficasse mais à vontade, sabendo que não estava sozinha naquele barco, mesmo que ela estivesse com mais medo da tempestade.

–Bom, tem épocas que sinto minha antiga energia crescer, meus sentidos ficam mais apurados... E eu sinto vontade de fazer certas coisas, coisas da minha antiga vida - Kurama tentou colocar as palavras da melhor maneira possível, embora sentisse que não havia uma boa forma pra tocar nesse assunto delicado. Fitou Botan com cuidado, observando a reação que ela teria ao que acabara de dizer.

O rosto da guia corou imensamente e era visível como ela estava desconcertada. Se ele tinha alguma dúvida de que Botan entenderia o que dissera, a tonalidade do rosto dela mostrava que ela tinha entendido.

–Sei... - ela balbuciou de forma tensa e com olhar inquieto, sentido muito calor com aquele assunto. Será que tinha entendido bem ou era sua mente louca que estava pregando uma peça nela? Se ela se lembrava de alguns casos do ladrão lendário, tinha entendido certo...

–Ai... Será que nós iríamos...? – a hipótese fez o calor aumentar consideravelmente e ela deu uma abanada forte do rosto.

Ele continuou:

–Normalmente, eu identifico essas épocas com facilidade e consigo controlar tranquilamente... - a parte mais complicada da conversa estava chegando: era hora de falar sobre os fatos da madrugada em questão. Ele parou por uns instantes pra respirar e pensar em como dizê-lo. Botan olhou pra ele ansiosa, os olhos cor-de-rosa ansiavam por uma resposta e ele também queria dar a ela algo que fizesse sentido.

"Não há mal que a verdade não cure."

–Não sei exatamente porque não consegui perceber o que estava acontecendo ontem, mas o fato é que eu jamais quero faltar com respeito a você novamente, Botan... – ele ficou muito sério nesse momento - Por favor, me perdoe... -a voz que ela tanto adorava soou como uma súplica. Kurama estava pedindo perdão a ela, fazendo com que seu coração derretesse como cera quente.

Ainda não tinha conseguido processar tudo o que ouvira, era muita informação e era tudo muito denso, entretanto, trazia uma sensação gostosa. Os dois ali, naquela varanda, as palavras ditas, tão pessoais, íntimas e mostrando a ela que havia algo a mais ali. Era só olhar com mais atenção.

Botan pensou em falar algo, mas Kurama foi mais rápido:

–Não sou mais como eu era e sempre vou me esforçar para fazer as pessoas que amo felizes. Deixei as lutas para trás, mas essa é uma batalha que sempre quero vencer, todos os dias, e quero ter todos os meus amigos ao meu lado -. olhou pra guia demoradamente, percorrendo cada detalhe daquele rosto com seus olhos verdes - Quero que esteja ao meu lado também...

Botan piscou de forma lenta, deixando que aquela última frase provocasse nela um intenso arrepio. E tudo o que ela queria dizer a ele, ao ouvir aquele pedido, com uma leve pontinha de insegurança, fez com que ela não se contivesse:

–Eu quero estar ao seu lado sempre... - era a vez dela fazer confissões - Não me importo com seu passado, eu... - as bochechas começaram a corar com mais vigor e o nervosismo começou a fazê-la perder a coragem de continuar a falar, mas ela também precisava mostrar o que sentia- Eu só quero o Kurama de hoje... comigo.

A forma suave com que as palavras da garota chegaram ao ouvido do jovem deram-lhe um prazer diferente e ele admitiu pra si mesmo o quanto gostara de escutar Botan dizer que o queria com ela. Finalmente ela mostrava algo, não era ninguém que estava cogitando hipóteses, e o engraçado era que não estava sentindo-se desconfortável por saber daquilo.

O vento soprou mais forte, balançando o cabelo de ambos e fazendo barulho ao passar pelas janelas.

–Você pode me perdoar pelo que aconteceu? Não quero que se repita nunca mais– o rapaz ruivo insistiu no assunto, visto que ela não tinha dado nenhum parecer sobre isso.

–Pelo menos, não dessa forma... – deixou escapar um pensamento.

Botan respondeu sem olhar pra ele:

–Isso não precisa de perdão... Está tudo certo – o azul do céu refletido no rosa daqueles olhos o distraíram por alguns segundos, fazendo pensar como era bom estar ali.

–Então, nesse caso... - Kurama olhou pra cima, como se estivesse se preparando pra falar algo muito importante.

Qual seria o desfecho daquela conversa? Botan aguardava como se sua vida dependesse do que saísse da boca dele. E dependia...

–O que você acha de... Recomeçarmos? - propôs sorrindo - Só eu e você, sem outras pessoas pra atrapalhar! – ele brincou, colocando as mãos na cabeça, imitando orelhas de raposa.

Botan soltou uma risada descontraída, o que fez Kurama rir também. Ele se sentia aliviado, mas não somente isso; ele estava feliz.

–Está bem, voltemos à estaca zero! - a guia brincou, sentindo-se muito mais leve e, também, muito mais encantada por aqueles olhos verdes. Seu coração pulsava num compasso rápido e suas mãos suavam um pouco. Não dava mais pra voltar atrás... Ela sabia.

Kurama considerava tudo que tinha acabado de acontecer ali, cuidadosamente. Botan, as palavras dela, os gestos, tudo que ele tinha sentido, tinham acabado de mostrar que havia ali uma boa semente, misteriosa ainda, mas, com certeza, uma boa semente. Bastava olhar com atenção. Não sabia qual seriam seus frutos ou as cores das suas flores, mas de uma coisa ele sabia: toda semente que recebe os cuidados certos, transforma-se em uma planta bonita, vistosa e enche os olhos. Pagar pra ver? Ele sabia que queria...

Sentiu vontade de dizer uma última coisa ela:

–Botan – e se debruçou no para peito, sendo imitado pela guia –, sabe qual o segredo pra uma planta crescer bonita e saudável?

Ela arregalou um pouco os grandes olhos cor-de- rosa, fazendo uma cara de curiosidade (de repente, o assunto tinha mudado de pau pra pedra?):

–Não sei... Qual é?

–Paciência – falou, olhando-a com carinho, fazendo-a corar um pouco –. Você me entende?

–Acho que não mudou...

A guia ficou séria por alguns segundos, enquanto as batidas do seu coração atrapalhavam seu respirar, entretanto, por mais vermelha que estivesse, arrancou forças do íntimo do seu ser pra não desviar o olhar dos olhos verdes. Havia certa distância entre eles, mas não o suficiente pra que ela não se sentisse constrangida e ficasse atrapalhada.

Ele continuava a olhar pra ela em silêncio, numa atitude de espera pela resposta. Precisava ter certeza de que tudo estava esclarecido entre eles.

–Eu entendo... -finalmente disse, colocando alguns fios azuis atrás da orelha direita. Kurama sorriu com a resposta.–Com certeza, você sabe o que diz... Entende muito de plantas! – ela falou animada, tentando quebrar aquele climinha que estava mexendo demais com ela. Não queria estragar tudo ficando com cara de boba.

O jovem endireitou-se:

–Acho que temos que voltar...

–Sim, vamos... – ao se virarem, levaram um susto ao perceberem que Yusuke estava do outro lado do vidro, olhando com uma cara debochada pros dois. Kurama franziu um pouco o cenho antes de abrir o vidro da janela.

–O que foi, Yusuke? – perguntou procurando não aparentar nenhuma surpresa.

–Nada não, Kurama, só ‘tava achando uma gracinha vocês dois aí na varanda de segredinhos! Hahaha! – o detetive ria – Ligeirinho, hein, raposa! Hahaha – provocou sem cerimônias.

Botan não sabia onde enfiar a cara de tanta vergonha. A única coisa que queria era bater em Yusuke até deixá-lo desacordado. Como podia ser tão inconveniente? Com toda certeza, ele tinha o dom de, além de deixá-la nervosa, estragar os momentos legais que ela estava vivendo.

–Yusuke, deixa de ser chato e não se intrometa nos assuntos dos outros! – Shizuka o repreendeu lá da porta e olhou para o amigo ruivo com um sorriso cúmplice.

–Mas eu não estou me intrometendo, muito pelo contrário: só vim ver o casalzinho se acertando! Êêê coisa boa, né não, Botan? – cutucou a amiga, que estava muito vermelha e sem graça.

–Deixa de ser besta, ô, garoto! Aqui não tem casal nenhum, não! – Botan passou a mão pela testa e respondeu nervosa e corada.

–Como não? – Kurama falou e espantou os três que estavam no quarto, fazendo-os ficar em silêncio – somos um casal de bons amigos, não é? – e olhou pra garota de cabelos azuis, sorrindo.

Os olhos de ambos se cruzaram. Rosa e verde, e a conversa na varanda, mostraram o caminho. Dessa vez, a guia admitiu que estava enganada, pois nem mesmo Yusuke, com toda a sua indiscrição, conseguiu estragar aquele momento. Era muito bom pra ser verdade.

–Ah, Kurama... Por que você é assim tão perfeito...?– pensou, o peito enchendo por uma snsação boa, muito boa.

–Mais que beleza, hein? O negócio tá melhor do que eu esperava! Hahahaha! É assim que começa!- o detetive respondeu, não deixando a peteca cair e rindo de maneira provocativa - tô gostando de ver!

–Koema chegou – Shizuka anunciou lá da porta, fazendo com que Yusuke e Kurama fossem pra cozinha, conversar com ele. Botan também ia sair, contudo, foi impedida:

–Você não vai – a guia olhou sem entender – vai ficar aqui e me contar o que vocês tanto faziam naquela varanda... – falou em tom só para Botan ouvir, antes de entrar no quarto com Mitarai e sentá-lo na cama.

–Não aconteceu nada demais... Verdade! – a guia tentava despistar a amiga. Por que ela estava tão curiosa? As neuroses em relação a um possível envolvimento entre a amiga e Kurama, até o momento esquecidas, ressurgiram com uma força grande, como se nunca tivessem ido embora, fazendo com que Botan ficasse muito nervosa.

–Ah, Botan, não sou boba, por que não quer me falar? – a moça loira cruzou os braços e olhava para Botan com cara de ponto de interrogação.

–Não é isso, Shi... – abaixou a cabeça, se sentindo muito mal por estar fugindo daquele jeito, contudo ela não sabia o que dizer.

Shizuka olhava pra atitude da amiga e não tinha certeza do que via. Era impressão sua ou Botan estava se esquivando dela? Se fosse isso, ela ia acabar com aquilo agora mesmo.

–Botan, tem alguma coisa que você queira me falar? – perguntou, encarando-a de forma séria.

Hoje era o dia das conversas reveladoras, não tinha como fugir, então, que fosse logo.

–Eu... Tenho algo a dizer sim, Shi... Eu, eu quero muito me abrir com você – Botan retribuiu o olhar da amiga

–Pois bem, diga! –a irmã de Kuwabara instigou rapidamente.

–Kurama e eu estávamos conversando por que... – como era difícil tocar nesse assunto! – porque aconteceram algumas coisas na madrugada e precisávamos nos acertar...

Shizuka fez uma cara de espanto e puxou a amiga pro chão, fazendo-a sentar junto com ela.

–O que aconteceu, Dona Botan? – a amiga parecia uma adolescente curiosa e a guia não estava entendendo aquela atitude, que fazia- a relaxar e ficar tensa ao mesmo tempo.

–Bem... Na verdade não chegou a acontecer nada... Mas o que eu quero dizer antes, Shi, é que eu...

–Você está apaixonada pela raposa? Já sabia... –jogou a cabeça pra trás de forma descontraída, como se o que dissera  fosse a coisa mais natural do mundo.

Os olhos da guia se arregalaram muito:

–Eu... Eu não disse isso! – ela tentou pensar numa forma pra contrariar aquela colocação, mas não veio nada na mente, o embaraço era muito maior – Por que você acha que estou?

–Está escrito na sua cara... Vai por mim! Não é difícil perceber, embora eu mesma já tenha sacado há algum tempo.

–Como assim há algum tempo? O que você quer dizer? – realmente, as surpresas não paravam de surgir.

–Botan, olha só – a amiga encarou-a com certa impaciência – , enquanto você está indo com a farinha, o bolo já está pronto. Não sei bem há quanto tempo você paquera a raposa, mas desde o torneio das trevas, sei que está de olho nele.

A guia estava branca como uma folha de papel. Ouvir Shizuka (aquela que ela acreditava que tinha alguma coisa com Kurama) falar tudo aquilo, era tão estranho e, simplesmente, ela  não conseguiu responder nada.

–E quer saber do quê mais? – abaixou o volume da voz – tenho certeza de que ele também não te é indiferente... Estou errada? – forçou a guia a falar o que estava acontecendo.

Shizuka tinha conseguido desarmá-la completamente.  Todas as coisas que ela tinha pensando envolvendo a amiga e Kurama perderam o valor tornando-se ridículas. Botan se permitiu dar um sorriso meio tímido.

–Acho que não... Ele disse que sou especial...

A amiga sorriu aquele sorriso que só ela sabia dar: cheio de segundas intenções:

–Hum... Especial é? –colocou a mão em cima das mãos da guia – Quer um conselho? Pare de fingir que não se importa e vá atrás do que você quer. Brincadeiras à parte, ninguém tem nada a ver com isso... Essa é uma história que só depende de vocês dois.

Botan não conteve uma pergunta, mesmo ela parecendo totalmente fora de propósito, contudo, conversar com Shizuka estava sendo um alívio, afinal, a amiga era mais experiente e ela precisava mesmo desabafar com alguém:

–Shi, ele me disse pra ter paciência... Será que não foi um jeito mais suave de me dispensar?

–Garanto que não... - ela deu um meio sorriso – Se ele quisesse te dispensar não teria se aproximado para começo de conversa, ou você acha que Kurama é bobo?

É claro que ela não achava isso.

–Não tenha medo, tá? Qualquer coisa, estou aqui, se quiser conversar ou contar os detalhes sórdidos – deu um abraço na guia, fazendo ela ficar um pouco emocionada

–E eu pensando que você sentia algo por ele...

–Ué, tá chorando por quê? – a amiga perguntou arqueando as sobrancelhas.

–Por que sou uma bobona, é isso! – Botan sorriu largamente, tinha tirado um peso das costas. Num curto espaço de tempo, aquela manhã tinha lhe ensinado que, da mesma forma que ela amava e acreditava nos seus amigos, ela devia amar-se e acreditar nela mesma. E não somente isso: tinha que confiar mais nas coisas boas que aconteceriam com ela e não ficar esperando pelo pior, como ela costumava fazer.

–Obrigada, Shi... Obrigada mesmo!

–Ah, parou, hein? Chega dessa melação... – Shizuka levantou-se e ajeitou o vestido – O que o Mitarai vai pensar de nós?

O garoto ficou vermelho como um pimentão e super sem graça:

–Eu... Eu nem estava ouvindo nada...

Elas riram.

–Acho que tá na hora de trocar esse curativo, loirinho... – Shizuka falou, sentando-se na cama e desatando as faixas.

–Iii, acabaram as gazes... Peraí! – a guia foi pra sala – Keiko, tem mais faixas aqui? Precisamos trocar o Mitarai.

–Usamos as últimas no Kuwabara, mas, sem problemas, eu vou comprar mais! – Keiko pegou Piu e algum dinheiro na pequena bolsa laranja em cima do sofá - Não demoro!

–Quero ver, hein! – a guia fez cara de desafio pra amiga.

–Ai, Botan! Tenha paciência, tá? Já volto! – e saiu, apressando o passo.

Ao ouvir aquela palavra, não teve como a guia não se lembrar:

–Eu terei paciência... Pode deixar! – e, sorrindo, voltou para o quarto, pensando em Kurama, experimentando, pela primeira vez em dias, alívio e alegria.

Entretanto, a guia estava enganada se achava que as novidades daquele dia tinham acabado. Na verdade, estavam apenas começando...

Continua...


 


 



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Notas finais do capítulo

Postagem em tempo recorde! rssss espero que gostem e me esforçarei ao máximo pra não demorar na próxima! Obrigada a todos! ^^



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