Deixe o Amor Nascer. escrita por Kira Urashima


Capítulo 8
Raiar do dia




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O relógio marcava 6h22 e Kurama percebeu que não conseguiria mais dormir. A claridade da sala já incomodava bastante, além do que, tivera um sono tão agitado que ficar deitado só estava fazendo-o ficar mais cansado.

Vozes vinham da cozinha, denunciando que Yusuke e Genkai estavam acordados também. Kurama foi até lá.

–Bom dia...

–Bom dia, Kurama... - a mestra respondeu.

–Bom dia... -Yusuke respondeu, visivelmente mal-humorado. O detetive tinha mesmo fama de acordar de bico.

–Chá ou café? - Genkai perguntou com a voz um pouco fraca.

–Café, obrigado - respondeu, servindo-se do líquido escuro que estava na cafeteira. Os três voltaram a ficar em silêncio por alguns minutos até que um pequeno tumulto começou a ser ouvido e parecia vir do quarto, o que fez com que os três fossem até lá.

–Eu não vou ficar mais aqui! Me solta!

–Quer se acalmar e me ouvir? – Shizuka tentava falar com Kirishima, amigo de Kuwabara, que já se dirigia para a sala.

–Que “fuzuê” é esse meu filho? - o detetive indagou, se colocando na porta do quarto, impedindo a passagem pra o outro cômodo.

–Urameshi! O que vocês pretendem? Nos prenderam aqui com aquele maníaco que nos atacou...ESTÃO LOUCOS, É? - Kirishima falava alto e gesticulava de forma brusca.

–Isso, por acaso, faz parte de algum plano para matar o Kuwabara e a nós? - foi a vez de Ookubo, o mais baixo e moreno deles se manifestar -. Se for isso, eu... – de repente, sentiu uma forte dor na nuca devido ao tapa que Shizuka dera, fazendo com que parasse de falar imediatamente.

–Aiiiii! O QUE É ISSO, AFINAL? – protestou o jovem, mostrando estar levemente assustado.

–Quer calar a boca e escutar, garoto? Ninguém aqui quer matar vocês! - a mulher loira respondeu, já meio impaciente, e empurrou-os para fora do quarto - Vamos pra sala e falem baixo que tem gente dormindo!

–É isso mesmo, filhão! - Yusuke concordou - Fica calminho aí que já vamos explicar tudo.

–Hunf, é bom mesmo! Por que vocês nos sequestraram? - perguntou o terceiro deles, que até aquele momento tinha ficado em silêncio.

–Sequestro? Hahaha, mas essa é boa! - o detetive debochou - Desde quando você ficou tão besta, Sawamura?

–Olha aqui, Urameshi, pare de me ofender!

Nesse momento, Kurama se colocou à frente e resolveu esclarecer aquela situação, porque, pelos rumos que iam, não estava chegando a lugar algum.

–Desculpa, seu nome é Sawamura, certo? Deixe que eu explico o que aconteceu.

Todos olharam pra ele, esperando.

–Faz favor, Kurama, que eu não ‘tô com paciência... - Yusuke falou, inclinando a cabeça pra trás, depois de olhar de forma provocativa para o trio.

E o rapaz ruivo continuou:  explicou que ninguém ali tinha sequestrado ninguém e que, como eles mesmos sabiam, Kuwabara é que tinha feito o maior esforço pra socorrer a todos, inclusive o garoto loiro que os atacara. Todos tinham chegado inconscientes e foram tratados e medicados.

–Mas será que vocês podem nos explicar o que era aquela coisa que nos atacou e por que esse cara está aqui com a gente?

Todos se entreolharam com certa tensão, afinal, aquele assunto, infelizmente, não era pra ter vazado e os amigos de Kuwabara não deveriam ter se envolvido na história.

–Já tá querendo saber demais, hein! O importante é que vocês estão salvos! Por acaso não aguentam uma briguinha, não? - debochou Yusuke, recebendo olhares de raiva dos outros três.

–Yusuke, não seja idiota! - foi a vez de a mestra falar, dando um safanão no detetive - peço que me perdoe pelo ocorrido, mas, tudo isso, na verdade, foi culpa minha.

–O QUÊ? - de repente, até Kurama, Shizuka e Yusuke ficaram surpresos com aquelas palavras.

–O que será que essa velha maluca tá planejando?– pensou o detetive, sentando no sofá e cruzando os braços.

Os três rapazes permaneceram num silêncio sepulcral, temendo o que viria a seguir. Tinham que admitir que Genkai, mesmo sendo tão pequena, assustava muito.

–Bom, como eu dizia, tudo isso aconteceu porque eu estava treinando Kuwabara. Tudo o que aconteceu fazia parte do meu treinamento, inclusive o...rapaz que os atacou.

Kurama, Yusuke e Shizuka faziam um visível esforço pra não rirem, nem demonstrarem nenhuma reação contrária ao discurso da mestra, mas, que era estranho ver Genkai, sempre tão séria e correta, mentindo descaradamente daquele jeito, era!

–Perdão, senhora, mas... Esse treinamento precisava ser tão violento assim? E por que o menino nos atacou também, sendo que não temos nada a ver com isso? - foi a vez do Kirishima, meio receoso, quebrar o silêncio.

–Peço perdão a vocês pela forma brusca e violenta do meu... Aluno, mas é preciso que saibam que, para se extrair o máximo da força de alguém num treinamento, é preciso dar tudo de si, se entregar. Digamos que foi uma espécie de teste surpresa para Kuwabara.

Os três estavam com os olhos arregalados e surpresos. Não sabiam o que falar, não sabiam se acreditavam. Já tinham ouvido que os treinamentos do amigo eram puxados, mas não imaginavam que poderiam ser tão duros assim.

A mestra continuou:

–Bom, creio que foi um grande susto pra vocês todos, contudo, peço para esquecerem tudo o que viram e que me perdoem. Meu objetivo não era envolver mais ninguém além dos meus alunos, por isso, terei uma conversa séria com eles.

–Ah, tá tudo bem, já entendemos, né, gente? – Sawamura apressou-se em falar e foi se levantando, buscando a aprovação dos outros dois, que concordaram prontamente.

–Que bom, fico mais aliviada...- a mestra virou as costas despreocupadamente e dirigiu-se pra cozinha, deixando os seis lá na sala.

–Entenderam agora, franguinhos? Mas não me admira ficarem assim em pânico, treino é coisa pra macho! – Yusuke sorriu de canto.

–Urameshi, seu desgraçado! - Kirishima já ia se exaltando, quando seu colega o impediu:

–Chega, Kirishima, controle-se! - e virando-se pra Kurama - Podemos ir embora agora?

–Podem ir quando quiserem. Eu tenho aqui um remédio que vocês podem passar nos ferimentos, vai ajudar a sarar mais rapidamente e...

–Não precisa! Já estamos bem, obrigado! – Sawamura respondeu - Vamos indo, antes que nossas mães fiquem atrás da gente!

–Tudo bem, se precisarem de alguma coisa... - Kurama continuou, mas foi interrompido pelo detetive:

–Eles não precisam de mais nada, não, Kurama, fica tranqüilo, já estão bem, olha só! - Yusuke deu um tapinha no ombro de Ookubo, abrindo a porta da sala pra que eles saíssem.

–Ah! - Shizuka segurou a porta antes dos rapazes descerem as escadas - por favor, se puderem não comentar isso com mais ninguém, ficamos muito agradecidos! Sabem como essas coisas são restritas a mestres e alunos, não é? - e sorriu de forma charmosa, jogando um pouco o cabelo pro lado.

–Cla, claro! Pode deixar! - Kirishima respondeu, meio derretido e o trio desceu as escadas,logo desaparecendo pela calçada.

–Essa foi por pouco, hein! – Shizuka fechou a porta e sentou-se no sofá.

–Hahahaha! Essa velha tá me saindo pior que a encomenda! Enrolou os manés direitinho! Hahahaha – Yusuke deitou no sofá, rindo de forma esculachada.

Kurama também se permitiu dar um leve sorriso. Não gostava de mentir, mas a “mentirinha” da mestra tinha vindo muito a calhar. Foi o melhor jeito de despistar os amigos de Kuwabara, era o que podia ser feito.

–Fiz isso porque foi necessário, não me orgulho de mentiras – Genkai voltou da cozinha –. Se você não tivesse sido imbecil e deixado Kuwabara sozinho na noite de ontem nada disso teria acontecido.

Genkai 1 Yusuke 0

–Pois fique sabendo, Genkai, que eu não tenho culpa se o Kuwabara é um retardado que resolveu passear ao invés de ficar concentrado na missão!

–Ah, sim, tão concentrado como você estava que, além de não ter percebido que seu amigo precisava de ajuda, ainda foi jogar no fliperama...

Genkai 2 Yusuke 0

–Ah, sua velha ingrata! - o detetive cerrou os punhos e se pôs a falar alto – E me fala quem é que ficou correndo atrás daquele mané, tomando a maior chuva por horas, hein? Você é que não foi, sua velha louca!

–E acha que fez algo extraordinário? Não fez mais que sua obrigação e, ainda assim, com atraso imenso e incompetência, já que não encontrou Kuwabara a tempo, o que resultou no confronto dele com o inimigo, no envolvimento dos outros rapazes, em todos feridos e ainda na mentira que tive que contar pra livrar a cara de vocês.

Genkai 3 Yusuke 0

–Velha chataaaa! Só sabe reclamar e reclamar! Deve estar na TPM tardiaaaa! – o detetive chutou a almofada e foi pra sacada –Hoje essa velha tá com a macaca! Vou te contar, viu! – resmungou alto, pra que ela pudesse ouvir lá da sala.

Shizuka levantou-se e foi pra o quarto, dizendo que ia chamar as meninas.

–Vá, quanto antes conversarmos, melhor – a mestra falou.

–Bom, eu vou aproveitar e dar uma passada rápida em casa. Volto logo! – Kurama avisou enquanto se dirigia pra porta.

–Se tem que ir, vá, mas não demore porque já perdemos uma reunião ontem por conta dessas saidinhas – Genkai falou de forma seca.

–Não demoro, prometo.

–Espero que sim... Porque ontem foi o dia inteiro sem dar as caras por aqui – a mestra finalizou, sentando-se no chão, perto da mesinha de centro.

O jovem assentiu com a cabeça e saiu, apressando o passo. Não costumava concordar com as opiniões de Yusuke sobre Genkai, mas daquela vez tinha que admitir: a mestra poderia mesmo sofrer de TPM tardia...

Genkai 1 Kurama 0

Cena 2

Os olhos de Botan estavam um pouco inchados por causa da noite anterior. Sua cabeça estava tão confusa e seu coração tão dolorido que a guia não fazia ideia de como seria aquele dia. Uma leve dorzinha de cabeça se instalava, contudo, apesar de estar assim, uma revolução dentro dela estava tomando conta de sua parte mais frágil.

Depois dos episódios daquela madrugada, o fato era inegável: ela tinha sentimentos além da amizade por Kurama, porém, Botan se recusava a dar um nome ao que estava sentindo. Era teimosa o suficiente para não arredar o pé até conseguir entender um pouco de tudo que estava acontecendo entre eles.

Por que tudo acontecera daquela forma tão abrupta? Num momento, mal se falavam, no outro, quase se beijavam? Como podia ser?

Sentou-se na cama, terminando de se vestir, e lembrou-se dos fatos que tinha lido no livro sobre a vida de Kurama, no Renkai, e os comparou com os episódios daquela madrugada. Não, definitivamente, aquele Kurama não se parecia em nada com o Kurama que estava naquele livro... Não podia ser ele.

Isso era típico de outros garotos; garotos tipo Kuwabara, Yusuke, típico do Sr. Koema.

A garota meneou a cabeça num sinal claro de reprovação à lembrança que teve do príncipe arrastando as asas e dizendo gracejos para sua colega Ayame.

–Típico... E péssimo... – constatou, retomando o raciocínio.

Mas, se Kurama não era daquele jeito, então porque agiu assim? O que queria dizer aquela atitude?

Uma nuvem passou pela mente da guia e ela se deu conta de que nos registros que lera, não havia nada mencionando atitudes de Kurama com as mulheres que o interessavam.

O coração acelerou de maneira descontrolada e Botan respirava ofegante, ansiosa com os próprios pensamentos: será possível que  o rapaz de cabelos vermelhos agia assim quando estava interessado em alguém? E, estaria interessado nela?

Não conhecia esse lado de Kurama. Não fazia a menor ideia de como ele era nesse aspecto, mas, espera... Ela sabia como era a fama de outra pessoa bem próxima dele: Youko, Kurama Youko.

Coragem para ler o livro sobre a vida do ladrão lendário ela não teve. Na verdade, não tinha o menor interesse em saber casos sobre a antiga vida de Kurama, contudo, ela se lembrara de ouvir comentários cheios de malícia e de alguns casos não muito decentes envolvendo certo ladrão muito bonito de longos cabelos prateados.

Ele era citado nos comentários das guias do Renkai, embora Botan não soubesse ao certo de todos os detalhes das conversas que elas tinham, por não ser entrosada com as meninas e também por ser a mais nova. A única que lhe dava um pouco de atenção era Ayame. O Youko tinha a fama de ser frio, calculista e implacável, em todos os sentidos. E a beleza daquela raposa, com certeza, lhe deixava ainda mais perigosa.

Um calafrio forte percorreu o corpo da garota, acelerando mais ainda seu coração. A ansiedade deu lugar ao medo. Será que naquela madrugada ela esteve nos braços de Youko?

Botan deu um leve gritinho ao cogitar essa hipótese que, pra ela, era simplesmente assustadora. As histórias, os comentários, os cochichos e aquele olhar dourado, que ela vira por foto e no torneio das trevas, a amedrontavam demais. Não tinha como confiar num demônio raposa, sem chance.

Contudo, o Kurama que ela conhecia e de quem todos gostavam e admiravam era na verdade... o próprio Youko reencarnado! Como ela poderia ter medo de alguém em quem confiava cegamente e que era seu amigo?

Botan colocou as mãos na cabeça e apertou os olhos com força, sentindo-se extremamente mal e perdida. Se já estava confuso antes, agora tinha piorado de vez!

Youko, Kurama. Prata e vermelho. Dourado e verde. Os olhos que ela tanto temia com os que ela tanto adorava. Pesadelo com sonho? E o pior: os carinhos, o abraço, o cheiro daquela madrugada eram de quem? Kurama ou Youko? Eram reais ou imaginários? Eram do seu amigo ou do seu inimigo?

E ainda... Por que? Por que tinha feito tudo aquilo e depois se... arrependido?

– Ahhhh, meu Deus! – seu coração batia forte e um nó na garganta foi crescendo. A única coisa que ela queria naquele momento era ficar sozinha. Precisava pensar, precisava entender e precisava se entender.

Barulhos vindo do outro quarto fizeram com que ela despertasse dos seus pensamentos. Estava na casa de Yusuke, tinha pessoas feridas lá, todos estavam numa missão extremamente vital e ela precisava cumprir seu papel, fazer seu trabalho, mesmo nas condições em que estava.

Considerando essas coisas, Botan levantou-se na cama, respirou fundo, fez a melhor cara que conseguiu e dirigiu-se para sala. Não conseguia imaginar como seria ver Kurama e isso a deixava totalmente desestruturada. Uma mágoa fininha estava doendo lá dentro do peito... Mas, não era hora pra aquilo. Fosse como fosse, ela precisaria engolir o choro e caminhar.

Sabia que todos a enxergavam como a bobona emotiva, que se derretia por tudo, mas ela tomou a decisão de não se abater. Embora estivesse totalmente perdida e confusa, ela não mostraria isso para mais ninguém.

Já bastava tudo o que acontecera naquela madrugada... Enfim, nem era bom voltar a pensar nisso (como se ela pudesse se esquecer), caso contrário, sairia correndo dali.

–Você precisa ser forte agora, Botan... Seja forte e concentre-se no seu trabalho! Tem coisas mais importantes acontecendo agora. – encorajou-se mentalmente e foi saindo do quarto.

–Botan! Até que enfim! Difícil te acordar, hein!– era Keiko que estava arrumando o quarto de Yusuke, bagunçado por tantos hóspedes que ali dormiram, apesar de Kuwabara e o garoto loiro ainda estarem dormindo profundamente.

–Ué, cadê todo mundo? - a guia indagou de forma ansiosa.

–Pelo que a Shizuka me disse, eles foram embora logo cedo... E aparentemente estavam muito bem! – disse, meio aliviada – Se não fossem as plantas medicinais que o Kurama trouxe, nossos curativos não teriam feito esse milagre!

Por que ouvir o nome dele estava deixando-a tão nervosa? Sim, lembrava que dali a alguns segundos, iria vê-lo... E o que faria?

A porta do quarto se abriu devagar... O coração de Botan parou por um instante e ela, num impulso, agachou perto da cama, fingindo pegar alguma coisa no chão, como se estivesse ajudando Keiko,.

–Meninas, não vão tomar café não? – a voz de Shizuka fez Botan relaxar na hora.

Ufaaaa... – ainda não era daquela vez.

–Estamos indo! O Yusuke já acordou? – Keiko perguntou de forma preocupada.

–Todo mundo já acordou, só faltavam vocês. O Kurama deu uma saída, mas volta logo.

–Graças! – a guia nunca pensou que a ausência dele pudesse aliviá-la como naquele momento. Pelo menos ela teria mais tempo pra praticar a sua cara de “nada está acontecendo” e pensar em como agir, em alguma coisa.

–Você não vem, Botan? – Shizuka chamou a amiga que estava sentada no chão, completamente distraída – Ainda ‘tá dormindo, é?

–Hã? Não! – a garota levantou-se rápido e saiu do quarto, encostando a porta atrás de si. Pelo jeito, teria que se concentrar mais um pouco, se não quisesse despertar suspeitas.

Cena 3

O jovem ruivo caminhava pensativo no caminho de casa. Apesar de ter dito que não ia demorar, Kurama andava devagar, retardando sua volta ao apartamento de Yusuke.

O céu mostrava um azul claro com poucas nuvens, o sol brilhava fracamente, pois ainda era cedo, o que criava um clima agradável para uma caminhada, mas nem isso conseguia trazer um pouco de alívio ao seu coração.

Certa garota de cabelos azuis, e tudo que vivera com ela, não saiam de sua mente. As poucas horas mal dormidas não tinham dado a ele nenhuma solução para o problema daquela madrugada.

Como seria ver Botan? Como ela agiria? As respostas custavam a aparecer.

Vários sentimentos tumultuavam seus pensamentos: confusão, preocupação e porque não dizer, medo? Mas, medo de quê?

Pra uma pessoa como Kurama, não entender o que se passava com ele mesmo já era muito complicado e atípico. Pensar que ele poderia ter confundido outra pessoa, aí era demais.

E o que dizer de magoar? Botan podia muito bem estar magoada com aquela atitude, pensando coisas terríveis dele, e qual seria sua defesa? Dizer que tudo que aconteceu foi culpa de Youko? Dizer que ele a desejava mais do que ele tinha conseguido conter?

Bom, não chegava a ser mentira, mas, não parecia totalmente sincera essa justificativa, ao mesmo tempo soava tão mesquinha, machista e arrogante.

Que espécie de direito ele tinha? Ela era sua amiga e nunca lhe dera nenhuma abertura para nada. Se ela tinha algum interesse (ou se ele tivesse) também não lhe dava autorização de tocar nela sem mais nem menos, logo, aquela resposta não era uma solução, e, sim,  mais um problema.

Não podia deixar as coisas daquele jeito, contudo, Kurama ainda não sabia o que fazer. Odiava mentiras e não podia ser evasivo, ignorando o ocorrido. Botan não merecia esse tratamento, de forma nenhuma. Precisa falar com ela, no entanto, como se explicaria, se nem ele conseguia ter certeza do que estava se passando entre ele e ela?

Depois de alguns minutos caminhando, Kurama abria o portão de sua casa , que rangeu timidamente, por ser antigo. Já tinha insistido para a mãe trocar, mas ela gostava daquele estilo, morava naquela casa desde pequena e tudo ali tinha uma lembrança especial que, aos poucos, foi fazendo parte da vida dele também.

–Mamãe? Está aqui? – chamou, dirigindo-se para a lateral da casa.

–Shuichi, é você, filho? – a voz de Shiori soou longe, indicando que ela estava no fundo do jardim.

–Sim! – aproximou-se da mãe, que estava agachada no roseiral, podando-o, e deu-lhe um beijo na testa – Está tudo bem com a senhora?

–Está, sim, e como foi sua noite?

–Foi boa! -respondeu de forma meio forçada, sentando-se na cadeira de vime perto da mesa e se servindo de um pouco de chá de erva doce – daqui a pouco tenho que voltar para lá, preciso tomar um banho.

–Certo... Já tomou café? – perguntou Shiori com carinho, deixando a tesoura descansar no seu colo e observando que o filho parecia chateado.

–Como alguma coisa quando descer. E a senhora, comeu direitinho? – perguntou, esvaziando o conteúdo da pequena xícara em suas mãos.

A mãe de Kurama acenou com a cabeça que sim e recebeu o sorriso de volta do filho, enquanto ele entrava na casa pela porta da cozinha. Ela resolveu preparar-lhe um sanduíche com frios pra que ele pudesse comer depois do banho e, ao se entregar a essa atividade, deixou seus pensamentos concentrados no filho, lembrando de como ele estava diferentes nesses últimos dias.

Sabia que Shuichi era um rapaz reservado, que não gostava de causar preocupações e, por isso, se tivesse problemas, resolvia-os sozinhos. Ele sempre foi muito independente, maduro e ela gostava disso, contudo, seu coração de mãe não se enganava: algo o estava incomodando bastante. Aquele garoto de olhos verdes que ela tanto amava, desde a primeira vez que o segurou nos braços, não conseguiria mentir para ela.

Pouco tempo depois, Kurama apareceu no quintal, com seu habitual sorriso:

–Já vou indo, mamãe... A senhora vai ficar bem? Precisa de alguma coisa?

–Não, querido, obrigada! Tome, beba um pouco! – ofereceu-lhe um copo de suco de mamão - Você parece abatido, aconteceu alguma coisa ontem?

E o ontem invadiu seus pensamentos de forma vívida: a imagem de Botan ficou nítida em sua mente, fazendo com que ele ficasse sério e um pouco desconcertado. Pela primeira vez, sentiu vontade de falar com Shiori sobre as coisas que vinha sentindo, porém, depois de alguns segundos pensando, resolveu deixar pra lá. Se nem ele entendia, como ela podia entender?

–Está tudo bem, mamãe, não se preocupe, tá? – deu-lhe outro beijo na testa - Agora, eu preciso ir, a turma está me esperando e prometi não demorar!

Shiori suspirou, entregou o lanche pra ele e o acompanhou até o portão, Antes que ele seguisse pela calçada, ela lhe disse:

–Shuichi, às vezes, a gente não sabe de tudo e, nessas horas, a melhor coisa é sermos sinceros com nós mesmos... – ela sorriu - Seja o que for que estiver te incomodando, não tenha dúvidas de que não há mal nenhum que a verdade não cure! Mesmo sem certezas, seja você, meu filho, e o seu coração vai te mostrar o que fazer!

Kurama pegou a mão de sua mãe e a beijou:

–Obrigado, mamãe! – e tomou o rumo da casa de Yusuke, pensando nas palavras que acabara de ouvir.

Não tinha dúvidas que Shiori era seu maior tesouro; aquela mulher sempre mostrara a ele o lado humano da vida, os sentimentos de amor e companheirismo que domaram o coração feroz da raposa Youko... E isso ele jamais poderia esquecer .Agora, mais uma vez, ela lhe ensinava outra coisa, porém, naquele momento, ela não era a única que o fazia pensar.

Outra mulher, de uma forma que ele ainda não sabia como, estava mostrando-lhe que, por mais que tentasse controlar todas as coisas, existiam partes da vida que não podiam ser moldadas por raciocínios e estratégias. Existia algo que estava além do que ele entendia e estavam provocando nele sensações e sentimentos que precisavam ser entendidos.

Kurama subiu as escadas do prédio e, colocando a mão na maçaneta na porta, aguardou alguns segundos, até escutar uma risada abafada, que ele sabia bem a quem pertencia.

A porta se abriu.

–Bom dia! – o rapaz saldou as meninas.

Botan, estava de costas pra porta e todo o alívio que ela estava sentindo desapareceu ao ouvir aquela voz, que ela sabia muito bem de quem era.

Reuniu toda coragem que conseguiu e virou-se pra ele:

–Vai lá, Botan, chegou a hora...

–Bom dia! – um sorriso forçado, que Kurama percebeu imediatamente.

Os dois ficaram se olhando por uma fração de segundo, mas foi o tempo dele falar por telepatia, olhando, profundamente, nos olhos cor-de-rosa:

–Eu preciso muito falar com você...E tem que ser logo.

Continua...





 




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Notas finais do capítulo

Depois de um longo tempo...postando de novo! Pretendo não demorar pra atualizar! (agora que estou de férias) =] Obrigada por todos que acompanham a fic, obrigada mesmo!



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