Deixe o Amor Nascer. escrita por Kira Urashima


Capítulo 11
O preço das palavras




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(Cap. 11) O preço das palavras

–Chega de chorar, Botan... - a guia olhava seus olhos rosados um pouco vermelhos assim como seu nariz. Encheu as mãos em concha com água e jogou no rosto, enxugando-o na própria blusa. Não fazia muito tempo que estava no banheiro, embora tivesse pensado tanto que parecia que um dia inteiro tinha se passado.

Kaito e tudo o que ele dissera a tinha desestruturado. Não se lembrava de ler nada a respeito de Maya ou qualquer outra garota específica, e muito menos de ver algum traço de vaidade em Kurama descrito no livro.

Bateu as mãos na pia com raiva. Aquele rapaz pegara no ponto fraco dela, fazendo-a lembrar-se de coisas que queria esquecer. Sobre seu passado, sabia apenas que fôra pega pela guia espiritual que se encarregara da alma de seus pais, mortos num acidente na pequena indústria da cidade onde moravam. Conforme Ayame tinha lhe contado, a guia que trabalhava na época ficou com pena de deixá-la sozinha, pois a vizinha de seus pais era uma mulher de má índole, suspeita de explorar sexualmente crianças.

Ayame contou ainda que o que a tal guia fizera infringia as regras do Renkai e ela arrumou uma briga feia com Enma Daioh por causa disso, mas, no final, meio a contra gosto, ele resolveu abrigar a criança em troca de Mitako (esse era o nome dela) ir morar no mundo dos homens e nunca falar absolutamente nada sobre seu real passado. Caso a menina perguntasse ou se lembrasse de algo, deveriam fazê-la achar que não passava de bobeira da cabeça dela. Ela deveria ser tratada como um ser espiritual e agir como tal. Na época, Botan não devia ter mais que dois anos.

Claro que com o passar do tempo, ela ficou sabendo de toda a história, porque, ironia ou não, quase todos os assuntos secretos eram compartilhados, de forma clandestina, no Renkai. Todo mundo sabia de (quase) tudo e fingia não saber de nada.

Assim, ela passou a viver no Renkai, como uma aprendiz do mundo sobrenatural. Estudava os livros, acompanhava o trabalho das outras guias e era proibida de fazer outras perguntas que não fossem pertinentes à rotina do lugar. Até já tinha pensando em procurar Mitako, contudo, tinha medo de alguém descobrir e ela também ser expulsa.

–Mas, você tem seus amigos, eles não te deixariam na mão – tentava sempre colocar isso na sua cabeça, contudo, o medo era bem grande e ela não queria arriscar, mesmo que a vontade de conversar, pelo menos um pouco, com a ex guia espiritual mexesse muito com ela.

Apesar de ser aberta a novas amizades, não podia dizer o mesmo do seu coração. Tantas histórias ¹ningens que ela ouvira de decepções, de amores não correspondidos a faziam ficar cada vez mais medrosa... E justo naquele momento que a vida estava lhe dando oportunidades pra ver que as coisas poderiam ser diferentes, vinha esse ser invejoso despertar todos seus medos de novo.

Será possível que estaria tão errada em acreditar nos possíveis sentimentos de Kurama por ela?

–Não seja criança, Botan, não caia na conversa do Kaito! Kurama não é essa pessoa que ele disse! Olhe com atenção, olhe! – ela disse em voz alta, num esforço grande para se convencer de que toda aquela conversa era apenas uma pedra no caminho. Sentia seu coração dividido, apreensivo e, no fundo ela sabia que não bastava se convencer de que tudo não passava de mentira; ela precisava ver como as coisas seriam depois que essa batalha passasse.

Consultou o relógio, respirou fundo e resolveu sair. Dali a pouco, deveriam desembarcar e ela não poderia ficar trancada no banheiro.

Cena 2

–Sabe o melhor jeito de matar um inimigo? Com veneno... – Kaito falou em voz baixa pra Yanagisawa logo que sentou na poltrona.

–Veneno, por quê? – perguntou, não estranhando aquele assunto tão repentino, afinal, conhecia Kaito há um tempo e sabia que ele era cheio de vir com conversas fora de contexto, repentinamente.

–Porque você proporciona uma morte lenta, que vai prejudicando cada órgão do corpo aos poucos e o envenenado não se dá conta, só quando é tarde demais...

–Você quer matar alguém assim? – Yanagisawa perguntou com curiosidade fingida, já que ele sabia bem quem era o inimigo de Kaito e deduziu que a conversa deveria se tratar disso.

–Eu? Imagina...

–Não quero chover na sua horta, mas você acha mesmo que vai conseguir fazer alguma coisa contra o Kurama? Mesmo você sendo tão inteligente, não vai ser fácil fazer algo contra um demônio milenar, mesmo em forma humana!

–E quem disse que quero fazer algo contra ele?

–Não quer? – foi a vez de Yanagizawa perguntar desconfiado – e o que quer dizer essa conversa de matar e veneno?

–Foi só um comentário... – Kaito respondeu de forma misteriosa, dando um sorriso que Yanagizawa conhecia.

–Kaito, o que você vai fazer?

–Já fiz – disse, olhando pra janela.

–O que você fez? – o amigo ficou extremamente curioso, afinal, eles estavam naquele trem a pouco mais de 20 minutos, como ele poderia ter feito algo nesse tempo?

–Só joguei um pouco de veneno na plantinha do Minamino.

–E que planta é essa?

–Uma flor chamada Peônia, conhece?

Nesse momento, os dois viram Botan passar para o outro lado do vagão, ela parecia atrapalhada e estava com cara e choro, fazendo com que Yanagizawa compreendesse o que Kaito queria dizer.

–O que fez com a menina? Não tenho nada a ver com essa sua guerrinha com o Kurama, mas envolver a garota já é demais! – o amigo olhou de forma reprovadora.

–Envolver? Eu te garanto que ela está mais envolvida do que eu pensava! Ela gosta dele, tenho certeza, e o melhor: ele sente algo por ela...

–Como pode saber? Pelo que percebi, Kurama é bonzinho com todo mundo...

–Ele é, mas acredite: eu estou cansado de vê-lo na escola rodeado de meninas e posso afirmar que ele não olha pra nenhuma delas como olha pra Botan.

–E você vai estragar tudo com suas mentiras, Kaito... Quanta originalidade! Me soa tão novela mexicana!– Yanagisawa zombou, dando uma risada relativamente alta.

–Cala boca! Não pedi sua opinião em nada! – o moreno sussurrou de forma zangada – e fale baixo!

Os dois ficaram em silêncio por alguns segundos, até que Kaito resolveu falar:

–Eu só quero que ele sinta como é quando a gente quer muito uma coisa e vem alguém e atrapalha nossos planos...

–E acha que vai dar certo essa sua vingancinha? –Yanagizawa perguntou em tom de deboche, considerando o quanto seu amigo era mesmo um grande recalcado.

–Não tenho nada a perder, afinal, tudo que eu queria, eu já perdi!

–Quanto drama por um teste de escola...

–Não é um simples teste! – Kaito perdeu a noção e se exaltou, falando um pouco mais alto do que calculara – E, sim, o que ele carrega...

–O título de melhor aluno da escola Meiou, já sei, já sei... – respondeu de forma aborrecida - Mas, entre nós, eu podia jurar que você sentiu uma quedinha pela Botan... Sério!

–Você não entende nada mesmo! Ela não faz meu tipo... – Kaito respondeu um pouco tenso.

Yanagisawa deu uma risadinha cínica e se calou. Ele sabia que o amigo estava mentindo, pois tinha demonstrado interesse pela garota desde o episódio da mansão, à maneira dele, claro, mas ainda assim era um interesse; contudo, a inveja era muito maior do que qualquer sentimento, maior até do que seu bom senso. Kaito queria se meter onde não devia? Não seria ele que iria impedir, visto que ele estava lá por uma missão e não pra compactuar com as besteiras do rapaz de óculos. Se o amigo queria aproveitar pra fazer joguinhos, o problema era dele e que arcasse com as consequências. O rapaz de cabelos arrepiados não acreditava que ia ficar por isso mesmo.

–Kurama vai descobrir...

–Não acho que a Botan vai falar alguma coisa. Meninas são inseguras com esses assuntos e, se eles ainda não têm nada, ela não vai querer cobrar alguma coisa, ainda mais depois do que eu disse. E se ele descobrir, pra mim é indiferente, não tenho medo dele.

–Quanta segurança! Então tá, não tá mais aqui quem falou... – Yanagisawa ficou calado alguns instantes antes de dizer – pelo menos essa história tem um lado bom: se o Kurama te matar, adivinha quem vai levar o seu espírito? Hahahahaha!

–“Hahaha”, vai rindo, noveleiro... Como você é idiota! – Kaito resmungou enquanto folheava um pequeno livro de bolso.

Cena 3

Botan sentou-se na poltrona. Kurama acompanhou-a com olhar, observando como ela parecia um pouco sem graça.

–Melhorou? – perguntou, assim que ela se sentou.

–Sim! – respondeu rapidamente tentando mudar de assunto– será que vamos demorar muito pra chegar?

–Dentro de 15 minutos devemos desembarcar...

–Tá... – ela deu um sorriso apagado e virou-se pra janela, evitando olhar para o lado. Estava receosa com os últimos acontecimentos. Não queria se mostrar frágil, nem queria falar pra Kurama o que Kaito dissera. Todos estavam em uma situação tão delicada, no meio de uma grande batalha e ela não seria a responsável por causar qualquer atrito entre eles.

Kurama ficou quieto procurando sentir como estava o clima. Tinha certeza de que quando Botan saíra, estava tudo bem entre eles, agora, sabia que ela estava mal com alguma coisa. Virou-se, ficando muito próximo a ela, sua perna encostando-se à coxa dela.

–Botan, por favor, me responda, você conversou com Kaito aqui no trem? – perguntou baixo, olhando-a nos olhos.

A guia sentiu sua respiração alterar muito e engoliu seco. Por acaso esperava que Kurama não fosse querer saber o que estava acontecendo? Ela não queria mentir e não iria.

–Conversei... Coisa rápida! – ela abaixou a cabeça, depois de olhá-lo rapidamente.

–Não me prive do seu olhar, por favor... – pediu, tocando de leve, no queixo dela – o Kaito disse algo que te magoou?

Os grandes olhos cor de rosa olharam-no: eles estavam úmidos. Eles ficaram se olhando por um momento. Mesmo na situação em que estava, Botan se sentia confortada por aqueles olhos verdes.

–Não foi nada de mais... Só estou preocupada com o confronto de vocês, é isso– ela disse, numa tentativa quase inútil de não jogar mais lenha naquela fogueira.

Kurama olhava pra ela em silêncio, dando-se conta de que suas suspeitas se confirmaram e, embora ele não soubesse com detalhes o teor daquela conversa, não era difícil imaginar que Kaito, de alguma forma, tentara afetar o relacionamento dos dois; porém, as coisas não ficariam assim de jeito nenhum.

–Botan... -ele falou baixo – Posso te pedir uma coisa?

O coração da guia disparou de forma descontrolada. Dada toda aquela situação, o que ele poderia pedir? Ela assentiu com a cabeça.

–Você pode confiar em mim?

–Eu confio em você! – ela pareceu ofendida com aquele pedido– Por que está falando isso?

Kurama tomou a mão dela com carinho, afagando-a de leve.

–Às vezes, por mais que se cuide de um jardim, as ervas daninhas se instalam e tentam enfraquecer as flores... – o ruivo abaixou o tom de voz –E eu não vou deixar isso acontecer...

–Kurama, eu não entendo por que está falando isso... – a guia tentou disfarçar, piscando seus grandes olhos rosados, mas ela estava confusa. As metáforas de Kurama às vezes faziam-na ficar na dúvida se estava entendendo as coisas certas – Por favor, não se preocupe com isso, só estou ansiosa...

Ele sorriu de forma calma, olhando-a profundamente – Só quero que saiba que não vou deixar nada e nem ninguém roubar sua beleza e alegria... – ele acariciou o rosto dela – Pode confiar em mim...

Ela fechou os olhos se deliciando com o toque sutil. Encarou o ruivo, tentando ler alguma coisa em seu olhar e o que ela viu foi a serenidade personificada no verde profundo. Aqueles olhos eram tão sinceros, tão honestamente claros. Kurama não podia estar mentindo e as teorias de Kaito não deviam ter nenhum fundo de verdade. Aqueles olhos não podiam mentir.

Botan sentia seu rosto esquentar pela proximidade em que estavam. Kurama sorriu e virou-se pra frente, contudo, enlaçou sua mão esquerda na mão direita da guia.

–Está com frio? – o ruivo indagou, sentindo a mão gelada da garota. A pergunta fez a guia aconchegar mais ainda sua mão na dele, deixando o receio inicial de lado. Apesar de ainda sentir uma mágoa fininha incomodando seu peito, permitiu-se ser levada pela vontade.

–Estou... Pode esquentá-la pra mim? – ela arriscou olhar para ele, a voz um pouco falhada pelo nervoso e as bochechas vermelhas, combinando com o nariz, que ainda mostrava sinais das lágrimas derramadas minutos atrás.

Kurama trouxe a mão que segurava pra perto do abdômen e, cobrindo-a com sua mão esquerda, fazia uma leve carícia com seu dedão.

A guia encostou a cabeça na poltrona e fechou os olhos, que estavam cansados pelo choro, esboçando um leve sorriso, que fez crescer dentro do ruivo uma motivação ainda maior de cuidar daquela garota.

Kurama também encostou a cabeça no assento e se permitiu fechar os olhos, imitando a atitude de Botan, entretanto, sua mente estava agitada. Sabia que a hora de agir tinha chegado e ele faria o que fosse preciso pela garota dos olhos rosados ao seu lado.

Cena 4

Após o desembarque, o grupo percorreu um caminho relativamente estreito que fora aberto na mata que levava até a caverna Irima. Diferentemente de quando estavam se dirigindo para a estação de trem, todos agora permaneciam calados e o único som que se ouvia era dos passos e respirações mais marcadas por conta da caminhada. Aquele silêncio anunciava a verdadeira batalha que, de fato, começara.

Em seus pensamentos, Kaito tentava entender o que tinha acontecido com a guia e Kurama depois que ela voltara do banheiro. Não admitiria pra ninguém, mas a questão levantada por Yanagisawa que Kurama iria descobrir o que ele dissera a Botan estava incomodando-o. Será possível que a garota tinha aberto a boca e contado tudo que ele lhe falara? Bom, se isso acontecesse era óbvio que Kurama ia negar, dizendo que tudo não passava de mentira e ela, do jeito que gostava dele, era bem capaz de aceitar as defesas.

Cogitava a hipótese observando que, mesmo no silêncio, tanto Botan como Kurama pareciam estar em sintonia. Essa constatação o deixou irritado, afinal, não era possível que tudo o que ele dissera tivesse caído por terra. A guia tinha ficado abalada e descontrolada, claro que tinha! Não poderia estar bem em tão pouco tempo.

Kaito olhou de canto pra Kurama e observou que ele estava calmo, nenhum sinal de tensão ou preocupação. Talvez ele estivesse se anteciapando.

–Calma, sementes não germinam de uma hora pra outra... – formulou a conclusão em pensamento, se convencendo de que, independentemente de qualquer coisa, a guia estava pensando no que ele falou; era só esperar esses pensamentos criarem raízes.

Não demorou muito pra que encontrassem a entrada da caverna, pois havia um carro parado em frente da mesma. Certamente esse veículo teria sido usado pelo bando de Sensui para capturar Kuwabara. Para a surpresa de todos, a uns 300 metros, Yusuke e Hiei despontavam, causando suspiros de alívio e sorrisos.

–Agora o time está completo. – Genkai disse, olhando pra o restante do grupo.

Cena 5

Os sete caminhavam ao encontro de Game Master. Botan foi a única que não os acompanhou, ficando do lado de fora da gruta. Uma tensão quase palpável podia ser sentida, mistura da ansiedade pela batalha com o aliado de Sensui e de uma guerra particular entre dois rapazes do time Urameshi.

Apesar de ambos demonstrarem uma aparente normalidade, era visível a antipatia que tinham um pelo outro. Genkai, Yanagisawa e Yusuke já tinham decifrado a xarada, sabendo que a energia modificada dos dois ia mais além do que uma rixa escolar. Hiei, por outro lado, estava alheio ao real motivo da tensão entre Kaito e Kurama, embora estivesse claro que algo estava acontecendo. Mesmo assim, todos optaram por fingir que não sabiam de nada. Que eles se resolvessem.

Mitarai havia comentado que a grande maioria do trajeto para o interior da caverna era composto por bifurcações que acabavam se encontrando alguns metros depois, contudo, apesar dessa informação fazer o caminho parecer relativamente fácil, na prática era bem diferente. Se não fossem as flores lanternas que Kurama tinha providenciado, mesmo Mitarai, que já tinha certa familiaridade com o trajeto, encontraria dificuldades para seguir em frente. A escuridão parecia menos densa com elas.

Todos caminhavam juntos, quando, de repente, as flores se apagaram e um profundo escuro tomou conta da caverna, impedindo a visão do grupo.

Kaito ficou amedrontado com a escuridão, e os medos que rondavam sua mente se personificaram quando entrou na caverna. Mesmo lutando contra seus pensamentos, eles o traíram falando em alta voz que agora era hora do acerto de contas.

Em instantes a luz retornou e Kaito observou que estava sozinho no meio da bifurcação. Onde estariam todos os outros? Sentiu um calafrio percorrer seu corpo e virou-se, dando de cara com Kurama, que estava encostado na outra parede do túnel. O semblante do rapaz ruivo estava, para completo desconforto de Kaito, indecifrável.

–Nossa! O que foi isso? Não sabia que plantas luminosas tinham queda de energia... – apesar do nervosismo, Kaito falou, procurando demonstrar indiferença com o que estava acontecendo.

–Vamos deixar as formalidades de lado e partir logo para o que interessa... – Kurama respondeu de forma fria e pausada, fazendo com que Kaito começasse a se preocupar ainda mais com o que iria acontecer.

–O quê? – a voz do colega de classe saiu um pouco abafada e o ruivo continuou, ignorando totalmente a pergunta feita.

–Kaito, se você por acaso fez alguma coisa para magoar a Botan, vou lhe dar a chance de se desculpar com ela e não se aproximar mais. Estamos numa situação extremamente difícil e eu não quero ser obrigado a me indispor com você – o ruivo falou de forma calma, porém firme.

O rapaz moreno ajeitou os óculos, impaciente com aquelas palavras tão diretas.

–Eu, não sei do que você está falando! É fato que a Botan é muito sensível e chora por qualquer coisa, mas eu não vou ficar pisando em ovos para falar com ela e dar minhas opiniões sobre o que eu acredito ser certo. – Kaito respondeu, pigarreando.

–Pois eu sugiro que guarde suas opiniões para você, ainda mais se elas forem magoar a Botan. Vou te aconselhar a ficar bem longe dela... – respondeu, encarando Kaito com seriedade e sem vacilar. Seu colega não se mostrava muito hábil para camuflar a inquietação que o dominava.

–Eu estou entendendo direito ou o doce Minamino está me ameaçando? – tomou coragem pra provocar o ruivo.

–Se quer entender como uma ameaça, fique à vontade. Só estou te dando um aviso, porque quem avisa amigo é e, por enquanto, eu ainda sou seu amigo.

Kaito sentiu o sangue ferver de raiva. Não bastasse a humilhação que Kurama impunha toda vez que ficava em primeiro lugar no teste geral da escola, agora ele tinha o topete de falar com ele daquele jeito; era demais.

–Agora você passou mesmo dos limites, Minamino! Quer me dizer com quem eu devo ou não conversar e o quê? A Botan é alguma propriedade sua? Aqui não é a escola onde você é o reizinho e todo mundo abaixa a cabeça para o que diz... E eu não sou seu súdito pra te obedecer! – estava ofegante por ter dito tudo num fôlego só.

–Não sabia que você me considerava tanto assim pra me chamar de rei – Kurama soltou um meio sorriso que fez com que a indignação de Kaito só aumentasse. O rapaz ruivo que ele conhecia estava se mostrando bem diferente daquele que estava ali, na sua frente. Medo, indignação e raiva borbulhavam dentro do rapaz de óculos.

–A única coisa que eu te considero, Minamino, é um grande metido, que age como se todos vivessem para te admirar. Quer sempre ser o melhor em tudo e anda por aí desfilando essas gentilezas forçadas para um bando de garotinhas idiotas que babam por qualquer coisa que você fale!

Kurama se endireitou e caminhou alguns passos em direção ao seu oponente.

–Eu não preciso de títulos e não vou deixar de ser quem eu sou para fazer você feliz. Faço o melhor que posso em tudo e, sinceramente, não me importo nenhum pouco se você vai se doer com isso, porém, se ousar machucar um dos meus amigos, eu cometo uma loucura. Já te avisei isso aquele dia na mansão, mas parece que não entendeu meu recado. – os olhos dele se estreitaram de forma muito perigosa.

–Alto lá, Kurama! O que pensa que vai fazer? Me matar? Você não seria louco de colocar as mãos em mim, afinal, o que seus amigos iriam pensar de você? O sempre gentil Kurama perdendo a cabeça? E o que dizer de sua querida Botanzinha? Ela ficaria extremamente decepcionada com essa atitude! – Kaito estava agitado e se afastando cada vez mais. Onde será que o restante do grupo estava? Era óbvio que o medo estava à flor da pele.

–Não se preocupe com a Botan, Kaito... Eu sei cuidar muito bem dela e se você se considera um cara tão inteligente assim, siga meu conselho: afaste-se. Se tem problemas comigo, resolva comigo, agora, se você continuar sendo covarde e medíocre, prejudicando as pessoas de quem eu gosto para me atingir, pode ter certeza de que não vai haver perdão. Eu te asseguro que você não me conhece nem um pouco... – Kaito sentiu sua espinha gelar pelo grande calafrio que percorreu seu corpo quando ouviu essas palavras; e não somente isso: o olhar que Kurama lhe lançara o fez tremer. Era um olhar frio, calculado, soberano, de alguém que conhece meio terríveis para castigar aqueles que atravessam seu caminho. Talvez Yanagisawa tivesse razão: mesmo com toda sua inteligência, o que ele poderia fazer contra a força de um demônio lendário?

O jovem de óculos estava paralisado, sua boa estava seca, mas ele precisava falar alguma coisa, qualquer coisa!

–Ne, Ne, nem pense em fazer algo comigo, Minamino, estou te avisando!- a voz de protesto saiu tão trêmula que Kurama achou que Kaito fosse fazer xixi nas calças. Ele tinha dado o último passo para trás e só o que encontrou, foi a parede fria do outro lado do túnel.

–Quem tem que pensar é você, Kaito, e muito bem: ignore o que eu disse e sofra as consequências... A escolha é toda sua... – finalizou observando a cor fugir do rosto de Kaito. Ele suava frio.

–Tomara que você morra lutando e que Sensui faça em pedaços essa sua arrogância! – com muito esforço, arrancou as palavras que estavam presas na boca do estômago pra tentar responder à altura as ameaças que Kurama lhe fizera, contudo, ele sabia que tinha sido, mais uma vez, derrotado.

A pouca iluminação que ainda existia desapareceu logo após Kaito proferir essas palavras e isso bastou para ele entrar em pânico. Tudo estava completamente escuro e ele não sabia o que aconteceria. Será que Kurama teria coragem de acabar com ele? Suas certezas de que isso não aconteceria evaporaram como água exposta ao sol quente.

Kaito sentiu algo áspero se enrolar no seu pescoço e isso o apavorou mais ainda, fazendo com que gritasse loucamente e saísse correndo na direção que lhe parecia ser o começo do túnel. No trajeto, ele gritava e se estapeava tentando livrar-se daquela coisa que enlaçara seu pescoço e estava sufocando-o.

–Socorro, socorrooooo! – se esforçava pra pedir ajuda, mas parecia estar sozinho.

Quando sentiu que seu fôlego estava quase se acabando, misteriosamente, a claridade das flores lanternas voltou e ele percebeu que estava caído no meio de pedras, perto da entrada de outra bifurcação, sendo observado pelos seis integrantes do grupo, todos com cara de riso, inclusive Kurama.

–Que que tá acontecendo, meu filho, pra que essa gritaria? Vai me dizer que tem medo de escuro? Hahahaha – Yusuke debochou sem a menor cerimônia, enquanto olhava a cara de ponto de interrogação lavada de suor do rapaz de óculos.

–Eu, eu... – Kaito tomou fôlego, enquanto passava a mão no pescoço verificando que aquilo que o estava sufocando tinha desaparecido. Levantou-se furioso e ofegante, apontando o dedo pra Kurama.

–Esse miserável tentou acabar comigo!

–Por acaso bateu a cabeça em algum lugar? Pare já com essa baboseira e vamos em frente! Não sei por que diabos você resolveu se afastar do grupo num momento como esse! – Genkai falou nervosa, lançando um olhar duro pra o jovem.

–Não me afastei! No mínimo, foi o Kurama quem fez isso porque ele quer me matar! – Kaito gritou, mas mal pronunciou essas palavras sentiu-se caindo no chão violentamente, por causa da pancada que recebeu no rosto. O gosto de sangue invadia sua boca.

–CALADO, KAITO! Estou cheia desse seu discurso e das suas invejas! Estávamos todos juntos aqui, claro que Kurama não fez nada para te matar! Mas bem que poderia ter feito... – a mestra parecia bem irritada com tudo que estava acontecendo.

–Essa velha não é mole, não! Com esse soco o cara vai demorar uma semana pra abrir a boca! Hahahaha! – o detetive não perdia uma oportunidade de tirar sarro de alguém.

–Vamos, levante-se daí! O tempo é curto e não podemos ficar com palhaçada! Ahhhhh! – Genkai seguiu extremamente mal humorada. Yanagisawa ajudou Kaito e se levantar, mas não ousou falar nenhuma palavra. O semblante do amigo estava péssimo pelo soco que recebera de Genkai, mas também pela humilhação que ele estava sentindo. Não era preciso ser nenhum gênio para ver.

–Kurama, eu te juro: quero morrer seu amigo... hihihihi – o detetive cochichou a frase para o companheiro, que apenas deu um sorriso discreto.

O grupo seguiu até o território de Game Master para iniciar a batalha seguinte, pois só assim, poderiam obter passagem para o fundo da caverna, onde estava Sensui e o refém, Kuwabara. Diferentemente dos outros inimigos, o atual oponente não passava de uma criança com incríveis habilidades para materializar o mundo dos jogos eletrônicos. Nenhum combate seria corpo a corpo, tudo aconteceria através do vídeo game e suas diferentes fases, ou seja, força espiritual e física não serviriam para nada nesse momento. O que contava era saber jogar.

Apesar de todo esse cenário de aparente diversão, Kurama não pode deixar de perceber a real intenção de tudo isso. O inimigo estava tentando ganhar tempo, fazendo com que eles ficassem jogando naquele território até que o túnel das trevas fosse concluído. Não havia como escapar, pois se desistissem, morreriam (igual acontece nos jogos).

Porém, havia uma maneira: derrotar Game Master e essa derrota não seria restrita ao jogo: o garoto iria perder a vida. Certamente, Sensui calculou que ninguém ousaria vencer Amanuma e estava seguro disso.

O jovem de olhos verdes entretanto tomou a frente para fazer o que precisava ser feito: numa batalha de tetris, o pequeno parceiro de Shinobu foi vencido. Kaito presenciava tudo com uma expressão dura e desgostosa no rosto. Sentiu o ápice da sua humilhação ao ver Kurama derrotar Amanuma e ganhar, mais uma vez, a admiração de todos pela coragem e inteligência. O soco que recebera da mestra, com toda certeza, não causara tanta dor como a que ele sentia em ter seu ego despedaçado pelo colega de sala. E ainda se lembrava da zombaria que Yusuke lhe dissera:

–Kaito, presta atenção no que eu vou te falar, filho: para de querer garfar o bandeco do Kurama que você vai se dar mal...

Após esse confronto, que liberou a passagem para o local onde estava o resto do bando de Sensui, o grupo seguiu adiante, em busca do centro do buraco do Makai, com exceção de Genkai, Yanagisawa e Kaito que voltaram para a entrada da caverna.

Na saída, encontraram Botan sentada no chão com uma expressão assustada. Ela correu na direção deles, preocupada, ainda mais por ver aquela criança desacordada nos braços de Yanagisawa.

–Meu Deus, o que aconteceu com esse garotinho? Os meninos estão bem? – a jovem de cabelos azuis interrogou a mestra com ansiedade.

–Eles prosseguiram para resgatar Kuwabara...estão bem, apesar da morte de Amanuma. Kurama teve que tomar uma decisão difícil – respondeu pausadamente.

A guia sentiu uma forte angústia se apoderar dela. Então Kurama tinha sido o responsável pela morte daquela criança? Estava em choque com essa declaração.

–Não fique com essa cara, nem tudo está perdido... – apontou na direção da caminhonete, onde Yanagisawa tinha depositado o corpo de Game Master – vamos aguardar a chegada de Koema.

Botan se conformou por hora e se põs a reparar que Kaito dera as costas ao trio e se dirigia ao caminho que levava a estação de trem.

–O que aconteceu com o Kaito? – a guia perguntou baixo pra Genkai e o rapaz de cabelo arrepiado.

–Eu acho que agora ele aprendeu a lição que deveria... – Genkai respondeu, cansada, sentando-se no chão.

–E ninguém melhor do que Kurama para mostrar isso... – Yanagisawa falou, olhando para o céu e parecendo distraído.

–Não entendi... – a guia balbuciou, fitando a mestra e Yanagisawa seguidamente.

–Só entenda o seguinte Botan: você está em ótimas mãos, não se esqueça disso – a mestra encerrou o assunto, olhando pra guia com um sorriso revelador – Kaito precisa de um tempo, não liguem pra ele. Yanagisawa confirmou essa informação assentindo com a cabeça e lançando-lhe um sorriso simples.

A guia respirou fundo e se afastou um pouco indo sentar novamente no lugar onde estava. O que será que tinha acontecido entre Kurama e Kaito? Sentia-se aflita por não saber desse conteúdo e também pela batalha envolvendo o jovem ruivo e o garoto Amanuma. Kurama jamais machucaria um humano...mesmo tendo uma boa razão, devia estar muito mal por isso. Colocou as mãos no bolso, sentindo um pedaço de papel no direito. Sem demora, pegou-o e leu seu conteúdo:

–Botan? – uma voz conhecida a chamou por telepatia, fazendo com que ela se assustasse, pois nem imaginava que aquela pessoa possuísse essa habilidade.

Maquinalmente, virou-se na direção em que Kaito estava e viu que ele estava olhando pra ela. Não conseguiu responder nada, mas não precisou, pois ele continuou a falar:

–Eu menti pra você...

Ela demorou um pouco para responder

–Eu imaginava que sim... – disse fracamente, sentindo um desconforto por lembrar-se das palavras de Kaito durante a viagem.

Só não menti em uma coisa... Sobre o que está escrito nesse papel

Botan amassou levemente o papel em sua mão.

–Você sabe que eu não posso retribuir...

–Eu sei... – e virando-se de costas, pois se a caminhar – Nunca pensei que diria isso, mas, Minamino é um cara de sorte...

Botan sentiu lágrimas quentes encherem seus olhos, contudo se conteve para não derrubar nenhuma. A imagem de Kurama inundou-lhe a mente, fazendo com que ela sentisse uma saudade imensa e se arrependesse por ter duvidado das boas intenções dele em algum momento.

Os olhos cor de rosa olharam para o céu estrelado e Botan deixou que o nó do seu peito aumentasse ainda mais. Kurama e os outros, nesse exato momento, deviam estar lutando com Sensui. Isso provocou nela uma onda de preocupação e medo. Tudo que ela mais queria naquele momento é saber que tudo ficaria bem e que, em breve, veria aqueles olhos verdes olhando-a da forma como só ele sabia fazer.

–Kurama... Por favor, volte sã e salvo, pra mim...

"Floresce a ameixeira e canta o rouxinol,
mas eu estou só.
Quem me dera um pincel para pintar as flores da ameixeira com o seu perfume!
Pele alva, as violetas inclinam-se a ti.
Colhê-la, que pena! Não a colher, que pena!
Caídas das peônias, sobrepostas, duas ou três pétalas.
Não duvides, também a maré tem flores,
Primavera na baía e o vento de verão traz a mim
peônias brancas."

Que o vento me traga você, Botan...
Yuu Kaito

Continua...







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Notas finais do capítulo

Queridas...perdoem o super atrasado! Vou me esforçar pra não demorar tanto no próximo...fiquei enrolada aqui com as visitas que recebi no começo do mês!
Obs: o poema final é uma junção de fragmentos de "haiku", pequenos poemas japoneses de três versos, que expressam acontecimentos que impressionaram o poeta.



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