Deixe o Amor Nascer. escrita por Kira Urashima


Capítulo 12
As flores do jardim




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Fim de tarde, todos estavam cansados, mas incrivelmente felizes ao avistarem cinco vultos saindo da caverna Irima. Depois de todo aquele sofrimento e agonia, finalmente, eles estavam de volta. Sujos, visivelmente maltratados, mas, ainda sim, de volta.

–São eles! – Genkai anunciou animada enquanto a garota morena de vestido azul marinho saía correndo em direção aos rapazes. Lágrimas correm pelo seu rosto.

–YUSUKEEEE! – ela se joga nos braços dele que, estranhamente, está com os cabelos compridos e com desenhos tribais pelo corpo, mais bronzeado do que o habitual. O que significava isso? Será que Sensui era algum especialista em moda e resolvera dar uma recauchutada na aparência de Urameshi durante a luta?

–Cara, você ‘tá estranho... – a irmã de Kuwabara não hesitou em esboçar sua opinião sobre o novo visual de Yusuke.

–Ah, se essa moda pega... – Koema disse para si próprio.

No meio tempo em que os rapazes estavam na batalha com o ex-detetive Shinobu, muita coisa havia acontecido do lado de fora: Koema, em sua forma adulta, utilizara o poder espiritual contido em sua chupeta para ressuscitar o garoto Amanuma, morto por Kurama no confronto dentro da caverna. Keiko e Shizuka foram guiadas por Piu até a gruta Irima, onde se encontraram com Botan e Genkai. O pequeno pássaro de Yusuke seguiu sozinho caverna adentro, num comportamento típico de quando seu dono estava em perigo, e, para completar, o Rei Enma Daioh mandou o esquadrão especial do Renkai para fechar o buraco das trevas.

O grupo se uniu e todos se puseram a falar, perguntando sobre os últimos acontecimentos, sobre a aparência do detetive e de seu bichinho Piu, que estava enorme, sobre o fim de Sensui e outros detalhes da missão mais complicada que tiveram. A sonoridade das vozes ia aumentando, de acordo com a empolgação do assunto. Botan ria e prestava atenção em alguma coisa, mas seu olhar, insistente, mirava o rosto de certo rapaz, como se um ímã, em seu magnetismo invisível, a obrigasse.

Kurama sorriu de forma calma enquanto admirava os olhos cor de rosa: ela estava animada, naquele jeito de gesticular muito, sorrir largo e dar leves pulinhos ao falar. A voz, naturalmente fina, ficava mais aguda enquanto fazia gracinhas que arrancavam risadas do restante do grupo. Uma imensa sensação de alívio se apoderou dele; como era bom poder olhar mais uma vez para ela.

Eles se olharam por pequenos instantes, até que a timidez da guia a fez desviar o olhar para o outro lado. Ela corou, torceu as mãos e ajeitou os cabelos. Mentalmente, ensaiou formas para falar com o jovem de cabelos vermelhos, para engatar uma conversa, contudo, não conseguiu.

Todos se puseram a caminho da estação de trem, conversando alto. Um suspiro frustrado saiu da boca de Botan ao ver Kurama conversar com a mestra e Kuwabara. Com certeza, as horas que passara longe dele provocaram um retrocesso em sua mente e ela não sabia mais como se portar. Olhava de soslaio para os olhos verdes, sentindo a ansiedade gelar seu estômago. Ah, cadê a Botan espevitada e faladeira que todos conheciam? Era dela que precisava agora, no entanto, esta tinha ido embora, deixando-a sozinha na frente da batalha com seu coração.

Do outro lado, a energia agitada da garota de cabelos azuis era facilmente detectada por Kurama. Sabia o quanto ela ficava nervosa com sua presença, entretanto, sempre era bom perceber isso. Sentiu falta da aura azulada vibrando no ar, ritmada com o arfar do peito da guia como também do tom rubro que tingia o branco de seu rosto.

“ Sentir”...Esse verbo estava muito presente dentro dele, ultimamente, mas ainda não o suficiente para que as vontades o dominassem por completo; então, ficou mais alguns minutos conversando com Genkai e Kuwabara, procurando aparentar uma calma que estava a metros de distância dali. Todos seus sentidos estavam concentrados em Botan e nas olhadas furtivas que ela lançava-lhe. Mesmo assim, pelo hábito tão constante de um estrategista, forçou-se a esperar mais um pouco para ir até a garota.

“Forçar”... Essa não era uma palavra comum no dicionário do Youko. As pessoas eram forçadas a agir como ele queria, como reflexo dos seus cálculos, todavia, agora era ele que se obrigada a segurar a ânsia de ceder ao desejo de ir até lá. Ninguém o impelia a algo somente pelo fato de se alvoroçar pela sua presença, todavia, Botan estava se mostrando uma hábil quebra-regras.

Alguns minutos passaram até que Kurama se aproximou da guia com um sorriso doce:

–Como é bom estar de volta! Está tudo bem? – perguntou contornando o rosto dela com seus olhos verdes, não deixando escapar a menor reação a ele que aquela garota poderia produzir. Não queria admitir o quanto gostava de guardar as expressões faciais dela na memória.

–Muito bem agora! – o sorriso saiu fácil e contagiante e ela se perdeu naquele rosto alaranjado pelo pôr do sol. Botan mordeu o lábio com ansiedade, segurando outras palavras que teimavam em querer sair. Essas eram as mais perigosas e, fatalmente, a deixariam em apuros. Tinha que se conter para não falar demais.

A vontade que estava de reencontrar Kurama era imensa... Só mesmo Deus sabia o quanto sofrera durante a espera pelo término do último confronto. Não pôde deixar de sentir inveja de Keiko ao vê-la nos braços de Yusuke, pois a vontade que ela tinha de fazer o mesmo com Kurama era enorme, mas sabia que não podia.

Keiko e Yusuke tinham uma história e, embora ninguém assumisse nada, era evidente e subentendido que eles eram um casal. Keiko era a garota de Yusuke e todo mundo sabia disso. Agora, ela e Kurama... o que eram? Ela não sabia que reação o rapaz de olhos verdes teria se ela, simplesmente, se atirasse em seus braços, dizendo o quanto estava com saudades.

–Senti sua falta... – o rapaz ruivo falou baixo, preservando aquela frase somente para guia, pois notou que o volume da voz de seus amigos tinha diminuído um pouco.

A garota de cabelos azuis pisou em falso e quase foi para o chão, se não fosse o braço de Kurama contornar-lhe a cintura e lhe segurar. As mãos dela, num reflexo, cravaram-se nos braços dele, aumentando ainda mais a aproximação entre os dois.

Botan ofegava e seus olhos pareciam ondulações de um riacho agitado. Kurama estava corado ou era impressão sua? Talvez fosse o reflexo de seu próprio rosto em chamas ao sentir a pressão do braço dele em seu corpo e o toque sutil das mechas vermelhas que roçavam levemente em suas bochechas.

Silenciosamente, os olhos verdes aprofundavam-se dentro dela. A respiração mais marcada tocando seu rosto e o contato com a pele através das fendas na roupa rasgada de Kurama faziam suas pernas amolecerem. Ele a levantou e, sutilmente, puxou-a para mais perto de si. Aquele reencontro trouxe em suas mãos desejos inexplorados; os olhares que, trocados, mostraram uma urgência que Kurama não tinha previsto.

A cena não passou despercebida pelo restante do grupo.

– Esse Kurama não é fraco, não! Olha lá, nem esperou o corpo esfriar da luta já tá esquentando ele de novo! Hahahaha – Yusuke chamou a atenção de todos com o comentário malicioso e nada discreto, gerando desde risadinhas até repreensões de Keiko.

Botan ficou mortificada com a situação. Olhou para o jovem ruivo totalmente apreensiva, amaldiçoando o detetive por ter uma boca tão grande, porém, qual não foi sua surpresa ao ver que Kurama não mostrou nenhum sinal de desaprovação pela brincadeira, ao contrário, deu um leve sorriso, retirando as mãos da cintura dela com suavidade. Chamou- a com o olhar pra que ficassem mais perto do grupo, evitando assim mais piadinhas por parte do detetive.

Foi uma constatação interessante. Mesmo que odiasse esse tipo de brincadeira, era bom a turma começar a perceber que existia um clima acontecendo entre ela e o rapaz ruivo. Se ela não estivesse errada, era esse mesmo o rumo que a situação deveria tomar.

Se eu não estiver errada...

Do outro lado da questão, sem que a guia soubesse, Kurama experimentava uma irritação incontrolável pela falta de tato de Yusuke. Será que ele não podia deixar passar uma que fosse? Considerando que ele não conseguia tomar nenhuma iniciativa com Keiko, era de se esperar que fosse tão afoito para essas coisas. Estranhamente, a postura de cupido do amigo o incomodara bastante. Se alguém precisava de um empurrãozinho, não seria ele, Kurama.

O ruivo olhou para Botan que fora uns três ou quatro metros a frente, conversar com Keiko, e considerou que era hora de estar com ela num lugar onde o detetive não pudesse despejar suas gracinhas e atrapalhar.

–Não sei como você tem paciência com Yusuke... Eu já teria mandado ele cuidar da vida dele há muito tempo... – Shizuka fumava calmamente e caminhava ao lado de Kurama.

–Com o Yusuke eu tenho que ter paciência, afinal ele ainda não tem muita experiência... Mas eu concordo com você, ele realmente deveria cuidar da vida dele, as coisas por lá estão bem paradas...

–Pois é, tenho dó da Keiko... Gostar de homem mole é um saco mesmo...

–Como você é malvada...

–Não sou malvada, a incompetência das pessoas é que me irrita... – a loira respondeu com a maior naturalidade, fazendo Kurama rir do comentário. –ainda bem que você não é assim, né, raposa? – Shizuka cutucou o ruivo, só para provocar.

Ele respondeu com um sorriso muito sedutor. Já avistavam a estação iluminada, pois a noite havia chegado.

Cena 2

Depois de tomarem o trem e desembarcarem na estação Okuda, todos se dirigiram para o templo de Genkai, afinal, era de praxe, após uma luta, descansarem um pouco entre amigos.

Chegando lá, Keiko e Genkai resolveram providenciar chá e alguma refeição, enquanto o restante do pessoal estava espalhado pelo templo: alguns na sala, outros deitados na parte de fora. Yusuke estava na cozinha, abrindo os armários descontroladamente e levando bordoadas da mestra por conta disso.

–Que chá o que, velha, eu preciso de comida, comidaaaa, entendeu?

–Saia já da minha cozinha, seu moleque!

–Yusukeeee, quer fazer o favor de esperar na sala? Anda logooo! – Keiko tratou de tomar uma iniciativa, empurrando o detetive para fora, pois, se continuasse ali, ia causar um estrago enorme na cozinha da mestra e esta, por sua vez, causaria um estrago ainda maior nele.

Koema não quis ficar muito porque, segundo ele, havia muita coisa pendente no Renkai que precisava ser acertada, afinal ele havia ficado muito tempo fora e tinha que ver como as coisas estavam.

–Acho bom você vir comigo, Botan, precisamos de você...

–Agora? Não podemos deixar para amanhã? – ela pediu num tom que beirava a súplica

–Não, tem que ser agora, o trabalho continua... – o príncipe respondeu cansado e jogando o cabelo liso para trás. A guia levantou-se, sem jeito e meio murcha, despediu-se de todos, sem saber quando se veriam outra vez. Koema era mesmo campeão em ser estraga-prazeres!

Ao dar uma última olhada de despedida, ouviu a voz de Kurama chamando-lhe:

–Ainda temos um jardim de hortênsias pra visitar, lembra? – ele encarou-a com uma expressão de espera.

A mente da guia clareou-se como o sol do meio-dia ao lembrar-se do convite que ele lhe fizera no trem, antes da luta com Sensui. Uma felicidade imensa cresceu dentro dela e se traduziu num grande sorriso.

–Claro que lembro! Quando? – a pergunta ansiosa fez Kurama sorrir.

–Amanhã, às 10h... Será que você consegue uma folga?

–Eu dou um jeito, pode deixar! – a resposta veio rápida, sem nenhuma hesitação e foi seguida por uma saltitante garota de cabelos azuis subindo no remo com um sorriso de orelha a orelha.

Enquanto Kuwabara contava, pela milésima vez, como tinha sido a luta com Shinobu, Shizuka, que observava a cena, tinha certeza que se tratava de algo relacionado com o rapaz de olhos verdes, apoiado em uma das pilastras.

Permitiu-se dar um sorriso discreto. Sua mente ocupou-se com algumas lembranças de uma certa noite que ela viveu e ainda morava lá em seu coração.

A loira jogou o cigarro no chão, depois de alguns minutos, entrando no templo.

Cena 3

Só depois de voar um pouco, a guia percebeu que não sabia onde era o tal parque e que nem sequer tinha combinado com Kurama onde iam se encontrar. Claro que ela sabia onde era a casa dele, contudo, seria um absurdo aparecer lá. Podia encontrar-se com Shiori... Melhor evitar isso! Ainda não era a hora de conhecer, oficialmente, a mãe de Kurama. Os pensamentos iam e vinham, deixando-a confusa

E quem te disse que vai conhecer a Senhora Minamino? – a frase duvidosa veio rápida, trazendo nervosismo para a garota, que preferiu respirar fundo e não se concentrar nos seus medos.

Mas, como resolveria essa questão do passeio? Não poderia voltar para o templo ou Koema teria um treco, já que estava mais azedo que um limão, e já tinha combinado com Kurama. Será que ele tinha algo em mente para vê-la?

Chegando ao palácio, havia um claro clima de tensão e todos olhavam para Koema e Botan pelos corredores como se eles estivessem caminhando em direção à forca. Funcionários das mais diversas atividades acompanhavam a dupla com olhares curiosos e medrosos. A guia se deu conta de que não tinha noção do quanto as coisas estavam complicadas por lá. Os dois entraram na sala de Enma Daioh e as palavras que ouviram foram, simplesmente, surpreendentes.

O rei Enma estava transfigurado, para dizer o mínimo. Seu hálito parecia ferver o ambiente e sua voz gerava golpes de ar que faziam a sala tremer. Botan sentia-se acuada e encolhia-se no canto do aposento, procurando manter o equilíbrio e a lucidez. Era como se nunca tivesse conhecido o governante do Renkai. Não entendia a razão de todas as grosserias que dizia. A discussão entre Koema e seu pai estava acalorada, até que chegou ao ápice:

–Não me interessa para onde vai, agora suma! Achei que estivesse maduro o suficiente para entender as decisões que são necessárias de serem tomadas, mas você não passa de um moleque! Um moleque que só quer dar ordens, mas é um covarde!

–E você... – apontou o dedo para Botan que enrijeceu o corpo de nervoso e medo – não pense que suas atitudes não estão sendo vigiadas! Tem deixado muito a desejar na realização do seu trabalho, permitindo que seu coração interfira nas suas ações.

–Senhor Rei Enma, eu...

–Não ouse me interromper! Você, mais do que ninguém, deveria valorizar o lugar em que está! Preste atenção no que está fazendo ou será a próxima da lista... Agora, SAIAM IMEDIATAMENTE!

Botan estava muito pálida quando saiu da sala e o príncipe guardava a expressão perplexa no rosto. Seu pai acabara de expulsá-lo do Renkai por tempo indeterminado, como punição pela desobediência dele em não cumprir as ordens de executar Yusuke.

Quase não dava para crer neste último fato. De detetive sobrenatural, o amigo tornara-se um alvo a ser exterminado e tudo tinha a ver com a aparência com que Yusuke saiu da caverna Irima: ele era descendente de clã maligno, ou seja, corria em suas veias sangue de youkais.

–Não consigo acreditar numa coisa dessas... – a guia pensava em voz alta, relembrando das palavras do Rei.

Koema mantinha-se em silêncio, enquanto os dois eram escoltados para fora do palácio.

–O rei Enma está sendo muito radical! Por mais que Yusuke seja um youkai, ele não faria mal a ninguém! Até agora, nunca traiu a confiança do Renkai e não fará isso!

–Eu sei, Botan... E por acaso não argumentei isso com meu pai? Mas, para ele, a transformação de Yusuke foi a gota que faltava. Youkais não são dignos de confiança e nunca se sabe quando vão mostrar sua verdadeira essência. Misturar humanos e demônios é arriscar a vida dos mais fracos. Não há como mantê-los juntos.

–O que vamos fazer agora? –a guia perguntou apreensiva com tudo que escutara, mas mantendo a esperança dentro de si. Logo, a poeira ia baixar e o senhor Daioh veria que estava se preocupando à toa.

–Agora, nós vamos sair daqui... depois pensamos. Creio que nada irá acontecer por hora.

–Eu levo você! Vamos para o templo da mestra, acho que ela não se importaria de te abrigar...

–Como se eu pudesse escolher... - o príncipe respondeu, frustrado, e os dois sumiram da vista dos soldados, entre as nuvens.

Cena 4

Botan e Koema não demoraram muito para avistar o teto cinza e as árvores que rodeavam o templo de Genkai.

Yusuke e Hiei estavam dormindo profundamente. Yanagisawa já tinha ido embora. O restante do grupo estava na parte da frente, conversando, quando avistaram a guia e o príncipe. Antes que alguém pudesse falar alguma coisa, Koema explicou tudo que aconteceu entre ele e seu pai, o que não causou surpresa em nenhum dos presentes.

–Bom, e eu preciso de um lugar para ficar... – ele finalizou, sentindo-se envergonhado pelo pedido, afinal, era muito orgulhoso e detestava depender do favor alheio.

–Pode ficar em casa, se quiser – Kuwabara falou buscando aprovação de Shizuka, que apenas acenou que sim, discretamente.

A intenção do príncipe era ficar no templo de Genkai, mas como a própria não se manifestou sobre isso, ele achou melhor não perguntar. Estava muito cansado para pensar em algo melhor. Por aquela noite, só queria um lugar pra descansar.

Sem mais delongas, o grupo partiu, despedindo-se da mestra e ganhando as ruas em direção a estação de trem. Aquela espécie de caminhada noturna deixara a guia animada. Embora estivesse horrorizada com a atitude do Rei Enma, o fato de Koema estar indo pra casa de Kuwabara e todos estarem juntos criava um ambiente mais humano, menos carregado. Era gostoso sentir a atmosfera assim.

Caminharam, a maior parte do tempo, em silêncio. Era visível a expressão de cansaço no rosto de todos. Botan, apesar de estar igualmente cansada, tentava engatar algum assunto, mas ninguém estava dando muita bola e ela recebia rápidas respostas que já encerravam o prenúncio de conversa.

Kurama curtia o silêncio de forma muito particular, concentrado na garota de cabelos azuis. Ela estava abatida, os cabelos pareciam pesados e pouco maleáveis e as roupas já não estavam tão alinhadas como antes, contudo, o brilho dos olhos dela não mudara em nada e nem o rubor da face branca ao mero sinal de interação com ele. O jeito dela, tão adolescentemente tímido o agradava, massageava seu ego de uma forma intensa, mesmo sendo tão previsível aos olhos dele.

–Você devia estar descansando, Botan... – falou-lhe mentamente.

–Nem estou tão cansada assim, além do mais, eu precisei acompanhar o Sr Koema, já que o Rei Enma escorraçou-o do Renkai.

–Parece que o ambiente por lá não está dos melhores– continuou.

Ela piscou os olhos com pesar:

–Não está... Nunca imaginei ver esse tipo de cena! Mas acredito que amanhã as coisas estarão melhores, assim espero!

–Talvez seja melhor adiarmos nossa visita ao jardim... – o jovem de olhos verdes considerou muito bem a frase que acabara de dizer, preocupado com os recentes acontecimentos. A corda sempre arrebentava do lado mais fraco, então não podia arriscar.

Os olhos rosados demonstraram um vislumbre de decepção, ele percebeu.

–Botan, acho melhor você voltar logo para o Renkai – o príncipe interrompeu os pensamentos de ambos. - Não devemos dar motivos para ficarem mais bravos do que já estão...

–Verdade, amiga... Deixa o Enma sossegar um pouco o facho, depois você vem nos visitar... – Shizuka acrescentou seu parecer de maneira tão despojada que chamou a atenção de Koema:

–Você tem um ótimo vocabulário... – respondeu, sacástico

–Obrigada, príncipe! – a moça loira retribuiu sem a menor afetação.

Kurama segurou brevemente na mão direita da guia e, sorrindo, despediu-se de todos, virando a esquerda no quarteirão seguinte. Diferentemente de quando se encontraram após o combate, o rosto de Botan tinha ficado apático e ela, antes de subir em seu remo, lançara-lhe um sorriso triste. Em sua insegurança, sentia algo abalar suas estruturas e nem sequer sabia do que se tratava.

Shizuka, Koema e Kuwabara seguiram seu caminho em silêncio. O cansaço havia vencido a vontade de qualquer comunicação.

–Ai, ai, que saudade da minha caminha... – Kazuma resmungou.

Cena 5

O dia estava ensolarado, porém fresco, perfeito para um passeio como aquele. Botan não se sentia muito à vontade com o vestido amarelo que usava, por ser um pouco largo, mas era o melhor que tinha conseguido.

A excitação que ela sentiu ao escutar a voz de Kurama em sua mente quando ainda estava no quarto foi indescritível. Ela ainda estava deitada preguiçosamente, remoendo seus pensamentos quando ele disse que a estava esperando nos fundos do palácio.

Sem demora, ela deu um salto da cama e, desesperada, andava de um lado para o outro no quarto, tentando encontrar a roupa mais apresentável que estivesse disponível para poder encontrar com o jovem ruivo.

–Meu Deus, ele é louco, vir assim sem avisar... Ai, o que eu faço? – ela falava consigo mesma, sem conseguir conter o sorriso de alegria que estampava seu rosto. Quase podia ouvir seu coração batendo forte, enquanto terminava de prender os cabelos e corria em direção ao fundo do corredor, que dava para um dos jardins.

Aquela área não era muito movimentada, mas, mesmo assim, Botan não conseguia entender como Kurama tinha entrado sem ser percebido.

–Algumas habilidades a gente nunca esquece... – ele respondeu com um meio sorriso, sumindo pelas nuvens com Botan. Claro que ela não tinha avisado ninguém que iria se ausentar, mas o dia estava calmo, era provável que não notassem sua ausência.

–Dane-se! – ela deu de ombros e permitiu-se inundar pela felicidade que reinava dentro dela. Olhando para o jovem ruivo que caminhava ao seu lado, teve certeza de que o dia iria ser perfeito.

Cena 6

Aquele jardim era mesmo lindo! Kurama não exagerara em nada quando falou daquele lugar: tinha cor, alegria, vida e uma mistura de cheiros que chegavam até a arder o nariz, mas que eram gostosos, frescos. Era um verdadeiro santuário natural no meio da cidade. Até as poucas pessoas que caminhavam por lá pareciam mais bonitas.

Os dois andavam na beira do grande lago central enquanto observavam as copas das árvores que se cruzavam, deixando o chão todo pintado pelas sombras das folhas iluminadas pelo sol. Botan parecia uma criança: tudo causava um brilho de satisfação em seus olhos e ela enchia Kurama de perguntas, contudo, a empolgação era tanta que ela nem esperava ouvir toda a resposta e já estava formulando novas perguntas sobre outros assuntos.

–E aquelas ali, quais são? – perguntou, apontando para uma área de aproximadamente 10 m² onde se reuniam flores amarelas e vermelhas.

–São crisântemos! Mais pra frente, vamos encontrar mais deles... Aliás, você sabia que essa flor é o emblema da casa imperial japonesa?

–Não sabia... São lindas!

– Na China e no Vietnã são sinônimos de longevidade, além de beleza e perfeição. Olhe só! – Kurama aproximou-se do cercado das flores e, amoldando uma em sua mão, explicava para Botan. – Veja a diferença entre eles: este crisântemo amarelo é largo e possui textura mais lisa, já este vermelho possui grânulos em suas pétalas. As diferenças vêm da forma de cultivo– ele examinava as pétalas enquanto falava – as cores podem ser bem variadas: desde branco ate é o roxo e lilás.

A guia deteve-se um momento a olhar para o rapaz ruivo ao seu lado, admirando cada parte dele, cada palavra que havia dito. Sempre era bom lembrar o quanto ele era inteligente e falava bem. Aquilo a deixava mais encantada (se é que era possível).

–Veja se gosta do perfume! – ele sugeriu fazendo menção para que ela se aproximasse da flor vermelha e robusta. A garota aproximou o nariz arrebitado dando uma inspirada profunda e logo em seguida ergueu-se com uma feição inexpressiva.

–E então?

–Olha... para mim, toda flor tem cheiro de mato! – respondeu com receio de ter dito alguma bobagem, mesmo sendo o que ela realmente achasse sobre as plantas.

–Sério? Com certeza, seu olfato não é tão apurado assim... – ele respondeu com um riso gostoso, levemente provocativo.

–Você não conta! É um especialista em plantas! Capaz até de falar para mim que tem diferença entre esta e aquela grama!

–E com certeza tem...Todas as plantas são distintas, tanto na aparência quanto no odor que exalam, basta olhar com atenção.

–Cheirar com atenção, você quer dizer, né? – eles riram, como cúmplices de um crime, e voltaram a caminhar. Andavam juntos e constantemente esbarravam-se “sem querer”. Todas as conversas tinham alguma piadinha ou provocação, o que deixava Botan bem mais à vontade. Nunca podia imaginar que Kurama fosse tão divertido! Porém isso não diminuía a tensão que percorria seu corpo todas as vezes que ele se aproximava e falava bem perto dela.

–Venha comigo – segurou na mão da guia e a levou a uma espécie de estufa natural, feita com árvores e coberta por flores brancas. A beleza daquele lugar deixou a garota sem palavras e o que dizer sobre o cheiro adocicado que pairava?

–Essas aqui não têm cheiro de mato! São deliciosas! – ela agachou-se perto das flores estreitas em forma de taça para sentir o perfume mais de perto. O engraçado era que ela parecia sentir o gosto doce do cheiro em sua língua – Ué... Que estranho!

Kurama olhava para ela com ar divertido já imaginando o que estava acontecendo

–E então, é muito açucarado? –perguntou sorrindo enquanto abaixava na altura dela.

–É sim, como é possível? Eu só cheirei a planta e agora minha boca inteira tem gosto de mel! - ela estava espantada com a descoberta e um pouco sem reação diante da novidade. Ria sozinha.

–Experimente isso – o jovem ruivo aproximou do nariz dela um galho marrom claro com pequenas bolinhas cor de ocre. Botan fechou os olhos com expectativa e inspirou o perfume e no mesmo instante arregalou os olhos, tossindo forte.

–Credooo! Minha boca tá amarga! O que é isso? – ela contorcia o rosto e fazia caretas pelo gosto ruim que sentia – Ei! Não tem graça nenhuma!

–Desculpa, mas tem, sim! – o jovem ruivo abaixou a cabeça para continuar a rir, enquanto Botan ainda tossia, na tentativa inútil de se livrar daquele paladar nada agradável.

–Quero ver se vai achar engraçado agora! – ela tomou a flor em forma de bolinha das mãos dele e as colocou próximas ao nariz dele para que experimentasse o mesmo que ela, entretanto para sua decepção, Kurama parecia não se importar com o amargo.

–Não funciona assim, Botan... primeiro você tem que cheirar a nimaka... – ele sorriu lindamente colocando novamente a flor branca em forma de taça no nariz da guia e ela sentiu-se imediatamente aliviada pelo retorno do gosto de mel apoderar-se da sua boca

–Incrível... Por quê? – ela balbuciou fracamente. Seu olhar fixado nos olhos verdes de Kurama, que a olhavam de uma maneira que ela não podia explicar, porém, que a deixavam muito corada.

Delicadamente, deslizou a flor sobre os lábios da guia, descobrindo-os e repousando sua atenção neles por alguns segundos antes de dizer baixinho:

–As moléculas odoríferas dessas plantas interagem com os receptores nasais e com outros que ficam na oro faringe, então, o cérebro interpreta que se trata da mesma substância química e aciona tanto o olfato como o paladar, produzindo o gosto adocicado – Kurama notara o quanto o rosto da garota estava rubro e os lábios dela levemente inchados, reação natural a composição da pétala da flor.

A pulsação da guia estava batendo recordes de velocidade. Sua boca estava incrivelmente seca, tamanho era seu nervosismo. Nunca tinham estado tão próximos assim e aquela voz, tão suave e aveludada, falando-lhe sobre coisas que ela não entendia nem um pouco, só conseguiam deixá-la pior.

–Não entendi nada do que disse, mas o gosto é muito bom... – a frase saiu de repente, num anseio fracassado de manter o controle, mas a única coisa que a ela conseguiu fazer foi apoiar as mãos no chão e ajoelhar, pois seu corpo tremia muito, dando-lhe cansaço.

Kurama levantou o queixo dela e deu um meio sorriso enquanto se aproximava devagar. Botan ofegava de olhos fechados, deixando sua mente antecipar o que viria a seguir. A mão de Kurama amoldou-se em seu rosto e ela gemeu baixinho, sem poder se conter.

Já podia sentir a respiração quente próxima aos seus lábios, fazendo-a entrar em transe...

–Ahhh... Kurama... – como ela havia esperado por esse momento...

–MAS, AFINAL DE CONTAS, O QUE ESTÁ ACONTECENDO AQUI, SEUS PERVERTIDOS? – a voz potente invadiu-lhes os ouvidos, fazendo os dois virarem-se na direção da entrada da estufa.

–Ai, não...

Continua...



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Notas finais do capítulo

Oi gente! Depois de anos, o capítulo 12! Espero que gostem! Não farei promessas pq não tenho conseguido cumprí-las, mas, a fic não será abandonada! Muito obrigada a todos que ainda acompanham! Bjo da Kira ^^



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